Ricardo Manoel Goncalves x Banco Votorantim S.A.
Número do Processo:
5009607-79.2025.8.08.0000
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJES
Classe:
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Grau:
1º Grau
Órgão:
028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY | Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTOESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 2ª Câmara Cível Endereço: Rua Desembargador Homero Mafra 60, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-906 Número telefone:( ) PROCESSO Nº 5009607-79.2025.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: RICARDO MANOEL GONCALVES AGRAVADO: BANCO VOTORANTIM S.A. Advogado do(a) AGRAVANTE: LUCAS JESUS FERREIRA - ES38263 Advogado do(a) AGRAVADO: SERGIO SCHULZE - SC7629-A DECISÃO Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Ricardo Manoel Gonçalves contra a decisão id. 69224870, que deferiu a liminar de busca e apreensão do veículo FIAT/SIENA FIRE(CELEBRATION4) 1.0 8 Ano: 2007/2008 Chassi: 9BD17206G83389087 Placa: MRS4F28 Cor: BRANCA. Alega, em síntese, que o contrato firmado previu capitalização de juros diária sem informar qual a taxa pactuada, o que indica a abusividade no período da normalidade e a descaracterização da mora; juros remuneratórios superiores a media de mercado e cobrança de quatro seguros, indicando venda casada. Pugna pela a concessão de efeito suspensivo. É o relatório. Decido. Inicialmente, defiro o benefício da gratuidade de justiça, por ter o agravante comprovado o rompimento da sua relação de trabalho após a pactuação do contrato, bem como em razão da inexistência de elemento apto a mitigar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência apresentada. Para a concessão da tutela de urgência recursal faz-se necessária a presença simultânea do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo até que se conclua o julgamento da demanda, além da demonstração da probabilidade de provimento do recurso, nos termos do artigo 1.019, inciso I, c/c o artigo 300, ambos do CPC. A controvérsia recursal diz respeito ao afastamento da mora, em razão de abusividade apontada em relação ao contrato de financiamento. Para fins de aferição da tutela antecipada recursal, limito à análise da capitalização diária de juros que, adianto, serve para a caracterização da abusividade. A respeito da questão, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que é “possível a discussão sobre a legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa na ação de busca e apreensão” (AgRg no REsp n. 1.573.729/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 23/2/2016, DJe de 1/3/2016). Ademais, pontuou que “o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora” (AgInt no AREsp n. 1.074.010/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 30/6/2023). Portanto, é possível afastar a mora necessária à execução da medida de busca e apreensão, se demonstrada a abusividade dos encargos exigidos no período da normalidade. No caso, o contrato prevê: Reconheço como válida, eficaz e vinculante essa Cédula de Crédito Bancário (CCB), que representa o crédito bancário concedido pelo BV e reconheço, ainda, que essa CCB constitui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 28 da Lei nº 10.931/04. Prometo pagar ao BV, na praça da sua sede, ou à sua ordem, nas respectivas datas de vencimento, a dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível correspondente ao Valor Total Financiado (item B3) acrescido dos juros remuneratórios (item G) capitalizados diariamente e já incorporados ao Valor da Parcela (item E1). Quanto à ausência de informação acerca da taxa aplicada na capitalização diária de juros e da descaracterização da mora, o STJ possui firme entendimento: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA. I. Caso em exame 1. Agravo interno interposto contra decisão que conheceu parcialmente do recurso especial, dando-lhe parcial provimento. II. Questão em discussão 2. Existência de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, inaplicabilidade do CDC, legalidade da capitalização diária de juros e manutenção dos efeitos da mora. III. Razões de decidir 3. A Corte local pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre as questões suscitadas, não havendo violação do art. 1.022 do CPC/2015. 4. A revisão da conclusão sobre a hipossuficiência da empresa agravada e a aplicação do CDC demandaria incursão no campo fático-probatório, vedada na via especial pela Súmula n. 7 do STJ. 5. A ausência de informação contratual sobre a taxa de juros diária inviabiliza a cobrança de capitalização diária de juros, nos termos da jurisprudência do STJ. 6. Mantido o reconhecimento da abusividade de encargo exigido no período da normalidade contratual, a mora deve ser descaracterizada, conforme a tese firmada no Tema Repetitivo n. 28. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo interno desprovido. Tese de julgamento: "1. A revisão de fatos e provas em sede de recurso especial é vedada pela Súmula n. 7 do STJ. 2. A capitalização diária de juros em contratos bancários requer previsão expressa da taxa de juros diária no contrato. 3. A abusividade de encargos exigidos no período de normalidade contratual descaracteriza a mora." Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, art. 1.022. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2.566.896/PR, Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 19.08.2024; STJ, AgInt no REsp 2.033.354/RS, Min. Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 13.11.2023. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.138.867/SC, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 24/2/2025, DJEN de 28/2/2025.) AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E BANCÁRIO. CERTIFICADO DE DEPÓSITO INTERBANCÁRIO (CDI). ÍNDICE FLUTUANTE QUE REFLETE A VARIAÇÃO DO CUSTO DA MOEDA NO MERCADO INTERBANCÁRIO. POSSIBILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO, SOMADA A JUROS REMUNERATÓRIOS, NOS CONTRATOS BANCÁRIOS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. TAXA DIÁRIA. INFORMAÇÃO DEFICIENTE. ILEGALIDADE. 1. Em se tratando de serviços que tenham por objeto a captação de recursos ou concessão de empréstimos pelas instituições financeiras, o CDI é índice flutuante adequado para medir a variação do custo da moeda, uma vez que é o adotado no mercado interbancário ao qual recorrem as instituições financeiras no fechamento diário de suas operações. 2. Ao contrário do INPC e do IPCA, que são índices neutros de correção destinados a reajustar os contratos envolvendo bens e serviços em geral, o índice setorial que mede a variação do custo do dinheiro em negócios bancários é o CDI, do mesmo modo como INCC é o índice que mede a variação do custo dos insumos na construção civil. 3. Não há obstáculo legal à estipulação dos encargos financeiros em contratos bancários com base no índice flutuante CDI, acrescido de juros remuneratórios, sendo desimportante o nome atribuído a tal encargo (juros, correção monetária, "correção remuneratória"), cumprindo apenas verificar se a somatória dos encargos contratados não se revela abusiva, devendo eventual abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie, o que não se evidencia na espécie. Precedente. 4. Insuficiência da informação acerca das taxas efetivas mensal e anual, na hipótese em que pactuada capitalização diária, sendo imprescindível, também, informação acerca da taxa diária de juros, a fim de se garantir ao consumidor a possibilidade de controle 'a priori' do alcance dos encargos do contrato" (REsp n. 1.826.463/SC, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 14/10/2020, DJe 29/10/2020). 5. Agravo interno parcialmente provido. (AgInt no AREsp n. 2.318.994/SC, relator Ministro Marco Buzzi, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/8/2024, DJe de 16/10/2024.) BANCÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA TAXA DE JUROS DIÁRIA. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. SÚMULA 83 DO STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Não prospera a alegada ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, tendo em vista que o v. acórdão recorrido, embora não tenha examinado individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte, adotou fundamentação suficiente, decidindo integralmente a controvérsia. 2. O STJ possui entendimento de que é possível a cobrança de capitalização diária de juros em contratos bancários, sendo necessária, contudo, a informação prévia da taxa de juros diária a ser aplicada, com o desiderato de possibilitar ao consumidor estimar a evolução da dívida e aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual, sob pena de violação do dever de informação. Precedentes. Incidência da Súmula 83 do STJ. 3. A jurisprudência desta Corte Superior se posiciona no sentido de que o reconhecimento da índole abusiva dos encargos, no período de normalidade contratual, descaracteriza a mora. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.566.896/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 2/9/2024.) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. POSSIBILIDADE. EXPRESSA INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR DA TAXA DIÁRIA. IMPRESCINDIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. PRECEDENTES. 1. Há entendimento no âmbito da Segunda Seção do STJ no sentido de ser imprescindível à validade da cláusula de capitalização diária dos juros remuneratórios a previsão da taxa diária de juros, havendo abusividade na cláusula contratual na parte em que, apesar de pactuar as taxas efetivas anual e mensal, se omite acerca do percentual da capitalização diária. 2. A informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.033.354/RS, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 17/11/2023.) Portanto, o agravante logrou êxito em demonstrar a descaracterização da mora, restando evidenciada a abusividade contratual, cuja análise independe de dilação probatória, satisfazendo, assim, o requisito da probabilidade de provimento do recurso, não sendo necessária, nessa seara liminar, avançar na análise das demais cláusulas apontadas como abusivas. Anoto que a urgência da medida se justifica na possibilidade de o recorrente vir a ser desapossado do bem objeto do pacto. De conseguinte, DEFIRO o pedido liminar a fim de suspender os efeitos da decisão recorrida. Comunique-se ao juízo de origem com urgência. Intimem-se as partes, sendo o agravado também para os fins do artigo 1.019, II, do CPC. Vitória, 26 de junho de 2025. DES. FÁBIO BRASIL NERY Relator