Processo nº 50006535520244036110

Número do Processo: 5000653-55.2024.4.03.6110

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TRF3
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 4ª Vara Federal de Sorocaba
Última atualização encontrada em 25 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 25/06/2025 - Intimação
    Órgão: 4ª Vara Federal de Sorocaba | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5000653-55.2024.4.03.6110 / 4ª Vara Federal de Sorocaba AUTOR: J. L. MOTORES AERONAUTICOS LTDA Advogados do(a) AUTOR: ANDREIA DE MORAES - SP174493, MAURICIO VITAL MOREIRA DE SOUZA NETO - SP402991 REU: CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO S E N T E N Ç A 1. RELATÓRIO Trata-se de ação ajuizada por J. L. MOTORES AERONAUTICOS LTDA - CNPJ: 09.307.418/0001-10 (AUTOR) em face do CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO - CNPJ: 60.985.017/0001-77. Alega a parte autora que atua no ramo de manutenção de motores de aeronaves desde 03/01/2008, tendo como responsável técnico seu sócio fundador, Sr. João Lourençon Neto, técnico em manutenção de aeronaves, que se filiou voluntariamente ao CREA-SP. Após o falecimento do Sr. João Lourençon Neto em 2020, a autora contratou novo técnico, Sr. Moisés Mendes Silva, registrado no Conselho Regional dos Técnicos Industriais de São Paulo (CRT-SP), vinculando-se a este órgão, competente para a fiscalização da atividade exercida pela autora. Em 16/10/2020, a autora requereu o cancelamento do seu registro junto ao CREA-SP, comprovando o registro regular do novo responsável técnico no CRT-SP e apresentando certidão de registro e quitação da pessoa jurídica. Em 23/11/2020, foi informado que a análise do pedido demandaria fiscalização in loco, inviabilizada pela pandemia. Apesar disso, a autora continuou recebendo cobranças das anuidades referentes a 2021, 2022 e 2023, que foram protestadas, mesmo após reclamações e contatos com o SAC da ré e com o departamento jurídico do CRT-SP, que garantiram a indevida cobrança pelo CREA-SP. Em outubro de 2023, a autora foi notificada do indeferimento do pedido de cancelamento, sendo obrigada a indicar como responsável técnico um engenheiro aeronáutico ou mecânico com especialização em aeronáutica, sob pena de autuação. A autora sustenta que a responsabilidade técnica assumida pelo Sr. Moisés Mendes Silva está formalmente em ordem, pois as atividades exercidas não são privativas dos profissionais tratados na Lei 5.194/66, e que a exigência da ré é ilegal e abusiva. Alega que a cobrança e protesto das anuidades são indevidos, causando danos morais e obrigando-a a pagar valores indevidos para evitar prejuízos comerciais e para a baixa dos protestos, além de custas e honorários advocatícios. Para reforçar sua alegação, a autora fundamenta-se na legislação que regulamenta a profissão de técnico industrial (Lei 5.524/1968 e Decreto 90.922/1985), na criação do Conselho Federal e Regionais dos Técnicos Industriais pela Lei 13.639/2018, e na competência da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para regulamentar e fiscalizar as atividades de aviação civil, que autoriza o cadastramento de técnicos em manutenção de aeronaves como responsáveis técnicos, conforme Instrução Suplementar nº 145.151-001 da ANAC. Sustenta que a atividade da autora não é privativa de engenheiros, conforme jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, que reconhecem a desnecessidade de registro no CREA para atividades que não são privativas da engenharia. Diante disso, requer a declaração de inexigibilidade dos débitos referentes às anuidades de 2021 a 2023, a restituição em dobro dos valores pagos, a condenação por danos morais no valor equivalente aos valores pagos indevidamente, a obrigação de fazer para cancelar o registro da autora junto ao CREA-SP desde a data do requerimento de cancelamento (16/10/2020), e a obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de exigir a contratação de engenheiro como responsável técnico e de realizar fiscalizações e autuações nesse sentido, sob pena de multa diária. A parte autora comprova o recolhimento das custas processuais (ID. 315575968). Em sua contestação (ID. 315575618), o CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SÃO PAULO – CREA-SP, autarquia federal responsável pela fiscalização do exercício das profissões regulamentadas, preliminarmente alegou a desnecessidade de juntada de procuração em razão da natureza jurídica da autarquia, conforme Súmula 644 do STF e artigo 9º da Lei 9.469/1997, requerendo, subsidiariamente, prazo para juntada do documento. No mérito, contestou a concessão da tutela antecipada, argumentando ausência dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, pois o pedido liminar se confunde com o mérito da ação e não há risco iminente de dano irreparável, já que o protesto foi pago e não há notícia de autuação. Sustentou que a autora não demonstrou a probabilidade do direito, pois a ANAC não tem legitimidade para definir o conselho profissional ao qual as empresas devem se submeter, sendo esta competência exclusiva do CONFEA, e que a atividade da autora, manutenção de motores aeronáuticos, é atividade típica de engenharia aeronáutica, sujeita à fiscalização do CREA-SP, conforme legislação específica (Leis 5.194/66 e 6.839/80, Decretos 23.569/33 e 8.620/46, Resoluções do CONFEA 218/72 e 417/98). Argumentou que o registro no CREA-SP é obrigatório para empresas que executam serviços relacionados à engenharia, independentemente do responsável técnico indicado, e que a presença de engenheiro é essencial, conforme as atribuições previstas na legislação e reconhecidas pela ANAC, que recomenda a existência de departamento de engenharia nas empresas de manutenção aeronáutica. Requereu, caso não seja reconhecida a exigibilidade do registro, a produção de prova pericial por engenheiro aeronáutico ou mecânico habilitado para averiguar as atividades da autora. Quanto às cobranças, sustentou que são legais, pois as anuidades têm natureza tributária, cujo fato gerador é a inscrição ativa no conselho, e que não houve suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não cabendo indenização por danos morais, especialmente porque o protesto foi pago e a autora demorou oito meses para ajuizar a ação. Subsidiariamente, pediu a aplicação do artigo 165 do Código Tributário Nacional para eventual restituição, afastando a restituição em dobro prevista no Código Civil, e a fixação de indenização por danos morais em valor não superior a R$ 500,00, por ausência de prova do dano e desproporcionalidade do valor pretendido. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos, condenação da autora ao pagamento de custas e honorários, e protestou pela produção de prova pericial. Foi determinada a regularização da representação da requerida (ID. 318221225). A parte autora reiterou o pedido de tutela provisória de urgência, alegando que lhe foi imposta multa pela requerida, além da ameaça de imposição de novas sanções (ID. 318030078). O juízo concedeu tutela antecipada para suspender a exigibilidade das cobranças relativas às anuidades e multas devidas ao CREA-SP, bem como para que a ré se abstenha de fiscalizar e autuar a autora até o julgamento final da demanda, fundamentando-se na análise do objeto social da autora, que é a manutenção e reparação de motores de aviação, atividade que não é privativa de engenheiros, conforme jurisprudência consolidada (ID nº 318647045). A audiência de conciliação foi dispensada. Em petição intercorrente, o CREA-SP reiterou sua contestação (ID nº 325184776). O juízo determinou a regularização da contestação pela ré, em razão da ausência de procuração do advogado subscritor, sob pena de não conhecimento da peça (ID nº 333987374). A ré juntou procuração posteriormente (ID nº 346116876). O juízo determinou a manifestação das partes sobre as provas que pretendem produzir, sob pena de indeferimento, e a manifestação da autora acerca da contestação (ID nº 333987374). A autora apresentou réplica (ID nº 344978332), alegando irregularidade na representação processual da ré, requerendo o reconhecimento da revelia em razão da ausência de procuração válida, e, no mérito, reiterou a inexigibilidade dos débitos, a regularidade do registro junto ao CRT-SP, a ilegalidade das cobranças e protestos, e a necessidade de condenação da ré à restituição em dobro dos valores pagos, inclusive das multas aplicadas posteriormente, bem como à indenização por danos morais. É relatório, passo ao julgamento. 2. FUNDAMENTAÇÃO Cinge-se a controvérsia acerca da sujeição das atividades prestadas pela autora à fiscalização do CREA-SP para avaliar a validade da recusa em cancelar o seu registro perante o Conselho e se são devidas as anuidades referentes aos exercícios posteriores ao pedido de cancelamento. De acordo com a documentação acostada aos autos, a parte autora tem como objeto social a “manutenção e reparação de aeronaves, exceto a manutenção na pista” (ID. 314911472 e 314911473), tratando-se de atividade regulada pela Agência Nacional de Aviação Civil- ANAC, nos termos do art. 8º, XVI, da Lei nº 11.182/2005 c/c art. 66, II e 70 da Lei nº 7.565/86. Tratando especificamente do assunto, o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil nº 145 trata das organizações de manutenção de produto aeronáutico, estabelecendo “como obter um certificado de organização de manutenção de produto aeronáutico e contém as regras relacionadas ao seu desempenho na manutenção, manutenção preventiva ou alteração de artigos aos quais se aplica o RBAC 43” (145.1), destacando a impossibilidade de operar no setor sem, ou em violação a, um certificado, a menos que expressamente autorizado pela ANAC (145.5). Dentre os diversos requisitos estabelecidos para a obtenção e manutenção do certificado, é exigida, para a organização localizada no Brasil, “pelo menos um RT com vínculo contratual, a ser cadastrado na ANAC conforme estabelecido no Apêndice A-I deste regulamento” (145.151.(a)-II), onde RT significa a pessoa com registro no correspondente conselho de fiscalização de profissão que assume responsabilidade técnica por serviços realizados por uma pessoa jurídica (145.3). Detalhando os requisitos relacionados ao responsável técnico, a Instrução Suplementar – IS Nº 145.151-001 estabelece que este deverá “ser regularmente registrado no correspondente conselho de fiscalização da profissão, da região da base principal da organização de manutenção à qual pretende se vincular” e “possuir título de técnico industrial, técnico de nível superior (tecnólogo) ou engenheiro” (5.2.1), destacando que “a tabela do Apêndice B desta IS apresenta os critérios para constatação da elegibilidade do RT” (5.2.2), que admite, para todas as categorias o técnico em manutenção de aeronave como responsável técnico. Diante disso, têm-se que as normas que regulatórias da aviação civil dispensam que haja um engenheiro como responsável técnico pelas atividades de manutenção de produto aeronáutico, admitindo que outros profissionais figurem na função, dentre eles o técnico em manutenção de aeronaves. Destaca-se que a ANAC não define a qual conselho de classe a pessoa jurídica ou seus profissionais estão submetidos, mas tem competência regulatória da atividade e definição dos seus requisitos essenciais, no exercício do poder de polícia aeronáutica. A partir dessa regulação é que se deve definir se a atividade desenvolvida é ou não sujeita à fiscalização do CREA. Importante ressaltar que a legislação aeronáutica é posterior e especial em relação à Lei nº 5.194/1966, diante de um conflito aparente entre normas. Em síntese, não se pode admitir que o CREA estabeleça requisitos diversos daqueles indicados pela Agência Reguladora do setor econômico. Portanto, têm-se que a atividade atualmente exercida pela parte autora não se submete ao Poder de Polícia do CREA, pois não são privativas dos profissionais elencados na Lei nº 5.194/66, nos termos das normas regulatórias próprias do setor no qual atua. Com relação às anuidades cobradas, têm-se que o fato gerador é a inscrição ativa perante o Conselho Profissional, consoante se observa da regra-matriz tributária descrita no art. 63 da Lei nº 5.194/66. Contudo, no caso dos autos, têm-se que a parte autora requereu o cancelamento da inscrição junto ao CREA no dia 16/10/2020, conforme requerimento que consta na p. 23 do ID 314912014, de modo que a inscrição foi mantida ativa por conduta ilegal do CREA, seja em razão da excessiva demora na análise do requerimento, decidido apenas em 25/09/2023 e comunicada ao autor em 28/09/2023 (p. 32 ID. 314912015), seja em razão da ausência de fundamento legal para o indeferimento e concomitante exigência de indicação, como responsável técnico, de engenheiro aeronáutico ou engenheiro mecânico com especialização em aeronáutica, pelas razões acima expostas. Portanto, não é possível impor ao contribuinte o ônus de suportar uma exação cujo fato gerador decorreu de conduta ilícita do conselho profissional. Destaca-se que, embora formalmente exija-se apenas a inscrição ativa, não se pode olvidar que a taxa de polícia tem como fundamento último o exercício regular do poder de polícia, o que pressupõe a competência do órgão para tanto, conforme dispõe o art. 77 c/c 78, P.U, do CTN. Desse modo, conclui-se que são indevidas as anuidades referentes aos anos posteriores ao pedido de cancelamento, bem como as sanções aplicadas pelo CREA com fundamento na exigência de que a autora tenha um engenheiro como responsável técnico. Há o dever de repetição dos valores pagos indevidamente pela parte autora com os acréscimos legais calculados pela SELIC, em razão do princípio da isonomia entre os créditos do fisco e do contribuinte, devendo ser observadas as diretrizes gerais que constam no manual de cálculos da Justiça Federal. É indevida a repetição em dobro, na medida em que a repetição de tributos encontra regra específica, nos temos já destacados. Ao valor do tributo pago indevidamente, deverá ser acrescido os custos comprovados para a baixa dos protestos indevidos. Com relação ao pedido de indenização por danos morais, tratando-se de pessoa jurídica, têm-se que é possível a ocorrência desta espécie de dano quando restar demonstrada uma violação à sua honra objetiva, notadamente por meio de atos que comprometam a sua credibilidade perante a sociedade. No caso dos autos, embora tenha havido o protesto de débitos indevidos, não restou comprovada a efetiva ocorrência de dano à honra objetiva da empresa, notadamente em razão do pagamento das dívidas após notificação cartorária, em cumprimento ao dever de mitigar as próprias perdas. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, provendo a extinção do feito com fundamento no art. 487, I, do CPC, para: a) Declarar que as atividades da parte autora não são privativas de engenheiros, arquitetos e engenheiro agrônomo e, portanto, não estão sujeitas à fiscalização do CONFEA e CREA-SP; e b) Condenar o CREA/SP a promover o cancelamento do registro do autor, com efeitos retroativos ao seu requerimento; e c) Declarar a inexigibilidade das anuidades referentes aos períodos posteriores ao pedido de cancelamento do registro, ficando o CREA/SP condenado a se abster de promover quaisquer atos visando a cobrança do referido débito. d) Condeno a parte requerida à restituição das anuidades pagas indevidamente e o ressarcimento das custas cartorárias arcadas pela parte autora, devendo o valor ser corrigido pela taxa SELIC desde a data do pagamento indevido. e) Julgo improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais. f) Tendo a parte autora sucumbido em parte mínima, condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência no valor de R$ 5.716,05, nos termos da Tabela de Honorários Advocatícios da OAB/SP, pois irrisório o valor da causa (art. 85, §8º e §8º-A, do CPC). Precedente: TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5000430-52.2022.4.03.6311, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 27/11/2024, DJEN DATA: 02/12/2024. Sentença não sujeita à remessa necessária. Publique-se. Intime-se. Datado e assinado eletronicamente. ADSON JEAN MENDES LAVOR Juiz Federal Substituto