Processo nº 50004046520254036144
Número do Processo:
5000404-65.2025.4.03.6144
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRF3
Classe:
AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara Federal de Barueri
Última atualização encontrada em
06 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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23/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Federal de Barueri | Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVELAÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL (65) Nº 5000404-65.2025.4.03.6144 / 2ª Vara Federal de Barueri AUTOR: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCAO DE SAO PAULO Advogado do(a) AUTOR: MARIANE LATORRE FRANCOSO LIMA DE PAULA - SP328983 REU: MADM CONSULTORIA E ASSESSORIA INTERMEDIACOES DE NEGOCIOS LTDA, MELQUISEDEC PEREIRA RODRIGUES Advogado do(a) REU: GUSTAVO DO ABIAHY CARNEIRO DA CUNHA GUERRA - SP306803 FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP DECISÃO Cuida-se de ação civil pública ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo em desfavor de MADM Consultoria e Assessoria Intermediações de Negócios Ltda. e de Melquisedec Pereira Rodrigues, com pedido de tutela de urgência, para que os requeridos “a) Suspendam imediatamente a divulgação de qualquer material de mídia televisiva, falada ou impressa, por meio eletrônico ou qualquer outro, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00; b) Suspendam imediatamente a prestação de atividades jurídicas, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00; c) deixem e indicar quaisquer advogados para prestar serviços advocatícios aos clientes e futuros clientes da empresa Ré, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais); d) Informem os dados dos advogados que lhe prestam ou já prestaram serviços para as providências disciplinares cabíveis, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais). e) Realizarem contrapropaganda em seus canais de comunicações – redes sociais e site, se houver – informando que a empresa não atua como escritório de advocacia e não pode indicar advogados aos clientes, devendo o conteúdo permanecer online e acessível por período não inferior a 6 (seis) meses”. Em respaldo, aduz que a empresa ré, que tem por atividade principal a consultoria em gestão empresarial, tem oferecido serviços tipicamente jurídicos, qualificados como privativos da advocacia, por meio da publicidade no site e redes sociais; destaca que o segundo réu não é advogado inscrito na OAB/SP; pontua que empresa MADM exerce atividades que excedem seu objeto social, promovendo não só a captação de clientela, mas ofertando assessoria jurídica, enquanto atividade privativa da advocacia; aponta ofensa à Lei n. 8.906/94, que instituiu o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; argumenta que nenhuma atividade de mercantilização é compatível com o exercício da advocacia, pois vulgaria a profissão e desvaloriza os advogados. Emenda à inicial no id. 356584685. Petição dos requeridos no id. 356891806. O exame do pleito liminar foi postergado para depois do contraditório, id. 357264165. Parecer do MPF no id. 358588210, pelo indeferimento da tutela de urgência, ante a ausência do “periculum in mora”. No id. 359502755, os réus ofereceram contestação. Em preliminar, arguiram a ilegitimidade passiva do requerido Melquisedec; no mérito, alegaram que o serviço da empresa MADM é limitado aos assuntos burocráticos e braçais, relacionados às dúvidas e problemas de cunho previdenciário; asseveraram que a empresa não assina petições nem representa ninguém em juízo; quando o caso precisa ir à justiça, a empresa encaminha o cliente para as dezenas de advogados registrados na OAB e demais tipos de parceiros, cadastrados em sua plataforma on-line; sustentam que se trata de um modelo legítimo de terceirização do trabalho preparatório jurídico, também adotado por outras empresas que funcionam regularmente no Brasil, independentemente da OAB e sem terem a legalidade dos seus serviços questionada. Os autos vieram conclusos. É o breve relato. DECIDO. De início, tendo em conta o que informa a Teoria da Asserção, bem como considerando o que narrado na exordial, impõe-se o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva do reclamado Melquisedec Pereira Rodrigues. Isso porque a ação não imputa qualquer conduta ao referido demandado, mas apenas à empresa MADM Consultoria e Assessoria Intermediações de Negócios Ltda., que também figura no polo passivo, cabendo ressaltar que a circunstância de aquele primeiro ser titular da sociedade empresária, por si só, não conduz à conclusão de que há pertinência subjetiva na pretensão movida contra ele. Desse modo, dada a manifesta ilegitimidade passiva, DECLARO EXTINTO o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, VI, 1ª figura, do Código de Processo Civil, em relação ao requerido Melquisedec Pereira Rodrigues. Passo ao exame do pedido de tutela de urgência. Na ação civil pública, o pleito liminar é admitido pelo artigo 12 da Lei n. 7.347/1985, segundo o qual “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. Na espécie vertente, o pedido formulado pelo autor ministerial apresenta natureza antecipatória, na medida em que se busca, desde já, os efeitos daquilo que é postulado em sede de mérito. Ou seja, a liminar vindicada apresenta natureza satisfativa, e não cautelar. Assim sendo, em atenção ao artigo 19 da LACP, o exame do pedido liminar deve se pautar na verificação da presença dos requisitos da tutela de urgência, na modalidade antecipatória, segundo disciplinado pelo Código de Processo Civil. Nesse passo, a tutela de urgência, enquanto modalidade de tutela provisória encontra-se amparada pelo artigo 300, caput, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), devendo ser concedida “quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Da leitura da norma, infere-se que a tutela de urgência, que pode ter natureza satisfativa (antecipação de tutela) ou cautelar, tem seu deferimento condicionado à presença dos clássicos requisitos: fumus boni iuris, consubstanciado na probabilidade do direito alegado; e o periculum in mora, materializado no risco de dano ao direito da parte (natureza satisfativa) ou ao resultado útil do processo (natureza cautelar). A verificação da presença de tais requisitos é feita em sede de cognição sumária, ou seja, com base da análise da probabilidade de o direito alegado ser reconhecido ao final, na sentença. No caso em tela, em que a parte postula a concessão de tutela urgência de natureza satisfativa, verifico que estão não demonstrados os pressupostos acima citados. Como é cediço, a advocacia consubstancia serviço essencial à justiça, conforme declarado pela própria Constituição Federal, em seu artigo 133, verbis: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” Trata-se de uma atividade de acentuada relevância no regime democrático, umbilicalmente ligada à própria tutela de direitos fundamentais, não podendo ser confundida, nem de longe, com um típico serviço mercantil. Não por outro motivo, recebe um tratamento especial pelo ordenamento jurídico, que lhe impõe uma série de restrições e limitações, conforme se extrai da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). Nesse sentido, confiram-se os seguintes dispositivos dessa norma (grifei): Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. (...) § 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados. § 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade. (...) Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). (...) Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas. Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia. (...) Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar. § 1º A razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo menos, um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de sócio falecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo. (...) § 3º É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia. (...) Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina. Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares. Por sua vez, o artigo 34 do estatuto define como infração disciplinar do advogado, dentre outras, as condutas de “valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber” (inciso III); e de “angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros” (inciso IV). Ainda, o Código de Ética e Disciplina da OAB, cuja observância é obrigatória, nos termos do artigo 33 acima transcrito, estabelece que “exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização” (art. 5º), sendo vedado “o oferecimento de serviços profissionais que indiquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela” (art. 7º). Nessa mesma toada, o Capítulo IV do Código de Ética, ao cuidar da publicidade dos serviços advocatícios, determina que ela deve ser feita de modo individual ou coletivamente “com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação conjunta com outra atividade” (art. 34). No caso em tela, os elementos probatórios acostados à exordial indicam, ao menos neste juízo perfunctório, que a empresa MADM Consultoria e Assessoria Intermediações de Negócios Ltda. está prestando serviços privativos da advocacia, por meio do assessoramento jurídico, além de praticar a ilícita captação de causas em favor de determinados advogados, em detrimento da coletividade substituída pela OAB/SP nesta ação. É incontroverso que a empresa não tem por objeto social, e nem poderia, qualquer prestação de serviços jurídicos privativos de advogados, inclusive a assessoria previdenciária, conforme se extrai de sua inscrição no CNPJ (id. 354961936) e do seu ato constitutivo, os quais revelam que a sociedade unipessoal se dedica à “Gestão de ativos intangíveis não-financeiros; outras atividades auxiliares dos serviços financeiros não especificados anteriormente; serviços combinados de escritório e apoio administrativo; atividades de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários” (id. 354961935). Nada obstante, observa-se no id. 354961942 que a empresa tem divulgado em sua página na Internet que, desde 2021, tem atuado na área de “consultoria jurídica previdenciária” (id. 354961938), admitindo expressamente em sua contestação que, quando necessário, encaminha seus clientes para advogados previamente cadastrados, o que configura, em princípio, a vedada captação de clientela. Se não bastasse, o documento do id. 354961942 revela diálogo onde a empresa chega a tratar inclusive de honorários advocatícios, como se fossem destinados à própria MADM. Confira-se: Como propaganda da sua atividade, a empresa ainda divulga o número de processos protocolados em todo o país (id. 354961942): Em outro campo de seu endereço eletrônico, faz menção que é especializada “em consultoria jurídica previdenciária, com uma equipe altamente qualificada e experiente de especialistas em direito previdenciários” (id. 354961942): Desse modo, como sustentar que se trata apenas de atividades burocráticas, como alegado na contestação? Quem seriam, se não advogados, os especialistas em direito previdenciário, atuando como consultores jurídicos? Quem teria protocolado os mais de oito mil processos em todo o país? Funcionários burocráticos ou advogados? A resposta, ao que tudo indica, está no id. 354961941, onde a autora trouxe relatório de diversas ações judiciais promovidas pelo mesmo advogado (Murilo Henrique Balsalobre, OAB/SP 331.520), o qual estaria se valendo dos serviços da empresa ré para a captação ilícita de clientela, em detrimento de toda a categoria e do próprio regime jurídico que disciplina o exercício da profissão de advogado. Afirmar a requerida que não está assinando ações judiciais não legitima a sua conduta, pois, nos termos do artigo 1º do Estatuto da OAB, é atividade privativa da advocacia não só a postulação aos órgãos do Poder Judiciário, mas também “as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”. Ademais, o quadro probatório formando nos autos sugere que a ré tem divulgado serviços advocatícios de forma mercantilista, ofertando-o com outros serviços de assessoramento, como forma de angariar clientela. Não se trata, à primeira vista, de divulgação exclusivamente informativa, mas dirigida à captação de clientes para posterior encaminhamento a advogados específicos, o que afronta as disposições contidas no Código de Ética e no Estatuto da OAB. Nesse cenário, confiro plausibilidade jurídica à tese esposada na petição inicial, estando presente a probabilidade do direito (fumus boni iuris), decorrente da possível violação a normas do Estatuto da OAB. Por sua vez, o risco da demora (periculum in mora) decorre não só dos prejuízos a que o jurisdicionado está sujeito em razão de serviços prestados por quem não está legalmente autorizado, mas também da própria categoria dos advogados, enquanto substituídos da autora, que acabam por ser privados de atuar da defesa dos direitos dos clientes da empresa ré. Além disso, e não menos relevante, há a perspectiva do dano à própria dignidade da advocacia, enquanto função essencial à justiça, sendo ofendida no seu relevante papel na sociedade, em decorrência da usurpação praticada por uma empresa que atua no intuito do lucro. Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência, para determinar que a ré: a) suspenda imediatamente a divulgação de qualquer material de mídia televisiva, falada ou impressa, por meio eletrônico ou qualquer outro, relacionada a serviços de assessoramento jurídico previdenciário; b) suspenda imediatamente a prestação de atividades jurídicas; c) deixe e indicar qualquer advogado para prestar serviços advocatícios aos clientes e futuros clientes da empresa; d) informe, no prazo de 10 (dez) dias, os dados dos advogados (nome e inscrição na OAB) que se valem ou se valeram das indicações de clientes feitas pela empresa; e) realize, no prazo de 05 (cinco) dias, contrapropaganda em seus canais de comunicações – redes sociais e site, se houver – informando que a empresa não atua como escritório de advocacia e não pode indicar advogados aos clientes, devendo o conteúdo permanecer online e acessível por período não inferior a 6 (seis) meses. Para o descumprimento desta decisão, fixo multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada ao montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Deverá a ré comprovar nos autos o cumprimento desta decisão, devendo fazê-lo em três dias quanto à alínea “a” acima, juntando cópias das páginas e redes sociais utilizadas pela empresa. Intime-se, para cumprimento. Intimem-se, devendo as partes se manifestar, de modo fundamentado, quanto ao eventual interesse na produção de outras provas, no prazo de cinco dias. Barueri/SP, data da assinatura digital. Adalto Quintino da Silva Juiz Federal Substituto