Pedro Liberato Lima e outros x Banco Bmg Sa
Número do Processo:
3003128-98.2025.8.06.0117
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
3º Gabinete da 4ª Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em
18 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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10/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Maracanaú | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE MARACANAÚ 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARACANAÚ Avenida Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 790, WhatsApp (85) 98145-8227, Piratininga - CEP 61905-167, Fone:(85) 3108-1678 - E-mail:maracanau.2civel@tjce.jus.br, Balcão Virtual: https://www.tjce.jus.br/balcao-virtual/ Processo: 3003128-98.2025.8.06.0117 Promovente: PEDRO LIBERATO LIMA Promovido: BANCO BMG SA SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE REVISÃO/ANULAÇÃO DE CONTRATO DE CARTÃO CONSIGNADO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por PEDRO LIBERATO LIMA em desfavor de BANCO BMG S/A. Na inicial, a parte promovente afirma que firmou com a parte promovida contrato de empréstimo, sendo que, posteriormente, constatou que o valor das prestações estava elevado e que o contrato não findava. Defende que os juros reais aplicados pelo promovido são abusivos e afirma que não há prazo total do financiamento. Por tais razões, ajuizou a presente ação, pugnando pela rescisão do contrato e pela condenação da parte promovida ao pagamento de indenização pelos prejuízos que alega ter suportado. Citada, a parte promovida apresentou contestação, suscitando a preliminar de inépcia da inicial, impugnando o valor atribuído à causa e o pedido de justiça gratuita. No mérito, alega a existência de prescrição e decadência e defende que a parte promovente tinha ciência do produto contratado, pelo que entende que é impossível a anulação do contrato. Pontua que o cartão foi recebido e utilizado pelo autor, mediante a contratação de saque e defende a legalidade dos encargos cobrados. Alegando inexistirem danos materiais e morais indenizáveis, requer a improcedência dos pedidos da inicial. Audiência de conciliação realizada, porém sem acordo. Réplica apresentada no ID nº 159690108. Os autos vieram conclusos. É o relatório. II - FUNDAMENTAÇÃO O presente feito deve ser julgado antecipadamente, na forma da regra contida no art. 355, I, do CPC/2015, que assim estabelece: "Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas;" In casu, a matéria prescinde de maiores dilações probatórias, especialmente ante a documentação carreada aos autos e a desnecessidade de produção de outras provas. Com efeito, a prova documental carreada aos autos é suficiente ao deslinde da controvérsia, motivo pelo qual indefiro o pedido de realização de audiência, já que se revela despicienda a realização de audiência de instrução para o presente feito. DA IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA A impugnação em apreço não merece prosperar, eis que a parte autora cumpriu os requisitos necessários à concessão da benesse legal (art. 98 e art. 99, §3º, CPC/2015). O simples fato de a parte estar assistida por advogado particular não constitui obstáculo para a obtenção da gratuidade. DA INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO E DE DECADÊNCIA. Segundo a parte promovida, teria ocorrido a prescrição da pretensão vindicada pela parte autora. Todavia, o argumento defendido não merece acolhimento. No caso dos autos, entendo que o prazo prescricional a ser considerado é aquele previsto no art. 27 do CDC, qual seja, 5 (cinco) anos. A hipótese em análise representa uma relação jurídica de consumo e está sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Diante disso, aplica-se a regra contida no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor e não há que se falar em prescrição da pretensão, tanto em relação aos danos morais alegados, quanto em relação a pretensão de repetição do indébito, porquanto se trata de contrato de trato sucessivo, em que a obrigação de se prolonga no tempo. Dessa forma, consideram-se os descontos realizados nos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, devendo ser observada a prescrição parcial em relação aos descontos que foram implementados há mais de cinco anos contados da data do ajuizamento da ação. Também não há se falar em decadência no presente caso, eis que a pretensão da parte autora também é indenizatória, não se aplicando o prazo decadencial, mas o prescricional. Vejamos o seguinte julgado: Ementa: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. Hipótese em que autor não pretende o conserto dos vícios construtivos, mas, tão-somente, a indenização a título de danos morais e materiais. Ou seja, não se trata de pedido de obrigação de fazer, consistente na condenação dos réus ao conserto dos alegados vícios construtivos. Desse modo, inaplicável o prazo decadencial de noventa dias previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, conforme entendimento jurisprudencial, tendo a pretensão caráter indenizatório e não redibitório o prazo cabível é o quinquenal, nos termos do art. 27 do mesmo diploma. Inocorrência da prescrição no caso. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ARQUITETA. MANUTENÇÃO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE NA HIPÓTESE. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA FIRMADA POR ENGENHEIRO. Na espécie, o Memorial Descritivo Arquitetônico foi firmado pelo autor e pelo engenheiro Robson Ribeiro Muller, da mesma forma que a Planilha de Controle e Registro de Edificações. Além disso, do que se vê da prova pericial, a Anotação de Responsabilidade Técnica (ATR) foi igualmente emitida em nome do engenheiro, e não por Fabiane Luiza Fabris que, à época, sequer obtinha o título de formação acadêmica em Arquitetura e Urbanismo, ou seja, nem poderia firmar o referido termo. Manutenção da sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva da requerida. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70081385429, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em: 13-01-2021) Superado o exame das preliminares e prejudiciais, passo à análise do mérito propriamente dito. MÉRITO Inicialmente, destaco a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação travada entre a parte autora e a parte ré, consoante o que prescrevem os arts. 2º e 3º do CDC. Cinge-se a controvérsia em verificar a regularidade da contratação firmada entre as partes relacionada a cartão de reserva de margem consignável de cartão de crédito (RMC) junto ao banco requerido. Em virtude da aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, mostra-se cabível a inversão do ônus da prova, cabendo ressaltar que a responsabilidade da parte promovida por eventuais prejuízos causados aos seus clientes possui natureza objetiva, em que se dispensa a comprovação da culpa. Todavia, mesmo que seja dispensável a demonstração da culpa, se faz necessário o atendimento dos seguintes elementos para a configuração da responsabilidade da Instituição Financeira, quais sejam: ação ou omissão contrária ao ordenamento jurídico, dano e relação de causalidade entre a conduta e o prejuízo sofrido pela vítima. Ou seja, apenas diante da conjugação desses elementos é que o fornecedor ou prestador de serviços poderá ser responsabilizado pelos prejuízos eventualmente causados ao consumidor. In casu, a parte autora afirmou defende que no contrato apontado na inicial há uma série de irregularidades, dentre as quais a cobrança de encargos de forma abusiva e a inexistência de prazo para que o contrato finde. É dizer, não se discute se o autor firmou ou não o contrato; o que se discute é se, consideradas as peculiaridades do caso concreto, o contrato firmado é válido ou não. Compulsando a documentação acostada os fólios, observo que a parte autora não fez o uso do cartão ora impugnado para realização de compras (ID nº 158425813), ao tempo em que verifico que houve liberação de valores em favor da autora (ID nº 158425811). A análise das faturas apresentadas pela parte promovida permite que se conclua que a intenção do promovente ao firmar o contrato e realizar pedidos de saque era a de obter quantia, tanto é que não houve utilização do cartão para realização de compras, o que evidencia seu desiderato de somente contratar o empréstimo consignado convencional. Assim sendo, os escritos supracitados levam a crer que a parte autora não tinha a intenção de contratar o cartão de crédito com margem consignável, tendo sido de fato surpreendida com os descontos relativos ao pagamento mínimo da fatura mensal do cartão, cujo valor aumenta a cada mês em razão dos encargos correspondentes. Interessante reconhecer que os descontos sucessivos realizados pelo banco acionado, ocorrem sem prazo para término do pagamento, com a adoção do denominado crédito rotativo, que, sabidamente, possui os juros mais altos do mercado financeiro, colocando o consumidor em desvantagem excessiva. Sabe-se que a modalidade de contrato de cartão de crédito consignado, quando comparada ao contrato de empréstimo consignado convencional, é mais onerosa para o consumidor, na medida em que o desconto na conta é limitado ao pagamento mínimo da fatura, o que faz incidir juros e taxas sobre o saldo devedor remanescente que, somados ao valor da parcela do mês subsequente, elevam o valor da fatura a cada mês, gerando a famosa "bola de neve", cuja dívida perpetua ad eternum. Em contraste, o empréstimo consignado tem prestações fixas mês a mês, com juros mais baixos e data de validade. Nessa toada, resta evidente que a contratação imposta demonstra nítida onerosidade excessiva ao consumidor, fato este rechaçado pelo CDC, em seu art. 51, IV, in verbis: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; Sobre a existência de desvantagem exagerada a que o consumidor é submetido, importa trazer os seguintes julgados, que destacam que configuram situações de abusividade a inexistência de termo final do contrato (dívida eterna), somado ao consequente lucro exorbitante em detrimento do consumidor. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO Anulatória c/c Repetição do indébito e indenização por danos morais. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. Cuida-se de responsabilidade contratual objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, respondendo a instituição financeira independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes por defeitos/falhas decorrentes dos serviços prestados. Reserva de Margem Consignável. NULIDADE DO CONTRATO. 2. No caso em tela, restou comprovado nos autos que a apelante não pretendeu fazer empréstimo consignado, recebeu, na verdade, cartão de crédito consignado, com saque dos valores. Porém, com esse cartão, descontadas parcelas do pagamento mínimo em sua aposentadoria, os valores da dívida continuam crescendo, resultando em um débito impagável/eterno, salientando que os juros dos cartões são os mais altos do mercado. 3. Com efeito, o que comprova a nulidade do negócio é que o cartão de crédito consignado, fornecido pelo Apelado, jamais foi usado, de forma que evidente é a simulação e/ou erro na realização do contrato. Tal situação, é tida como abuso, pois inexiste uma limitação, configurando uma dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco/apelado e, principalmente, desvantagem ao consumidor, o que é vedado expressamente pelo CDC, nos termos do art. 52 e artigos 166, VI, e 167, II, do Código Civil. 4. Desse modo, reconhecida a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, deverão as partes retornar ao status quo ante, ex vi do art. 182 do CC, de modo que a restituição dos valores deverá ocorrer na forma dobrada. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 5. No caso em questão, não havendo notícia de que o recorrente tenha sofrido violação a sua honra objetiva ou que tenha atuado efetiva e infrutiferamente na esfera extrajudicial para resolver o litígio, a condenação em danos morais não merece prosperar. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-PI - Apelação Cível: 0800786-97.2020.8.18.0045, Relator: José James Gomes Pereira, Data de Julgamento: 10/06/2022, 2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. AUTOR QUE CONTRATOU EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, SENDO SURPREENDIDO COM A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Banco que efetua desconto referente a parcela do empréstimo consignado e ainda realiza cobranças através de faturas a título de encargos rotativos. Modalidade absurda de imputar uma dívida eterna para o consumidor, sem que lhe seja informado. Consumidor que, geralmente é pessoa carente e necessitada do empréstimo, que não tem ciência acerca do funcionamento, vantagens e desvantagens do serviço que lhe está sendo oferecido, restando, assim, flagrantes o vício de informação e a violação ao princípio da boa-fé objetiva. Afronta aos princípios da transparência e da boa-fé que é "lugar comum" a estas financeiras, pois têm mais lucro em responder na justiça do que levar a sério direitos básicos do consumidor, abarrotando, por conseguinte, o judiciário com demandas como esta. Abusividade. Indiscutível a falha na prestação do serviço, já que o réu não comprovou que prestou os esclarecimentos necessários quando da contratação. Correto também o reconhecimento de ocorrência de danos morais passíveis de reparação pecuniária, já que o caso em questão ultrapassou o mero aborrecimento, pois o cidadão se viu privado de direito patrimonial de forma violenta e injustificada. Quantificação da verba reparatória em R$ 2.000,00 que se mostrou até aquém do evento danoso, mormente em se considerando o caráter punitivo, mas que não se majora por ausência de recurso. Aplicação de honorários recursais. Sentença que se mantém. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00154215220158190211, Relator: Des(a). ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH, Data de Julgamento: 28/05/2019, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU. 1. No caso, a instituição financeira, ao realizar o contrato em questão, aliou aspectos de empréstimo consignado com outros de cartão de crédito, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, pois os encargos aplicados são muito superiores aos que o consumidor esperava legitimamente suportar. 2. Artigo 6º, CDC: direito básico do consumidor à clara informação sobre produtos e serviços. 3. Conduta da instituição financeira que fere o princípio da boa-fé objetiva, compelindo o consumidor a arcar com uma ¿dívida eterna¿. Prática abusiva. Art. 37, § 1º, e art. 39, I e IV, do CDC. 4. Dano moral caracterizado e fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Ausência de fundamento para redução, na forma da Súmula 343 desta Corte. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-RJ - APL: 00447730520178190205 202000143246, Relator: Des(a). FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS, Data de Julgamento: 11/11/2020, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/11/2020) No caso em vertente, a parte demandada se limitou a asseverar que a contratação foi válida, tendo sido o ajuste devidamente assinado, inclusive com valor disponibilizado na conta da autora, sendo que este último argumento, por si só, não tem condão de convalidar o negócio, até porque é providência comum no empréstimo convencional. Desse modo, percebe-se que o contrato é nulo, não só em razão de o desiderato inicial do autor ter sido relacionado à contratação de empréstimo consignado, mas também em razão de a dívida, aplicadas as previsões contratuais, não possuir fim, vinculando o autor de modo quase que indeterminado ao pagamento de valores, os quais de há muito já superaram o que lhe foi liberado. Assim, pelos fatos narrados e pelos documentos lançados, há indicativos de que a autora foi induzida a erro no momento da contratação que ora contesta, ao passo que se identifica a falha na prestação do serviço por parte da ré. A respeito desse tema, posiciona-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, in verbis: TJCE -APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA QUE FORA INDUZIDA A ERRO, POIS PRETENDIA FIRMAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CONVENCIONAL. PROMOVENTE ANALFABETA. BOA-FÉ. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO QUE DEMONSTRAM VERACIDADE DA ALEGAÇÃO AUTORAL. CRÉDITO DISPONIBILIZADO NA CONTA DA CORRENTISTA QUE NÃO TEM O CONDÃO, POR SI SÓ, DE CONVALIDAR O NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO QUE SE MOSTRA DESVANTAJOSO EM RELAÇÃO AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VÍCIO DE VONTADE CONFIGURADO. NULIDADE DO INSTRUMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. Cinge-se a controvérsia ao exame da manifestação de vontade da autora, a qual deduz que foi induzida a erro ao aderir a modalidade de contrato de cartão de crédito consignado, quando, na verdade, pretendia contratar empréstimo consignado em sua forma convencional. Na espécie, examinando atentamente a prova colhida, notadamente os documentos de fls. 102-187, observa-se que a autora não fez o uso do cartão para realização de compras, e à fl. 71, houve a liberação do crédito no montante de R$ 1.080,94 ( mil e oitenta reais e noventa e quatro centavos) em favor da autora e não teve movimentações realizadas com o referido cartão, dentro do período de outubro de 2015 a dezembro de 2022, conforme se extrai das faturas de fls. 102-187, anexadas pelo próprio banco, evidenciando a intenção da promovente de somente contratar empréstimo consignado. As peculiaridades do caso concreto levam à conclusão de que a demandante realmente tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado convencional ao receber o crédito, esperando, a partir de então, sofrer os descontos mensais correspondentes, e não o cartão de crédito consignado. Com efeito, a modalidade de contrato de cartão de crédito consignado, quando comparada ao contrato de empréstimo consignado convencional, é mais onerosa para o consumidor, na medida em que o desconto na conta, por ser limitado ao pagamento mínimo da fatura, faz incidir juros e taxas que, somadas ao valor da parcela do mês subsequente, elevam o valor da fatura a cada mês, gerando a famosa ¿bola de neve¿, cuja dívida perpetua ad eternum. Em contraste, o empréstimo consignado tem prestações fixas mês a mês, com juros mais baixos e data de validade. Ademais, não haveria, como de fato não houve, qualquer vantagem em contratar o cartão de crédito em lugar do empréstimo consignado que justificasse a autora ter, de forma consciente, optado por aquela modalidade, considerando os encargos próprios das administradoras de cartão de crédito. Em outras palavras, não é crível que a consumidora pudesse receber o mesmo crédito e optar pela via mais onerosa para pagá-lo, tendo agido de boa-fé. In casu, o agente financeiro não se desincumbiu do ônus de comprovar que teria esclarecido a natureza da operação de cartão de crédito consignado para a cliente, com seus respectivos encargos, ferindo o direito do consumidor quanto à informação clara e precisa sobre o produto (art. 6º, III, do CDC). Ressalte-se que o fato de ter sido feito depósito na conta da autora não tem o condão, só por si, de convalidar o negócio, mormente porque constitui providência similar à adotada no empréstimo consignado, portanto, a transferência/depósito não serve para evidenciar a adesão válida da autora ao cartão de crédito. Na verdade, a forma de execução do contrato foi um fator que levou a induzir a autora em erro, haja vista que em ambos há descontos no benefício previdenciário. Em relação à devolução do indébito, deve ser de forma simples dos valores descontados indevidamente, com correção monetária a partir da data do efetivo prejuízo, conforme Súmula 43/STJ, e os juros moratórios desde o evento danoso, conforme Súmula 54/STJ. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada. (Apelação Cível - 0201373-26.2022.8.06.0113, Rel. Desembargador(a) MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 12/07/2023, data da publicação: 12/07/2023).Grifo nosso. TJCE - APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA JULGADA IMPROCEDENTE. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUTOR INDUZIDO A ERRO, POIS PRETENDIA FIRMAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CONVENCIONAL. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO QUE DEMONSTRAM VERACIDADE DA ALEGAÇÃO AUTORAL. CARTÃO NÃO UTILIZADO PARA FAZER COMPRAS. CRÉDITO DISPONIBILIZADO NA CONTA DO AUTOR QUE NÃO TEM O CONDÃO, POR SI SÓ, DE CONVALIDAR O NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO QUE SE MOSTRA DESVANTAJOSO EM RELAÇÃO AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VÍCIO DE VONTADE CONFIGURADO. NULIDADE DO CONTRATO E DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES, E EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021. COMPENSAÇÃO DO VALOR TRANSFERIDO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Tratam-se os autos de Apelação Cível interposta contra sentença que julgou improcedente a de Ação Declaratória Anulatória de Débito c/c Indenização Por Danos Morais e Materiais. 2. No caso em tela, a controvérsia recursal consiste em saber se o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM), supostamente celebrado entre a instituição financeira e a parte autora, ora apelante, é válido ou não, em consonância com as provas produzidas na origem e se, desse contrato, existe dano passível de indenização. 3. Feitas essas considerações, cumpre, inicialmente, esclarecer que nas ações que versam sobre empréstimo consignado ou descontos provenientes de cartão de crédito consignado em benefício previdenciário, a prova da contratação e do proveito econômico do consumidor diante da operação bancária/transferência/depósito do valor contratado são elementos essenciais ao deslinde dos fatos e à procedência ou improcedência da demanda. 4. Nesse contexto, o contrato devidamente assinado e o comprovante do repasse do crédito decorrente do empréstimo na conta do consumidor, são documentos indispensáveis para à apreciação da demanda e, por consequência, para a demonstração da regular contratação. Logo, tendo o promovente/apelante juntado aos autos, comprovante dos descontos realizados em seu benefício previdenciário, caberia a instituição financeira apresentar provas concretas acerca da anuência da parte autora quanto a estes descontos, por meio de instrumento contratual devidamente assinado e o repasse do crédito decorrente do empréstimo na conta do consumidor. 5. De outro lado, da análise acurada dos fólios, percebe-se que não há evidência de movimentações realizadas com o cartão de crédito supostamente contratado. Isto porque, o demandante/apelante sequer efetuou compras com o cartão de crédito, conforme se extrai das faturas de fls. 80/136, anexadas pela própria instituição financeira, desde a data da inclusão do empréstimo impugnado em 2018 a 10/02/2023, fato que corrobora para a alegação da parte recorrente de não ter contratado um empréstimo consignado por via de Cartão de Crédito, visto que em nenhum momento fez uso dele. Neste passo, tal circunstância leva a crer que, no máximo, a demandante realmente tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado convencional ao receber o crédito, esperando, a partir de então, sofrer os descontos mensais correspondentes, e não descontos relativos ao pagamento mínimo da fatura mensal do cartão, cujo valor aumenta a cada mês em razão dos encargos correspondentes. 6. In casu, o agente financeiro não se desincumbiu do ônus de comprovar que teria esclarecido a natureza da operação cartão de crédito consignado, com seus respectivos encargos, ferindo o direito do consumidor quanto à informação clara e precisa sobre o produto (art. 6º, III, do CDC). 7. Ressalte-se que o fato de ter sido feito depósito na conta do autor não tem o condão, só por si, de convalidar o negócio, mormente porque constitui providência similar à adotada no empréstimo consignado, portanto, a transferência/depósito não serve para evidenciar a adesão válida da autora ao cartão de crédito. Na verdade, a forma de execução do contrato foi um fator que levou a induzir a autora em erro, haja vista que em ambos há descontos no benefício previdenciário. 8. Reconhecida a falha na prestação do serviço, consubstanciada na falta de informação prévia, clara e precisa que levou o consumidor a se submeter a contrato mais oneroso, resta configurado o ato ilícito, o dano moral e o dever de indenizar, posto que os fatos ultrapassaram o mero aborrecimento. 9. Levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, tenho que o valor a título indenizatório a ser arbitrado é de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia que guarda proporcionalidade com o ocorrido, além de se encontrar em consonância com os parâmetros médios utilizados pela jurisprudência deste E. Tribunal, em demandas análogas. 10. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada. (Apelação Cível - 0201370-71.2022.8.06.0113, Rel. Desembargador(a) CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 21/06/2023, data da publicação: 21/06/2023). Grifo nosso. Destarte, diante da constatação de que a contratação não se deu de forma regular, a declaração de nulidade do instrumento contratual é medida que se revela imperiosa. Com tais considerações, passo à análise dos pedidos da inicial. No que se refere ao pedido de condenação em danos morais, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente. Em situações como a dos autos, o dano moral é in re ipsa, ou seja, independe da comprovação do grande abalo psicológico sofrido pela vítima.[1] É inegável que a conduta da requerida é motivo suficiente para responsabilizá-la pelos danos sofridos pela promovente. Trata-se de dano moral puro, que prescinde de prova e resulta da simples conduta desidiosa e gravosa do agente ofensor, sendo presumidos os prejuízos alegados pela parte autora, que, saliente-se, teve parte de seu benefício previdenciário / conta corrente, verba de natureza alimentícia, descontada indevidamente durante vários meses. Atinente à fixação do quantum indenizatório, deve o Magistrado se orientar pelo princípio da razoabilidade. Não se deve fixar um valor a permitir enriquecimento ilícito, como também não se pode condenar em quantia que não represente uma sanção efetiva ao ofensor. Dessa forma, considerando todo o exposto, fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais) a indenização por danos morais, considerando, sobretudo, a demora no ajuizamento da ação. No que se refere ao pedido de condenação em danos materiais, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente. Em relação à devolução dos valores indevidamente cobrados, dispõe o parágrafo único do artigo 42 do Código Consumerista que, "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". Fazendo uma interpretação sistemática do artigo citado, verifica-se o caráter eminentemente sancionatório da norma, que se revela muito mais que pena civil, prestando-se primordialmente a demonstrar a finalidade educativa da sanção. Quando a Lei 8.078/90 (CDC) prevê que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, objetiva que o fornecedor ou a ele equiparado não pratique novamente a conduta repudiada pela lei, pela qual fora punido. O STJ chegou a uma interpretação de que a obrigação de devolver os valores em dobro não depende do elemento volitivo do fornecedor que os cobrou indevidamente. Basta que seja contrária à boa-fé objetiva, fator que está em todas as relações contratuais e nas normas do CDC. As teses foram aprovadas no julgamento dos recursos: EAREsp 676.608 (paradigma), EAREsp 664.888, EAREsp 600.663, EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 622.697, a qual ficou sedimentado o seguinte entendimento: 1. A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. 2. A repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do lapso prescricional (10 anos, artigo 205 do Código Civil) a exemplo do que decidido e sumulado (Súmula 412/STJ) no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de medida de tarifas de água e esgoto. 3. Modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão (STJ - Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça - Julgados: EAREsp 676.608 (paradigma); EAREsp 664.888; EAREsp 600.663; EREsp 1.413.542; EAREsp 676.608; EAREsp 622.697 - Data 21/10/2020). Isso significa que não há necessidade de provar a má-fé, basta que a conduta do fornecedor seja contrária a boa-fé objetiva. Portanto, somente o engano justificável, cuja prova cabe à parte demandada, tem o condão de afastar a aplicação da norma sancionadora em comento. In casu, no entanto, não há que se falar em engano justificável, pois o requerido, mesmo tendo a disposição diversos sistemas de consultas, concedeu empréstimo sem antes se certificar da autenticidade das assinaturas firmadas pelo fraudador. Ou seja, no afã de captar clientes, ignorou os procedimentos de cautela que deveriam ser adotados no momento da concessão do crédito, agindo com total negligência no fornecimento e na prestação de seus serviços. Nessa linha de pensamento, cito o recente precedente do Eg TJCE: (…) VIII - Ademais, o STJ chegou a uma interpretação de que a obrigação de devolver os valores em dobro não depende do elemento volitivo do fornecedor que os cobrou indevidamente. Basta que seja contrária à boa-fé objetiva, fator que está em todas as relações contratuais e nas normas do CDC. Teses firmadas nos julgamentos dos recursos: EAREsp 676.608 (paradigma), EAREsp 664.888, EAREsp 600.663, EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 622.697. Assim, a devolução dos valores que foram indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte promovente, deve ser em dobro e não de forma simples. (...) (TJCE - Apelação nº 0000966-87.2018.8.06.0066, Relator (a): FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE; Comarca: Cedro; Órgão julgador: Vara Única da Comarca de Cedro; Data do julgamento: 02/02/2021; Data de registro: 02/02/2021) Dessa forma, entendo que a devolução dos valores indevidamente cobrados deverá se dar de forma dobrada. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, com resolução do mérito, para: a) Declarar a nulidade do contrato discutido nos autos, para cessarem todos os efeitos dele decorrentes; b) Condenar a parte promovida a restituir, na forma dobrada, todas as parcelas descontadas indevidamente até a efetiva suspensão ou extinção do contrato em apreço no benefício previdenciário da autora. Tais valores deverão ser acrescidos de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária (INPC), ambos a partir do efetivo desconto de cada parcela (súmulas 43 e 54 do STJ), observada eventual prescrição parcial. c) Condenar o banco demandado ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) ao autor a título de indenização por danos morais, com correção monetária (INPC) contada da data desta sentença (súmula 362, STJ) e juros de mora de 1% desde a citação. Ressalto que do valor a ela devido, deverá ser abatido os valores que esta recebeu nos importes de R$ 1.292,90, de R$ 149,42 e de R$ 372,71 (vide documento ID nº 158425811) que deverão ser atualizados apenas com correção monetária (INPC), haja vista não ter sido constatada a validade da operação. Sucumbente, condeno a parte promovida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Após Intimem-se as partes, por seus causídicos, da presente sentença. Transitada em julgado, intime-se novamente a parte autora, por seu causídico, para dar início ao cumprimento de sentença em 10 dias, sob pena de arquivamento do feito. Maracanaú/CE, 9 de junho de 2025. Luiz Eduardo Viana PequenoJuiz de Direito
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10/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Maracanaú | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE MARACANAÚ 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARACANAÚ Avenida Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 790, WhatsApp (85) 98145-8227, Piratininga - CEP 61905-167, Fone:(85) 3108-1678 - E-mail:maracanau.2civel@tjce.jus.br, Balcão Virtual: https://www.tjce.jus.br/balcao-virtual/ Processo: 3003128-98.2025.8.06.0117 Promovente: PEDRO LIBERATO LIMA Promovido: BANCO BMG SA SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE REVISÃO/ANULAÇÃO DE CONTRATO DE CARTÃO CONSIGNADO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por PEDRO LIBERATO LIMA em desfavor de BANCO BMG S/A. Na inicial, a parte promovente afirma que firmou com a parte promovida contrato de empréstimo, sendo que, posteriormente, constatou que o valor das prestações estava elevado e que o contrato não findava. Defende que os juros reais aplicados pelo promovido são abusivos e afirma que não há prazo total do financiamento. Por tais razões, ajuizou a presente ação, pugnando pela rescisão do contrato e pela condenação da parte promovida ao pagamento de indenização pelos prejuízos que alega ter suportado. Citada, a parte promovida apresentou contestação, suscitando a preliminar de inépcia da inicial, impugnando o valor atribuído à causa e o pedido de justiça gratuita. No mérito, alega a existência de prescrição e decadência e defende que a parte promovente tinha ciência do produto contratado, pelo que entende que é impossível a anulação do contrato. Pontua que o cartão foi recebido e utilizado pelo autor, mediante a contratação de saque e defende a legalidade dos encargos cobrados. Alegando inexistirem danos materiais e morais indenizáveis, requer a improcedência dos pedidos da inicial. Audiência de conciliação realizada, porém sem acordo. Réplica apresentada no ID nº 159690108. Os autos vieram conclusos. É o relatório. II - FUNDAMENTAÇÃO O presente feito deve ser julgado antecipadamente, na forma da regra contida no art. 355, I, do CPC/2015, que assim estabelece: "Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas;" In casu, a matéria prescinde de maiores dilações probatórias, especialmente ante a documentação carreada aos autos e a desnecessidade de produção de outras provas. Com efeito, a prova documental carreada aos autos é suficiente ao deslinde da controvérsia, motivo pelo qual indefiro o pedido de realização de audiência, já que se revela despicienda a realização de audiência de instrução para o presente feito. DA IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA A impugnação em apreço não merece prosperar, eis que a parte autora cumpriu os requisitos necessários à concessão da benesse legal (art. 98 e art. 99, §3º, CPC/2015). O simples fato de a parte estar assistida por advogado particular não constitui obstáculo para a obtenção da gratuidade. DA INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO E DE DECADÊNCIA. Segundo a parte promovida, teria ocorrido a prescrição da pretensão vindicada pela parte autora. Todavia, o argumento defendido não merece acolhimento. No caso dos autos, entendo que o prazo prescricional a ser considerado é aquele previsto no art. 27 do CDC, qual seja, 5 (cinco) anos. A hipótese em análise representa uma relação jurídica de consumo e está sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Diante disso, aplica-se a regra contida no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor e não há que se falar em prescrição da pretensão, tanto em relação aos danos morais alegados, quanto em relação a pretensão de repetição do indébito, porquanto se trata de contrato de trato sucessivo, em que a obrigação de se prolonga no tempo. Dessa forma, consideram-se os descontos realizados nos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, devendo ser observada a prescrição parcial em relação aos descontos que foram implementados há mais de cinco anos contados da data do ajuizamento da ação. Também não há se falar em decadência no presente caso, eis que a pretensão da parte autora também é indenizatória, não se aplicando o prazo decadencial, mas o prescricional. Vejamos o seguinte julgado: Ementa: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. Hipótese em que autor não pretende o conserto dos vícios construtivos, mas, tão-somente, a indenização a título de danos morais e materiais. Ou seja, não se trata de pedido de obrigação de fazer, consistente na condenação dos réus ao conserto dos alegados vícios construtivos. Desse modo, inaplicável o prazo decadencial de noventa dias previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, conforme entendimento jurisprudencial, tendo a pretensão caráter indenizatório e não redibitório o prazo cabível é o quinquenal, nos termos do art. 27 do mesmo diploma. Inocorrência da prescrição no caso. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ARQUITETA. MANUTENÇÃO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE NA HIPÓTESE. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA FIRMADA POR ENGENHEIRO. Na espécie, o Memorial Descritivo Arquitetônico foi firmado pelo autor e pelo engenheiro Robson Ribeiro Muller, da mesma forma que a Planilha de Controle e Registro de Edificações. Além disso, do que se vê da prova pericial, a Anotação de Responsabilidade Técnica (ATR) foi igualmente emitida em nome do engenheiro, e não por Fabiane Luiza Fabris que, à época, sequer obtinha o título de formação acadêmica em Arquitetura e Urbanismo, ou seja, nem poderia firmar o referido termo. Manutenção da sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva da requerida. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70081385429, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em: 13-01-2021) Superado o exame das preliminares e prejudiciais, passo à análise do mérito propriamente dito. MÉRITO Inicialmente, destaco a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação travada entre a parte autora e a parte ré, consoante o que prescrevem os arts. 2º e 3º do CDC. Cinge-se a controvérsia em verificar a regularidade da contratação firmada entre as partes relacionada a cartão de reserva de margem consignável de cartão de crédito (RMC) junto ao banco requerido. Em virtude da aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, mostra-se cabível a inversão do ônus da prova, cabendo ressaltar que a responsabilidade da parte promovida por eventuais prejuízos causados aos seus clientes possui natureza objetiva, em que se dispensa a comprovação da culpa. Todavia, mesmo que seja dispensável a demonstração da culpa, se faz necessário o atendimento dos seguintes elementos para a configuração da responsabilidade da Instituição Financeira, quais sejam: ação ou omissão contrária ao ordenamento jurídico, dano e relação de causalidade entre a conduta e o prejuízo sofrido pela vítima. Ou seja, apenas diante da conjugação desses elementos é que o fornecedor ou prestador de serviços poderá ser responsabilizado pelos prejuízos eventualmente causados ao consumidor. In casu, a parte autora afirmou defende que no contrato apontado na inicial há uma série de irregularidades, dentre as quais a cobrança de encargos de forma abusiva e a inexistência de prazo para que o contrato finde. É dizer, não se discute se o autor firmou ou não o contrato; o que se discute é se, consideradas as peculiaridades do caso concreto, o contrato firmado é válido ou não. Compulsando a documentação acostada os fólios, observo que a parte autora não fez o uso do cartão ora impugnado para realização de compras (ID nº 158425813), ao tempo em que verifico que houve liberação de valores em favor da autora (ID nº 158425811). A análise das faturas apresentadas pela parte promovida permite que se conclua que a intenção do promovente ao firmar o contrato e realizar pedidos de saque era a de obter quantia, tanto é que não houve utilização do cartão para realização de compras, o que evidencia seu desiderato de somente contratar o empréstimo consignado convencional. Assim sendo, os escritos supracitados levam a crer que a parte autora não tinha a intenção de contratar o cartão de crédito com margem consignável, tendo sido de fato surpreendida com os descontos relativos ao pagamento mínimo da fatura mensal do cartão, cujo valor aumenta a cada mês em razão dos encargos correspondentes. Interessante reconhecer que os descontos sucessivos realizados pelo banco acionado, ocorrem sem prazo para término do pagamento, com a adoção do denominado crédito rotativo, que, sabidamente, possui os juros mais altos do mercado financeiro, colocando o consumidor em desvantagem excessiva. Sabe-se que a modalidade de contrato de cartão de crédito consignado, quando comparada ao contrato de empréstimo consignado convencional, é mais onerosa para o consumidor, na medida em que o desconto na conta é limitado ao pagamento mínimo da fatura, o que faz incidir juros e taxas sobre o saldo devedor remanescente que, somados ao valor da parcela do mês subsequente, elevam o valor da fatura a cada mês, gerando a famosa "bola de neve", cuja dívida perpetua ad eternum. Em contraste, o empréstimo consignado tem prestações fixas mês a mês, com juros mais baixos e data de validade. Nessa toada, resta evidente que a contratação imposta demonstra nítida onerosidade excessiva ao consumidor, fato este rechaçado pelo CDC, em seu art. 51, IV, in verbis: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; Sobre a existência de desvantagem exagerada a que o consumidor é submetido, importa trazer os seguintes julgados, que destacam que configuram situações de abusividade a inexistência de termo final do contrato (dívida eterna), somado ao consequente lucro exorbitante em detrimento do consumidor. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO Anulatória c/c Repetição do indébito e indenização por danos morais. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. Cuida-se de responsabilidade contratual objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, respondendo a instituição financeira independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados a seus clientes por defeitos/falhas decorrentes dos serviços prestados. Reserva de Margem Consignável. NULIDADE DO CONTRATO. 2. No caso em tela, restou comprovado nos autos que a apelante não pretendeu fazer empréstimo consignado, recebeu, na verdade, cartão de crédito consignado, com saque dos valores. Porém, com esse cartão, descontadas parcelas do pagamento mínimo em sua aposentadoria, os valores da dívida continuam crescendo, resultando em um débito impagável/eterno, salientando que os juros dos cartões são os mais altos do mercado. 3. Com efeito, o que comprova a nulidade do negócio é que o cartão de crédito consignado, fornecido pelo Apelado, jamais foi usado, de forma que evidente é a simulação e/ou erro na realização do contrato. Tal situação, é tida como abuso, pois inexiste uma limitação, configurando uma dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco/apelado e, principalmente, desvantagem ao consumidor, o que é vedado expressamente pelo CDC, nos termos do art. 52 e artigos 166, VI, e 167, II, do Código Civil. 4. Desse modo, reconhecida a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, deverão as partes retornar ao status quo ante, ex vi do art. 182 do CC, de modo que a restituição dos valores deverá ocorrer na forma dobrada. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 5. No caso em questão, não havendo notícia de que o recorrente tenha sofrido violação a sua honra objetiva ou que tenha atuado efetiva e infrutiferamente na esfera extrajudicial para resolver o litígio, a condenação em danos morais não merece prosperar. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-PI - Apelação Cível: 0800786-97.2020.8.18.0045, Relator: José James Gomes Pereira, Data de Julgamento: 10/06/2022, 2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. AUTOR QUE CONTRATOU EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, SENDO SURPREENDIDO COM A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Banco que efetua desconto referente a parcela do empréstimo consignado e ainda realiza cobranças através de faturas a título de encargos rotativos. Modalidade absurda de imputar uma dívida eterna para o consumidor, sem que lhe seja informado. Consumidor que, geralmente é pessoa carente e necessitada do empréstimo, que não tem ciência acerca do funcionamento, vantagens e desvantagens do serviço que lhe está sendo oferecido, restando, assim, flagrantes o vício de informação e a violação ao princípio da boa-fé objetiva. Afronta aos princípios da transparência e da boa-fé que é "lugar comum" a estas financeiras, pois têm mais lucro em responder na justiça do que levar a sério direitos básicos do consumidor, abarrotando, por conseguinte, o judiciário com demandas como esta. Abusividade. Indiscutível a falha na prestação do serviço, já que o réu não comprovou que prestou os esclarecimentos necessários quando da contratação. Correto também o reconhecimento de ocorrência de danos morais passíveis de reparação pecuniária, já que o caso em questão ultrapassou o mero aborrecimento, pois o cidadão se viu privado de direito patrimonial de forma violenta e injustificada. Quantificação da verba reparatória em R$ 2.000,00 que se mostrou até aquém do evento danoso, mormente em se considerando o caráter punitivo, mas que não se majora por ausência de recurso. Aplicação de honorários recursais. Sentença que se mantém. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00154215220158190211, Relator: Des(a). ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH, Data de Julgamento: 28/05/2019, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU. 1. No caso, a instituição financeira, ao realizar o contrato em questão, aliou aspectos de empréstimo consignado com outros de cartão de crédito, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, pois os encargos aplicados são muito superiores aos que o consumidor esperava legitimamente suportar. 2. Artigo 6º, CDC: direito básico do consumidor à clara informação sobre produtos e serviços. 3. Conduta da instituição financeira que fere o princípio da boa-fé objetiva, compelindo o consumidor a arcar com uma ¿dívida eterna¿. Prática abusiva. Art. 37, § 1º, e art. 39, I e IV, do CDC. 4. Dano moral caracterizado e fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Ausência de fundamento para redução, na forma da Súmula 343 desta Corte. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-RJ - APL: 00447730520178190205 202000143246, Relator: Des(a). FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS, Data de Julgamento: 11/11/2020, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/11/2020) No caso em vertente, a parte demandada se limitou a asseverar que a contratação foi válida, tendo sido o ajuste devidamente assinado, inclusive com valor disponibilizado na conta da autora, sendo que este último argumento, por si só, não tem condão de convalidar o negócio, até porque é providência comum no empréstimo convencional. Desse modo, percebe-se que o contrato é nulo, não só em razão de o desiderato inicial do autor ter sido relacionado à contratação de empréstimo consignado, mas também em razão de a dívida, aplicadas as previsões contratuais, não possuir fim, vinculando o autor de modo quase que indeterminado ao pagamento de valores, os quais de há muito já superaram o que lhe foi liberado. Assim, pelos fatos narrados e pelos documentos lançados, há indicativos de que a autora foi induzida a erro no momento da contratação que ora contesta, ao passo que se identifica a falha na prestação do serviço por parte da ré. A respeito desse tema, posiciona-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, in verbis: TJCE -APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA QUE FORA INDUZIDA A ERRO, POIS PRETENDIA FIRMAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CONVENCIONAL. PROMOVENTE ANALFABETA. BOA-FÉ. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO QUE DEMONSTRAM VERACIDADE DA ALEGAÇÃO AUTORAL. CRÉDITO DISPONIBILIZADO NA CONTA DA CORRENTISTA QUE NÃO TEM O CONDÃO, POR SI SÓ, DE CONVALIDAR O NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO QUE SE MOSTRA DESVANTAJOSO EM RELAÇÃO AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VÍCIO DE VONTADE CONFIGURADO. NULIDADE DO INSTRUMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. Cinge-se a controvérsia ao exame da manifestação de vontade da autora, a qual deduz que foi induzida a erro ao aderir a modalidade de contrato de cartão de crédito consignado, quando, na verdade, pretendia contratar empréstimo consignado em sua forma convencional. Na espécie, examinando atentamente a prova colhida, notadamente os documentos de fls. 102-187, observa-se que a autora não fez o uso do cartão para realização de compras, e à fl. 71, houve a liberação do crédito no montante de R$ 1.080,94 ( mil e oitenta reais e noventa e quatro centavos) em favor da autora e não teve movimentações realizadas com o referido cartão, dentro do período de outubro de 2015 a dezembro de 2022, conforme se extrai das faturas de fls. 102-187, anexadas pelo próprio banco, evidenciando a intenção da promovente de somente contratar empréstimo consignado. As peculiaridades do caso concreto levam à conclusão de que a demandante realmente tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado convencional ao receber o crédito, esperando, a partir de então, sofrer os descontos mensais correspondentes, e não o cartão de crédito consignado. Com efeito, a modalidade de contrato de cartão de crédito consignado, quando comparada ao contrato de empréstimo consignado convencional, é mais onerosa para o consumidor, na medida em que o desconto na conta, por ser limitado ao pagamento mínimo da fatura, faz incidir juros e taxas que, somadas ao valor da parcela do mês subsequente, elevam o valor da fatura a cada mês, gerando a famosa ¿bola de neve¿, cuja dívida perpetua ad eternum. Em contraste, o empréstimo consignado tem prestações fixas mês a mês, com juros mais baixos e data de validade. Ademais, não haveria, como de fato não houve, qualquer vantagem em contratar o cartão de crédito em lugar do empréstimo consignado que justificasse a autora ter, de forma consciente, optado por aquela modalidade, considerando os encargos próprios das administradoras de cartão de crédito. Em outras palavras, não é crível que a consumidora pudesse receber o mesmo crédito e optar pela via mais onerosa para pagá-lo, tendo agido de boa-fé. In casu, o agente financeiro não se desincumbiu do ônus de comprovar que teria esclarecido a natureza da operação de cartão de crédito consignado para a cliente, com seus respectivos encargos, ferindo o direito do consumidor quanto à informação clara e precisa sobre o produto (art. 6º, III, do CDC). Ressalte-se que o fato de ter sido feito depósito na conta da autora não tem o condão, só por si, de convalidar o negócio, mormente porque constitui providência similar à adotada no empréstimo consignado, portanto, a transferência/depósito não serve para evidenciar a adesão válida da autora ao cartão de crédito. Na verdade, a forma de execução do contrato foi um fator que levou a induzir a autora em erro, haja vista que em ambos há descontos no benefício previdenciário. Em relação à devolução do indébito, deve ser de forma simples dos valores descontados indevidamente, com correção monetária a partir da data do efetivo prejuízo, conforme Súmula 43/STJ, e os juros moratórios desde o evento danoso, conforme Súmula 54/STJ. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada. (Apelação Cível - 0201373-26.2022.8.06.0113, Rel. Desembargador(a) MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 12/07/2023, data da publicação: 12/07/2023).Grifo nosso. TJCE - APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA JULGADA IMPROCEDENTE. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUTOR INDUZIDO A ERRO, POIS PRETENDIA FIRMAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CONVENCIONAL. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO QUE DEMONSTRAM VERACIDADE DA ALEGAÇÃO AUTORAL. CARTÃO NÃO UTILIZADO PARA FAZER COMPRAS. CRÉDITO DISPONIBILIZADO NA CONTA DO AUTOR QUE NÃO TEM O CONDÃO, POR SI SÓ, DE CONVALIDAR O NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO QUE SE MOSTRA DESVANTAJOSO EM RELAÇÃO AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VÍCIO DE VONTADE CONFIGURADO. NULIDADE DO CONTRATO E DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES, E EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021. COMPENSAÇÃO DO VALOR TRANSFERIDO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Tratam-se os autos de Apelação Cível interposta contra sentença que julgou improcedente a de Ação Declaratória Anulatória de Débito c/c Indenização Por Danos Morais e Materiais. 2. No caso em tela, a controvérsia recursal consiste em saber se o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM), supostamente celebrado entre a instituição financeira e a parte autora, ora apelante, é válido ou não, em consonância com as provas produzidas na origem e se, desse contrato, existe dano passível de indenização. 3. Feitas essas considerações, cumpre, inicialmente, esclarecer que nas ações que versam sobre empréstimo consignado ou descontos provenientes de cartão de crédito consignado em benefício previdenciário, a prova da contratação e do proveito econômico do consumidor diante da operação bancária/transferência/depósito do valor contratado são elementos essenciais ao deslinde dos fatos e à procedência ou improcedência da demanda. 4. Nesse contexto, o contrato devidamente assinado e o comprovante do repasse do crédito decorrente do empréstimo na conta do consumidor, são documentos indispensáveis para à apreciação da demanda e, por consequência, para a demonstração da regular contratação. Logo, tendo o promovente/apelante juntado aos autos, comprovante dos descontos realizados em seu benefício previdenciário, caberia a instituição financeira apresentar provas concretas acerca da anuência da parte autora quanto a estes descontos, por meio de instrumento contratual devidamente assinado e o repasse do crédito decorrente do empréstimo na conta do consumidor. 5. De outro lado, da análise acurada dos fólios, percebe-se que não há evidência de movimentações realizadas com o cartão de crédito supostamente contratado. Isto porque, o demandante/apelante sequer efetuou compras com o cartão de crédito, conforme se extrai das faturas de fls. 80/136, anexadas pela própria instituição financeira, desde a data da inclusão do empréstimo impugnado em 2018 a 10/02/2023, fato que corrobora para a alegação da parte recorrente de não ter contratado um empréstimo consignado por via de Cartão de Crédito, visto que em nenhum momento fez uso dele. Neste passo, tal circunstância leva a crer que, no máximo, a demandante realmente tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado convencional ao receber o crédito, esperando, a partir de então, sofrer os descontos mensais correspondentes, e não descontos relativos ao pagamento mínimo da fatura mensal do cartão, cujo valor aumenta a cada mês em razão dos encargos correspondentes. 6. In casu, o agente financeiro não se desincumbiu do ônus de comprovar que teria esclarecido a natureza da operação cartão de crédito consignado, com seus respectivos encargos, ferindo o direito do consumidor quanto à informação clara e precisa sobre o produto (art. 6º, III, do CDC). 7. Ressalte-se que o fato de ter sido feito depósito na conta do autor não tem o condão, só por si, de convalidar o negócio, mormente porque constitui providência similar à adotada no empréstimo consignado, portanto, a transferência/depósito não serve para evidenciar a adesão válida da autora ao cartão de crédito. Na verdade, a forma de execução do contrato foi um fator que levou a induzir a autora em erro, haja vista que em ambos há descontos no benefício previdenciário. 8. Reconhecida a falha na prestação do serviço, consubstanciada na falta de informação prévia, clara e precisa que levou o consumidor a se submeter a contrato mais oneroso, resta configurado o ato ilícito, o dano moral e o dever de indenizar, posto que os fatos ultrapassaram o mero aborrecimento. 9. Levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, tenho que o valor a título indenizatório a ser arbitrado é de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia que guarda proporcionalidade com o ocorrido, além de se encontrar em consonância com os parâmetros médios utilizados pela jurisprudência deste E. Tribunal, em demandas análogas. 10. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada. (Apelação Cível - 0201370-71.2022.8.06.0113, Rel. Desembargador(a) CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 21/06/2023, data da publicação: 21/06/2023). Grifo nosso. Destarte, diante da constatação de que a contratação não se deu de forma regular, a declaração de nulidade do instrumento contratual é medida que se revela imperiosa. Com tais considerações, passo à análise dos pedidos da inicial. No que se refere ao pedido de condenação em danos morais, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente. Em situações como a dos autos, o dano moral é in re ipsa, ou seja, independe da comprovação do grande abalo psicológico sofrido pela vítima.[1] É inegável que a conduta da requerida é motivo suficiente para responsabilizá-la pelos danos sofridos pela promovente. Trata-se de dano moral puro, que prescinde de prova e resulta da simples conduta desidiosa e gravosa do agente ofensor, sendo presumidos os prejuízos alegados pela parte autora, que, saliente-se, teve parte de seu benefício previdenciário / conta corrente, verba de natureza alimentícia, descontada indevidamente durante vários meses. Atinente à fixação do quantum indenizatório, deve o Magistrado se orientar pelo princípio da razoabilidade. Não se deve fixar um valor a permitir enriquecimento ilícito, como também não se pode condenar em quantia que não represente uma sanção efetiva ao ofensor. Dessa forma, considerando todo o exposto, fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais) a indenização por danos morais, considerando, sobretudo, a demora no ajuizamento da ação. No que se refere ao pedido de condenação em danos materiais, entendo que merece prosperar a pretensão do requerente. Em relação à devolução dos valores indevidamente cobrados, dispõe o parágrafo único do artigo 42 do Código Consumerista que, "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". Fazendo uma interpretação sistemática do artigo citado, verifica-se o caráter eminentemente sancionatório da norma, que se revela muito mais que pena civil, prestando-se primordialmente a demonstrar a finalidade educativa da sanção. Quando a Lei 8.078/90 (CDC) prevê que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, objetiva que o fornecedor ou a ele equiparado não pratique novamente a conduta repudiada pela lei, pela qual fora punido. O STJ chegou a uma interpretação de que a obrigação de devolver os valores em dobro não depende do elemento volitivo do fornecedor que os cobrou indevidamente. Basta que seja contrária à boa-fé objetiva, fator que está em todas as relações contratuais e nas normas do CDC. As teses foram aprovadas no julgamento dos recursos: EAREsp 676.608 (paradigma), EAREsp 664.888, EAREsp 600.663, EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 622.697, a qual ficou sedimentado o seguinte entendimento: 1. A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. 2. A repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do lapso prescricional (10 anos, artigo 205 do Código Civil) a exemplo do que decidido e sumulado (Súmula 412/STJ) no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de medida de tarifas de água e esgoto. 3. Modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão (STJ - Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça - Julgados: EAREsp 676.608 (paradigma); EAREsp 664.888; EAREsp 600.663; EREsp 1.413.542; EAREsp 676.608; EAREsp 622.697 - Data 21/10/2020). Isso significa que não há necessidade de provar a má-fé, basta que a conduta do fornecedor seja contrária a boa-fé objetiva. Portanto, somente o engano justificável, cuja prova cabe à parte demandada, tem o condão de afastar a aplicação da norma sancionadora em comento. In casu, no entanto, não há que se falar em engano justificável, pois o requerido, mesmo tendo a disposição diversos sistemas de consultas, concedeu empréstimo sem antes se certificar da autenticidade das assinaturas firmadas pelo fraudador. Ou seja, no afã de captar clientes, ignorou os procedimentos de cautela que deveriam ser adotados no momento da concessão do crédito, agindo com total negligência no fornecimento e na prestação de seus serviços. Nessa linha de pensamento, cito o recente precedente do Eg TJCE: (…) VIII - Ademais, o STJ chegou a uma interpretação de que a obrigação de devolver os valores em dobro não depende do elemento volitivo do fornecedor que os cobrou indevidamente. Basta que seja contrária à boa-fé objetiva, fator que está em todas as relações contratuais e nas normas do CDC. Teses firmadas nos julgamentos dos recursos: EAREsp 676.608 (paradigma), EAREsp 664.888, EAREsp 600.663, EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 622.697. Assim, a devolução dos valores que foram indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte promovente, deve ser em dobro e não de forma simples. (...) (TJCE - Apelação nº 0000966-87.2018.8.06.0066, Relator (a): FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE; Comarca: Cedro; Órgão julgador: Vara Única da Comarca de Cedro; Data do julgamento: 02/02/2021; Data de registro: 02/02/2021) Dessa forma, entendo que a devolução dos valores indevidamente cobrados deverá se dar de forma dobrada. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, com resolução do mérito, para: a) Declarar a nulidade do contrato discutido nos autos, para cessarem todos os efeitos dele decorrentes; b) Condenar a parte promovida a restituir, na forma dobrada, todas as parcelas descontadas indevidamente até a efetiva suspensão ou extinção do contrato em apreço no benefício previdenciário da autora. Tais valores deverão ser acrescidos de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária (INPC), ambos a partir do efetivo desconto de cada parcela (súmulas 43 e 54 do STJ), observada eventual prescrição parcial. c) Condenar o banco demandado ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) ao autor a título de indenização por danos morais, com correção monetária (INPC) contada da data desta sentença (súmula 362, STJ) e juros de mora de 1% desde a citação. Ressalto que do valor a ela devido, deverá ser abatido os valores que esta recebeu nos importes de R$ 1.292,90, de R$ 149,42 e de R$ 372,71 (vide documento ID nº 158425811) que deverão ser atualizados apenas com correção monetária (INPC), haja vista não ter sido constatada a validade da operação. Sucumbente, condeno a parte promovida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação. Publique-se. Registre-se. Após Intimem-se as partes, por seus causídicos, da presente sentença. Transitada em julgado, intime-se novamente a parte autora, por seu causídico, para dar início ao cumprimento de sentença em 10 dias, sob pena de arquivamento do feito. Maracanaú/CE, 9 de junho de 2025. Luiz Eduardo Viana PequenoJuiz de Direito
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10/06/2025 - Documento obtido via DJENSentença Baixar (PDF)
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22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Maracanaú | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE MARACANAÚ SECRETARIA DA 2ª VARA CÍVEL Avenida Luiz Gonzaga Honório de Abreu, nº 790, Piratininga - CEP 61905-167, Fone: (85)3108.1678, Maracanaú/CE - E-mail: maracanau.2civel@tjce.jus.br, Balcão Virtual: https://www.tjce.jus.br/balcao-virtual/ Processo: 3003128-98.2025.8.06.0117 Promovente: PEDRO LIBERATO LIMAPromovido: BANCO BMG SA Parte Intimada: Dr(a). ANTONIO EGEDEMO MARTINS INTIMAÇÃO DE AUDIÊNCIA - VIA DJEN - SISTEMA De Ordem do Excelentíssimo Dr. Luiz Eduardo Viana Pequeno, Juiz Titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Maracanaú/CE, fica Vossa Senhoria devidamente INTIMADO(A) da AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, que ocorrerá dia 04/06/2025 às 09:00h, de forma HÍBRIDA na sala de audiência virtual da CEJUSC/Maracanaú, utilizando-se para isto aplicativo Microsoft Teams, segue abaixo os links de acesso da audiência: OBSERVAÇÃO¹: A tolerância é de 15 (quinze) minutos, caso não consiga acessar os links da audiência entre em contato com a CEJUSC/Maracanaú através dos seguintes endereços eletrônicos: tjce.cejusc.maracanau@tjce.jus.br; debora.sena@tjce.jus.br. ou pelo telefone: 3108 1623 LINKS DE ACESSO DA AUDIÊNCIA: Link Encurtado: https://link.tjce.jus.br/ojlfr1 Link Completo: https://teams.microsoft.com/l/meetup-join/19%3ameeting_ZjcwZjlkMzMtOWFhOS00NDgzLWI3NGUtNmRiZDdlYjBjMGY3%40thread.v2/0?context=%7b%22Tid%22%3a%2208fb26ac-bd1d-4d20-b320-a86a0a35ce30%22%2c%22Oid%22%3a%221db68026-19e0-42de-8e2a-8f86a11f1f16%22%7d ou QR CODE: Advertência¹: O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado, conforme preceitua o § 8º do art. 334 do NCPC; Advertência²: Fica a parte ciente de que o comparecimento na audiência de conciliação é obrigatório (pessoalmente ou por intermédio de representante, por meio de procuração específica com outorga de poderes para negociar e transigir) - ( § 10 do art. 334 do NCPC); Advertência³: O réu deverá comunicar ao Juízo, através de petição, apresentada com 10 dias de antecedência, contados da data da audiência, o seu desinteresse na autocomposição (§5º do art. 334 do NCPC). O referido é verdade. Dou fé. Maracanaú/CE, 21 de maio de 2025. MARIA MAFISA SILVA DE SOUSA Diretora de Secretaria