AUTOR | : WANDERSON LUIZ SOUZA DA ROSA |
ADVOGADO(A) | : FRANCIELE SILVA DA SILVA (OAB RS107763) |
DESPACHO/DECISÃO
WANDERSON LUIZ SOUZA DA ROSA propôs a presente ação judicial em face de BANCO ITAUCARD S.A., ambos devidamente qualificados nos autos, sustentando, em síntese, a existência de cláusulas ilegais e abusivas no contrato bancário firmado entre as partes, requerendo, assim, sua adequação aos parâmetros permitidos pela lei. Fez pedido de tutela de urgência.
É o relatório. Decido.
O juiz poderá conceder a tutela de urgência quando: a) houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito; e b) caracterizado o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC).
Sabe-se que o simples ajuizamento de ação discutindo a relação contratual, acompanhada ou não do depósito do que se entende incontroverso, não é bastante para a descaracterização da mora.
Também não o é a constatação de ilegalidade de encargos inerentes ao período de inadimplência, a exemplo da comissão de permanência, multa e juros de mora, pois não são os responsáveis pela mora que se pretende descaracterizar e sim decorrências dela.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. INSURGÊNCIA DA PARTE AGRAVANTE/RÉ.
PRETENSA CONCESSÃO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA. BENEPLÁCITO JÁ CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.
MÉRITO. DEFENDIDA AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO EM MORA E NECESSIDADE DE REVOGAÇÃO DA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO CONCEDIDA NA ORIGEM. INACOLHIMENTO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO RESP. 1.061.530/RS. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO DE VALORES INCONTROVERSOS OU DA SOMA INTEGRAL DAS PRESTAÇÕES DEVIDAS. DECISÃO DE ORIGEM E DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDAS, COM APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 1.021, §4º, DO CPC.
"A necessidade de depósito das quantias incontroversas para se reconhecer a descaracterização da mora é providência relacionada à tutela de urgência (cautelar ou antecipada) e não ao juízo cognitivo exauriente da demanda revisional, o qual, constatando a ocorrência de encargo abusivo no período da normalidade, tem como consectário lógico a descaracterização da mora" (REsp n. 2104310/SC, Relator: Ministro Marco Buzzi, j. em 27-11-2023).
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO, DESPROVIDO E MULTA APLICADA. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5046672-98.2024.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. João Marcos Buch, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 03/12/2024).
Trata-se de entendimento jurisprudencial consolidado há bastante tempo, conforme enunciado n. 380 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor".
Portanto, para a descaracterização da mora é indispensável: a) apuração de ilegalidade substancial durante a normalidade, como juros remuneratórios e capitalização vedados, a ponto de prejudicar de forma significativa o equilíbrio econômico-contratual; e b) depósito judicial do montante incontroverso, pois eventual ilegalidade não afasta a responsabilidade pelo adimplemento do principal, acrescido do que se reputa devido.
Quanto à abusividade de encargos negociais, é cediço que a revisão contratual é medida excepcional, admitida apenas quando demonstrada a presença de elementos objetivos que afastem a presunção legal de simetria e paridade de obrigações (art. 421-A do CC). Mesmo nas relações de consumo, os contratos somente podem ser modificados ou revistos quando evidenciada a presença de cláusulas que prevejam obrigações despropocionais ou devido a causa superveniente que implique em sua onerosidade excessiva (art. 6º, V, do CDC).
Nesse passo, a revisão contratual deve ser realizada de forma sistemática, considerando o pacto em sua integralidade e não apenas cláusulas isoladas. Isso porque a identificação de eventual desequilíbrio contratual exige a verificação do impacto das cláusulas impugnadas sobre a equidade da relação jurídica como um todo, a fim de se verificar a existência ou não de desvantagem exagerada ou de onerosidade excessiva para o consumidor (art. 51, caput, IV, e § 1º, do CDC).
No caso dos autos, não houve alegação de fato superveniente que tenha ocasionado alteração ao equilíbrio econômico da relação jurídica impugnada. Dessa forma, presume-se que a parte autora ainda possui as mesmas condições financeiras da época em que firmou o contrato sub judice com a parte ré, momento em que concordou com os encargos descritos no contrato e valores nele estabelecidos.
A parte autora alegou que a mora estaria descaracterizada pelo fato de que o contrato litigioso prevê a cobrança de juros remuneratórios superiores à média de mercado divulgada pelo Banco Central, identificando também outros encargos bancários tidos como abusivos.
Em que pesem tais alegações, sem aprofundar a análise do mérito neste momento processual, entendo que não foi demonstrada a existência de encargos excessivamente onerosos à parte autora ou que a coloquem em desvantagem desproporcional, pelos motivos expostos a seguir.
Dos juros remuneratórios.
O revogado art. 192, § 3º, da Constituição Federal, previa a limitação de juros em 12% ao ano, mas a sua aplicabilidade sempre esteve condicionada à edição de lei complementar.
A esse respeito:
A norma do §3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar (Súmula Vinculante 7 do STF).
De igual forma, o Supremo Tribunal Federal afastou as instituições integrantes do sistema financeiro nacional das disposições do Decreto n. 22.626/33:
As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional (Súmula n. 596).
O Superior Tribunal de Justiça traçou tese semelhante em julgado sob o rito do recurso repetitivo:
A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade (STJ, REsp n. 1.061.530, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. 22/10/2008).
Nesse contexto, a readequação da taxa de juros avençada somente poderá ocorrer em situações excepcionais, quando as particularidades do caso concreto demonstrarem a efetiva abusividade do encargo, que leve a uma cobrança injusta e desproporcional pela instituição financeira.
Em julgados mais recentes, o STJ tem decidido que a estipulação de juros remuneratórios acima da média de mercado, por si só, não é suficiente para caracterização de abusividade contratual. Esse entendimento parte da constatação de que a fixação da taxa contratual leva em conta uma série de fatores, como o custo de captação de recursos pela instituição financeira, o risco de inadimplência da parte contratante, o spread bancário e a análise de condições específicas da operação. Do contrário, o Poder Judiciário estabeleceria uma padronização indevida das taxas de juros aplicadas por instituições financeiras distintas em uma miríade de contratações, sem considerar as múltiplas circunstâncias incidentes sobre cada caso concreto.
É importante reconhecer que há diferenças estruturais significativas entre as instituições financeiras atuantes no mercado, o que impacta diretamente na fixação das taxas de juros remuneratórios. Bancos de grande porte, já consolidados em território nacional (como, por exemplo, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil), possuem maior capacidade de captação de recursos, acesso a linhas de crédito mais baratas, maior diversificação de produtos e uma base de clientes mais ampla, o que lhes permite operar com spreads menores e, consequentemente, oferecer taxas mais competitivas. Já instituições de menor porte, com menor volume de operações e maior exposição ao risco de inadimplência, tendem a praticar taxas mais elevadas para compensar essas limitações.
Logo, a mera comparação da taxa prevista no contrato litigioso com a média divulgada pelo Banco Central para tal espécie de negociação não é suficiente para se verificar a existência de cobrança abusiva, sem que sejam consideradas as particularidades de cada agente financeiro e a situação específica da operação contratada. É necessário que se demonstre, de forma contextualizada com o caso concreto, que a taxa estipulada pela casa bancária extrapolou o que seria admitido para tal situação.
Acerca do tema, aponto o seguinte julgado, que ilustra o posicionamento jurisprudencial acima mencionado:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. Admite-se a revisão da taxa de juros remuneratórios excepcionalmente, quando ficar caracterizada a relação de consumo e a abusividade for devidamente demonstrada diante das peculiaridades do caso concreto. Precedentes.
1.2. O fato de a taxa contratada de juros remuneratórios estar acima da taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade, devendo ser observados, para a limitação dos referidos juros, fatores como o custo de captação dos recursos, o spread da operação, a análise de risco de crédito do contratante, ponderando-se a caracterização da relação de consumo e eventual desvantagem exagerada do consumidor. Precedentes.
1.3. A alteração do decidido no acórdão impugnado, no que se refere à conclusão acerca da abusividade dos juros remuneratórios, exige o reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais, providências vedadas na via eleita, a teor do óbice das Súmulas 5 e 7 do STJ.
2. Apesar de opostos embargos declaratórios, a controvérsia acerca do alegado cerceamento de defesa pela ausência de produção de prova pericial não foi analisada pela Corte de origem. De rigor a aplicação da Súmula 211 do STJ. Precedentes.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.768.010/RS, rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 17/03/2025, DJEN de 24/03/2025) [grifou-se].
Na hipótese dos autos, verifico que a argumentação da parte autora se limita a mencionar que a taxa de juros remuneratórios é abusiva por ter sido pactuada em patamar superior à taxa média de mercado.
Porém, como visto, isso não é o bastante para que a referida cláusula seja considerada abusiva, visto que as instituições financeiras não se baseiam apenas na taxa média praticada pelo mercado para nortear suas contratações. Questões inerentes à situação financeira da parte contratante, o risco de inadimplemento, o custo da operação e, enfim, outros fatores ponderados pela parte ré certamente influenciaram na fixação da taxa ora impugnada.
Logo, não há como se presumir que a referida taxa é abusiva simplesmente por estar acima da média de mercado.
Em arremate, registro que a parte autora teve ciência da taxa de juros remuneratórios aplicada desde o início da negociação, pois o pacto litigioso prevê expressamente a incidência desses encargos. Além disso, também teve ciência do valor das prestações mensais e do montante total do débito, mencionados previamente nesta decisão.
Isso significa que a parte autora sabia das condições contratuais e, ao assiná-las, concordou com sua incidência de forma livre e desimpedida. Não há, ao menos por ora, nenhum indicativo de que a manifestação de sua vontade tenha sido maculada ou de que a parte autora não tinha condições de entender o conteúdo da avença, inclusive no que diz respeito aos juros remuneratórios.
Por esses motivos, entendo que não há elementos suficientes para se concluir pela abusividade dos encargos em questão.
Da capitalização de juros.
A ausência de indicação específica do percentual de juros diários no contrato impugnado não é o bastante ensejar a nulidade da avença. Nota-se que há indicação da taxa de juros e do custo efetivo total do contrato, bem como do valor mensal das prestações devidas pela parte requerida, que tinha plena ciência do montante que deveria pagar mensalmente para honrar sua contraprestação negocial.
A priori, ainda que não tenha sido indicada a taxa de capitalização diária, isso não alteraria de forma significativa o valor total do contrato ou de suas parcelas mensais.
Nota-se que o contrato supracitado previu de forma expressa que os juros seriam capitalizados, indicou os índices aplicáveis mensal e anualmente, bem como estabeleceu de forma clara e objetiva o valor total da contratação, das parcelas mensais e do valor devido ao final da operação. Isso significa que, desde o início, a parte autora teve acesso às informações essenciais para compreender o conteúdo da avença e as obrigações por ela assumidas, sem que se possa cogitar abusividade gritante no contrato que justifique a modificação ou a revisão das cláusulas contratuais.
Ainda que se venha a concluir, ao final, que a intituição financeira descumpriu seu dever de informação ao não indicar especificamente a taxa diária de juros aplicável à espécie, a parte autora não demonstrou de forma objetiva como isso lhe prejudicou a ponto de motivar a revisão contratual. Não há elementos concretos de que essa informação seria determinante para a entabulação do negócio jurídico, isto é, de que a parte autora não teria adquirido o mútuo nessas mesmas condições caso tivesse ciência do índice de capitalização diária.
Tampouco houve demonstração efetiva de que a cláusula impugnada tenha ocasionado cobrança, pela parte ré, de valores superiores aos que eram devidos pela parte autora.
Nesse contexto, ao menos nesse momento processual, não há elementos que ensejem a revisão da cláusula contratual objurgada e, consequentemente, o afastamento da mora.
ANTE O EXPOSTO:
Relego para fase posterior a realização de audiência de conciliação e mediação, se as partes sinalizarem em contestação e em réplica esse desejo.
Indefiro a tutela de urgência, diante da falta de probabilidade do direito (art. 300 do CPC).
Cite-se a parte ré para contestar, no prazo de 15 dias.
Por se tratar de relação de consumo, diante da verossimilhança do que foi alegado pela parte autora, manifestamente hipossuficiente, fica invertido o ônus da prova (art 6º, VIII, do CDC).
A parte ré deverá exibir, com a contestação, os documentos atrelados à relação jurídica com a contrária ou justificar a impossibilidade de exibição, sob pena de se presumir como verdadeiros os fatos que se pretendia comprovar através dessa prova (arts. 396 e 400 do CPC).
Concedo o benefício da justiça gratuita à parte autora (art. 98 do CPC), uma vez que sua hipossuficiência econômica restou comprovada.