AUTOR | : JOAO ELPIDIO VITSCHORECH DE MEDEIROS |
ADVOGADO(A) | : DIEIZON SCHUBERT ZANINI (OAB RS097493) |
RÉU | : COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO VALE DO JAGUARI E ZONA DA MATA - SICREDI VALE DO JAGUARI E ZONA DA MATA RS/MG |
ADVOGADO(A) | : MARCELO PENA NORONHA (OAB RS032978) |
ADVOGADO(A) | : LUIS FELIPE FRASSONI DE ABREU (OAB RS103921) |
ADVOGADO(A) | : ALYNE GIODA NORONHA (OAB RS082583) |
PROPOSTA DE SENTENÇA
Vistos, etc.
I – RELATÓRIO
1. JOÃO ELPÍDIO WITSCHORECH DE MEDEIROS ajuizou ação em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO VALE DO JAGUARI E ZONA DA MATA - SICREDI VALE DO JAGUARI E ZONA DA MATA RS/MG, narrando que:
O autor é correntista junto à ré desde 16/01/2018, Agência 0437, conta corrente nº 45676-4. No dia 29/07/2024, por volta das 15:30, recebeu uma ligação telefônica do número 553030003344. Quando atendeu, supostamente se tratava da central telefônica do Sicredi, cujo assistente virtual perguntou se o autor reconhecia uma transação bancária via PIX no valor de R$ 2.340,00. Caso reconhecesse era para digitar 1, e, caso não reconhecesse era para digitar 2 O autor digitou o número 2 e imediatamente uma pessoa começou a falar, identificando-se como atendente da ré, de nome Douglas Soares, fornecendo seu suposto cód. funcional (599), informando que a conversa estava sendo gravada, passando o número de protocolo: 20248949010390. Ao ratificar que não reconhecia a transação via PIX citada acima, o autor passou a ser orientado a acessar seu aplicativo da conta bancária para cancelar mais duas transações supostamente agendadas em sua conta. Para tanto, o suposto atendente, com prévio conhecimento de todos os dados sensíveis do autor junto à ré, como exemplo, CPF, endereço, número de agência e conta, valor exato do crédito para empréstimo disponível ao autor (crédito fácil), saldo em conta corrente, orientou este a contratar o empréstimo de R$ 23.000,00 e realizar duas transações via pix, que supostamente seriam cancelamentos das transações agendadas, uma no valor de R$ 17.999,00 e outra no valor de R$ 5.500,00, uma para ONEPAY e outra para sua conta Mercado Pago, e desta para outra conta Mercado Pago. O autor então tomou o empréstimo para pagamento em 48 parcelas de R$ 1.134,74, totalizando ao final o valor de R$ 55.233,41, com vencimento da primeira parcela em 27/09/2024. Após tomar o empréstimo e ter realizado as duas transferências via PIX, o autor recebeu em seu WhatsApp um suposto número de protocolo (202404767001), com o logotipo do Sicredi, solicitando que enviasse os comprovantes de pagamento via PIX que havia feito. O autor então perguntou o nome do atendente, o qual se identificou como Antônio Carlos, nome diferente do informado inicialmente pelo telefone, razão pela qual informou que iria conversar com a gerente do banco, quando a ligação foi encerrada, se dando conta de que havia sido vítima de uma fraude. Imediatamente entrou em contato com a ré, informou sobre o ocorrido e solicitou a realização do MED (Mecanismo Especial de Devolução) a fim de recuperar os valores transferidos, sem sucesso, todavia. Ao questionar sua gerente sobre a falha na segurança de sua conta bancária, a exemplo de o golpista saber exatamente os dados bancários, inclusive o valor do crédito disponível para empréstimo, solicitando, portanto, uma tomada de atitude no sentido de cancelar o empréstimo tomado, simplesmente a preposta da ré sugeriu que o autor tomasse outro empréstimo, consignado, com menores taxas de juros para cobrir o empréstimo tomado inicialmente e pagar um valor total menor, porquanto não foi possível recuperar os valores transferidos via PIX. No outro dia registou um boletim de ocorrência (anexo) junto a delegacia de polícia de São Vicente do Sul, informando sobre o estelionato sofrido. Importante destacar, cf. comprovam os documentos anexos, na ocasião do golpe o autor passava por uma troca de medicação e passava por períodos de repouso em razão de tratamento para depressão. Passado algum tempo, a fim de reduzir os juros no montante de R$ 31.517,52, de um empréstimo que sequer usufruiu, o autor efetuou a contratação de um empréstimo consignado em folha de pagamento em 06/09/2024, contrato de nº C406313381, para liquidar o empréstimo tomado mediante fraude, de modo que ao invés de ser devedor do valor de R$ 55.233,41, passou a dever à cooperativa o valor de R$ 28.468,70, em 60 vezes, cf. comprovantes, anexos. Irresignado com a situação, mormente a falha na prestação do serviço da ré no que tange à segurança, visto que as transações vultosas em um pequeno intervalo de tempo são atípicas, pois destoam drasticamente do perfil de correntista do autor, como pode ser verificado pelos extratos de sua conta bancária pelo período de um ano, o autor socorre-se do Poder Judiciário por meio da presente ação.
2. Nesse sentido, a parte autora requer seja reconhecida a falha na prestação do serviço, a fim de que seja declarado inexigível o débito decorrente do contrato de empréstimo R$ 28.468,70, que substituiu o empréstimo tomado pelo autor mediante fraude, bem como seja condenada a ré na repetição do indébito dos valores pagos no decorrer da demanda.
3. Citada, a parte requerida apresentou contestação (evento 15).
4. Realizada audiência de conciliação, instrução e julgamento (evento 16)
5. É o relatório. Passo a decidir.
II - PRELIMINARMENTE - DA INCOMPETÊNCIA DO JEC
6. A preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível, suscitada pela parte ré sob o argumento de que a controvérsia demandaria produção de prova pericial complexa, não merece acolhida. Nos termos do art. 3º, §1º, da Lei 9.099/95, as causas que exigirem prova pericial complexa são incompatíveis com o rito dos Juizados Especiais. No entanto, não é este o caso.
7. A lide envolve alegação de contratação fraudulenta de empréstimo bancário e transferências via PIX para terceiro estranho à relação jurídica, matéria que pode ser adequadamente instruída e solucionada com base em prova documental e, se necessário, depoimentos pessoais e testemunhais, todos compatíveis com o procedimento simplificado do Juizado.
8. A juntada de laudo unilateral produzido pela instituição financeira não impõe, por si só, a necessidade de prova pericial judicial. Ademais, não compete à parte ré eleger o meio probatório necessário para formação do convencimento do juízo, cabendo ao magistrado avaliar a suficiência das provas admitidas no rito sumaríssimo.
9. Diante disso, afasta-se a preliminar de incompetência deste Juizado Especial Cível
III - MÉRITO
10. O mérito da presente demanda deve ser analisado à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), notadamente seu artigo 14, que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, no caso, a instituição financeira, pelos danos causados aos consumidores por falhas na prestação do serviço, independentemente da existência de culpa. Assim, cabe à requerida a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da fraude perpetrada por terceiros, visto que falhou em garantir a segurança necessária ao sistema bancário digital.
11. A responsabilidade objetiva do banco encontra respaldo também no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que prevê a aplicação da teoria do risco do empreendimento, impondo ao fornecedor o dever de responder pelos danos causados no exercício de sua atividade econômica, mesmo sem culpa, quando esta atividade implicar risco para terceiros.
12. No âmbito bancário, a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça é cristalina ao reconhecer que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno, inclusive em casos de fraude por terceiros.
13. Nesse sentido, entendo que há respaldo jurídico para proceder aos pedidos do autor.
14. Entendo que ainda que não se possa afirmar que a fraude tenha se materializado no ambiente interno da plataforma digital da instituição financeira, é forçoso reconhecer que os documentos juntados aos autos — em especial o extrato bancário dos meses de julho e agosto de 2024 (evento 15 – EXTRBANC2) — revelam movimentações destoantes do perfil financeiro usual do autor.
15. O cotejo entre tais lançamentos e o extrato bancário de um ano inteiro anexado com a petição inicial (evento 1 – EXTRBANC9) demonstra que o demandante não realizou operações de crédito com valores superiores a R$ 20.000,00, tampouco transferências via PIX em patamar sequer aproximado do registrado em 29/07/2024.
16. A maior transferência via PIX até então havia sido de apenas R$794,96, efetuada em 31/08/2023, o que acentua o caráter anômalo das transações sob análise. Essas evidências conferem plausibilidade à narrativa autoral e indicam que o banco, embora não tenha sido o agente direto da fraude, falhou ao não aplicar mecanismos de segurança e monitoramento compatíveis com a sua posição de garantidor da confiança no sistema bancário eletrônico.
17. No caso em análise, restou comprovado que o autor foi vítima de fraude, tendo realizado o empréstimo no valor de R$ 22.950,00, formalizado em 29/07/2024, com prazo para pagamento em 48 parcelas mensais e sucessivas de R$ 1.134,74, com vencimento da primeira parcela em 27/09/2024. Até a presente data, 15/05/2025, foram descontadas 8 parcelas, totalizando R$ 9.077,92, quantia que corresponde aos valores efetivamente pagos pelo autor e que devem ser restituídos, conforme comprovantes e extratos juntados aos autos (evento 1, COMP5).
18. A repetição do indébito deve limitar-se aos valores descontados da conta do autor, pois não há nos autos qualquer demonstração de má-fé por parte da instituição financeira. O artigo 42, parágrafo único, do CDC, prevê a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente, porém condiciona essa penalidade à demonstração de cobrança abusiva, dolo ou má-fé do fornecedor, circunstância não evidenciada no presente caso.
19. Além disso, conforme preceitua o artigo 6º, inciso VIII, do CDC, é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, quando verossímil a alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente, o que reforça a necessidade de proteção do autor diante da vulnerabilidade inerente à relação contratual bancária.
20. Desta forma, a falha na prestação do serviço, materializada na insuficiência das medidas de segurança para prevenção de fraudes no sistema digital da requerida, configuram defeito na prestação do serviço, nos termos do artigo 12 do CDC, agravado pela complexidade do ambiente digital e pela ausência de mecanismos adicionais que poderiam ter evitado o prejuízo.
21. Nesse sentido:
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CUMULADA COM REPETITÓRIA DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSTATADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS DECORRENTES DO MAU FUNCIONAMENTO DOS SERVIÇOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO EARESP 676.608/RS. DANO MORAL CONFIGURADO. IN RE IPSA. MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE VALORES NO CASO CONCRETO. 1. DISCUTE-SE A REGULARIDADE DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS CONTRATADOS DIGITALMENTE E A RESPONSABILIDADE DA REQUERIDA PELOS PREJUÍZOS SOFRIDOS PELO AUTOR EM RAZÃO DE PIX ENVIADOS A TERCEIROS COM A FINALIDADE DE DEVOLVER OS VALORES SUPOSTAMENTE NÃO SOLICITADOS. 2. A TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE É APLICADA ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS, A FIM DE PROTEGER OS INTERESSES DE EVENTUAIS VÍTIMAS QUE SURGIREM EM VIRTUDE DO RISCO INERENTE À PRÁTICA DO NEGÓCIO. 3. CASO EM QUE RESTOU DEMONSTRADA A FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DOS EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS, QUE OCASIONOU A EQUIVOCADA TENTATIVA DE DEVOLUÇÃO DE VALORES À INSTITUIÇÃO PARA DESFAZIMENTO DO AJUSTE. 4. A FALHA DO BANCO AO PERMITIR QUE TERCEIROS CONTRATASSEM EM NOME DO AUTOR ACARRETA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 479 DO STJ, QUE DISPÕE QUE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS RESPONDEM OBJETIVAMENTE PELOS DANOS GERADOS POR FORTUITO INTERNO RELATIVO A FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS NO ÂMBITO DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS. 5. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FORMA DOBRADA. PRESCINDIBILIDADE DO ELEMENTO VOLITIVO PARA REPETIÇÃO EM DOBRO DE COBRANÇAS REALIZADAS APÓS 30/03/2021. 6. O DANO MORAL É CONFIGURADO IN RE IPSA, DIANTE DOS TRANSTORNOS CAUSADOS PELA FRAUDE E PELOS DESCONTOS INDEVIDOS SOBRE PROVENTOS DE CARÁTER ALIMENTAR. EM RELAÇÃO AO QUANTUM, É NECESSÁRIO MAJORÁ-LO AO PATAMAR DE R$ 10.000,00, CONSIDERANDO O CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO DA INDENIZAÇÃO E O PEDIDO FORMULADO NA APELAÇÃO AUTORAL. 7. O TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVE CORRESPONDER À DATA DO EVENTO DANOSO, NOS TERMOS DA SÚMULA 54 DO STJ. 8. INVIABILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE VALORES, UMA VEZ QUE O DEMANDANTE NÃO ENRIQUECEU ILICITAMENTE EM FACE DO BANCO. 9. NEGADO PROVIMENTO AO APELO DA RÉ E PROVIDO O RECURSO DO AUTOR, PARA MAJORAR A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AO PATAMAR DE R$ 10.000,00. APELO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50027739820238210087, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mauro Caum Gonçalves, Julgado em: 26-02-2025). Grifei.
22. Diante do exposto, é imperiosa a procedência do pedido para que seja declarada a inexigibilidade do débito remanescente decorrente do contrato fraudulento e para condenar a requerida à repetição do indébito no valor de R$ 9.077,92, corrigidos monetariamente pelo índice oficial aplicável desde a data de cada desconto, e acrescidos de juros de mora a partir da citação, conforme os artigos 389 e 406 do Código Civil.
IV - DISPOSITIVO
23. Ante o exposto, OPINO pela PROCEDÊNCIA dos pedidos formulados por JOÃO ELPÍDIO WITSCHORECH DE MEDEIROS em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO VALE DO JAGUARI E ZONA DA MATA - SICREDI VALE DO JAGUARI E ZONA DA MATA RS/MG nos seguintes termos:
a) NÃO ACOLHER a preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível da presente Comarca;
b) DECLARAR inexigível o débito decorrente do contrato de empréstimo fraudulento;
c) CONDENAR a parte requerida à repetição do indébito, de forma simples, no valor de R$ 9.077,92 (nove mil e setenta e sete reais e noventa e dois centavos), correspondentes às 8 (oito) parcelas descontadas da conta do autor até a presente data, conforme apurado nos autos. A quantia deverá ser atualizada pelo IPCA a partir de cada desconto indevido, e com juros de mora pela taxa SELIC a partir da citação, nos termos dos arts. 398 e 405 do Código Civil e art. 14, §1º, do CDC.
24. Por conseguinte, opino pela EXTINÇÃO do processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC.
25. Sem custas e honorários, nos termos do art. 55 da Lei no 9.099/1995.
24. Após o trânsito em julgado, aguarde-se o prazo de 30 (trinta) dias e, caso as partes mantiverem-se inertes, arquivem-se com baixa, sem prejuízo de desarquivamento futuro.
26. Nos termos do art. 40 da Lei no 9.099/95, encaminhe-se o parecer para homologação do Juiz Presidente do Juizado Especial Cível desta Comarca.
27. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95, homologo a proposta de decisão, para que produza efeitos como sentença.
Sem custas e honorários, na forma da Lei.
As partes consideram-se intimadas a partir da publicação da decisão, caso tenha ocorrido no prazo assinado; do contrário, a intimação terá de ser formal.
Interposto recurso inominado, em conformidade com o disposto no art. 42 do referido diploma legal, intime-se o recorrido para contrarrazões. Com a juntada, ou decorrido o prazo, remetam-se os autos à Turma Recursal, em atendimento ao art. 1010, § 3º, do CPC.