EXEQUENTE | : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF |
EXECUTADO | : DOCE CAFE LTDA |
ADVOGADO(A) | : IGNARA COMPARIN TAMIOZZO (OAB RS123807) |
EXECUTADO | : MANUELA MORAES TEIXEIRA |
ADVOGADO(A) | : IGNARA COMPARIN TAMIOZZO (OAB RS123807) |
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de pedido de desbloqueio de valores (evento 27, PET1) efetivados nas contas bancárias da executada DOCE CAFÉ LTDA (evento 28, SISBAJUD1) via SISBAJUD. A executada alega que os valores são imprescindíveis para a manutenção de suas atividades, detalhando a crise financeira da empresa. Argumenta que os valores bloqueados são essenciais para cobrir despesas operacionais básicas, salários e fornecedores, e solicita a liberação imediata para evitar o encerramento das atividades.
A exequente, devidamente intimada, discordou da liberação dos valores, aduzindo que "a jurisprudência é pacífica no sentido de que a mera alegação de crise financeira não afasta a possibilidade de penhora, especialmente quando os valores são oriundos de atividade empresarial típica, como é o caso da executada, cuja constituição já pressupõe risco de mercado." Argumenta que "não há comprovação efetiva da indispensabilidade específica dos valores penhorados, nem demonstração inequívoca de que a empresa esteja em vias de encerramento ou em processo de recuperação judicial que ensejasse eventual juízo universal. Os documentos juntados (extratos, boletos vencidos e mensagens) indicam inadimplemento generalizado, mas não demonstram que os valores bloqueados comprometeriam, de forma absoluta, a continuidade da atividade econômica. Ressalte-se ainda que a empresa não indicou qualquer bem alternativo à penhora, nem propôs forma de parcelamento ou composição do débito, o que denota ausência de boa-fé e cooperação no processo executivo" - evento 33, PET1.
É o relatório.
O art. 833 do Código de Processo Civil prevê os bens sobre os quais recai a impenhorabilidade absoluta, nos seguintes termos:
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
Primeiramente, importa registrar algumas balizas sobre o tema, conforme a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal:
As verbas destinadas ao pagamento de funcionários, fornecedores e outros compromissos financeiros da empresa não estão excluídas da responsabilidade patrimonial da executada, uma vez que não se enquadram no rol taxativo de impenhorabilidade, nos termos do artigo 833 do Código de Processo Civil. Veja-se o seguinte julgado do TRF da 4.ª Região: [...] (TRF4, AG 5017848-09.2013.404.0000, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 21/02/2014) Especificamente em relação ao dinheiro que seria destinado ao pagamento de funcionários, a constrição de tais valores não pode ser entendida como bloqueio de salário, tendo em vista que ainda não foi transferido ao empregado, conforme entendimento jurisprudencial: [...] (TRF4, AG 5016722-40.2021.4.04.0000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 14/07/2021)(destaques nossos) [...] (TRF4 5029956-36.2014.404.0000, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Lazzari, juntado aos autos em 30/01/2015) (grifos nossos) 1.1. Posto isso, rejeito a alegação de impenhorabilidade. (TRF4, AG 5033755-38.2024.4.04.0000, 1ª Turma , Relator MARCELO DE NARDI , julgado em 06/12/2024)
No caso dos autos, a análise dos documentos carreados para justificar a situação econômica da empresa executada e requerer a liberação dos valores bloqueados via Sisbajud denota que o empreendimento está em condições econômico-financeiras desfavoráveis, com inadimplência a diversos credores. A dificuldade financeira, porém, não é circunstância geradora de impenhorabilidade de valores. Se assim fosse, o empreendedor em dificuldade financeira poderia continuar operando indefinidamente, sem jamais pagar dívidas em aberto há longo prazo, já judicializadas, e sem sofrer qualquer ato de penhora. O princípio da preservação da empresa não tem este alcance. A legislação não defende a preservação da atividade econômica a qualquer custo.
A impenhorabilidade de valores de até 40 salários mínimos protege apenas as pessoas físicas, não sendo este o caso, em que se trata de conta bancária com fluxo de caixa (receitas e despesas) de um empreendimento. Confira-se:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. SISBAJUD. BLOQUEIO DE VALORES. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE APENAS EM RELAÇÃO À PESSOA FÍSICA. 1. O Código de Processo Civil reconhece a impenhorabilidade da conta poupança até 40 salários mínimos, sem ressalvar a natureza das quantias nela depositadas, bem como de rendimentos oriundos de vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, e montepios, as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinada ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, nos moldes do inciso IV e X do art. 833 do CPC. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que é impenhorável a quantia depositada em nome da pessoa física até quarenta salários mínimos em caderneta de poupança (art. 833, X, CPC), bem como a mantida em papel moeda, conta-corrente ou aplicada em CDB, RDB ou em fundo de investimentos, desde que seja a única reserva monetária, e ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude. 3. A regra da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC restringe-se às pessoas físicas, na medida em que a intenção do legislador voltou-se à garantia familiar e não à atividade empresarial. 4. Possibilidade de penhora de valores inferiores a 40 salários mínimos apenas da pessoa jurídica. 5. Provido parcialmente o agravo de instrumento, para determinar apenas o desbloqueio dos valores da executada pessoa física, pois inferiores a 40 salários mínimos. (TRF4, AG 5024817-54.2024.4.04.0000, 12ª Turma, Relatora GISELE LEMKE, julgado em 23/10/2024)
Já a impenhorabilidade de "livros, máquinas, ferramentas, utensílios, instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado" protege as pessoas físicas e, por exceção, empreendimentos de pequeno porte, tendo por objeto, porém, os equipamentos necessários ao desempenho da atividade profissional, o que não se confunde com dinheiro depositado em conta bancária, correspondente a faturamento auferido. No caso, não se promoveu, vale notar, a penhora de máquina de café, batedeira, fogão ou outros equipamentos utilizados na atividade desempenhada ("fabricação artesanal de doces, salgados tortas, bolos e ainda, no seu espaço físico disponibiliza aos clientes cafés, sucos").
Logo, não há impenhorabilidade a reconhecer.
O que se poderia aplicar ao caso é, diferentemente, o princípio da menor onerosidade da execução, substituindo o bloqueio de ativos financeiros por outra medida executória menos onerosa, se possível. Contudo, a executada não forneceu qualquer alternativa executória menos onerosa. Conforme esclareceu a CEF, "a empresa não indicou qualquer bem alternativo à penhora, nem propôs forma de parcelamento ou composição do débito". Conforme o CPC:
Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.
As dificuldades financeiras da executada não podem servir de escudo para preterir-se a CEF, que é uma credora como qualquer outra, cujo crédito está vencido há mais tempo, já foi judicializado, já foi objeto de citação e possibilidade de acordo (parcelamento), sem nenhuma medida adotada pela executada neste sentido.
Considerando a natureza do empreendimento executado (sem bens móveis, imóveis ou ativos outros passíveis de serem penhorados), impedir a penhora de numerário encontrado em conta bancária significaria impedir a CEF de receber seu crédito. Vale notar que a instituição bancária emprestou um expressivo valor ao empreendimento, não devolvido, que hoje, corrigido, supera R$ 157.690,56 (evento 28, SISBAJUD1).
Tampouco se verifica a impossibilidade de a empreendedora desempenhar sua atividade. Isto porém não se confunde com manter uma pessoa jurídica insolvente funcionando por prazo indefinido, sem pagar suas contas e débitos já judicializados e sem sofrer penhoras. Há um momento em que a pessoa jurídica torna-se insolvente, podendo requerer ou ver requerida a sua quebra (falência), e cabe ao empreendedor modificar juridicamente a sua atuação, podendo abrir nova empresa ou passar a desempenhar a atividade diretamente como pessoa física. O argumento de dificuldade financeira não pode ser utilizado para blindar penhoras sobre um empreendimento economicamente inviável. O que a legislação prevê para a situação de inadimplência é exatamente a penhora de bens, como forma de permitir a quitação, ainda que parcial, dos créditos devidos.
Ante o exposto, DESACOLHO o pedido de desbloqueio.
Intimem-se.
Oportunamente, solicite-se a transferência de valores bloqueados para uma conta bancária à ordem deste Juízo, a ser aberta junto à agência da CEF na Justiça Federal.