AUTOR | : CLAUDEMIR HELEODORA PAIM |
ADVOGADO(A) | : BIANCA DOS SANTOS (OAB SC027970) |
DESPACHO/DECISÃO
Da tutela de urgência.
O juiz poderá conceder a tutela de urgência quando: a) houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito; e b) caracterizado o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No caso, a parte autora alega que existem cláusulas contratuais ilegais e abusivas, o que descaracterizaria a mora.
Pois bem, o simples ajuizamento de ação discutindo a relação contratual, acompanhada ou não do depósito do que se entende incontroverso, não é bastante para a descaracterização da mora.
Também não o é a constatação de ilegalidade de encargos inerentes ao período de inadimplência, a exemplo da comissão de permanência, multa e juros de mora, pois não são os responsáveis pela mora que se pretende descaracterizar e sim decorrências dela.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA -DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA. (...) 4. A Segunda Seção desta Corte, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo 1.061.530/RS, assentou que: (i) "o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza amora"; e (ii) "não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual" (STJ, AgInt no AREsp 1724537, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 13.12.2000).
Assim, conforme entendimento sedimentado no Tema 28 do Superior Tribunal de Justiça, “o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora”.
Anote-se, por oportuno, que a Súmula n. 66 do Eg. TJSC foi revogada, de modo que a descaracterização da mora dispensa o depósito da parte incontroversa do débito (vide TJSC, Apelação n. 5076722-04.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Silvio Franco, j. 21-03-2024).
As demais questões ventiladas, por não influírem na mora, mesmo que sejam acolhidas, serão decididas somente na sentença.
Dos juros remuneratórios.
O revogado art. 192, § 3º, da Constituição Federal, previa a limitação de juros em 12% ao ano, mas a sua aplicabilidade sempre esteve condicionada à edição de lei complementar, o que restou pacificado pelo Superior Tribunal Federal (Súmula Vinculante 7 do STF).
De igual forma, o Supremo Tribunal Federal afastou as instituições integrantes do sistema financeiro nacional das disposições do Decreto 22.626/33, reconhecendo a sua submissão a regime jurídico próprio (Súmula 596 do STF).
O Superior Tribunal de Justiça traçou tese semelhante em julgado sob o rito do recurso repetitivo (Tema 24 do STJ).
Ainda, definiu a utilização da taxa média como parâmetro a ser adotado quando o contrato é omisso acerca da taxa contratada:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE PROVA DOS JUROS CONTRATADOS. TAXA MÉDIA. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. CONTRATOS CELEBRADOS A PARTIR DA LEI 9.298/96. PRECEDENTES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.1. A atual jurisprudência do STJ dispõe que, nos casos em que não estipulada expressamente a taxa de juros ou na ausência do contrato bancário, deve-se limitar os juros à taxa média de mercado para a espécie do contrato, divulgada pelo Banco Central do Brasil (STJ, AgInt no REsp 1598229, Rel. Min. Raul Araújo, j. 10.12.2019).
Também, reconheceu serem devidos os juros quando não forem significativamente superiores à taxa média do Banco Central:
A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco (STJ, AgInt no AREsp 2417472, Rel. Min. Maria Isabel, j. 11/04/2024).
Nesse diapasão, as instituições financeiras podem praticar juros superiores a 12% ao ano, servido a taxa média de juros do Banco Central como parâmetro para definir a legalidade do encargo.
A ilegalidade deve transparecer do caso concreto, não sendo bastante que se constate juros superiores a 12% ao ano ou maiores do que a taxa média do Banco Central.
Por significativa discrepância com a taxa média do Banco Central, autorizadora da limitação de juros, tenho por 50%.
Colhe-se da jurisprudência no Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Desta forma, considerando o novo entendimento adotado pela Primeira Câmara de Direito Comercial, que se passou a admitir a cobrança em 50% além da taxa média de mercado, no caso em apreço não é verificada a abusividade, devendo ser reformada a decisão que limitou os juros remuneratórios a taxa média de mercado (TJSC, AC 0300200-40.2015.8.24.0235, Rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. 10.09.2020).
No caso, conforme dados transcritos na tabela abaixo, os juros remuneratórios foram assim calculados:
Número do contrato | 23140280/00632045841 |
Tipo de contrato | Arrendamento mercantil de veículo |
Data do contrato | 15/04/2024 |
Taxa média do Bacen na data do contrato | 1,71 |
Taxa média do Bacen na data do contrato + 50% | 2,565 |
Juros contratados | 1,67 |
Dessa forma, os juros devem ser mantidos, pois não ultrapassaram 50% da média mensal divulgada pelo Banco Central para a espécie e período da contratação.
Da capitalização diária de juros.
A capitalização de juros em periodicidade inferior à anual foi expressamente admitida pela Medida Provisória 2.170-36, em seu art. 5º, alterando a sistemática então instituída pelo Decreto 22.626/33.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade da capitalização mensal em recurso especial representativo de controvérsia, conquanto contratada, sendo assim entendido quando constar na avença a taxa de juros anual superior ao duodécuplo da taxa mensal:
"É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". (STJ, REsp 973827, Rel. Min. Felipe Salomão, j. 8.8.2012).
A respeito da capitalização diária, por seu turno, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o seguinte:
"de acordo com entendimento consolidado pela Segunda Seção, admite-se a cobrança da capitalização diária dos juros, sendo necessárias, nesse caso, não só a previsão expressa de sua periodicidade no contrato pactuado mas também a referência à taxa diária dos juros aplicada, em respeito à necessidade de informação do consumidor para que possa estimar a evolução de sua dívida (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1803006, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 06/06/2024).
No caso em apreço, a capitalização diária foi expressamente pactuada e houve a previsão da taxa de juros diária, razão pela qual não há abusividade a reconhecer no ponto.
Diante da ausência de abusividade contratual no período da normalidade, não restou demonstrada, portanto, a probabilidade do direito, o que obsta o deferimento da tutela pleiteada.
ANTE O EXPOSTO:
Relego para fase posterior a realização de audiência de conciliação e mediação, se as partes sinalizarem em contestação e em réplica esse desejo.
Defiro o benefício da Justiça Gratuita.
Indefiro a tutela de urgência.
Cite-se a parte ré para contestar, no prazo legal, advertida dos efeitos da revelia.
A parte ré deverá exibir, com a contestação, os documentos vinculados à relação jurídica com a parte contrária ou justificar a impossibilidade de exibição, sob pena de se presumir como verdadeiros os fatos que se pretendia comprovar através dessa prova (arts. 396 e 400 do CPC).