Dione Soares Campos x Bhp Billiton Brasil Ltda. e outros

Número do Processo: 5007947-62.2022.8.08.0030

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJES
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial
Última atualização encontrada em 27 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 27/06/2025 - Intimação
    Órgão: Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Linhares - 2ª Vara Cível e Comercial Rua Alair Garcia Duarte, S/N, Fórum Desembargador Mendes Wanderley, Três Barras, LINHARES - ES - CEP: 29907-110 Telefone:(27) 32640743 PROCESSO Nº 5007947-62.2022.8.08.0030 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: DIONE SOARES CAMPOS REQUERIDO: FUNDACAO RENOVA, SAMARCO MINERACAO S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA. Advogado do(a) REQUERENTE: ROBERTO CARLOS DE FREITAS - ES28678 Advogados do(a) REQUERIDO: EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU - MG80702, IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 Advogado do(a) REQUERIDO: CARLOS FERNANDO SIQUEIRA CASTRO - ES12288 Advogado do(a) REQUERIDO: IVAN JUNQUEIRA RIBEIRO - MG69461 SENTENÇA I - RELATÓRIO DIONE SOARES CAMPOS ajuizou, em 26 de julho de 2022, ação de indenização por danos materiais e morais, com pedido de justiça gratuita, em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e BHP BILLITON BRASIL LTDA., alegando que exercia atividade de pescador informal/artesanal/de fato no Rio Doce entre os anos de 2010 e 2015. Sustenta que, em razão do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em Mariana/MG em 05 de novembro de 2015, sua principal fonte de sustento foi comprometida. Afirma que a contaminação do rio inviabilizou a atividade pesqueira, causando-lhe prejuízos materiais e morais, motivo pelo qual postula a condenação das requeridas ao pagamento de R$ 94.585,00 a título de indenização. A petição inicial foi cadastrada sob ID 16288423, acompanhada de documentos pessoais (IDs 16288449, 16288445, 16288447), declaração de hipossuficiência (ID 16288803) e declaração de rendimentos (IDs 16288809, 16288812). Por meio de despacho proferido em 29/06/2023 (ID 27212616), o juízo deferiu o benefício da justiça gratuita e determinou a citação das rés, com orientação expressa para que as partes especificassem as provas pretendidas na contestação e réplica, sob pena de preclusão. A certidão de juntada do aviso de recebimento encontra-se sob IDs 22133999 e 22134758. A requerida FUNDAÇÃO RENOVA apresentou contestação (ID 32617746), na qual arguiu ausência de legitimidade ativa e de provas do exercício da atividade pesqueira, apontando que o autor apenas procurou a Fundação tardiamente, em 2021, e que não está vinculado a qualquer programa de reparação extrajudicial. No mérito, negou o nexo causal e impugnou os pedidos indenizatórios, requerendo a improcedência da demanda. A requerida BHP BILLITON BRASIL LTDA. contestou (ID 34423181), sustentando, em preliminar, a prescrição trienal da pretensão, bem como sua ilegitimidade passiva, por não operar a barragem de Fundão nem exercer atividade minerária na região afetada, sendo mera acionista da SAMARCO. No mérito, alegou ausência de comprovação da atividade econômica e da existência de dano indenizável, além de rechaçar a incidência do Código de Defesa do Consumidor. A requerida SAMARCO MINERAÇÃO S.A. também apresentou contestação (ID 34974731), arguindo ilegitimidade passiva, inépcia da inicial e ausência de prova do dano. Requereu a extinção do processo sem resolução de mérito ou, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos. Em 24/03/2025, foi proferida decisão de saneamento (ID 65554149), na qual o juízo rejeitou todas as preliminares suscitadas, inclusive a de prescrição, com base em renúncia expressa consignada em documentos firmados pelas rés perante o poder público. Foram fixados como pontos controvertidos: (i) a comprovação da atividade pesqueira e da renda complementar; (ii) a responsabilidade das rés; e (iii) o acesso ao cadastro integral e aos sistemas de indenização. A distribuição do ônus da prova seguiu o art. 373, I e II, do CPC. As partes foram intimadas para indicar as provas pretendidas. Em cumprimento à determinação judicial, a SAMARCO (ID 65915229) e a BHP (ID 67385937) requereram a expedição de ofícios ao INSS e ao CAGED para obtenção de dados funcionais e previdenciários do autor, visando demonstrar eventual exercício de outra atividade laboral ou percepção de benefícios incompatíveis com a alegação de dependência exclusiva da pesca. A FUNDAÇÃO RENOVA também apresentou manifestação (ID 66863027), reiterando argumentos da contestação e alegando ausência de documentos que comprovem a regularidade da atividade pesqueira. A FUNDAÇÃO RENOVA opôs embargos de declaração (ID 66863010), apontando omissão da decisão saneadora quanto à análise da preliminar de ilegitimidade ativa por ela suscitada na contestação. Requereu o suprimento da omissão, com pronunciamento explícito sobre a matéria. Paralelamente, a SAMARCO interpôs Agravo de Instrumento (ID 67304711), contra a decisão que rejeitou a prescrição, sob o argumento de que o prazo trienal já estaria consumado mesmo se considerada eventual interrupção decorrente de termos firmados em 2018. A pretensão foi de concessão de efeito suspensivo à decisão agravada. O recurso foi distribuído à 4ª Câmara Cível do TJES, sob relatoria do Des. ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA. Em decisão de 09/06/2025 (ID 14082784 – constante do malote digital ID 70819322), foi indeferido o pedido de efeito suspensivo, por ausência de demonstração do periculum in mora, sendo o agravo recebido apenas no efeito devolutivo. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO O ponto central da controvérsia consiste em averiguar se o autor DIONE SOARES CAMPOS demonstrou, por meio de elementos probatórios suficientes, o exercício da atividade de pesca informal com fins econômicos no Rio Doce, bem como se houve efetivo prejuízo decorrente do rompimento da barragem de Fundão, ensejando responsabilidade civil por parte das rés. De igual modo, deve-se analisar se a pretensão indenizatória encontra-se ou não fulminada pela prescrição. II.1 - DA PRESCRIÇÃO Inicialmente, afasta-se a alegação de prescrição da pretensão indenizatória. A decisão saneadora (ID 65554149) expressamente reconheceu a renúncia válida e eficaz à prescrição pelas rés, consubstanciada em documentos celebrados no âmbito dos compromissos públicos firmados com o Ministério Público e demais órgãos (TTAC, TAC GOV e aditivos), conforme reconhecido também pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que indeferiu pedido de efeito suspensivo no Agravo de Instrumento nº 5005634-19.2025.8.08.0000, justamente por ausência de periculum in mora e em razão da plausibilidade da fundamentação da decisão de origem. A jurisprudência pátria admite, com base no art. 191 do Código Civil, a renúncia à prescrição já consumada, sendo válida a renúncia expressa à prescrição ainda não consumada, quando manifestada por ato inequívoco, inclusive em documento público vinculado à reparação coletiva. Portanto, a rejeição da prejudicial de prescrição se mostra adequada e juridicamente fundada. II.2 - DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO (ID 66863010) A FUNDAÇÃO RENOVA opôs embargos de declaração em face da decisão saneadora (ID 65554149), alegando omissão quanto à análise de preliminar de ilegitimidade ativa suscitada em sua contestação (ID 32617746), no tocante à suposta impossibilidade jurídica de a parte autora pleitear indenização por danos ambientais individuais, os quais, segundo a embargante, somente poderiam ser reclamados por meio de ação coletiva ajuizada pelos legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85. Contudo, os embargos não merecem acolhimento. Nos termos do art. 1.022, II, do CPC, os embargos de declaração são cabíveis para suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual o juiz deveria se pronunciar de ofício ou a requerimento da parte. No caso concreto, a decisão saneadora enfrentou a questão de forma implícita e suficiente, ao rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa com base na possibilidade de cumulação de danos morais individuais com danos materiais, ambos decorrentes de fatos oriundos de evento ambiental, o que está claramente consignado no item 2.3 da decisão (ID 65554149). O raciocínio do juízo foi no sentido de que, embora o desastre de Mariana envolva dimensão coletiva, seus efeitos podem se manifestar individualmente, como alegado no caso em tela, sendo possível a reparação autônoma por ação individual, desde que observados os requisitos legais — em especial, a comprovação de dano concreto e nexo causal. A jurisprudência dominante admite essa possibilidade, inclusive para pescadores informais ou pequenos agricultores, desde que comprovada a repercussão direta do fato lesivo em sua esfera pessoal ou patrimonial, o que não significa reconhecimento automático do direito, mas apenas possibilidade processual de demandar. Logo, não há omissão na decisão, mas apenas discordância da embargante quanto ao entendimento adotado, o que não enseja embargos declaratórios, conforme pacífico entendimento jurisprudencial. Por fim, quanto ao pedido de regularização do nome do patrono para fins de intimação, formulado na mesma peça, verifica-se que já consta nos autos requerimento anterior com igual teor, o qual foi deferido tacitamente por meio do sistema eletrônico. Nada impede, contudo, que se proceda à atualização formal do cadastro no SAJ-PJe, o que será determinado nos despachos subsequentes. Diante do exposto, rejeitam-se os embargos de declaração, por inexistência de vício de omissão, obscuridade ou contradição. II.3 - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO (CPC, art. 355, I) Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado do mérito quando a matéria for exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, os autos contiverem elementos suficientes para a formação do convencimento do juízo. Tal dispositivo prestigia os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sem prejuízo ao contraditório. Ressalte-se que o magistrado, como destinatário final das provas, detém o poder-dever de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, mediante decisão fundamentada, conforme preconiza o art. 370, parágrafo único, do CPC. Nesse sentido, o STJ firmou posição de que "cabe ao juiz verificar a necessidade de dilação probatória, considerando que é o destinatário final da prova, cujo objetivo é a formação de seu convencimento", conforme se verifica no precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCÊNDIO . DANOS MORAIS DECORRENTES DA FUMAÇA. MAGISTRADO COMO DESTINATÁRIO DAS PROVAS. NEXO CAUSAL. DANO EXTRAPATRIMONIAL NÃO VERIFICADO . PROVAS. REEXAME. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ . (...) O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em consonância com o disposto na parte final do art. 370 do CPC/2015. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não de dilação probatória, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1504747 SP 2019/0139522-4, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2021) O Tribunal de Justiça do Espírito Santo adota a mesma diretriz. Em precedente da 4ª Câmara Cível, firmou-se que “não configura cerceamento de defesa o julgamento da lide sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e indeferir a produção probatória que considerar desnecessária à formação do seu convencimento” (TJES, Apelação Cível 0020606-22.2020.8.08.0011, Rel. Des. Luiz Guilherme Risso, j. 20/09/2024). Ainda, em caso análogo, decidiu-se que o indeferimento da prova oral é legítimo diante da “existência de documentação coligida aos autos, e dado o fato de que o magistrado é o destinatário das provas” (TJES, Apelação Cível 5001008-22.2021.8.08.0056, Rel. Des. Carlos Magno Moulin Lima, j. 23/09/2024). A jurisprudência dos tribunais estaduais é pacífica quanto à possibilidade de julgamento antecipado em ações indenizatórias relacionadas ao desastre ambiental de Mariana, especialmente quando a parte autora não apresenta elementos probatórios mínimos sobre os danos alegados. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em caso semelhante envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, decidiu que, “estando a matéria suficientemente esclarecida e não sendo possível que a prova, pelas circunstâncias do caso concreto, interfira no julgamento, tem-se como desnecessária a dilação probatória” (TJMG, Apelação Cível 5000391-19.2021.8.13.0090, Rel. Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, j. 20/05/2024). No caso concreto, observa-se que o autor foi expressamente intimado, por meio da decisão saneadora (ID 65554149), a indicar as provas que pretendia produzir, tendo permanecido inerte, sem apresentar qualquer requerimento específico, tampouco justificação de pertinência probatória. A omissão em se manifestar, aliada à ausência de início de prova documental quanto ao exercício da atividade pesqueira e à dependência econômica dessa prática, autoriza o julgamento antecipado da lide, conforme art. 355, I, do CPC. O conjunto dos autos demonstra que o autor limitou-se a apresentar alegações genéricas, não amparadas por documentação mínima que indique sua qualificação como pescador informal, sua residência em área impactada ou a existência de qualquer prejuízo concreto. Diante desse cenário, e da desnecessidade de dilação probatória para formação do convencimento judicial, impõe-se o julgamento antecipado do mérito. II.4 – DO REGIME DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA AMBIENTAL A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, é de natureza objetiva, estando fundamentada na teoria do risco integral, conforme dispõe o §3º do art. 225 da Constituição Federal e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81. Dispõe o referido dispositivo legal: “Art. 14 – [...] § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” Esse regime implica que, havendo comprovação do dano e do nexo causal com a atividade lesiva, é dispensável a demonstração de culpa, bastando a constatação da ocorrência do evento danoso e sua imputabilidade ao agente causador. Assim, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta ou indiretamente contribua para a degradação ambiental, responde objetivamente pelos prejuízos resultantes de sua conduta. Por sua própria lógica protetiva e reparatória, a responsabilidade civil ambiental é também solidária e integral, recaindo sobre todos os que concorrem para o dano, independentemente do grau de participação. Ademais, a obrigação de reparar o meio ambiente é imprescritível no tocante à tutela difusa ambiental, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, cumpre ressaltar que, mesmo sob o regime da responsabilidade objetiva, não se dispensa a comprovação do dano efetivamente suportado e do nexo causal com o evento ambiental, nos termos do art. 373, I, do CPC. A aplicação da teoria do risco integral não implica presunção automática de dano moral individual em decorrência de um desastre ambiental, ainda que de grande extensão e notoriedade. Em outras palavras, ainda que se reconheça o ilícito ambiental e a responsabilização objetiva das rés no plano abstrato, a parte autora permanece incumbida de demonstrar concretamente como o evento impactou sua esfera individual, seja na dimensão patrimonial, seja na existencial, como condição para o deferimento de indenização. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência consolidada dos tribunais e pela doutrina especializada, sobretudo em relação às ações ajuizadas fora do sistema extrajudicial de reparação operado pela Fundação Renova ou dos programas simplificados instituídos por acordos coletivos e decisões proferidas em ações civis públicas. Nesses casos, exige-se do autor prova idônea e individualizada dos prejuízos alegados, sob pena de improcedência da demanda. II.5 – DA ATIVIDADE PESQUEIRA E DO ÔNUS DA PROVA No mérito, verifica-se que a parte autora não produziu qualquer prova documental mínima apta a demonstrar o efetivo exercício de atividade pesqueira no Rio Doce à época do rompimento da barragem, tampouco comprovou dependência econômica dessa suposta ocupação. A única peça constante dos autos que sugere o exercício da atividade — uma autodeclaração acostada sob ID 16288809 — não possui qualquer valor probatório autônomo e não é acompanhada de documentos oficiais, tais como Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), inscrição no Cadastro Técnico Federal (CTF/IBAMA), registro em colônia ou associação de pescadores, tampouco há comprovantes de comercialização de pescado, recibos, notas fiscais ou movimentação bancária condizente. A jurisprudência é clara no sentido de que a ausência de elementos mínimos inviabiliza a procedência do pedido. No caso paradigmático do TJES, entendeu-se que: “O recorrente alega que devido ao acidente ambiental causado pelas apeladas se viu privado de complementar a sua renda a partir da pesca. [...] Entretanto, não junta nenhuma prova cabal nos autos que ateste o efetivo exercício da atividade econômica (pescador informal) em local afetado pela lama de minério, tampouco o valor eventual ou periódico proporcionado por tal atividade” (TJES, Apelação Cível nº 5006174-16.2021.8.08.0030, Rel. Des. Sérgio Ricardo de Souza). Na mesma linha: “A responsabilidade por dano ambiental exige a demonstração concreta do dano e do nexo causal [...] A autora não apresentou provas suficientes para demonstrar o exercício da pesca comercial [...]. Apenas relatos orais foram coligidos, sendo insuficientes para comprovar as alegações” (TJ-ES, Apelação Cível nº 5003559-31.2023.8.08.0047, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira). Portanto, a produção exclusiva de prova oral, desacompanhada de qualquer elemento material, não supre o ônus probatório. Essa linha é reforçada por analogia à jurisprudência previdenciária consolidada (aposentadoria rural), segundo a qual a prova testemunhal serve apenas para corroborar e não substituir a documental. Cumpre lembrar que, segundo o art. 373, inciso I, do CPC, cabe à parte autora o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. A omissão na fase de especificação de provas (conforme certidão de inércia e ausência de pedido de oitiva) reforça a conclusão de que não se desincumbiu de seu ônus processual. Em linha com a jurisprudência dominante, destaca-se ainda: “A comprovação da condição de pescador é imprescindível para que o cidadão consiga, através de ação judicial, a justa reparação pelo dano sofrido. [...] É imprescindível que esteja demonstrada a atividade pesqueira realizada ao longo do tempo, mormente quando do acidente” (TJES, Apelação Cível nº 5005123-16.2021.8.08.0047, Rel. Des. Robson Luiz Albanez). Assim, a ausência de qualquer início de prova material inviabiliza o reconhecimento da condição de pescador informal com fins comerciais e, por consequência, esvazia a narrativa de prejuízo decorrente do rompimento da barragem. II.6 – DO DANO MATERIAL E DO DANO MORAL Quanto ao dano material, a parte autora não apresentou qualquer prova da perda de receita ou de interrupção de sua suposta atividade pesqueira. Não há planilhas, cálculos, estimativas ou laudos que evidenciem lucros cessantes ou danos emergentes. Requereu, contudo, indenização no importe de R$ 84.585,00 por lucros cessantes e R$ 10.000,00 por danos morais — valores incompatíveis com a ausência total de substrato probatório. Segundo entendimento consolidado do STJ: “A indenização por lucros cessantes não é admitida sem sua efetiva comprovação, devendo ser rejeitados os lucros presumidos ou hipotéticos, dissociados da realidade efetivamente comprovada” (AgInt no AREsp 1730936/SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 18/03/2021). No tocante ao dano moral, é igualmente inaplicável sua configuração in re ipsa no presente caso. A jurisprudência tem afastado a presunção de sofrimento moral quando ausente prova de abalo à dignidade ou ofensa à personalidade individualizada, conforme esclarece: “A indenização por danos morais pressupõe a comprovação da ofensa aos direitos da personalidade individual do apelante, não podendo se basear em danos sofridos pela coletividade” (TJES, Apelação Cível nº 0006097-63.2019.8.08.0030, Rel. Janete Vargas Simões). Acrescente-se que a mera impossibilidade de usufruir do Rio Doce ou de alegar informalmente a perda de meio de subsistência não configura por si só dano moral indenizável, conforme sedimentado pelo TJMG: “O dano moral indenizável exige a violação de direitos da personalidade ou sofrimento intenso e profundo, não sendo suficiente a degradação ambiental de uso coletivo para sua caracterização” (TJES, Apelação Cível nº 5007979-33.2023.8.08.0030, Rel. Robson Luiz Albanez). II.7 – DA INAPLICABILIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS PELA JUSTIÇA FEDERAL NO ÂMBITO DO SISTEMA INDENIZATÓRIO SIMPLIFICADO (NOVEL) A parte autora, em sua petição inicial (ID 16288423), fundamenta seus pedidos, ao menos em parte, em decisões proferidas pela Justiça Federal de Minas Gerais, notadamente pela 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais (atualmente 4ª Vara Federal Cível da SJMG), as quais deram origem à implementação do Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL), administrado pela Fundação Renova. Argumenta que os valores estabelecidos no âmbito desse sistema serviriam como parâmetro para a indenização postulada judicialmente, inclusive em juízo estadual. Contudo, tais decisões possuem eficácia limitada ao âmbito extrajudicial e coletivo em que foram proferidas, não sendo automaticamente extensíveis a ações judiciais individuais, como é o caso dos autos. O próprio juízo federal que proferiu as sentenças e decisões no bojo da Ação Civil Pública de origem delimitou, de forma clara e reiterada, que os critérios e parâmetros ali definidos aplicam-se exclusivamente aos requerimentos submetidos aos sistemas reparatórios extrajudiciais administrados pela Fundação Renova, a saber, o Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Sistema NOVEL, não vinculando o magistrado estadual na análise de pedidos individualizados. Portanto, não se pode presumir que os critérios fixados na via coletiva administrativa substituam a obrigação da parte autora de cumprir integralmente o ônus probatório previsto no art. 373, I, do CPC, no âmbito de sua ação individual. O que se reconhece, com efeito, é que os sistemas administrados pela Fundação Renova podem servir como meios céleres de reparação, mas não equivalem a títulos judiciais aptos a ensejar condenação automática ou padronizada em juízo, especialmente na ausência de comprovação dos requisitos individualizados (atividade impactada, nexo causal e dano). Ademais, a parte autora sequer comprovou ter aderido ou tentado aderir validamente ao sistema NOVEL ou ao PIM, tampouco juntou qualquer laudo ou decisão administrativa indeferitória que pudesse ensejar, em tese, a discussão judicial de eventual negativa arbitrária. Limitou-se a invocar os valores fixados judicialmente na esfera federal como se tivessem efeito vinculante universal e automático, o que não procede. Dessa forma, rejeita-se a pretensão de aplicação dos parâmetros do Sistema Indenizatório Simplificado da Justiça Federal ao presente feito, devendo a pretensão indenizatória ser analisada nos moldes da responsabilidade civil tradicional, com observância dos pressupostos legais e processuais, especialmente quanto ao ônus da prova e à demonstração do prejuízo concreto alegado. II.8 – CONCLUSÃO DA FUNDAMENTAÇÃO À luz do que se extrai dos autos, a pretensão indenizatória formulada pela parte autora não encontra amparo probatório mínimo necessário à sua procedência. Embora seja pública e notória a gravidade do rompimento da barragem de Fundão e seus efeitos socioambientais, o ordenamento jurídico brasileiro exige, para fins de responsabilização civil, a demonstração individualizada do dano, do nexo causal e da condição de vulnerabilidade direta da parte supostamente atingida. No presente caso, a parte autora permaneceu inerte quanto à especificação de provas, mesmo tendo sido oportunamente intimada para tanto (ID 65554149), e não apresentou qualquer documento idôneo que comprove o exercício habitual da atividade de pescador com finalidade econômica no Rio Doce, tampouco que demonstre prejuízo patrimonial ou moral diretamente decorrente do desastre ambiental. O conjunto documental é escasso e se limita a declarações unilaterais, sem lastro em registros oficiais, vínculos associativos, notas fiscais, comprovantes de renda, ou mesmo laudos técnicos, o que torna impossível o reconhecimento judicial do direito pretendido. Como bem assentado pela jurisprudência dos tribunais estaduais, especialmente do TJES, “a ausência de elementos probatórios mínimos inviabiliza o acolhimento do pedido, sendo insuficiente a mera alegação dissociada de provas concretas” (TJES, Apelação Cível nº 5002246-08.2021.8.08.0014, Rel. Des. Ewerton Schwab Pinto Júnior). Ademais, as decisões proferidas pela Justiça Federal, particularmente no âmbito do Sistema Indenizatório Simplificado (NOVEL), têm eficácia circunscrita ao contexto extrajudicial ali tratado e não se aplicam de forma automática às demandas individuais movidas perante a Justiça Estadual, sendo imprescindível a produção probatória adequada, o que também não foi observado. Com base no exame técnico, jurídico e probatório dos autos, fica evidenciado que a parte autora não se desincumbiu do ônus que lhe competia, razão pela qual a improcedência dos pedidos é medida que se impõe. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por DIONE SOARES CAMPOS em face de FUNDAÇÃO RENOVA, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e BHP BILLITON BRASIL LTDA. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do CPC. Contudo, considerando que foi concedido o benefício da justiça gratuita (ID 27212616), a exigibilidade de tais verbas ficará suspensa nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC, enquanto perdurar a situação de hipossuficiência. Advirto que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com intuito meramente infringente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. Preclusa a via impugnativa, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Linhares/ES, data registrada no sistema. Emília Coutinho Lourenço Juíza de Direito