Eny Ange Soledade Bittencourt De Araujo x Luiz Guilherme Eliano Pinto e outros

Número do Processo: 3000610-72.2022.8.06.0075

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJCE
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 1º Gabinete da 2ª Turma Recursal
Última atualização encontrada em 01 de julho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 01/07/2025 - Intimação
    Órgão: 1º Gabinete da 2ª Turma Recursal | Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
    E M E N T A   RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LEI 9.099/95. OFENSA AOS ELEMENTOS NORTEADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. "ERROR IN PROCEDENDO". MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.    A C Ó R D Ã O   Acordam os membros da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, conhecer do recurso, mas julgá-lo prejudicado, decretando, de ofício, a nulidade da sentença, nos termos do voto do relator. Acórdão assinado somente pelo Juiz Relator, a teor do Regimento Interno das Turmas Recursais. Fortaleza/CE, data da assinatura eletrônica.   EVALDO LOPES VIEIRA Juiz Relator             R E L A T Ó R I O   Trata-se de ação ajuizada por JOSÉ FRANCISCO MENDES XAVIER, em face de BANCO ITAÚ CONSIGNADO S.A, onde aduz que teve em seu desfavor um empréstimo consignado n° 616633662, no valor de R$ 575,45 (quinhentos e setenta e cinco reais e quarenta e cinco centavos), que alega não ter contratado. Assim, requereu a declaração de nulidade do negócio jurídico, repetição em dobro do indébito e indenização por danos morais. O MM. Juízo a "quo", deixou de designar a audiência de conciliação, conforme id 18551705, por entender pela inefetividade da providência em ações que envolvem o mesmo assunto, assim, visando otimizar as pautas de audiências e consequentemente da prestação jurisdicional, com fulcro nos princípios da eficiência (art. 8° do CPC) e da razoável duração do processo (arts. 4°, 6° e 139, II, do CPC), dispensou a realização do ato. Em sentença de mérito, o juízo "a quo" julgou PARCIALMENTE PROCEDENTES os pleitos autorais, declarando nulo o contrato de empréstimo nº 616633662, determinando a devolução simples dos valores descontados, condenando a promovida em R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de danos morais, reconhecendo o direito da Instituição Financeira compensar o valor de R$ 572,45 (quinhentos e setenta e dois reais e quarenta e cinco centavos). Inconformada, a promovida interpôs o presente Recurso Inominado, pugnando pela reforma do julgado e reconhecimento da improcedência da ação, sustentando a legalidade da contratação, subsidiariamente requer o afastamento da condenação imposta a título de danos morais ou redução "quantum" arbitrado. Contrarrazões apresentadas pela manutenção do julgado, ascenderam os autos a esta Turma Recursal. Eis o breve relatório. Decido. V O T O   Conheço do recurso, estando, pois, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade. Por oportuno, urge a apreciação, ex officio, de matéria de ordem pública, relacionada à nulidade da decisão "a quo"  em razão da ocorrência de "error in procedendo". Compulsando os autos, observa-se que do trâmite de 1º grau fora suprimida a audiência de conciliação, sendo proferida a r. sentença id 18551728, sem que a referida fosse realizada, em atenção a r. decisão de id 18551705: "Deixo, por ora, de designar a audiência de conciliação, tendo em vista a singularidade da demanda, a inefetividade da providência em ações que envolvem o mesmo assunto, a otimização das pautas de audiências, considerando, ainda, os princípios da eficiência (art. 8° do CPC) e da razoável duração do processo (arts. 4°, 6° e 139, II do CPC). Ressalto que, havendo interesse das partes, será designada posteriormente audiência de conciliação."   Contudo, de acordo com o entendimento sedimentado nesta Turma Recursal, a realização da audiência de conciliação é "conditio sine qua non" para o desenvolvimento válido e regular do processo, a qual sequer foi realizada, mesmo tão reiterada na Lei 9.099/95. Conforme depreende-se dos fólios processuais, resplandece que houve notória ofensa aos princípios insculpidos na Lei dos Juizados Especiais, uma vez que não foi dado as partes a oportunidade de conciliar dentro do sistema dos Juizados, que se regem pelos critérios, dentre outros, da informalidade e simplicidade, buscando sempre que possível a conciliação ou transação, não se apresentando como dispensável pela manifestação das partes ou por disposição judicial. Tendo por base a própria formação histórica dos Juizados Especiais, que se concebeu a partir da influência dos Conselhos de Conciliação e Arbitragem no Rio Grande do Sul e das Juntas Informais de Conciliação em São Paulo, é patente que os Juizados Especiais têm por escopo máximo a pacificação de conflitos sociais por meio da autocomposição, pois esta tem se revelado uma forma mais célere e eficaz de pôr termo as querelas, em comparação com outros procedimentos mais formais (Manual dos juizados especiais cíveis estaduais: teoria e prática / Felippe Borring Rocha. 8. ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 27). Nesse sentido, a legislação pátria entendeu por bem primar pela conciliação como forma de solução de litígios, irradiando, inclusive, sobre outros procedimentos (artigos 3º, § 2º e 3º, 139, V, 334, todos do CPC e Resolução 125 do CNJ). A própria Lei 9.099/95 definiu:   "Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias." "Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação."   Pois bem, conforme expendido, torna-se a audiência de conciliação como ato essencial ao microssistema dos Juizados Especiais, sendo sua realização imprescindível no procedimento delineado pela Lei 9.099/95, não podendo o órgão judicante dispor de tal ato, o qual vem preestabelecido em Lei. Sendo assim, ao suprimir a audiência de conciliação, além de ofender os mandamentos normativos já tratados acima, também foi violado a própria estrutura procedimental do rito sumaríssimo, ofendendo, portanto, o princípio constitucional do devido processo legal. Com efeito, a inexistência de audiência de conciliação nos Juizados Especiais traduz a existência vício procedimental (error in procedendo), que desemboca em anulação do julgado. Observemos alguns julgados que corroboram com esse entendimento:   "RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DA PARTE NOS CADASTROS DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO CANCELADA. AUSÊNCIA DE REDESIGNAÇÃO. SUPRESSÃO INDEVIDA DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. DECISÃO PREMATURA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO JUIZADO ESPECIAL. SENTENÇA ANULADA Recurso prejudicado. EX OFFICIO. (1ª Turma Recursal PR Proc. 0001462-62.2017.8.16.0167 Rel. Melissa de Azevedo Olivas Dj. 08/06/2018)" "RECURSO INOMINADO. SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. DESIGNAÇÃO DIRETA DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 9º, § 2º E 16 DA LEI Nº 9.099/95. PEDIDO DE BALCÃO. NÃO OPORTUNIZADA A JUNTADA DE DOCUMENTOS E APRESENTAÇÃO DE TESTEMUNHAS PELA PARTE AUTORA. PREJUÍZO CARACTERIZADO. INOBSERVÂNCIA DE REGRA LEGAL QUE ACARRETA NULIDADE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO COM NOVA DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005711387, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Regis de Oliveira Montenegro Barbosa, Julgado em 24/09/2015)" "RECURSO INOMINADO. PROCESSUAL. INSTALAÇÃO DE REDE DE ÁGUA POTÁVEL. PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO. SUPRESSÃO, SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO, TANTO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO QUANTO DE INSTRUÇÃO, EM DEMANDA QUE ENVOLVE MATÉRIA DE FATO. NULIDADE CARACTERIZADA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. PRECEDENTES DO COLEGIADO. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Cível Nº 71004668034, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Bernd, Julgado em 18/12/2013)" (destacou-se).   Nesse diapasão, o reconhecimento, de ofício, do error in procedendo é produto do efeito devolutivo translativo (ou em profundidade) dos recursos, portanto, embora não seja esse o pleito recursal, como a matéria foi trazida ao crivo desse colegiado, a prestação jurisdicional não se limitará a análise apenas dos pedidos recursais, mas também contemplará as questões cognoscíveis de ofício. Nesse sentido preleciona Fredie Didier Jr.:   "A profundidade do efeito devolutivo determina as questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem para decidir o objeto litigioso do recurso. Trata-se da dimensão vertical do efeito devolutivo. A profundidade identifica-se com o material que há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. Para decidir, o juízo a quo deveria resolver questões atinentes ao pedido e à defesa. A decisão poderá apreciar todas elas, ou se omitir quanto a algumas delas. Em que medida competirá ao tribunal a respectiva apreciação? (…) A profundidade do efeito devolutivo abrange: a) questões examináveis de ofício (art. 485, §3°, CPC); b) questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas121 abrangendo as questões acessórias (ex. juros legais), incidentais (ex. litigância de má-fé), questões de mérito e outros fundamentos do pedido e da defesa.122(Grifei). (DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais.13. ed. Salvador: Ed.Jus Podivm, 2016. p. 143-144.)"   Nesses mesmos termos, já firmou entendimento esta Turma Recursal, com destaque ao julgado no RI n. 0050345-97.2021.8.06.0128, de relatoria do eminente par, Flávio Luiz Peixoto Marques, do qual se extrai a presente fundamentação, consoante se observa nas ementas dos julgados a seguir colacionados:   "RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LEI 9.099/95. OFENSA AOS ELEMENTOS NORTEADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ERROR IN PROCEDENDO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. NULIDADE DECRETADA E SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. [...] (Recurso Inominado Cível - 0050003-12.2020.8.06.0067, Rel. Flávio Luiz Peixoto Marques, 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS, data do julgamento: 23/03/2022, data da publicação: 23/03/2022)" "RECURSO INOMINADO CÍVEL. SUPRESSÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ERROR IN PROCEDENDO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. NULIDADE DECRETADA DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Recurso Inominado Cível - 0003376-81.2019.8.06.0067, Rel. ANA PAULA FEITOSA OLIVEIRA, 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS, data do julgamento: 25/01/2022, data da publicação: 28/01/2022)" (destacou-se).   Por estes motivos, conheço do RECURSO interposto pelo Banco promovido, mas julgo PREJUDICADO, para, de ofício, reconhecer o error in procedendo, decretando a nulidade da sentença, devendo os autos em apreço serem devolvidos à instância inicial, a fim de que seja designada a audiência de conciliação de forma regular. Sem condenação em honorários. É como voto.   Fortaleza/CE, data da assinatura eletrônica.   EVALDO LOPES VIEIRA Juiz Relator