Maria Clemente Da Silva x Banco Agibank S.A
Número do Processo:
3002070-67.2024.8.06.0029
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
4º Gabinete da 2ª Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 4º Gabinete da 2ª Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADORA JANE RUTH MAIA DE QUEIROGA Processo: 3002070-67.2024.8.06.0029 - Apelação Cível Apelante: Maria Clemente da Silva Apelado: Banco Agibank S/A Ementa: Processual civil. Apelação cível. Descontos em benefício previdenciário. Extinção do feito com base no art. 485, I, do CPC. Indeferimento da petição inicial. Ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação. Não ocorrência. Ofensa ao princípio do acesso à justiça e do devido processo legal. Princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Apelação que, em parte, não dialoga com a sentença. Violação ao princípio da dialeticidade. Apelação parcialmente conhecida e, na extensão, provida. Sentença anulada. I. Caso em exame 1. Ação Declaratória Negativa de Débito ajuizada em desfavor do Banco Agibank S/A, na qual a parte autora alegou a existência de descontos indevidos em seu benefício previdenciário, resultantes de contrato de empréstimo consignado celebrado à sua revelia. 2. Por meio do despacho de id 22913235, com fundamento na Recomendação n. 01/2019/NUPOMEDE/CGJCE, o juiz de origem determinou a intimação da parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, emendar a inicial, comparecendo em Secretaria para apresentar seus documentos originais de identidade e comprovante de residência recente em seu nome, bem como ratificar os termos da procuração e o pedido de declaração de nulidade do contrato objeto da presente ação, sob pena de indeferimento da exordial. 3. Diante da inércia da parte em apresentar os documentos solicitados, sobreveio a sentença extintiva, com fulcro no artigo 485, inciso I, todos do CPC, decisão contra a qual a parte autora se insurgiu. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão cinge-se à análise do acerto da sentença de extinção sem resolução do mérito, com base no art. 485, I, do CPC. III. Razões de decidir 5. O recurso em análise não atendeu integralmente ao princípio da dialeticidade, porquanto o apelante baseia suas razões em fundamentos que não dialogam com o fundamento da sentença, pois o Magistrado de origem não determinou a emenda à inicial para a juntada dos extratos bancários, nem para a quantificação do dano material pretendido. Em razão disto, conheço apenas parcialmente do apelo em análise. 6. Da leitura da exordial de ID 22913229, extrai-se que a parte promovente cumpriu os requisitos estabelecidos no art. 319 do CPC, tendo requerido os benefícios da justiça gratuita, procedido às qualificações de estilo (art. 319, I e II, CPC/15), narrado os fatos (a existência de descontos indevidos em seu benefício previdenciário), bem como formulado os pedidos, dentre os quais se encontra a inversão do ônus da prova. A parte autora, em atenção ao art. 320 do CPC, juntou aos autos os documentos indispensáveis à propositura da demanda, quais sejam: procuração ad judicia e declaração de hipossuficiência recente e assinada a rogo e por duas testemunhas, com a digital da promovente (id 22913231); documento de identidade válido e em cópia colorida (id 22913232); comprovante de residência recente e em seu nome (id 22913233), e o extrato de descontos consignados no seu benefício previdenciário (id 22913234), demonstrando, a priori, as deduções ora discutidas. 7. Verifica-se, portanto, que a recorrente cumpriu as formalidades legais exigidas pelos arts. 319 e 320 do CPC, bem como instruiu a inicial com o mínimo de prova dos fatos constitutivos de seu direito, não sendo possível, assim, o indeferimento da exordial. 8. As recomendações tanto da Corregedoria local (NUPOMEDE) como a de nº 159/2024 do CNJ, dentre outros objetivos, visam coibir a judicialização predatória e são importantes para não inviabilizar a prestação jurisdicional com qualidade, mas cabe ao julgador, analisando os fatos e documentos do caso concreto, verificar a pertinência de sua aplicação. Destaque-se que, em conformidade com o art. 662, parágrafo único, do Código Civil, autoriza-se a ratificação do mandato a posteriori, cujos efeitos serão retroativos à data da outorga do ato. Tal faculdade pode ser utilizada pelo julgador em audiência, caso persista alguma dúvida acerca da higidez do instrumento procuratório apresentado nos autos. IV. Dispositivo 9. Recurso parcialmente conhecido e, na extensão, provido. Sentença anulada. ACÓRDÃO Visto(s), relatado(s) e discutido(s) o(s) Recurso(s) acima indicado(s), acorda a Segunda Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, em conhecer parcialmente do recurso e, na extensão, PROVER a insurgência, em conformidade com o voto da relatora. Fortaleza, data e hora da assinatura digital. EVERARDO LUCENA SEGUNDO Desembargador Presidente do Órgão Julgador JANE RUTH MAIA DE QUEIROGA Desembargadora Relatora RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta por Maria Clemente da Silva contra a sentença proferida nos autos da Ação Declaratória Negativa de Débito ajuizada em desfavor do Banco Agibank S/A. Colhe-se dispositivo do julgado: […] Nos exatos termos da legislação colacionada, para que possa o Juiz declarar a extinção do processo e seu arquivamento, por indeferimento da inicial, é necessário que o requerente tenha sido devidamente citado para emendá-la e, não o faça, no prazo legal. In casu, houve a intimação da parte autora, contudo, o(a) requerente não atendeu a determinação judicial. Tal desídia caracteriza o disposto no inciso I do art. 485 do CPC, já transcrito. Isto é, o autor deu causa ao indeferimento da petição inicial. Não restando outra alternativa a esse Magistrado, senão extinguir o feito. Pelo exposto, EXTINGO O PRESENTE FEITO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, o que faço com amparo no art. 485, "I", do Código de Processo Civil. Sem custas ante a gratuidade judiciaria que defiro nos autos. Apelação Cível da parte autora, arguindo, em resumo, que o Magistrado de origem solicitou, desnecessariamente, a realização de emenda à inicial, mediante a apresentação: 1) dos extratos bancários referentes aos três meses anteriores e aos três meses posteriores à data da celebração do contrato impugnado, sob o argumento de que estes são documentos fundamentais à propositura da ação; 2) da quantificação do dano material pretendido, considerando a ausência das hipóteses que autorizam o pedido genérico, nos termos do art. 324, §1º, do CPC; 3) dos documentos originais de identidade e comprovante de residência, bem como da ratificação dos termos da procuração e dos pedidos da inicial. Requer, assim, o provimento do recurso, determinando-se o retorno dos autos à tramitação normal, sendo oportunizada a realização dos demais atos processuais, com o consequente acolhimento dos pedidos da exordial. Devidamente intimado, o apelado não colacionou contrarrazões. É o relatório. VOTO Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), conheço do recurso e passo a analisar o seu mérito. Trata-se de Ação Declaratória Negativa de Débito ajuizada em desfavor do Banco Agibank S/A, na qual a parte autora alegou a existência de descontos indevidos em seu benefício previdenciário, resultantes de contrato de empréstimo consignado celebrado à sua revelia. Por meio do despacho de id 22913235, com fundamento na Recomendação n. 01/2019/NUPOMEDE/CGJCE, o juiz de origem determinou a intimação da parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, emendar a inicial, comparecendo em Secretaria para apresentar seus documentos originais de identidade e comprovante de residência recente em seu nome, bem como ratificar os termos da procuração e o pedido de declaração de nulidade do contrato objeto da presente ação, sob pena de indeferimento da exordial. Diante da inércia da parte em apresentar os documentos solicitados, sobreveio a sentença extintiva, com fulcro no artigo 485, inciso I, todos do CPC, decisão contra a qual a parte autora se insurgiu. Nas suas razões recursais, a parte autora/apelante, como visto, defende que o Magistrado de origem solicitou, desnecessariamente, a realização de emenda à inicial, mediante a apresentação: 1) dos extratos bancários referentes aos três meses anteriores e aos três meses posteriores à data da celebração do contrato impugnado, sob o argumento de que estes são documentos fundamentais à propositura da ação; 2) da quantificação do dano material pretendido, considerando a ausência das hipóteses que autorizam o pedido genérico, nos termos do art. 324, §1º, do CPC; 3) dos documentos originais de identidade e comprovante de residência, bem como da ratificação dos termos da procuração e dos pedidos da inicial. Contudo, depreende-se facilmente que a apelação em análise não dialoga com a sentença impugnada, quanto aos itens 1 e 2 acima referidos. De acordo com o Princípio da Dialeticidade, cabe à parte recorrente, ao pleitear a reforma da sentença, apresentar expressamente a impugnação especificada dos fundamentos de fato e de direito via dos quais infirma o provimento judicial, sob pena de não conhecimento da insurgência, na forma do art. 932, inciso III, do CPC, e do art. 1.010, inciso III, do CPC. Nesta linha de raciocínio, quanto aos itens 1 e 2, o recurso em análise não atendeu ao mencionado princípio, porquanto o apelante baseia suas razões em fundamentos que não dialogam com o fundamento da sentença, pois o Magistrado de origem não determinou a emenda à inicial para a juntada dos extratos bancários, nem para a quantificação do dano material pretendido. Ademais, em consonância com o Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça, tem-se que: Art. 76. São atribuições do Relator: [...] XIV - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; […] [destaquei] Em razão disto, conheço apenas parcialmente do apelo em análise. Como visto, o d. Julgador de origem concedeu o prazo de 15 (quinze) dias para o autor/apelante, sob pena de indeferimento da inicial, apresentar em secretaria "seus documentos originais de identidade e comprovante de residência recente em seu nome, bem como ratificar os termos da procuração e o pedido de declaração de nulidade do contrato objeto da presente ação" (sic). É certo que, nos termos do art. 320, do CPC, a petição inicial deve vir acompanhada dos documentos indispensáveis à propositura do feito. Ao comentar tal dispositivo, Fredie Didier Júnior assim leciona: Consideram-se indispensáveis tanto os documentos que a lei expressamente exige para que a demanda seja proposta (título executivo, na execução; prova escrita, na ação monitória etc.; procuração, em qualquer caso) cerca dos requisitos da petição inicial inicial, - documentos substanciais, na classificação de Amaral Santos -, como também aqueles que se tornam indispensáveis porque o autor a eles se referiu na petição inicial, como fundamento do seu pedido ou pretensão - documentos fundamentais, na classificação de Amaral Santos. (Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 556) Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que "os documentos indispensáveis à propositura da ação, e que devem ser instruídos com a inicial, são aqueles que comprovam a ocorrência da causa de pedir (documentos fundamentais) e, em casos específicos, os que a própria lei exige como da substância do ato que está sendo levado à apreciação (documentos substanciais)." (AgRg no AgRg no REsp 1513217/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 05/11/2015). Da leitura da exordial de ID 22913229, extrai-se que a parte promovente cumpriu os requisitos estabelecidos no art. 319 do CPC, tendo requerido os benefícios da justiça gratuita, procedido às qualificações de estilo (art. 319, I e II, CPC/15), narrado os fatos (a existência de descontos indevidos em seu benefício previdenciário), bem como formulado os pedidos, dentre os quais se encontra a inversão do ônus da prova. A parte autora, em atenção ao art. 320 do CPC, juntou aos autos os documentos indispensáveis à propositura da demanda, quais sejam: procuração ad judicia e declaração de hipossuficiência recente e assinada a rogo e por duas testemunhas, com a digital da promovente (id 22913231); documento de identidade válido e em cópia colorida (id 22913232); comprovante de residência recente e em seu nome (id 22913233), e o extrato de descontos consignados no seu benefício previdenciário (id 22913234), demonstrando, a priori, as deduções ora discutidas. Verifica-se, portanto, que a recorrente cumpriu as formalidades legais exigidas pelos arts. 319 e 320 do CPC, bem como instruiu a inicial com o mínimo de prova dos fatos constitutivos de seu direito, não sendo possível, assim, o indeferimento da exordial. As recomendações tanto da Corregedoria local (NUPOMEDE) como a de nº 159/2024 do CNJ, dentre outros objetivos, visam coibir a judicialização predatória e são importantes para não inviabilizar a prestação jurisdicional com qualidade, mas cabe ao julgador, analisando os fatos e documentos do caso concreto, verificar a pertinência de sua aplicação. Destaque-se que, em conformidade com o art. 662, parágrafo único, do Código Civil, autoriza-se a ratificação do mandato a posteriori, cujos efeitos serão retroativos à data da outorga do ato. Tal faculdade pode ser utilizada pelo julgador em audiência, caso persista alguma dúvida acerca da higidez do instrumento procuratório apresentado nos autos. Sobre o tema, insta transcrever a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Ceará, à guisa de exemplo: Apelação cível. Empréstimo consignado. Sentença extintiva sem resolução de mérito. Petição inicial que atende aos requisitos dos arts. 319 e 320 do cpc. Desnecessidade de comparecimento do autor à sede do juízo para apresentação dos originais do documento de identidade e do comprovante de endereço e ratificar os poderes conferidos na procuração ao advogado (nº 01/2019/nupomede/cgjce). Possibilidade de ratificação em audiência. Excesso de formalismo. Princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Recurso conhecido e provido. I. Caso em exame: 1. Trata-se de Recurso de apelação interposto por Lucivanda Vicente de Oliveira, em face do Banco Santander (Brasil) S/A, contra Sentença que entendeu por indeferir a inicial. II. Questão em discussão: 2. Cinge-se a controvérsia na análise da ação ordinária em que a petição inicial foi indeferida e a demanda extinta sem resolução de mérito, sob o fundamento de que os documentos exigidos no despacho de fl. 23 seria indispensável à propositura da ação, sendo esta exigência: o comparecimento em Secretaria para apresentar seus documentos originais de identidade e comprovante de residência recente em seu nome, bem como ratificar os termos da procuração e o pedido de declaração de nulidade do contrato objeto da presente ação. III. Razões de decidir: 3. A jurisprudência deste Sodalício, que vem se solidificando exatamente com a apreciação de casos semelhantes ao presente, de demandas discutindo empréstimos consignados realizados por aposentados em diversos municípios do Estado do Ceará, é no sentido de que os documentos exigíveis para a propositura da ação são, além dos documentos pessoais da parte demandante, aqueles necessários e suficientes à comprovação da causa de pedir, que, em tais casos, restringem-se à comprovação dos descontos consignados que afirma serem fraudulentos. 4. Nesse sentido, entendo que a documentação é suficiente para comprovar, em tese, a ocorrência da causa de pedir (documentos fundamentais) e permitir o exercício do contraditório e da ampla defesa, restando, demonstrados todos os documentos essenciais para a propositura da presente demanda. 5. Importa salientar que a exigência que deu causa ao indeferimento da peça vestibular não retrata situação de imprescindibilidade para fins de recebimento da demanda, por se tratar de meio de prova, sem desconsiderar a sua inversão em favor do consumidor. Apesar de constar de recomendação do NUPOMEDE, constitui-se excesso de formalismo que não guarda proporção com os princípios do acesso à justiça e da inafastabilidade da jurisdição constantes do art. 5º, XXXV, da CF/1988 e da primazia da solução de mérito. 6. Destaque-se que, em conformidade com o art. 622 do Código Civil, se autoriza a ratificação do mandato à posteriori, cujos efeitos serão retroativos à data da outorga do ato. Faculdade esta que pode ser utilizada pelo julgador em audiência, acaso persista alguma dúvida acerca da higidez do instrumento procuratório apresentado nos autos. 7. Conclui-se, portanto, que a petição inicial está devidamente instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, nos termos insculpidos nos arts. 319 e 320, ambos do CPC, de modo que a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juízo de origem, para regular processamento, é medida que se impõe. IV. Dispositivo: 8. Recurso CONHECIDO E PROVIDO, para anular a sentença hostilizada e nessa extensão, ordenar o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do recurso apelatório nº 0204437-34.2024.8.06.0029 para dar-lhe provimento, nos termos do voto do proferido pelo Excelentíssimo Desembargador Relator. Fortaleza, data indicada no sistema. DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO Relator (assinado digitalmente) (Apelação Cível - 0204437-34.2024.8.06.0029, Rel. Desembargador(a) EVERARDO LUCENA SEGUNDO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 02/04/2025, data da publicação: 02/04/2025) [destaquei] Por fim, é necessário ressaltar que, embora cassada a decisão, a causa não se encontra madura para julgamento, em virtude da necessidade de formação da relação processual e da realização de instrução probatória. Ante o exposto, conheço da Apelação em apreço e dou-lhe provimento para decretar a nulidade da sentença. É, respeitosamente, como voto. Fortaleza, hora e data da assinatura digital. JANE RUTH MAIA DE QUEIROGA Desembargadora Relatora