TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária
RELATORA | : Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA |
APELANTE | : MARCIO ELISANDRO PEREIRA MACHADO (AUTOR) |
ADVOGADO(A) | : LUIS MIGUEL LOUZADA SOARES (OAB RS042122) |
APELADO | : BANCO PAN S.A. (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : Sergio Schulze (OAB RS063894) |
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO.
DECISÃO MONOCRÁTICA, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INCISOS IV E V DO CPC, COMBINADO COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS.
afastada a tese de cerceamento de defesa.
JUROS REMUNERATÓRIOS. POSSIBILIDADE DE ATENDIMENTO DO PEDIDO DE LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA AUFERIDA PELO BACEN NAS HIPÓTESES EM QUE VERIFICADA ABUSIVIDADE NA TAXA CONTRATADA, O QUE NÃO REFLETE O CASO EM TELA.
TARIFA DE CADASTRO. OS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS 1.251.331/RS E 1.255.573/RS SEDIMENTARAM O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE SER POSSÍVEL A COBRANÇA UMA ÚNICA VEZ NO INÍCIO DA CONTRATAÇÃO.
VENDA CASADA. PRÁTICA VEDADA PELO ARTIGO 39, INCISO I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CASO DOS AUTOS EM QUE VERIFICADA OPÇÃO PELO CONSUMIDOR NA CONTRATAÇÃO DO SEGURO.
RESTITUIÇÃO DE VALORES. INVIABILIDADE. NÃO VERIFICADA A REALIZAÇÃO DE PAGAMENTOS A MAIOR PELA PARTE DEVEDORA.
HONORÁRIOS RECURSAIS. APELO INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA SOB A VIGÊNCIA DA LEI 13.105/2015. INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 85, § 11, DE REFERIDO REGRAMENTO.
RECURSO DESPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
De início, consigno a possibilidade de julgamento monocrático do presente recurso, a teor do disposto pelos artigos 932, incisos IV e V, alíneas “a”, “b” e “c” do Código de Processo Civil e 206, inciso XXXVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. Dito isso e estando, portanto, justificada a apreciação singular na hipótese, passo, de pronto, à análise da irresignação.
Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCIO ELISANDRO PEREIRA MACHADO em face da sentença, proferida nos autos da ação revisional de contrato que contende com BANCO PAN S.A., cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:
Cuidam os autos de ação revisional ajuizada por MARCIO ELISANDRO PEREIRA MACHADO contra BANCO PAN S.A..
Relatou a parte autora ter celebrado com o réu contrato bancário para financiamento de veículo com garantia de alienação fiduciária. Defendeu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, requerendo antecipação de tutela e a revisão contratual em razão da nulidade de cláusulas contratuais abusivas. Pediu, ainda, a descaracterização da mora e a restituição ou compensação dos valores pagos a maior. Juntou documentos.
Citada, a parte ré apresentou contestação. No mérito, alegou que as partes realizaram contratação sem vícios, sendo possíveis, lícitas e válidas as cláusulas entabuladas. Juntou documentos.
Sem mais provas, vieram os autos conclusos.
É O RELATÓRIO.
[...]
Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a ação revisional ajuizada por MARCIO ELISANDRO PEREIRA MACHADO contra BANCO PAN S.A., relativa ao(s) contrato(s) objeto(s) dos autos.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, que restam suspensas em tendo havido o deferimento da AJG.
Em suas razões (evento 36, APELAÇÃO1), o autor inicialmente alega que houve cerceamento de defesa, pois o juiz não enfrentou o pedido para que o banco provasse os custos de captação de recursos referente ao contrato em questão e o spread, assim como os custos operacionais. No mérito, propriamente, postula a limitação dos juros remuneratórios à taxa média auferida pelo BACEN; o afastamento da cobrança da tarifa de cadastro, com a declaração de nulidade da cláusula que a estabelece, bem como seja reconhecida a venda casada do contrato de seguro firmado com o financiamento; pede também o redimensionamento dos ônus de sucumbência. Colaciona precedentes e, ao final, postula pelo provimento de sua irresignação a fim de que reste julgado integralmente procedente o pedido inicial.
Apresentadas contrarrazões (eventos 38 e 40), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.
É o relatório.
Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.
DO CERCEAMENTO DE DEFESA
O demandante sustenta que houve cerceamento de defesa em razão de não ter sido analisado pelo juiz o pleito para que o banco provasse provasse os custos de captação de recursos referente ao contrato em questão, o spread, assim como os custos operacionais.
Não prospera referida tese, isso porque entendendo o julgador que a prova já existente é suficiente para o deslinde da lide, possível a prolação da sentença de forma imediata.
O juiz é o destinatário das provas, e nos termos do que prevê o artigo 370 do Código de Processo Civil, caberá a ele, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as diligências necessárias ao julgamento do mérito, podendo indeferir aquelas inúteis ou meramente protelatórias.
Na situação em apreço, somente seria o caso de atendimento ao pedido acaso se fizessem presentes elementos outros aptos à indicação da necessidade da diligência como meio imprescindível de prova cujo fato ou direito se mostrasse, ainda que minimamente, plausível.
Outrossim, consoante se verá na apreciação do mérito, não é esse o caso dos autos, motivo pelo qual vai, desde já, afastada a alegação.
DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL
É legitima a revisão judicial de contrato em situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória.
Nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, incide o Código de Defesa do Consumidor consoante o enunciado da Súmula 297 do STJ1, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente.
DOS JUROS REMUNERATÓRIOS
No que pertine aos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou, no Recurso Especial nº 1.061.530/RS:
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
Nessa esteira, para a revisão da taxa de juros remuneratórios, nos contratos firmados com as instituições financeiras que compreendem o Sistema Financeiro Nacional, serão observadas as regras da legislação consumerista, que não permitem vantagem excessiva dos bancos em desfavor dos consumidores (artigos 39, inciso V, e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor).
No julgamento do REsp 2.009.6142, a Superior Corte especificou critérios para análise da abusividade das taxas de juros remuneratórios contratadas:
a) a caracterização de relação de consumo;
b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e
c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.
Somado a isso, a orientação da Superior Corte é no sentido de que a taxa média de mercado auferida pelo BACEN é um elemento norteador do exame da existência de abusividade e não elemento limitador.
Diante do posicionamento sedimentado pelo STJ sobre os vetores de análise da abusividade dos juros remuneratórios e da posição firmada pelos Colegas que integram esta 13ª Câmara Cível deste Tribunal, refleti sobre o tema, bem como, a fim de não gerar expectativa de direito, e, evitar dificuldade ao próprio consumidor no adimplemento do contrato, considerando as tutelas provisórias que envolvem demandas dessa natureza, revejo minha posição, e retomo o entendimento da maioria.
Feitas essas considerações, passo ao exame do caso concreto.
No contrato submetido à revisão nestes autos (FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM MÓVEL), verifica-se que a taxa pactuada entre as partes está em concordância com a média de mercado.
Conforme o estipulado pelo Banco Central do Brasil – BACEN, o percentual médio de juros para o período da contratação (09/2024) foi de 25,51% ao ano (20749 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos), enquanto o contrato apresentou TAXA ANUAL 37,99%, como vê do instrumento contratual (evento 24, CONTR2.
A diferença entre a taxa contratada e a média apurada pelo BACEN não alcança patamar significativo, inexistindo discrepância na totalidade do débito pactuado com o montante emprestado. E mesmo considerando a garantia de alienação fiduciária ofertada, circunstância que mitiga os riscos do negócio, as taxas previamente pactuadas não importam em desvantagem excessiva ao consumidor.
Dessa forma, na situação em apreço, considerando a orientação da Superior Instância no sentido de que a taxa média de mercado não é um limitador, mas elemento norteador para o exame de eventual abusividade, na situação em apreço as taxas ajustadas não devem ser consideradas abusivas.
Feitas estas considerações, impõe-se o desacolhimento da irresignação.
DA TARIFA DE CADASTRO
Os recursos especiais repetitivos 1.251.331/RS e 1.255.573/RS sedimentaram o entendimento no sentido de possibilitar a cobrança de "tarifa de cadastro", uma única vez, no início do contrato.
Sobreveio Súmula sobre a matéria, n. 565 que prevê:
Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.
Feitas essas considerações, no caso em tela, analisando contrato (evento 24, CONTR2), verifica-se que a cobrança é realizada uma única vez, sem se identificar abusividade no valor cobrado (R$ 850,00)
Por fim, destaco precedentes desta 13ª Câmara Cível neste mesmo sentido: 50039549020238210037 e 50039549020238210037.
Assim, no ponto, vai mantida a sentença.
DA VENDA CASADA
A ocorrência de venda casada pode ser verificada nos casos em que o consumidor, ao adquirir um produto, leva conjuntamente outro, seja ele da mesma espécie ou não. Ou, ainda, quando o fornecedor de produtos ou serviços condiciona a realização de um determinado pacto à contratação de ajuste diverso.
Trata-se de prática expressamente proibida pela legislação, nos termos do que preceitua o artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, e que, por esta razão, deve ser repelida e condenada sempre que identificada.
Matéria que teve tese firmada, TEMA 972 do STJ:
[...] 2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.[...]
Nesse contexto, da análise do instrumento contratual (evento 24, CONTR2), verifica-se que a parte autora não foi compelida à aquisição do seguro prestamista para obtenção do crédito. Identificando-se a opção em assinalar 'sim ou não' para contratação do serviço, bem como contrato em apartado assinado pela parte aderente.
Cito precedentes deste órgão fracionário, neste sentido: 50232863320238210008 e 50051214720238210004.
Assim, vai mantida a contratação.
DA CARACTERIZAÇÃO DA MORA
Tendo em vista o não reconhecimento da presença de abusividade nos encargos da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização), resta caracterizada a mora3.
Assim, inexistindo abusividade nos encargos remuneratórios, consequentemente, os pedidos de vedação de inscrição em cadastros restritivos de crédito, e de manutenção de posse do bem não merecem prosperar, porquanto o contrato afigura-se legítimo, sendo mister o adimplemento normal das obrigações para que o devedor aufira as vantagens dele decorrentes.
DA COMPENSAÇÃO E REPETIÇÃO DE VALORES
Considerando que somente aquele que recebeu o que lhe não era devido, fica, por força de lei, obrigado a restituir, e, no caso em tela, o contrato está sendo mantido, o pleito não prospera.
DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS
Ausente modificação no resultado do presente julgamento, permanece inalterada a distribuição dos ônus de sucumbência.
Outrossim, no que se refere à remuneração dos procuradores, tratando-se de recurso interposto já sob a vigência da lei 13.105/2015, aplicável à espécie o disposto no artigo 85, § 114, do supracitado regramento, motivo pelo qual vão majorados os honorários advocatícios, arbitrados na origem, para 15% sobre o valor atualizado da causa.
Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, na medida em que a parte autora goza do benefício da gratuidade de justiça, nos termos do artigo 98, parágrafo 3.º, do Código de Processo Civil.
DISPOSITIVO
Isto posto, nego provimento ao recurso.
Agendada intimação.