TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária
RELATORA | : Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA |
APELANTE | : WILLIAM HUMBERTO DOS SANTOS (AUTOR) |
ADVOGADO(A) | : DANIELI BOSCHETTI WISNIEWSKI (OAB RS106099) |
APELADO | : OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : Cristiano da Silva Breda (OAB RS040466) |
ADVOGADO(A) | : PAULO TURRA MAGNI (OAB RS017732) |
ADVOGADO(A) | : ARTHUR SPONCHIADO DE AVILA (OAB RS054157) |
ADVOGADO(A) | : PAULO TURRA MAGNI |
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO.
DECISÃO MONOCRÁTICA, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INCISOS IV E V DO CPC, COMBINADO COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS.
caracterizada hipótese de inovação recursal. recurso conhecido em parte.
JUROS REMUNERATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO DO PEDIDO DE LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA AUFERIDA PELO BACEN NAS HIPÓTESES EM QUE VERIFICADA ABUSIVIDADE NA TAXA CONTRATADA, O QUE NÃO REFLETE O CASO EM TELA.
CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. QUANDO DO JULGAMENTO DO RESP 1.388.972/SC, SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS, O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FIXOU A TESE RELATIVA À POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS EM QUALQUER PERIODICIDADE, EM CONTRATO DE MÚTUO, DESDE QUE PRESENTE PACTUAÇÃO EXPRESSA. INTELIGÊNCIA DAS SÚMULAS NS. 539 E 541 DO STJ. CONTRATAÇÃO EXPRESSAMENTE PREVISTA.
RESTITUIÇÃO DE VALORES. INVIABILIDADE. NÃO VERIFICADA A REALIZAÇÃO DE PAGAMENTOS A MAIOR PELA PARTE DEVEDORA.
MORA. SOMENTE A EXIGÊNCIA DE ENCARGOS REMUNERATÓRIOS ILEGAIS DESCARACTERIZA A MORA DO DEVEDOR.
HONORÁRIOS RECURSAIS. APELO INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA SOB A VIGÊNCIA DA LEI 13.105/2015. INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 85, § 11, DE REFERIDO REGRAMENTO.
RECURSO conhecido em parte e DESPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
De início, consigno a possibilidade de julgamento monocrático do presente recurso, a teor do disposto pelos artigos 932, incisos IV e V, alíneas “a”, “b” e “c” do Código de Processo Civil e 206, inciso XXXVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. Dito isso e estando, portanto, justificada a apreciação singular na hipótese, passo, de pronto, à análise da irresignação.
Trata-se de recurso de apelação interposto por WILLIAM HUMBERTO DOS SANTOS em face da sentença, proferida nos autos da ação revisional de contrato que contende com OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:
Cuidam os autos de ação revisional ajuizada por WILLIAM HUMBERTO DOS SANTOS contra OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO.
Relatou a parte autora ter celebrado com o réu contrato bancário para financiamento de veículo com garantia de alienação fiduciária. Defendeu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, requerendo antecipação de tutela e a revisão contratual em razão da nulidade de cláusulas contratuais abusivas. Pediu, ainda, a descaracterização da mora e a restituição ou compensação dos valores pagos a maior. Juntou documentos.
Citada, a parte ré apresentou contestação. No mérito, alegou que as partes realizaram contratação sem vícios, sendo possíveis, lícitas e válidas as cláusulas entabuladas. Juntou documentos.
Sem mais provas, vieram os autos conclusos.
É O RELATÓRIO.
[...]
Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a ação revisional ajuizada por WILLIAM HUMBERTO DOS SANTOS contra OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, relativa ao(s) contrato(s) objeto(s) dos autos.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, que restam suspensas em tendo havido o deferimento da AJG.
Em suas razões (evento 25, APELAÇÃO1), a parte recorrente postula: a limitação dos juros remuneratórios à taxa média auferida pelo BACEN; o afastamento da capitalização de juros e da comissão de permanência; a descaracterização da mora, afastando a cobrança dos encargos moratórios; e a limitação da multa. Colaciona precedentes e, ao final, postula pelo provimento de sua irresignação a fim de que reste julgado integralmente procedente o pedido inicial.
Apresentadas contrarrazões (evento 31, CONTRAZ1), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.
É o relatório.
Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.
DA INOVAÇÃO RECURSAL
Inicialmente, cumpre registrar que os pedidos de multa e comissão de permanência não foram veiculados na exordial. Portanto, não conheço do recurso no que toca a esses pontos, pois se trata de verdadeira inovação em sede recursal.
DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL
É legitima a revisão judicial de contrato em situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória.
Nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, incide o Código de Defesa do Consumidor consoante o enunciado da Súmula 297 do STJ1, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente.
DOS JUROS REMUNERATÓRIOS
No que pertine aos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou, no Recurso Especial nº 1.061.530/RS:
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
Nessa esteira, para a revisão da taxa de juros remuneratórios, nos contratos firmados com as instituições financeiras que compreendem o Sistema Financeiro Nacional, serão observadas as regras da legislação consumerista, que não permitem vantagem excessiva dos bancos em desfavor dos consumidores (artigos 39, inciso V, e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor).
No julgamento do REsp 2.009.6142, a Superior Corte especificou critérios para análise da abusividade das taxas de juros remuneratórios contratadas:
a) a caracterização de relação de consumo;
b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e
c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
Somado a isso, a orientação da Superior Corte é no sentido de que a taxa média de mercado auferida pelo BACEN é um elemento norteador do exame da existência de abusividade e não elemento limitador.
Diante do posicionamento sedimentado pelo STJ sobre os vetores de análise da abusividade dos juros remuneratórios e da posição firmada pelos Colegas que integram esta 13ª Câmara Cível deste Tribunal, refleti sobre o tema, bem como, a fim de não gerar expectativa de direito, e, evitar dificuldade ao próprio consumidor no adimplemento do contrato, considerando as tutelas provisórias que envolvem demandas dessa natureza, revejo minha posição, e retomo o entendimento da maioria.
Feitas essas considerações, passo ao exame do caso concreto.
No contrato submetido à revisão nestes autos (FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM MÓVEL), verifica-se que a taxa pactuada entre as partes está em concordância com a média de mercado.
Conforme o estipulado pelo Banco Central do Brasil – BACEN, o percentual médio de juros para o período da contratação (12/2023) foi de 25,52% ao ano (20749 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos), enquanto o contrato apresentou TAXA ANUAL 35,60%, como vê do instrumento contratual (evento 1, CONTR5).
A diferença entre a taxa contratada e a média apurada pelo BACEN não alcança patamar significativo, inexistindo discrepância na totalidade do débito pactuado com o montante emprestado. E mesmo considerando a garantia de alienação fiduciária ofertada, circunstância que mitiga os riscos do negócio, as taxas previamente pactuadas não importam em desvantagem excessiva ao consumidor.
Dessa forma, na situação em apreço, considerando a orientação da Superior Instância no sentido de que a taxa média de mercado não é um limitador, mas elemento norteador para o exame de eventual abusividade, na situação em apreço as taxas ajustadas não devem ser consideradas abusivas.
Feitas estas considerações, impõe-se o acolhimento da irresignação.
CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS
Consoante entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, a incidência da capitalização dos juros em contrato de mútuo depende de pactuação expressa, consoante entendimento sedimentado no REsp 1.388.972/SC3.
Ademais, é válida a cobrança da capitalização quando possível a verificação de sua incidência mediante a análise comparativa das taxas mensais e anuais contratadas, esta última superando o duodécuplo da taxa mensal.
Nesta direção, as Súmulas 539 e 541 do STJ, in verbis:
Súmula n. 539 do STJ. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.
Súmula 541. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.
Nesse âmbito, diante da existência de pactuação expressa do referido encargo no contrato em análise, plenamente possível a manutenção da cobrança na periodicidade validamente ajustada entre as partes.
DA CARACTERIZAÇÃO DA MORA
Tendo em vista o não reconhecimento da presença de abusividade nos encargos da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização), resta caracterizada a mora4.
DA COMPENSAÇÃO E REPETIÇÃO DE VALORES
Considerando que somente aquele que recebeu o que lhe não era devido, fica, por força de lei, obrigado a restituir, e, no caso em tela, o contrato está sendo mantido, o pleito não prospera.
DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS
Ausente modificação no resultado do presente julgamento, permanece inalterada a distribuição dos ônus de sucumbência.
Outrossim, no que se refere à remuneração dos procuradores, tratando-se de recurso interposto já sob a vigência da lei 13.105/2015, aplicável à espécie o disposto no artigo 85, § 115, do supracitado regramento, motivo pelo qual vão majorados os honorários advocatícios, arbitrados na origem, para 15% sobre o valor atualizado da causa.
Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, na medida em que a parte autora goza do benefício da gratuidade de justiça, nos termos do artigo 98, parágrafo 3.º, do Código de Processo Civil.
DISPOSITIVO
Isto posto, conheço em parte e nego provimento ao recurso.
Agendada intimação.