REQUERENTE | : ANNI CORINALDESI AROS |
ADVOGADO(A) | : DANIELLE DE OURO MAMED |
DESPACHO/DECISÃO
1. RECEBO a inicial e destaco que os pedidos serão processados pelo procedimento cível comum, e não pelo rito da Lei n. 9.099/95, uma vez que a parte demandante reside em área (bairro São João do Rio Vermelho) não abrangida pela competência territorial deste Juízo para causas cíveis de menor complexidade, nos termos do artigo 4º, I, "a", da Resolução n. 04/2011 do TJSC.
Recorda-se, outrossim, que a possibilidade de o feito ser processado nesta unidade pelo rito cível comum é amparada pelo artigo 4º, I, "c", da mesma Resolução, pois se trata de demanda aforada pelo Escritório de Prática Jurídica da UFSC.
CORRIJA-SE a classe da ação para "procedimento comum cível".
2. DEFIRO o benefício da justiça gratuita à parte demandante.
3. A parte demandante relata ter entabulado contrato de compra e venda de um veículo com o demandado em 12.11.2020, com a estipulação de que a transferência da titularidade do automotor ocorreria após a quitação da última parcela do preço ajustado, prevista para 16.01.2021.
Afirma, contudo, que até o momento o adquirente não transferiu a propriedade do automóvel para seu nome, o que vem gerando prejuízos à alienante em razão de infrações de trânsito cometidas na direção do veículo em apreço e débitos incidentes sobre ele. Ainda, informa ter sido inscrito um novo gravame de alienação fiduciária sobre o automotor, cuja origem afirma desconhecer.
Busca, nesses termos, a concessão de tutela de urgência para que seja determinada a transferência da titularidade do veículo, dos débitos sobre ele incidentes e das infrações de trânsito cometidas após a data da negociação do bem entre as partes.
Este é, em apertada síntese, o relatório.
Quanto à tutela provisória de urgência, anota-se que o seu deferimento exige a presença dos requisitos enumerados no artigo 300 do Código de Processo Civil, quais sejam: (a) a probabilidade do direito alegado pela parte autora e (b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
A tutela de urgência de natureza antecipada, ainda, deve ser passível de reversão, nos termos do artigo 300, § 3º, do Código de Processo Civil.
Adianta-se, de pronto, que, ao menos nesta fase embrionária, em sede de cognição sumária, não se afigura plausível o deferimento da tutela de urgência almejada.
A obrigação de transferência do veículo perante o órgão de trânsito após a alienação do automotor é disciplinada pelo art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, in verbis:
Art. 134. No caso de transferência de propriedade, expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código sem que o novo proprietário tenha tomado as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput deste artigo poderá ser substituído por documento eletrônico com assinatura eletrônica válida, na forma regulamentada pelo Contran. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020)
Portanto, caso o adquirente permaneça inerte no prazo de 30 (trinta) dias de que dispõe para transferir o veículo (CTB, art. 123, § 1º), caberá ao próprio alienante comunicar a venda ao órgão de trânsito em até 60 (sessenta) dias, encaminhando-lhe cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade ou documento eletrônico com assinatura eletrônica válida. A omissão do alienante após o referido prazo acarreta sua responsabilização solidária pelas penalidades incidentes sobre o veículo até a data da comunicação.
A propósito:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO. INFRAÇÕES DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. ART. 134 DO CTB. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, a não comunicação da transferência de propriedade do veículo ao órgão competente atrai a responsabilidade solidária do alienante por eventuais infrações de trânsito cometidas após a tradição, nos termos do art. 134 do CTB. O aludido entendimento somente pode ser mitigado na situação descrita na Súmula 585/STJ: "A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação."
2. O Tribunal a quo divergiu da orientação jurisprudencial do STJ ao reconhecer a impossibilidade de imputar ao antigo proprietário a responsabilidade pelas infrações de trânsito cometidas após a alienação do veículo. Portanto, a responsabilidade solidária do alienante deve perdurar até o momento da comunicação da venda ao respectivo órgão de trânsito, que, no caso, ocorreu com a citação do Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro - DETRAN/RJ, ora recorrente. Precedentes do STJ.
3. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a responsabilidade solidária do alienante pelas infrações de trânsito cometidas até a data da citação do DETRAN/RJ. (STJ, REsp n. 2.067.149/RJ, relator Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, j. em 04.06.2024)
E ainda:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR PARA FINS DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO DETRAN/SC PARA QUE REGISTRE A COMUNICAÇÃO DE VENDA RETROATIVA. CABIMENTO DO AGRAVO. ROL DO ART. 1.015, I, DO CPC. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. ALEGAÇÃO DE QUE A ADQUIRENTE, APÓS EFETIVADA A TRADIÇÃO, NÃO REALIZOU A TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO PARA O SEU NOME, BEM COMO COMETEU VÁRIAS INFRAÇÕES DE TRÂNSITO. PROCESSO DE SUSPENSÃO DE CNH INSTAURADO EM FACE DA AGRAVANTE. TESES INSUBSISTENTES. ANTIGO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO QUE DEIXA DE COMUNICAR A ALIENAÇÃO DO BEM AO ÓRGÃO COMPETENTE POSSUI RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELAS INFRAÇÕES DE TRÂNSITO COMETIDAS APÓS A EFETIVA TRADIÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. DECISÃO A QUO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
"Alienado veículo automotor sem que se faça o registro, ou ao menos a comunicação da venda, estabelece-se, entre o novo e o antigo proprietário, vínculo de solidariedade pelas infrações cometidas, só afastadas quando é o Detran comunicado da alienação, com a indicação do nome e endereço do novo adquirente. Recurso especial improvido". (STJ/REsp n. 656.896/RS, relatora Ministra Eliana Calmon, j. em 6/12/2005).
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5069002-60.2022.8.24.0000, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, j. 19.10.2023).
Assim, em se tratando de medida cuja responsabilidade também competia à parte demandante, mostra-se inviável determinar a transferência do automotor em sede de tutela de urgência.
Inviável, também, nessa fase embrionária do processo, determinar-se a transferência da pontuação correspondente às infrações de trânsito e dos débitos incidentes sobre o automotor, já que, em princípio, a demandante é solidariamente responsável pelos encargos em comento.
Não bastasse isso, observa-se que a pretensão inicial versa sobre eventual descumprimento contratual, de sorte que se faz prudente oportunizar-se o exercício do contraditório pela parte contrária, a fim de se apurar, com maior segurança, as circunstâncias da relação obrigacional em discussão.
Por fim, impende esclarecer não ser possível que a medida de urgência almejada esgote o pedido principal.
Assim, ausente a plausabilidade do direito, torna-se despiciendo examinar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, uma vez que, para a medida excepcional pleiteada, os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil devem ser preenchidos cumulativamente.
À vista do exposto, com fundamento no art. 300 do Código de Processo Civil, INDEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência formulado na petição inicial.
4. Considerando que, por ora, apenas a parte demandante manifestou desinteresse na audiência de conciliação, o ato deverá ser agendado, salvo se a parte demandada vier a declarar que também não possui interesse na tentativa de autocomposição (CPC, art. 334, § 4º, I, e § 5º).
Diante da parceria firmada entre este Juizado Especial Cível e Criminal da Universidade Federal de Santa Catarina e o CEJUSC Virtual Estadual, as audiências de conciliação/mediação desta unidade serão realizadas pelo CEJUSC Estadual, de modo que os processos serão para lá encaminhados e retornarão após a realização do ato, observando-se o seguinte:
A) uma vez que a atuação do CEJUSC restringe-se à prática dos atos processuais relacionados às audiências, os autos serão previamente remetidos àquele setor para a designação de data para o ato;
B) após, a parte demandada será citada e intimada sobre a data da audiência, devendo ser instada, no mesmo ato, a informar seu endereço de e-mail para receber o link da solenidade;
C) caso inviável a composição, o processo retornará a este Juízo, e o prazo para contestar a demanda passará a correr a partir da data da audiência realizada pelo CEJUSC Estadual;
D) o CEJUSC Estadual atua de forma exclusivamente virtual, de modo que, para viabilizar seu acesso à audiência, as partes deverão informar seu endereço de e-mail, assim como os dos procuradores/equipe que as acompanharão no ato (a parte demandante deverá fazê-lo no prazo, já em dobro, de 10 dias);
E) sendo a parte demandante beneficiária da justiça gratuita e assistida pelo NPJ da UFSC (cujos atendimentos são destinados exclusivamente à população carente de recursos financeiros), a gratuidade a ela concedida abrangerá os honorários do mediador/conciliador (que seriam devidos no âmbito do CEJUSC).
5. CITE-SE e INTIME-SE a parte demandada do inteiro teor da presente, alertando-se dos esclarecimentos relativos ao CEJUSC Estadual no item acima e de que:
A) deverá informar seu endereço de e-mail no prazo de 10 (dez) dias, a fim de que possa receber o link de acesso à audiência online;
B) caso não possua condições para contratar advogado, deverá procurar a Defensoria Pública de Santa Catarina (Av. Rio Branco, n. 919, Florianópolis/SC – CEP 88015-200, Ed. Centro Executivo Rio Branco; telefones: (48) 3665-6370, (48) 3665-6589 ou (48) 3665-6654; e-mail: triagemcapital@defensoria.sc.gov.br) ou a Defensoria Pública em sua cidade;
C) inexitosa a conciliação, o prazo para contestar a demanda passará a fluir a partir da data da audiência designada (artigo 335, inciso I, do Código de Processo Civil), independentemente de nova intimação.
6. INTIME-SE a parte demandante, devendo seu procurador providenciar a participação da parte assistida na audiência, em homenagem ao princípio da cooperação.