Processo nº 50006356820234036110
Número do Processo:
5000635-68.2023.4.03.6110
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRF3
Classe:
PETIçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara Gabinete JEF de Sorocaba
Última atualização encontrada em
24 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
24/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Gabinete JEF de Sorocaba | Classe: PETIçãO CíVELPETIÇÃO CÍVEL (241) Nº 5000635-68.2023.4.03.6110 / 2ª Vara Gabinete JEF de Sorocaba REQUERENTE: DELAINE CRISTINA FERREIRA MCCLUNG Advogados do(a) REQUERENTE: GUSTAVO LOENERT ARAUJO - SP487832, VITOR SILVESTRE DA SILVA - SP468735 REQUERIDO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO - FNDE, UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO DOM AGUIRRE Advogado do(a) REQUERIDO: HENRIQUE MARCELLO DOS REIS - SP119323 Advogado do(a) REQUERIDO: MARISSOL QUINTILIANO SANTOS - SP248261 Advogados do(a) REQUERIDO: CAIO TUY DE OLIVEIRA - BA34009, JOAO ALBERTO GRACA - SP165598-A S E N T E N Ç A RELATÓRIO Trata-se de Ação de Procedimento do Juizado Especial Cível Federal proposta por DELAINE CRISTINA FERREIRA MCCLUNG em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, do FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE, da UNIÃO FEDERAL e da FUNDAÇÃO DOM AGUIRRE, objetivando, em síntese, a revisão de contrato de Financiamento Estudantil (FIES), a declaração de inexistência de débitos, a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), solidariamente, além da condenação da Fundação Dom Aguirre à devolução em dobro de valores pagos diretamente à instituição, totalizando R$ 18.949,16 (dezoito mil, novecentos e quarenta e nove reais e dezesseis centavos) a título de danos materiais. Requereu, ainda, a concessão de tutela de urgência e os benefícios da justiça gratuita. Atribuiu à causa o valor de R$ 43.949,16. A petição inicial (ID. 274165603) narra que a autora é beneficiária do FIES para o curso de Odontologia na Universidade de Sorocaba (UNISO), mantida pela Fundação Dom Aguirre. Alega que, devido a problemas sistêmicos no repasse de valores do FIES, foi orientada pela IES a realizar pagamentos de mensalidades diretamente à instituição, enquanto continuava a pagar as taxas de manutenção do contrato à CEF. Sustenta que, apesar de adimplente e com os aditamentos contratuais supostamente regularizados, teve seu nome inscrito indevidamente em cadastros de proteção ao crédito por débitos relativos ao FIES. Juntou documentos, incluindo e-mails trocados com as rés, comprovantes de pagamento, contrato e o comunicado de negativação. Foi proferida Decisão (ID. 281119868) declinando da competência da Vara Federal comum para este Juizado Especial Federal. Posteriormente, foi deferida a tutela de urgência (ID. 290387135) para determinar a exclusão do nome da autora dos cadastros de inadimplentes e para que a Fundação Dom Aguirre cumprisse as obrigações educacionais, independentemente da regularização do financiamento. Citadas, as rés apresentaram contestações. A Fundação Dom Aguirre (ID. 299203754) arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, atribuindo a responsabilidade pelos problemas à CEF e ao FNDE. No mérito, negou responsabilidade pelos erros sistêmicos do FIES, afirmou ter agido de boa-fé ao auxiliar a aluna, inclusive devolvendo valores para quitação junto à CEF, e sustentou a inexistência de danos materiais ou morais a serem por ela reparados. Juntou documentos, incluindo e-mails, comprovante de devolução de valores e informações sobre a situação acadêmica e contratual da autora. A União Federal (ID. 299455371), em sua contestação, também suscitou preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que as questões operacionais do FIES não são de sua alçada. No mérito, reiterou as informações do Ministério da Educação sobre a divisão de responsabilidades na gestão do FIES e pugnou pela improcedência dos pedidos. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE (ID. 300852218) impugnou o valor da causa e arguiu sua ilegitimidade passiva, defendendo que a operacionalização do "Novo FIES", modalidade contratual da autora, é de responsabilidade exclusiva da Caixa Econômica Federal. No mérito, alegou ausência de ato ilícito e de danos morais. A Caixa Econômica Federal - CEF (ID. 301288091) também arguiu ilegitimidade passiva, atribuindo a gestão do FIES ao MEC/FNDE e à IES. No mérito, defendeu a regularidade de sua atuação como agente financeiro, a responsabilidade da estudante e da IES pela regularidade dos aditamentos, a não aplicação do CDC e a inexistência de danos morais. Juntou histórico contratual. A parte autora apresentou réplica (ID. 301517148), rebatendo as preliminares e reiterando os termos da inicial. As partes foram instadas a especificar provas, não havendo outras requeridas além das documentais já acostadas. É o relatório. Decide-se. FUNDAMENTAÇÃO A) DAS QUESTÕES PROCESSUAIS E PRELIMINARES A.1) Da Competência do Juizado Especial Federal A competência deste Juizado Especial Federal para processar e julgar a presente demanda é manifesta. O valor atribuído à causa (R$ 43.949,16) é inferior ao teto de 60 (sessenta) salários-mínimos estabelecido pelo art. 3º da Lei nº 10.259/2001. Ademais, a matéria discutida, envolvendo contrato do FIES e a responsabilidade de entes federais, insere-se na competência da Justiça Federal, já tendo sido objeto de declinação por Vara Federal comum (ID. 281119868). Assim, reconhece-se a competência deste Juizado Especial Federal. A.2) Da Impugnação ao Valor da Causa (arguida pelo FNDE) O FNDE impugnou o valor da causa (ID. 300852218), sustentando que deveria ser reduzido para R$ 1.064,00, por não haver, segundo alega, pretensão econômica imediata. Sem razão o impugnante. Nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil/2015, o valor da causa constará da petição inicial e será, na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido (inciso V), e, quando cumulados pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (inciso VI). No caso, a parte autora formulou pedido de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,000 (vinte e cinco mil reais) e danos materiais de R$ 18.949,16 (dezoito mil novecentos e quarenta e nove reais e dezesseis centavos). O valor atribuído à causa (R$ 43.949,16) corresponde exatamente à soma desses pleitos, refletindo o proveito econômico almejado. Portanto, rejeita-se a impugnação ao valor da causa. A.3) Da Ilegitimidade Passiva (arguida por todos os Réus) Todos os réus arguiram, sob diferentes fundamentos, sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda. As preliminares serão analisadas individualmente. a.3.1) Da Ilegitimidade Passiva da União Federal A União Federal sustenta sua ilegitimidade passiva (ID. 299455371) ao argumento de que a gestão operacional do FIES, incluindo questões contratuais, cobranças e negativações, não se insere em suas atribuições diretas, mas sim do agente operador (CEF) e do FNDE. Com efeito, a Lei nº 10.260/2001, que instituiu o FIES, atribui a gestão do programa ao Ministério da Educação, que estabelece as diretrizes, e a operacionalização ao FNDE (para contratos até o 2º semestre de 2017) ou à instituição financeira pública federal contratada (CEF, para contratos a partir do 1º semestre de 2018, como o da autora). As questões versadas nos autos – falha operacional em sistema de cobrança, regularização de aditamentos, pagamentos e negativação – são afetas à execução e gestão do contrato de financiamento, e não à formulação da política pública de educação em si, que seria a atribuição primária da União no contexto do FIES. Dessa forma, não se vislumbra pertinência subjetiva da União para responder aos pedidos formulados. Pelo exposto, acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva da União Federal, extinguindo-se o processo, sem resolução de mérito, em relação a ela, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015. a.3.2) Da Ilegitimidade Passiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE O FNDE também arguiu sua ilegitimidade passiva (ID. 300852218), sob o fundamento de que o contrato da autora, firmado em 06/04/2018, insere-se no "Novo FIES", cuja operacionalização e gestão financeira foram transferidas à Caixa Econômica Federal, conforme as alterações promovidas pela Lei nº 13.530/2017 na Lei nº 10.260/2001 e regulamentadas pela Portaria MEC nº 209/2018. Assiste razão ao FNDE. Para os contratos celebrados a partir do primeiro semestre de 2018, a Caixa Econômica Federal passou a atuar como agente operador único, responsável pela contratação, aditamentos, cobranças e demais atos de gestão financeira e operacional dos contratos do FIES. A responsabilidade do FNDE ficou restrita aos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, o que não é o caso dos autos. Assim, acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, extinguindo-se o processo, sem resolução de mérito, em relação a ele, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015. a.3.3) Da Ilegitimidade Passiva da Fundação Dom Aguirre (IES) A Fundação Dom Aguirre (IES) alega sua ilegitimidade passiva (ID. 299203754), argumentando que os problemas operacionais, as cobranças e a negativação são de responsabilidade exclusiva da CEF e/ou FNDE. A legitimidade passiva ad causam deve ser aferida com base na narrativa da petição inicial. A autora imputa à IES, em sua causa de pedir, a orientação para que realizasse pagamentos diretamente à instituição devido a problemas no FIES, e pleiteia a devolução em dobro desses valores (dano material) diretamente da Fundação. Considerando que há um pedido específico de condenação direcionado à IES, fundado em uma conduta que lhe é atribuída (orientação e recebimento de valores), verifica-se, pela teoria da asserção, a pertinência subjetiva para que a Fundação Dom Aguirre figure no polo passivo, ao menos no que tange a essa pretensão. A análise sobre a efetiva responsabilidade da IES por tais fatos e pela devolução é questão de mérito. Portanto, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva da Fundação Dom Aguirre. a.3.4) Da Legitimidade Passiva da Caixa Econômica Federal - CEF A Caixa Econômica Federal - CEF arguiu sua ilegitimidade passiva (ID. 301288091), atribuindo a gestão do FIES ao MEC/FNDE e à IES. A preliminar não merece acolhida. Conforme já explicitado, para os contratos do "Novo FIES", firmados a partir do primeiro semestre de 2018 – caso da autora –, a CEF atua como agente financeiro e operador único do programa. É responsável, portanto, pela gestão dos contratos, processamento de aditamentos, sistema de cobranças e, crucialmente no caso em tela, pela negativação do nome da estudante e pela "inconsistência sistêmica" em seus sistemas, que a própria instituição admitiu em comunicação com a IES (ID. 274165630). Sendo a CEF a responsável direta pelos atos que fundamentam a maior parte dos pedidos da autora (falha sistêmica, cobrança indevida, negativação), sua legitimidade passiva é inquestionável. Dessa forma, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal. B) DO MÉRITO Superadas as questões processuais e preliminares em relação à CEF e à Fundação Dom Aguirre, passa-se à análise do mérito. B.1) Da Relação Jurídica e Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor As rés CEF e FNDE (este já excluído da lide) sustentaram a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos do FIES. De fato, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que os contratos celebrados no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) não se caracterizam como relação de consumo, por se tratar de programa governamental de fomento à educação, com natureza de política pública, e não de serviço bancário ou financeiro tradicional (cf. STJ, REsp 1.155.684/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/05/2010, DJe 18/05/2010, submetido ao rito dos recursos repetitivos - Tema 75). Portanto, afasta-se a aplicação direta das normas do Código de Defesa do Consumidor ao caso, o que não impede, contudo, a análise da responsabilidade civil das partes com base na legislação civil comum e nos princípios gerais do direito. B.2) Da Falha na Prestação do Serviço de Financiamento Estudantil (FIES) e da Responsabilidade pela Negativação b.2.1) Da Ocorrência de Falha Sistêmica e dos Pagamentos Realizados A autora alega que, em virtude de falhas sistêmicas no FIES, foi orientada a pagar mensalidades diretamente à IES, mesmo estando com seu contrato ativo e realizando aditamentos. A prova documental é robusta nesse sentido. O e-mail enviado pela GIGOVSO02 - Atendimento FIES (Caixa) à Uniso em 26/12/2022 (ID. 274165630) é explícito ao admitir: "1. Informamos que existe uma inconsistência sistêmica, que contabiliza o semestre aditado e que contém suspensão parcial, como 2 semestres utilizados, como é o caso da estudante." O mesmo e-mail relata a necessidade de "ajuste paliativo" e a realização de "inclusão da informação da dilatação 01/2023" para "resolver temporariamente a situação". Essa admissão pela própria CEF corrobora a alegação autoral de que houve uma desorganização em seus sistemas, gerando incerteza e dificultando a regularização do contrato da estudante. Diante desse cenário, os pagamentos realizados pela autora diretamente à Fundação Dom Aguirre (comprovados pelo informe ID. 274166095) mostram-se como uma tentativa de manter sua situação acadêmica regular, frente à orientação da IES (conforme e-mail da Uniso à CEF, ID. 299204628, onde a IES informa que a aluna estava pagando a diferença não cobrada pela CAIXA diretamente à instituição). Assim, reconhece-se a ocorrência de falha na prestação do serviço por parte da Caixa Econômica Federal, caracterizada pela inconsistência sistêmica que afetou a gestão do contrato FIES da autora. b.2.2) Da Responsabilidade pela Negativação Indevida Consequência direta da falha sistêmica foi a negativação do nome da autora pela CEF, por um débito de R$ 7.083,33 (ID. 274165647). Se o sistema da CEF não processava corretamente os aditamentos, suspensões e pagamentos, a cobrança de valores e a subsequente negativação tornam-se indevidas. A própria CEF, ao admitir a "inconsistência sistêmica", reconhece, implicitamente, que a situação da autora não estava regular em seus sistemas por um problema interno. A inscrição em cadastro de inadimplentes, quando indevida, configura ato ilícito. No caso, a negativação decorreu diretamente da desorganização administrativa e falha sistêmica da CEF. Dessa forma, reconhece-se a ilicitude da negativação do nome da autora promovida pela Caixa Econômica Federal. B.3) Do Dano Moral b.3.1) Da Configuração do Dano Moral In Re Ipsa A autora pleiteia indenização por danos morais em razão da negativação indevida e dos transtornos enfrentados. A inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, por si só, é fato gerador de dano moral, na modalidade in re ipsa, ou seja, presumido e que independe da comprovação do efetivo prejuízo psíquico (Súmula 385 do STJ, a contrario sensu, quando não há inscrição legítima preexistente). A responsabilidade pela negativação indevida, como visto, recai sobre a Caixa Econômica Federal, que promoveu a inscrição com base em um débito cuja exigibilidade estava comprometida pela falha em seus próprios sistemas. Quanto à Fundação Dom Aguirre, não se vislumbra conduta direta que tenha causado a negativação. Pelo contrário, a IES buscou, através de demandas à CEF (IDs. 299204626, 299204628), regularizar a situação e informou ter devolvido valores à autora para quitação junto à CEF (ID. 299204631). Assim, configurado está o dano moral sofrido pela autora, exclusivamente em relação à conduta da Caixa Econômica Federal. b.3.2) Da Quantificação da Indenização por Danos Morais A fixação do quantum indenizatório deve pautar-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se a extensão do dano, a capacidade econômica do ofensor, o caráter pedagógico-punitivo da medida e a vedação ao enriquecimento sem causa da vítima. No caso, a negativação indevida, embora gere abalo presumido, foi referente a um contrato de financiamento estudantil, e a situação foi posteriormente regularizada, inclusive com deferimento de tutela de urgência. Considerando as circunstâncias específicas e os parâmetros usualmente adotados pela jurisprudência em casos análogos, o valor de R$ 25.000,00 pleiteado pela autora mostra-se excessivo. Reputa-se razoável e proporcional a fixação da indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser pago pela Caixa Econômica Federal à parte autora. Este valor é suficiente para compensar os transtornos sofridos e para desestimular a reiteração de condutas semelhantes pela ré, sem implicar enriquecimento indevido. B.4) Dos Danos Materiais – Devolução de Valores Pagos à Instituição de Ensino b.4.1) Dos Valores Pagos Diretamente à IES e da Devolução Realizada A autora comprovou ter pago diretamente à Fundação Dom Aguirre o montante de R$ 9.474,58 (ID 274166095). A IES, por sua vez, demonstrou ter devolvido R$ 8.927,15 (soma de R$ 8.299,17 e R$ 627,98, conforme recibo ID 299204631), para que esta pudesse quitar débitos retroativos cobrados pela CEF. Há uma diferença de R$ 547,43 (R$ 9.474,58 - R$ 8.927,15) entre o valor pago pela autora à IES e o valor devolvido pela IES. A Fundação Dom Aguirre não especificou a natureza dessa diferença. Caso este valor não corresponda a taxas ou serviços legitimamente devidos pela autora à IES e não cobertos pelo FIES, deverá ser restituído de forma simples. b.4.2) Do Pedido de Devolução em Dobro A autora requer a devolução em dobro dos valores pagos diretamente à IES, com base no art. 42, parágrafo único, do CDC. Contudo, como já assentado, o CDC não se aplica diretamente aos contratos do FIES. Mesmo que se considerasse o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa e a necessidade de engano injustificável para a repetição em dobro, não se vislumbra má-fé por parte da Fundação Dom Aguirre. A IES recebeu os valores em um contexto de falha sistêmica da CEF e orientou a aluna a pagar diretamente para manter sua situação acadêmica, posteriormente devolvendo a maior parte do montante para regularização junto à CEF. Não se configura, portanto, cobrança indevida dolosa ou erro inescusável por parte da IES que justifique a condenação à devolução em dobro. Assim, indefere-se o pedido de devolução em dobro. Eventual restituição da diferença de R$ 547,43 pela Fundação Dom Aguirre, caso não comprovada sua legitimidade, deverá ocorrer de forma simples. B.5) Da Extinção da Dívida Referente às Parcelas do FIES e da Inexistência do Débito que Originou a Negativação A autora requer a declaração de extinção da dívida das parcelas do FIES que pagou à faculdade e a declaração de inexistência do débito que originou a negativação. Considerando a falha sistêmica da CEF e a ilicitude da negativação, é de rigor declarar a inexigibilidade do débito que ensejou a inscrição do nome da autora nos cadastros de proteção ao crédito (ID. 274165647). As parcelas do FIES que deveriam ter sido cobertas pelos pagamentos efetuados pela autora diretamente à IES (e que foram objeto de devolução pela IES à autora para repasse à CEF) devem ser consideradas quitadas perante a Caixa Econômica Federal, uma vez que a confusão nos pagamentos foi causada por erro da própria instituição financeira. A regularização posterior do contrato, com aditamento para o 2º semestre de 2023, pressupõe o acerto dessas pendências. Portanto, defere-se o pedido para declarar a inexigibilidade do débito que originou a negativação e para reconhecer a quitação das parcelas do FIES correspondentes aos valores efetivamente utilizados para regularizar o contrato perante a CEF, após a devolução feita pela IES. C) DA TUTELA DE URGÊNCIA ANTERIORMENTE DEFERIDA A tutela de urgência foi deferida pela Decisão (ID. 290387135), determinando a exclusão do nome da autora dos cadastros de proteção ao crédito e a regularização de sua situação perante o FIES para continuidade dos estudos. Diante do reconhecimento da ilicitude da negativação e da falha sistêmica, as medidas concedidas devem ser confirmadas. Assim, confirma-se a tutela de urgência anteriormente deferida. D) DOS REQUERIMENTOS FINAIS D.1) Da Justiça Gratuita à Parte Autora A parte autora requereu os benefícios da justiça gratuita, juntando declaração de hipossuficiência (ID. 274165617). A presunção de veracidade de tal declaração (art. 99, §3º, CPC) não foi elidida por prova em contrário robusta. Portanto, defere-se o pedido de justiça gratuita à parte autora. D.2) Dos Honorários Advocatícios e Custas Processuais Tratando-se de processo que tramita sob o rito dos Juizados Especiais Federais, não há condenação em custas processuais nem em honorários advocatícios em primeira instância, salvo comprovada litigância de má-fé, o que não se verifica no caso (art. 55 da Lei nº 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei nº 10.259/2001). DISPOSITIVO Diante do exposto: Acolho as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam da UNIÃO FEDERAL e do FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE e, em relação a eles, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015. II. Rejeito as demais preliminares arguidas. III. No mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por DELAINE CRISTINA FERREIRA MCCLUNG para: - CONDENAR a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF a pagar à parte autora a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, valor este corrigido monetariamente pelo IPCA-E, desde a data da sentença (Súmula 362 STJ), acrescido de juros de mora; - CONDENAR a FUNDAÇÃO DOM AGUIRRE a restituir à parte autora, de forma simples, a eventual diferenças entre o valor pago diretamente à IES de R$ 547,43 (quinhentos e quarenta e sete reais e quarenta e três centavos), caso não comprove que tal diferença se refere a taxas ou serviços legitimamente devidos e não cobertos pelo FIES. Este valor, se devido, deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E desde a data de cada pagamento indevido à IES e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. - DECLARAR a inexigibilidade do débito que ensejou a inscrição do nome da autora nos cadastros de proteção ao crédito, referente ao contrato FIES nº 25.3255.187.0000001-00, e RECONHECER a quitação das parcelas do FIES correspondentes aos valores comprovadamente repassados à Caixa Econômica Federal para regularização contratual, após a devolução efetuada pela Fundação Dom Aguirre; - CONFIRMAR a tutela de urgência deferida pela Decisão (ID. 290387135). IV. JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos, notadamente o de devolução em dobro de valores e o de indenização por danos morais em face da Fundação Dom Aguirre. V. Defiro à parte autora os benefícios da Justiça Gratuita. VI. Sem custas e sem honorários advocatícios nesta instância, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995. Prazo de cumprimento de 15 (quinze) dias para as obrigações de pagar, a partir do trânsito em julgado. A presente decisão observará estritamente os termos e limites da fundamentação supra, que integra este dispositivo. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, cumpridas as determinações, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Registrado eletronicamente. Publique-se. Intime-se. SOROCABA, 2 de junho de 2025.
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24/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Gabinete JEF de Sorocaba | Classe: PETIçãO CíVELPETIÇÃO CÍVEL (241) Nº 5000635-68.2023.4.03.6110 / 2ª Vara Gabinete JEF de Sorocaba REQUERENTE: DELAINE CRISTINA FERREIRA MCCLUNG Advogados do(a) REQUERENTE: GUSTAVO LOENERT ARAUJO - SP487832, VITOR SILVESTRE DA SILVA - SP468735 REQUERIDO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO - FNDE, UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO DOM AGUIRRE Advogado do(a) REQUERIDO: HENRIQUE MARCELLO DOS REIS - SP119323 Advogado do(a) REQUERIDO: MARISSOL QUINTILIANO SANTOS - SP248261 Advogados do(a) REQUERIDO: CAIO TUY DE OLIVEIRA - BA34009, JOAO ALBERTO GRACA - SP165598-A S E N T E N Ç A RELATÓRIO Trata-se de Ação de Procedimento do Juizado Especial Cível Federal proposta por DELAINE CRISTINA FERREIRA MCCLUNG em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, do FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE, da UNIÃO FEDERAL e da FUNDAÇÃO DOM AGUIRRE, objetivando, em síntese, a revisão de contrato de Financiamento Estudantil (FIES), a declaração de inexistência de débitos, a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), solidariamente, além da condenação da Fundação Dom Aguirre à devolução em dobro de valores pagos diretamente à instituição, totalizando R$ 18.949,16 (dezoito mil, novecentos e quarenta e nove reais e dezesseis centavos) a título de danos materiais. Requereu, ainda, a concessão de tutela de urgência e os benefícios da justiça gratuita. Atribuiu à causa o valor de R$ 43.949,16. A petição inicial (ID. 274165603) narra que a autora é beneficiária do FIES para o curso de Odontologia na Universidade de Sorocaba (UNISO), mantida pela Fundação Dom Aguirre. Alega que, devido a problemas sistêmicos no repasse de valores do FIES, foi orientada pela IES a realizar pagamentos de mensalidades diretamente à instituição, enquanto continuava a pagar as taxas de manutenção do contrato à CEF. Sustenta que, apesar de adimplente e com os aditamentos contratuais supostamente regularizados, teve seu nome inscrito indevidamente em cadastros de proteção ao crédito por débitos relativos ao FIES. Juntou documentos, incluindo e-mails trocados com as rés, comprovantes de pagamento, contrato e o comunicado de negativação. Foi proferida Decisão (ID. 281119868) declinando da competência da Vara Federal comum para este Juizado Especial Federal. Posteriormente, foi deferida a tutela de urgência (ID. 290387135) para determinar a exclusão do nome da autora dos cadastros de inadimplentes e para que a Fundação Dom Aguirre cumprisse as obrigações educacionais, independentemente da regularização do financiamento. Citadas, as rés apresentaram contestações. A Fundação Dom Aguirre (ID. 299203754) arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, atribuindo a responsabilidade pelos problemas à CEF e ao FNDE. No mérito, negou responsabilidade pelos erros sistêmicos do FIES, afirmou ter agido de boa-fé ao auxiliar a aluna, inclusive devolvendo valores para quitação junto à CEF, e sustentou a inexistência de danos materiais ou morais a serem por ela reparados. Juntou documentos, incluindo e-mails, comprovante de devolução de valores e informações sobre a situação acadêmica e contratual da autora. A União Federal (ID. 299455371), em sua contestação, também suscitou preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que as questões operacionais do FIES não são de sua alçada. No mérito, reiterou as informações do Ministério da Educação sobre a divisão de responsabilidades na gestão do FIES e pugnou pela improcedência dos pedidos. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE (ID. 300852218) impugnou o valor da causa e arguiu sua ilegitimidade passiva, defendendo que a operacionalização do "Novo FIES", modalidade contratual da autora, é de responsabilidade exclusiva da Caixa Econômica Federal. No mérito, alegou ausência de ato ilícito e de danos morais. A Caixa Econômica Federal - CEF (ID. 301288091) também arguiu ilegitimidade passiva, atribuindo a gestão do FIES ao MEC/FNDE e à IES. No mérito, defendeu a regularidade de sua atuação como agente financeiro, a responsabilidade da estudante e da IES pela regularidade dos aditamentos, a não aplicação do CDC e a inexistência de danos morais. Juntou histórico contratual. A parte autora apresentou réplica (ID. 301517148), rebatendo as preliminares e reiterando os termos da inicial. As partes foram instadas a especificar provas, não havendo outras requeridas além das documentais já acostadas. É o relatório. Decide-se. FUNDAMENTAÇÃO A) DAS QUESTÕES PROCESSUAIS E PRELIMINARES A.1) Da Competência do Juizado Especial Federal A competência deste Juizado Especial Federal para processar e julgar a presente demanda é manifesta. O valor atribuído à causa (R$ 43.949,16) é inferior ao teto de 60 (sessenta) salários-mínimos estabelecido pelo art. 3º da Lei nº 10.259/2001. Ademais, a matéria discutida, envolvendo contrato do FIES e a responsabilidade de entes federais, insere-se na competência da Justiça Federal, já tendo sido objeto de declinação por Vara Federal comum (ID. 281119868). Assim, reconhece-se a competência deste Juizado Especial Federal. A.2) Da Impugnação ao Valor da Causa (arguida pelo FNDE) O FNDE impugnou o valor da causa (ID. 300852218), sustentando que deveria ser reduzido para R$ 1.064,00, por não haver, segundo alega, pretensão econômica imediata. Sem razão o impugnante. Nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil/2015, o valor da causa constará da petição inicial e será, na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido (inciso V), e, quando cumulados pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (inciso VI). No caso, a parte autora formulou pedido de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,000 (vinte e cinco mil reais) e danos materiais de R$ 18.949,16 (dezoito mil novecentos e quarenta e nove reais e dezesseis centavos). O valor atribuído à causa (R$ 43.949,16) corresponde exatamente à soma desses pleitos, refletindo o proveito econômico almejado. Portanto, rejeita-se a impugnação ao valor da causa. A.3) Da Ilegitimidade Passiva (arguida por todos os Réus) Todos os réus arguiram, sob diferentes fundamentos, sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda. As preliminares serão analisadas individualmente. a.3.1) Da Ilegitimidade Passiva da União Federal A União Federal sustenta sua ilegitimidade passiva (ID. 299455371) ao argumento de que a gestão operacional do FIES, incluindo questões contratuais, cobranças e negativações, não se insere em suas atribuições diretas, mas sim do agente operador (CEF) e do FNDE. Com efeito, a Lei nº 10.260/2001, que instituiu o FIES, atribui a gestão do programa ao Ministério da Educação, que estabelece as diretrizes, e a operacionalização ao FNDE (para contratos até o 2º semestre de 2017) ou à instituição financeira pública federal contratada (CEF, para contratos a partir do 1º semestre de 2018, como o da autora). As questões versadas nos autos – falha operacional em sistema de cobrança, regularização de aditamentos, pagamentos e negativação – são afetas à execução e gestão do contrato de financiamento, e não à formulação da política pública de educação em si, que seria a atribuição primária da União no contexto do FIES. Dessa forma, não se vislumbra pertinência subjetiva da União para responder aos pedidos formulados. Pelo exposto, acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva da União Federal, extinguindo-se o processo, sem resolução de mérito, em relação a ela, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015. a.3.2) Da Ilegitimidade Passiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE O FNDE também arguiu sua ilegitimidade passiva (ID. 300852218), sob o fundamento de que o contrato da autora, firmado em 06/04/2018, insere-se no "Novo FIES", cuja operacionalização e gestão financeira foram transferidas à Caixa Econômica Federal, conforme as alterações promovidas pela Lei nº 13.530/2017 na Lei nº 10.260/2001 e regulamentadas pela Portaria MEC nº 209/2018. Assiste razão ao FNDE. Para os contratos celebrados a partir do primeiro semestre de 2018, a Caixa Econômica Federal passou a atuar como agente operador único, responsável pela contratação, aditamentos, cobranças e demais atos de gestão financeira e operacional dos contratos do FIES. A responsabilidade do FNDE ficou restrita aos contratos firmados até o segundo semestre de 2017, o que não é o caso dos autos. Assim, acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, extinguindo-se o processo, sem resolução de mérito, em relação a ele, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015. a.3.3) Da Ilegitimidade Passiva da Fundação Dom Aguirre (IES) A Fundação Dom Aguirre (IES) alega sua ilegitimidade passiva (ID. 299203754), argumentando que os problemas operacionais, as cobranças e a negativação são de responsabilidade exclusiva da CEF e/ou FNDE. A legitimidade passiva ad causam deve ser aferida com base na narrativa da petição inicial. A autora imputa à IES, em sua causa de pedir, a orientação para que realizasse pagamentos diretamente à instituição devido a problemas no FIES, e pleiteia a devolução em dobro desses valores (dano material) diretamente da Fundação. Considerando que há um pedido específico de condenação direcionado à IES, fundado em uma conduta que lhe é atribuída (orientação e recebimento de valores), verifica-se, pela teoria da asserção, a pertinência subjetiva para que a Fundação Dom Aguirre figure no polo passivo, ao menos no que tange a essa pretensão. A análise sobre a efetiva responsabilidade da IES por tais fatos e pela devolução é questão de mérito. Portanto, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva da Fundação Dom Aguirre. a.3.4) Da Legitimidade Passiva da Caixa Econômica Federal - CEF A Caixa Econômica Federal - CEF arguiu sua ilegitimidade passiva (ID. 301288091), atribuindo a gestão do FIES ao MEC/FNDE e à IES. A preliminar não merece acolhida. Conforme já explicitado, para os contratos do "Novo FIES", firmados a partir do primeiro semestre de 2018 – caso da autora –, a CEF atua como agente financeiro e operador único do programa. É responsável, portanto, pela gestão dos contratos, processamento de aditamentos, sistema de cobranças e, crucialmente no caso em tela, pela negativação do nome da estudante e pela "inconsistência sistêmica" em seus sistemas, que a própria instituição admitiu em comunicação com a IES (ID. 274165630). Sendo a CEF a responsável direta pelos atos que fundamentam a maior parte dos pedidos da autora (falha sistêmica, cobrança indevida, negativação), sua legitimidade passiva é inquestionável. Dessa forma, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva da Caixa Econômica Federal. B) DO MÉRITO Superadas as questões processuais e preliminares em relação à CEF e à Fundação Dom Aguirre, passa-se à análise do mérito. B.1) Da Relação Jurídica e Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor As rés CEF e FNDE (este já excluído da lide) sustentaram a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos do FIES. De fato, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que os contratos celebrados no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) não se caracterizam como relação de consumo, por se tratar de programa governamental de fomento à educação, com natureza de política pública, e não de serviço bancário ou financeiro tradicional (cf. STJ, REsp 1.155.684/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/05/2010, DJe 18/05/2010, submetido ao rito dos recursos repetitivos - Tema 75). Portanto, afasta-se a aplicação direta das normas do Código de Defesa do Consumidor ao caso, o que não impede, contudo, a análise da responsabilidade civil das partes com base na legislação civil comum e nos princípios gerais do direito. B.2) Da Falha na Prestação do Serviço de Financiamento Estudantil (FIES) e da Responsabilidade pela Negativação b.2.1) Da Ocorrência de Falha Sistêmica e dos Pagamentos Realizados A autora alega que, em virtude de falhas sistêmicas no FIES, foi orientada a pagar mensalidades diretamente à IES, mesmo estando com seu contrato ativo e realizando aditamentos. A prova documental é robusta nesse sentido. O e-mail enviado pela GIGOVSO02 - Atendimento FIES (Caixa) à Uniso em 26/12/2022 (ID. 274165630) é explícito ao admitir: "1. Informamos que existe uma inconsistência sistêmica, que contabiliza o semestre aditado e que contém suspensão parcial, como 2 semestres utilizados, como é o caso da estudante." O mesmo e-mail relata a necessidade de "ajuste paliativo" e a realização de "inclusão da informação da dilatação 01/2023" para "resolver temporariamente a situação". Essa admissão pela própria CEF corrobora a alegação autoral de que houve uma desorganização em seus sistemas, gerando incerteza e dificultando a regularização do contrato da estudante. Diante desse cenário, os pagamentos realizados pela autora diretamente à Fundação Dom Aguirre (comprovados pelo informe ID. 274166095) mostram-se como uma tentativa de manter sua situação acadêmica regular, frente à orientação da IES (conforme e-mail da Uniso à CEF, ID. 299204628, onde a IES informa que a aluna estava pagando a diferença não cobrada pela CAIXA diretamente à instituição). Assim, reconhece-se a ocorrência de falha na prestação do serviço por parte da Caixa Econômica Federal, caracterizada pela inconsistência sistêmica que afetou a gestão do contrato FIES da autora. b.2.2) Da Responsabilidade pela Negativação Indevida Consequência direta da falha sistêmica foi a negativação do nome da autora pela CEF, por um débito de R$ 7.083,33 (ID. 274165647). Se o sistema da CEF não processava corretamente os aditamentos, suspensões e pagamentos, a cobrança de valores e a subsequente negativação tornam-se indevidas. A própria CEF, ao admitir a "inconsistência sistêmica", reconhece, implicitamente, que a situação da autora não estava regular em seus sistemas por um problema interno. A inscrição em cadastro de inadimplentes, quando indevida, configura ato ilícito. No caso, a negativação decorreu diretamente da desorganização administrativa e falha sistêmica da CEF. Dessa forma, reconhece-se a ilicitude da negativação do nome da autora promovida pela Caixa Econômica Federal. B.3) Do Dano Moral b.3.1) Da Configuração do Dano Moral In Re Ipsa A autora pleiteia indenização por danos morais em razão da negativação indevida e dos transtornos enfrentados. A inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, por si só, é fato gerador de dano moral, na modalidade in re ipsa, ou seja, presumido e que independe da comprovação do efetivo prejuízo psíquico (Súmula 385 do STJ, a contrario sensu, quando não há inscrição legítima preexistente). A responsabilidade pela negativação indevida, como visto, recai sobre a Caixa Econômica Federal, que promoveu a inscrição com base em um débito cuja exigibilidade estava comprometida pela falha em seus próprios sistemas. Quanto à Fundação Dom Aguirre, não se vislumbra conduta direta que tenha causado a negativação. Pelo contrário, a IES buscou, através de demandas à CEF (IDs. 299204626, 299204628), regularizar a situação e informou ter devolvido valores à autora para quitação junto à CEF (ID. 299204631). Assim, configurado está o dano moral sofrido pela autora, exclusivamente em relação à conduta da Caixa Econômica Federal. b.3.2) Da Quantificação da Indenização por Danos Morais A fixação do quantum indenizatório deve pautar-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se a extensão do dano, a capacidade econômica do ofensor, o caráter pedagógico-punitivo da medida e a vedação ao enriquecimento sem causa da vítima. No caso, a negativação indevida, embora gere abalo presumido, foi referente a um contrato de financiamento estudantil, e a situação foi posteriormente regularizada, inclusive com deferimento de tutela de urgência. Considerando as circunstâncias específicas e os parâmetros usualmente adotados pela jurisprudência em casos análogos, o valor de R$ 25.000,00 pleiteado pela autora mostra-se excessivo. Reputa-se razoável e proporcional a fixação da indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser pago pela Caixa Econômica Federal à parte autora. Este valor é suficiente para compensar os transtornos sofridos e para desestimular a reiteração de condutas semelhantes pela ré, sem implicar enriquecimento indevido. B.4) Dos Danos Materiais – Devolução de Valores Pagos à Instituição de Ensino b.4.1) Dos Valores Pagos Diretamente à IES e da Devolução Realizada A autora comprovou ter pago diretamente à Fundação Dom Aguirre o montante de R$ 9.474,58 (ID 274166095). A IES, por sua vez, demonstrou ter devolvido R$ 8.927,15 (soma de R$ 8.299,17 e R$ 627,98, conforme recibo ID 299204631), para que esta pudesse quitar débitos retroativos cobrados pela CEF. Há uma diferença de R$ 547,43 (R$ 9.474,58 - R$ 8.927,15) entre o valor pago pela autora à IES e o valor devolvido pela IES. A Fundação Dom Aguirre não especificou a natureza dessa diferença. Caso este valor não corresponda a taxas ou serviços legitimamente devidos pela autora à IES e não cobertos pelo FIES, deverá ser restituído de forma simples. b.4.2) Do Pedido de Devolução em Dobro A autora requer a devolução em dobro dos valores pagos diretamente à IES, com base no art. 42, parágrafo único, do CDC. Contudo, como já assentado, o CDC não se aplica diretamente aos contratos do FIES. Mesmo que se considerasse o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa e a necessidade de engano injustificável para a repetição em dobro, não se vislumbra má-fé por parte da Fundação Dom Aguirre. A IES recebeu os valores em um contexto de falha sistêmica da CEF e orientou a aluna a pagar diretamente para manter sua situação acadêmica, posteriormente devolvendo a maior parte do montante para regularização junto à CEF. Não se configura, portanto, cobrança indevida dolosa ou erro inescusável por parte da IES que justifique a condenação à devolução em dobro. Assim, indefere-se o pedido de devolução em dobro. Eventual restituição da diferença de R$ 547,43 pela Fundação Dom Aguirre, caso não comprovada sua legitimidade, deverá ocorrer de forma simples. B.5) Da Extinção da Dívida Referente às Parcelas do FIES e da Inexistência do Débito que Originou a Negativação A autora requer a declaração de extinção da dívida das parcelas do FIES que pagou à faculdade e a declaração de inexistência do débito que originou a negativação. Considerando a falha sistêmica da CEF e a ilicitude da negativação, é de rigor declarar a inexigibilidade do débito que ensejou a inscrição do nome da autora nos cadastros de proteção ao crédito (ID. 274165647). As parcelas do FIES que deveriam ter sido cobertas pelos pagamentos efetuados pela autora diretamente à IES (e que foram objeto de devolução pela IES à autora para repasse à CEF) devem ser consideradas quitadas perante a Caixa Econômica Federal, uma vez que a confusão nos pagamentos foi causada por erro da própria instituição financeira. A regularização posterior do contrato, com aditamento para o 2º semestre de 2023, pressupõe o acerto dessas pendências. Portanto, defere-se o pedido para declarar a inexigibilidade do débito que originou a negativação e para reconhecer a quitação das parcelas do FIES correspondentes aos valores efetivamente utilizados para regularizar o contrato perante a CEF, após a devolução feita pela IES. C) DA TUTELA DE URGÊNCIA ANTERIORMENTE DEFERIDA A tutela de urgência foi deferida pela Decisão (ID. 290387135), determinando a exclusão do nome da autora dos cadastros de proteção ao crédito e a regularização de sua situação perante o FIES para continuidade dos estudos. Diante do reconhecimento da ilicitude da negativação e da falha sistêmica, as medidas concedidas devem ser confirmadas. Assim, confirma-se a tutela de urgência anteriormente deferida. D) DOS REQUERIMENTOS FINAIS D.1) Da Justiça Gratuita à Parte Autora A parte autora requereu os benefícios da justiça gratuita, juntando declaração de hipossuficiência (ID. 274165617). A presunção de veracidade de tal declaração (art. 99, §3º, CPC) não foi elidida por prova em contrário robusta. Portanto, defere-se o pedido de justiça gratuita à parte autora. D.2) Dos Honorários Advocatícios e Custas Processuais Tratando-se de processo que tramita sob o rito dos Juizados Especiais Federais, não há condenação em custas processuais nem em honorários advocatícios em primeira instância, salvo comprovada litigância de má-fé, o que não se verifica no caso (art. 55 da Lei nº 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei nº 10.259/2001). DISPOSITIVO Diante do exposto: Acolho as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam da UNIÃO FEDERAL e do FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE e, em relação a eles, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil/2015. II. Rejeito as demais preliminares arguidas. III. No mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por DELAINE CRISTINA FERREIRA MCCLUNG para: - CONDENAR a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF a pagar à parte autora a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, valor este corrigido monetariamente pelo IPCA-E, desde a data da sentença (Súmula 362 STJ), acrescido de juros de mora; - CONDENAR a FUNDAÇÃO DOM AGUIRRE a restituir à parte autora, de forma simples, a eventual diferenças entre o valor pago diretamente à IES de R$ 547,43 (quinhentos e quarenta e sete reais e quarenta e três centavos), caso não comprove que tal diferença se refere a taxas ou serviços legitimamente devidos e não cobertos pelo FIES. Este valor, se devido, deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E desde a data de cada pagamento indevido à IES e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. - DECLARAR a inexigibilidade do débito que ensejou a inscrição do nome da autora nos cadastros de proteção ao crédito, referente ao contrato FIES nº 25.3255.187.0000001-00, e RECONHECER a quitação das parcelas do FIES correspondentes aos valores comprovadamente repassados à Caixa Econômica Federal para regularização contratual, após a devolução efetuada pela Fundação Dom Aguirre; - CONFIRMAR a tutela de urgência deferida pela Decisão (ID. 290387135). IV. JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos, notadamente o de devolução em dobro de valores e o de indenização por danos morais em face da Fundação Dom Aguirre. V. Defiro à parte autora os benefícios da Justiça Gratuita. VI. Sem custas e sem honorários advocatícios nesta instância, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995. Prazo de cumprimento de 15 (quinze) dias para as obrigações de pagar, a partir do trânsito em julgado. A presente decisão observará estritamente os termos e limites da fundamentação supra, que integra este dispositivo. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, cumpridas as determinações, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Registrado eletronicamente. Publique-se. Intime-se. SOROCABA, 2 de junho de 2025.