Jorge Da Costa Ferreira x Jv Participações Ltda
Número do Processo:
5137068-87.2021.8.09.0051
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJGO
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Câmara Cível
Última atualização encontrada em
21 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
As atualizações mais recentes estão bloqueadas.
Assine para desbloquear as últimas atualizações deste processo. -
03/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Câmara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Vicente Lopes2° Câmara Cívelgab.vicentelopes@tjgo.jus.br / 3216-2075APELAÇÃO CÍVEL Nº 5137068.87.2021.8.09.00512ª CÂMARA CÍVELCOMARCA DE GOIÂNIAAPELANTE: JV PARTICIPAÇÕES LTDA.APELADO: JORGE DA COSTA FERREIRA.RELATOR: DESEMBARGADOR VICENTE LOPES Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. INADIMPLEMENTO RECÍPROCO. DEVOLUÇÃO DE VALORES E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel, condenando o comprador ao pagamento de indenização e cláusula penal. O vendedor alegou inadimplemento do comprador, que por sua vez alegou vícios na aeronave e irregularidades no imóvel.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão são: (i) a existência de inadimplemento recíproco, considerando vícios na aeronave oferecida como parte do pagamento e irregularidades no imóvel, como débitos de IPTU e pendências cartorárias; (ii) a possibilidade de resolução contratual e a consequente devolução de valores e reintegração de posse; (iii) a correta interpretação das cláusulas contratuais; (iv) o cabimento de condenação em perdas e danos e cláusula penal.III. RAZÕES DE DECIDIR3. Houve inadimplemento recíproco. O comprador não entregou aeronave com as características contratualmente previstas. O vendedor não entregou o imóvel livre e desembaraçado de ônus.4. A jurisprudência reconhece a possibilidade de resolução contratual em caso de inadimplemento recíproco, devendo as partes retornar ao status quo ante. A boa-fé objetiva e a excepcionalidade da mora simultânea devem ser consideradas.5. O contrato previu o pagamento mediante aeronave e parcelas em dinheiro. A venda da aeronave impossibilita seu retorno, convertendo-se o valor em perdas e danos.IV. DISPOSITIVO E TESE5. Recurso parcialmente provido. A sentença é reformada para rescindir o contrato, determinar a devolução dos valores pagos pelo comprador e reintegrar o vendedor na posse do imóvel. "1. Há inadimplemento recíproco, ensejando a resolução contratual. 2. O comprador deve restituir o imóvel; o vendedor, os valores recebidos. 3. A impossibilidade de restituição da aeronave converte-se em perdas e danos." ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5137068.87.2021.8.09.0051, sendo apelante JV PARTICIPAÇÕES LTDA. e apelado JORGE DA COSTA FERREIRA. ACORDAM os componentes da Terceira Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade, em conhecer e prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do Relator. Fez sustentação oral a Dra. Priscilla Silva Ferreira, pelo apelante. VOTARAM, com o Relator, o Desembargador Rodrigo de Silveira, e a Desembargadora Sirlei Martins da Costa. PRESIDIU o julgamento o Desembargador Carlos Alberto França. PRESENTE a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Rúbian Corrêa Coutinho. Goiânia, data da assinatura digital. Desembargador Vicente LopesRelatorAPELAÇÃO CÍVEL Nº 5137068.87.2021.8.09.00512ª CÂMARA CÍVELCOMARCA DE GOIÂNIAAPELANTE: JV PARTICIPAÇÕES LTDA.APELADO: JORGE DA COSTA FERREIRA.RELATOR: DESEMBARGADOR VICENTE LOPES VOTO Consoante relatado, o réu JV PARTICIPAÇÕES LTDA. interpôs apelação cível (mov. 178) contra sentença (mov. 174) proferida pelo Juiz de Direito da 13ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, Dr. Otacílio de Mesquita Zago, nos autos da Ação de Rescisão de Compromisso de Compra e Venda proposta por JORGE DA COSTA FERREIRA. I. Caso em exame Na petição inicial, a parte autora narra que firmou com a requerida Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda, pelo qual alienou o imóvel situado na Rua Canes, 181, quadra E-1, lote 13, Alphaville Flamboyant, Goiânia/Go, registrado sob a matrícula nº 51.592, junto ao Cartório de Registro da 4ª Circunscrição de Goiânia/Go. Diz que o imóvel foi vendido pelo valor de R$ 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil reais), a serem pagos mediante transferência de uma aeronave A36, prefixo PR-LSE, avaliada em R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), no prazo de 30 dias a partir da assinatura do contrato, com manutenção válida, inspeção recente com validade de um ano, mangueiras em condições regulares e acompanhada do Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA). Aduz que o valor remanescente de R$ 1.200.000,00 (hum milhão e duzentos mil reais) seriam pagos de forma parcelada. Afirma que após a inspeção da aeronave, constatou que aquela não atendia aos requisitos necessários e previstos no contrato, conforme descrito no Relatório de Inspeção da Goiás Aviação. Para tanto, requer a rescisão do contrato entabulado e a retenção de 10% (dez por cento) do valor do contrato, conforme cláusula 6.1 do contrato. No ato sentencial, o magistrado julgou parcialmente procedente os pedidos formulados na inicial. Veja-se: “ANTE O EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, com amparo no art. 487, inciso I, do CPC, e rejeito de plano o pedido contraposto apresentado pela ré para: a) rescindir o contrato firmado entre as partes, sem retorno ao status quo ante; b) condenar a requerida, J.V PARTICIPAÇÕES LTDA., ao pagamento de indenização a título de perdas e danos, correspondente ao valor atual do imóvel, com exceção das benfeitorias e acessões devidamente comprovadas posteriores à alienação, deduzidos o valor de avaliação da aeronave ao tempo da entrega ao autor e as duas parcelas de R$ 60.000,00 (sessenta mil) recebidas pelo vendedor/autor, a ser apurada em liquidação de sentença; c) condenar a requerida, J.V PARTICIPAÇÕES LTDA., ao pagamento de cláusula penal, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor de R$ 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil reais), acrescida de correção monetária pelo IGP-M (índice contratual), a partir do descumprimento da obrigação, e acrescida de juros de mora correspondente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o IPCA/IBGE (art. 406, § 1º, CC), a contar da citação (art. 405, CC). Ante a sucumbência mínima da parte autora (reintegração de posse), condeno a requerida ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.” Irresignado, o apelante (movimentação nº 178), após o relato dos fatos, alega inicialmente ausência de pagamento das custas iniciais pelo apelado, dizendo que pagou apenas duas parcelas. Alega, “Desde o deferimento do parcelamento até a efetiva prolação da sentença, transcorreram-se 4 meses e, não sendo surpresa para ninguém, o Apelado apenas havia feito o pagamento de duas parcelas, sendo uma paga fora da data correta (14/10/2024) e estando outras duas em atraso.” Sustenta que o imóvel estava sendo vendido livre e desembaraçado e que o primeiro descumprimento se evidenciou no momento em que o cartório exigiu a realização de inventário da falecida esposa do apelado para proceder com qualquer averbação, inclusive bancária. Ressalta que a liberação do imóvel e a averbação do óbito da falecida esposa do apelado se deu por ação judicial. Assevera, “A controvérsia sobre tal assunto só veio a ser resolvida em 24 de novembro de 2022 (quase dois anos após a propositura da presente ação), quando o Tribunal de Justiça entendeu pela desnecessidade de inventário.” Relata que todas as ações movidas pelo apelante só seguiram em razão do primeiro descumprimento contratual do apelado. Afirma, “(…), o imóvel adquirido também possuía enorme dívida junto ao condomínio onde se situava, o que inclusive obstava a entrada da Apelante no clube pertencente ao grupo Alphaville, responsabilidade que também era do Apelado, já que anterior ao contrato.” Sublinha que pagou dívidas relativas ao imóvel. E prossegue, “(…), dizer que o Apelado não descumpriu o contrato quando na verdade a Apelante precisou pagar dívida que a ela não pertencia para não perder o bem beira ao absurdo.” Diz que não refutou a alegação de que a aeronave já havia sido vendida e também não negou que o IPTU estava em atraso, pelo contrário, aduziu ser sua a responsabilidade de consultar os débitos em aberto. Obtempera, “O documento unilateral realizado pelo Apelado não tem o condão de provar que a aeronave estava em desconformidade, tanto que foi ele a recebeu como pagamento, podendo recusá-la, e logo depois a vendeu.” Expõe acerca do julgamento extra petita, eis que rescindiu o contrato e condenou o apelante além do pedido realizado na exordial. Reitera, “Ora, o pedido do Apelado foi claro, pugnando inclusive pela devolução do imóvel, não podia o Magistrado decidir de forma diversa da pleiteada.” Pleiteia a revogação da gratuidade da justiça concedida ao apelado. Por fim, requer o conhecimento e provimento do apelo para reformar integralmente a sentença, a fim de que seja realizada a rescisão do contrato, com a devolução ao apelado os valores recebidos, inclusive o referente à aeronave com a determinação de devolução do imóvel. Subsidiariamente, requer a condenação da apelante a pagar o valor remanescente do contrato, eis que o descumprimento contratual do apelado restou evidente. II. Da admissibilidade do recurso: Presentes os requisitos e pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, notadamente de cabimento (próprio), legitimidade, tempestividade e preparo, conheço do apelo. FEITAS ESSAS REMINISCÊNCIAS, passo a análise das razões recursais. III. Questão em discussão A questão em discussão consiste em: (i) saber se estão presentes os requisitos para a revogação do benefício da justiça gratuita concedido ao autor. (ii) saber se o descumprimento contratual decorreu do vendedor, em razão da existência de restrições sobre o imóvel relativas à necessidade de inventário, bem como débitos de IPTU e condomínio; (iii) saber se a aeronave entregue como parte do pagamento estava em conformidade com as condições pactuadas no contrato; (iv) saber se houve julgamento extra petita na sentença. IV. Razões de decidirIV. 1. Do parcelamento das custas iniciais Alega o apelante que o autor/apelado não teria pago as custas iniciais em sua integralidade, antes da prolatação da sentença. Pois bem. De fato constato a ausência de integralidade no pagamento das custas iniciais, estas parceladas em dez vezes por decisão do juízo a quo. Contudo, é certo que o juízo de primeira instância, proferiu sentença, com resolução do mérito, desconsiderando a norma do artigo 290 do Código de Processo Civil, que expressamente dispõe: “Art. 290. Será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias.” É possível que se depreenda que o ilustre magistrado entendeu por bem prestigiar a solução integral do mérito, superando o vício processual, considerando que, ao julgar procedentes os pedidos iniciais, aproveitando todos os atos do processo, de acordo com o artigo 82, § 2º do CPC. Apoiado nos fundamentos lançados nas linhas pretéritas, melhor refletindo sobre a questão, a meu sentir, a solução dada pelo magistrado serve melhor ao comando constitucional visto no inciso LXXVIII, acrescentado ao art. 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004, regra constitucional positivada pelo art. 4º do CPC, que dispõe: “(…) as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito …”. Elucidativa, quanto a isso, a lição de Elpídio Donizetti (in Curso de direito processual civil. 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2020:pág. 127), no sentido de que do dispositivo supracitado, “o legislador consagrou o chamado princípio da primazia do julgamento do mérito, que pode ser sintetizado da seguinte forma: o julgador deve, sempre que possível, priorizar o julgamento do mérito, superando ou viabilizando a correção dos vícios processuais”. Em igual sentir, colaciono, por oportuno, precedente dos Tribunais Pátrios, ad exemplum: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PARCELAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. INADIMPLEMENTO DA SEGUNDA PARCELA. VÍCIO SANÁVEL. SENTENÇA DESCONSTITUIDA. - Por força do princípio da primazia da decisão de mérito, o julgador deve sempre priorizar o julgamento do mérito do processo com o intuito de realmente resolver o litígio instaurado entre as partes e submetido à apreciação pelo Judiciário - Considerando as particularidades dos autos, em que o autor justifica expressamente a falha no sistema bancário que inviabilizou o pagamento da segunda parcela das custas iniciais, deve lhe ser oportunizado o pagamento das parcelas em atraso, em consonância com os princípios da instrumentalidade efetiva das formas e da primazia do julgamento de mérito - Recurso provido.” (TJ-MG - Apelação Cível: 5000431-35.2020.8.13.0090, Relator: Des.(a) Narciso Alvarenga Monteiro de Castro (JD Convocado), Data de Julgamento: 12/12/2023, Câmara Justiça 4.0 - Cível Pri, Data de Publicação: 12/12/2023) Do quanto expendido, determino que a parte autora recolha a guia de custas remanescente, no prazo de 15 (quinze) dias. IV. 2. Do pleito de revogação da gratuidade concedida ao apelado Pleiteia o apelante a revogação do benefício da gratuidade concedido ao autor na movimentação nº 147 dos autos. Entretanto pela simples leitura do agravo de Instrumento juntado na mov. 164, constata-se que houve um equívoco do magistrado quanto a decisão de mov.147, pois não houve pedido de gratuidade (já negado anteriormente, mov.10 e confirmado pela decisão em agravo de instrumento mov.15), mas o parcelamento das custas. Dessa maneira, diante da ausência dos benefícios da gratuidade ao apelado, o referido pedido encontra-se prejudicado. IV. 2. Do inadimplemento No caso dos autos o requerido/apelante firmou contrato de compromisso de compra e venda de imóvel com o requerente/apelado, visando adquirir o bem situado na Rua Canes, nº 181, quadra E-1, lote 13, Alphaville Flamboyant, matrícula nº 51.592 do CRI de Goiânia/Go. Restou acordado entre as partes que o adquirente pagaria o valor de R$ 2.200.000,00, mediante transferência de uma aeronave A36, prefixo PR-LSE, avaliada em R$ 1.000.000,00, no prazo de 30 dias a partir da assinatura do contrato, sendo que a aeronave deveria estar com manutenção válida, inspeção recente com validade de um ano, mangueiras em condições regulares e acompanhada do Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA). O valor remanescente de R$ 1.200.000,00 seria pago de forma parcelada, com a quitação de R$ 180.000,00 em até 90 dias após a assinatura do contrato, e o restante em 17 parcelas mensais de R$ 60.000,00, acrescidas de juros de 8,4% ao ano, conforme o IGP-M. Em razão da inadimplência do requerido em relação ao pagamento das parcelas do imóvel, o requerente ajuizou a presente demanda, buscando a reintegração na posse do bem e a resolução contratual. Citado, o réu ofertou contestação e pedido contraposto (movimentação nº 36), arguindo que o inadimplemento contratual teve início por parte do requerente, pois ao buscar informações junto à Caixa Econômica Federal (CEF) para viabilizar o financiamento, tomou conhecimento de que a transferência da casa seria inviável enquanto não fosse realizado o inventário ou a sobrepartilha do bem, considerando que o postulante era casado com Iracy Moreira dos Santos Ferreira sob o regime de separação obrigatória de bens. Disse que notificou o autor a respeito da situação mencionada, ao que este informou que como o imóvel foi adquirido antes do matrimônio, o bem não fazia parte da sucessão de sua esposa. Discorreu que ciente do equívoco cometido pelo postulante, procurou o único herdeiro da Sra. Iracy, adquirindo a totalidade dos direitos hereditários por meio de instrumento de cessão e, diante disso, notificou o autor para readequar as condições do contrato e suspender o pagamento das parcelas remanescentes, em razão da necessidade de sobrepartilha. Arguiu que o requerente insistiu na desnecessidade do bem imóvel ser inventariado, motivo pelo qual o atraso do pagamento das parcelas não se justificaria. Apontou que o imóvel adquirido possui dívida junto ao condomínio onde se situa, o que obsta a entrada da ré no clube pertencente ao grupo Alphaville, bem ainda débitos relativos ao IPTU desde 2018. Argumentou que a aeronave foi alienada pelo autor à empresa Athos Holding – EIRELI, da qual o requerente não faz parte do quadro societário, em 10/06/2021, ou seja, após o ajuizamento da lide, quando o requerente ainda pretendia a sua devolução. Relatou que desde a posse no imóvel realizou diversas benfeitorias e reformas necessárias, as quais impossibilitam a rescisão do pactuado. Pois bem. A priori, convém esclarecer que no contrato pactuado entre as partes em 25/06/2020 (mov.01, PDF 08), constam expressamente, as seguintes cláusulas: 1.1.1 O imóvel está sendo vendido livre e desembaraçado de todos os ônus, gravames, alienações, hipoteca e livre de toda e quaisquer outras pendências. O mesmo esta devidamente regularizado junto aos órgãos competentes, bem como com suas taxas, impostos devidamente quitados. Pela simples leitura da referida cláusula contratual constata-se que o promitente vendedor não cumpriu com sua parte na avença, vez que ficou demonstrado nos autos que o imóvel, no momento da celebração do acordo, não encontrava-se desembaraçado, tendo em vista que somente em 18/04/2022, foi proferida sentença “na suscitação de dúvida inversa", formulado por Jorge da Costa Ferreira em face do Oficial Substituto do Cartório de Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição de Goiânia (Rodrigo Esperança Borba), diante da negativa do Cartório suscitado em proceder à averbação do óbito de Iracy Moreira dos Santos Ferreira no registro do imóvel de matrícula nº 51.592. Demais disso, constata-se pelas provas apresentadas que o referido imóvel encontrava-se, no momento da celebração do contrato com débitos relativos ao seu IPTU de 2018. Fato esse constatado pelo número de inscrição do imóvel junto a Prefeitura de Goiânia, apresentado na peça contestatória e na presente apelação. Por fim, verifica-se também que o referido imóvel, no processo de execução de sentença arbitral (5161523-24), promovido pelo condomínio Alphaville, referente a cobrança das taxas de associação, sofreu uma constrição em 09/02/2023, referente aos débitos da parte autora/vendedora, vejamos: “Assim, sendo preferencial a ordem de penhora e, ainda, sendo o imóvel o originário gerador do débito persistente, bem como destacada a peculiaridade do feito, defiro o pedido de penhora do imóvel matrícula n. 51.592, registrado no Serviço de Registro de Imóveis da 4ª. Circunscrição deste Município, por termo nos autos, conforme o artigo 838 do Código de Processo Civil. Lavre a escrivania o auto ou termo competente. “(mov.157 – autos 5161523-24). Logo, conclui-se que o promitente/vendedor não cumpriu com sua parte na avença no momento da celebração do contrato, vez que o referido imóvel não encontrava-se desembaraçado e livre de qualquer ônus. Por outro lado, também consta no referido contrato: “2..1.1.1 A manutenção da aeronave deverá estar devidamente válida, e o seu ano de fabricação (ano 1992) devidamente corrigido junto ao RAB A IAM (inspeção anual de manutenção)deverá ser recente com validade de um ano e com mangueiras as mangueiras válidas.” In casu, o documento emitido em novembro de 2020 (movimentação nº04 – doc. 02) revela que a aeronave estava com inspeção anual vencida. Veja-se: “Inspeção programada de 100 horas/12 meses da aeronave está vencida de acordo com o manual de manutenção a inspeção de 100 horas precisa ser cumprida anualmente. Última inspeção de 100 horas foi em 17/05/2019;” Logo, constata-se também que o promitente/comprador não cumpriu com o avençado no momento da celebração do contrato, pois repassou ao vendedor uma aeronave fora dos padrões pactuados na avença, conforme laudo técnico acima apresentado. Os princípios aplicáveis ao Direito Contratual Contemporâneo Brasileiro, recentemente atualizados pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), reforçam que os contratos - com exceção às hipóteses taxativamente descritas em lei, como, por exemplo, no CDC - se submetem à autonomia privada, à função social, à força obrigatória dos contratos ( pacta sunt servanda ), à boa-fé objetiva e, ainda, à relatividade dos efeitos contratuais. A boa-fé objetiva, que, aliás, existe no plano de conduta, e não no plano intencional (enunciado nº 1 da I Jornada de Direito Processual Civil), está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídica, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. O desdobramento da boa-fé objetiva implica dizer que às partes recaem o dever de cuidado; dever de respeito; dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; dever de agir conforme a confiança depositada; dever de lealdade e probidade; dever de colaboração ou cooperação; dever de agir com honestidade; dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. A quebra desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, com responsabilização civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva (enunciado nº 24 do CJF/STJ). Essa responsabilização independentemente de culpa está amparada igualmente pelo teor do enunciado nº 363 do CJF/STJ, da IV Jornada, segundo o qual "os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação". Nesse sentido: 4. A relação obrigacional não se exaure na vontade expressamente manifestada pelas partes, porque, implicitamente, estão elas sujeitas ao cumprimento de outros deveres de conduta, que independem de suas vontades e que decorrem da função integrativa da boa-fé objetiva. 5. Se à liberdade contratual, integrada pela boa-fé objetiva, acrescentam-se ao contrato deveres anexos, que condicionam a atuação dos contratantes, a inobservância desses deveres pode implicar o inadimplemento contratual. (REsp n. 1.655.139/DF, Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 07/12/2017) Impende esclarecer que a mora simultânea (ou mora bilateral) ocorre quando tanto o devedor quanto o credor entram em mora, ou seja, ambos deixam de cumprir com as suas obrigações, simultaneamente. Neste caso, a consequência legal é que a mora de um anula a mora do outro, como que se nenhuma das partes tivesse estado em mora. Nesse sentido: STJ:RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. RESCISÃO CONTRATUAL. ATRASO NA ENTREGA DO BEM . MORA CONFIGURADA. INADIMPLÊNCIA DO AUTOR, CONSIDERANDO O ATRASO NO PAGAMENTO DE ALGUMAS PARCELAS. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO ( CC, ART. 476) . INAPLICABILIDADE. INADIMPLÊNCIA DE AMBAS AS PARTES CONTRATANTES. AUSÊNCIA DE SIMULTANEIDADE DAS PRESTAÇÕES. CULPA RECÍPROCA NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO . NÃO INCIDÊNCIA DOS ÔNUS CONTRATUAIS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO DESPROVIDO. 1 . Como corolário da boa-fé objetiva, o art. 476 do Código Civil contempla a chamada exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), estabelecendo que, "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro". 2. Embora, ordinariamente, o referido dispositivo legal tenha aplicabilidade na promessa de compra e venda de imóvel, por se tratar de contrato bilateral, o caso guarda particularidade que afasta essa regra . 3. Na hipótese, ambas as partes estavam inadimplentes em relação a uma unidade imobiliária, valendo destacar que a inadimplência da construtora não se deu em razão do inadimplemento do autor, tanto que, na contestação, foi alegado que o atraso na entrega da obra se deu por força maior e caso fortuito (falta de mão de obra qualificada, chuvas constantes, desabastecimento do mercado de materiais e equipamentos indispensáveis à execução das obras, etc), logo, não havia a necessária simultaneidade das obrigações assumidas pelos contratantes, a fim de se permitir a aplicação do art. 476 do CC. 4. Não se pode olvidar, ademais, que o pressuposto para que a parte alegue a exceção de contrato não cumprido é justamente o adimplemento de sua obrigação, o que não ocorreu em relação à recorrente. 5. Assim, diante da reciprocidade da culpa pela resolução do contrato, ante a inadimplência de ambas as partes contratantes, revela-se correto o entendimento das instâncias ordinárias em determinar tão somente a restituição das partes ao status quo, sem a imposição de qualquer ônus contratual, não sendo o caso, portanto, de aplicação do art. 476 do Código Civil . 6. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1758795 DF 2016/0199161-0, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 22/06/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2021). TJ/GO: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. OCULTAÇÃO DO ESTADO CIVIL REAL E DIVÓRCIO . ELEMENTOS RELEVANTES PARA CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO. BOA-FÉ OBJETIVA. ART. 422 /CC . AUSÊNCIA DE ASSINATURA DA EX-CÔNJUGE ANUINDO COM A VENDA DO IMÓVEL. DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DA SOLIDEZ DO NEGÓCIO JURÍDICO. POSTERIOR AQUISIÇÃO PELO VENDEDOR DA QUOTA-PARTE DA EX-ESPOSA. POSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO DO ATO QUE NÃO SE CONFUNDE COM CONVOLAÇÃO DO NEGÓCIO NULO . ART. 169 /CC. MORA DO CREDOR. CONSIGNAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL . HIPÓTESE DE MORA RECÍPROCA. MANUTENÇÃO DA COMPRA E VENDA. SENTENÇA CONFIRMADA. 1 . […]; 4. No caso, também se verifica mora da parte compradora, especialmente pois a mora do credor cria a possibilidade da consignação judicial ou extrajudicial do objeto obrigacional, nos termos do art . 334 do CC/2002. Nessa situação, quando as moras são simultâneas, mora do devedor e do credor em uma mesma situação, uma elimina a outra, como se nenhuma das partes houvesse incorrido em mora. Ocorre, nesse sentido, uma espécie de compensação dos atrasos. (DINIZ, Maria Helena . Curso de direito civil brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 24. ed . São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2, p. 413-414) .APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS E DESPROVIDAS. SENTENÇA CONFIRMADA. (TJ-GO - Apelação Cível: 50692413420198090082 ITAJÁ, Relator.: Des(a) . DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 24/06/2024. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BEM IMÓVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA . NÃO QUITAÇÃO DA OBRIGAÇÃO. VENDA DO BEM A TERCEIROS. AUSÊNCIA DE PREPARO DO SEGUNDO APELO. CAUSA MAIS QUE SUFICIENTE PARA O NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO . ALTERAÇÃO DO POLO PASSIVO ARGUIDA NO PRIMEIRO APELO. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA . DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. MANUTENÇÃO. […]; IV- O inadimplemento, por parte do promitente comprador, que não efetuou o pagamento das parcelas indicadas no contrato para a quitação do imóvel, somado ao fato de que a construtora vendeu o bem a terceiros, leva à conclusão de que a mora é simultânea e, portanto, a rescisão contratual é medida imperativa, na espécie, ensejando o retorno das partes ao status quo ante, sem que seja devida qualquer tipo de indenização. V- Não há falar-se em inversão dos ônus sucumbenciais ante a manutenção da sentença . PRIMEIRO APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SEGUNDA APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. (TJ-GO - AC: 01052563920108090006, Relator.: DR(A). SERGIO MENDONCA DE ARAUJO, Data de Julgamento: 06/04/2017, 5A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2251 de 19/04/2017) Cumpre observar que, em se tratando de resolução contratual por inadimplemento de ambas as partes, devem estas retornar ao status quo ante, com a devolução dos valores pagos, além da reintegração do promissário vendedor na posse do imóvel. Por outro lado, inconteste a venda da aeronave à empresa Athos Holding – EIRELI em 10/06/2021 (movimentação nº 36 – doc. 01). Assim, impossível o retorno da aeronave ao patrimônio da apelante, eis que envolve terceiro de boa-fé, sendo necessário a conversão em perdas e danos. Dessa forma, deverá a parte vendedora/apelada ser condenada a devolução das parcelas do valor do imóvel já pago (valor da aeronave e das duas parcelas de R$ 60.000,00 pagas), devidamente corrigidas pelo IPCA-IBGE, e os juros de mora sejam calculados pela taxa SELIC, deduzida a atualização pelo IPCA-IBGE, nos termos da Lei n. 14.905/2024 (art. 406, §1º, CC/2002). E o apelante/comprador deverá restituir o imóvel imediatamente, reintegrando o autor/apelado na posse do imóvel, observando as disposições contidas no artigo 1.219 do CC. Prejudicados os demais pedidos constantes na peça recursal. V. Dispositivo: Diante do exposto, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE parcial provimento, reformando a sentença para rescindir o contrato entabulado entre as partes e condenar o autor/apelado a devolução das parcelas do valor do imóvel já pago (valor da aeronave e das duas parcelas de R$ 60.000,00 pagas), devidamente corrigidas pelo IPCA-IBGE, e os juros de mora sejam calculados pela taxa SELIC, deduzida a atualização pelo IPCA-IBGE, nos termos da Lei n. 14.905/2024 (art. 406, §1º, CC/2002) desde a data dos desembolsos; e determinar a reintegração do autor/apelado na posse do imóvel objeto do presente litígio, condicionado à devolução das parcelas recebidas pelo vendedor, observando as disposições contidas no artigo 1.219 do CC. De consequência, redimensiono e os honorários advocatícios fixados na origem, a serem rateados na proporção de 50% para cada um dos litigantes, no percentual de 10% sobre o valor da condenação. Custas iniciais a serem recolhidas 15 (quinze) dias após a prolação do voto. Custas finais pro rata. É o voto. Goiânia, data da assinatura digital. Desembargador Vicente LopesRelator Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. INADIMPLEMENTO RECÍPROCO. DEVOLUÇÃO DE VALORES E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel, condenando o comprador ao pagamento de indenização e cláusula penal. O vendedor alegou inadimplemento do comprador, que por sua vez alegou vícios na aeronave e irregularidades no imóvel.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão são: (i) a existência de inadimplemento recíproco, considerando vícios na aeronave oferecida como parte do pagamento e irregularidades no imóvel, como débitos de IPTU e pendências cartorárias; (ii) a possibilidade de resolução contratual e a consequente devolução de valores e reintegração de posse; (iii) a correta interpretação das cláusulas contratuais; (iv) o cabimento de condenação em perdas e danos e cláusula penal.III. RAZÕES DE DECIDIR3. Houve inadimplemento recíproco. O comprador não entregou aeronave com as características contratualmente previstas. O vendedor não entregou o imóvel livre e desembaraçado de ônus.4. A jurisprudência reconhece a possibilidade de resolução contratual em caso de inadimplemento recíproco, devendo as partes retornar ao status quo ante. A boa-fé objetiva e a excepcionalidade da mora simultânea devem ser consideradas.5. O contrato previu o pagamento mediante aeronave e parcelas em dinheiro. A venda da aeronave impossibilita seu retorno, convertendo-se o valor em perdas e danos.IV. DISPOSITIVO E TESE5. Recurso parcialmente provido. A sentença é reformada para rescindir o contrato, determinar a devolução dos valores pagos pelo comprador e reintegrar o vendedor na posse do imóvel. "1. Há inadimplemento recíproco, ensejando a resolução contratual. 2. O comprador deve restituir o imóvel; o vendedor, os valores recebidos. 3. A impossibilidade de restituição da aeronave converte-se em perdas e danos."
-
23/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Câmara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete do Desembargador Vicente Lopes2° Câmara Cívelgab.vicentelopes@tjgo.jus.br / 3216-2075APELAÇÃO CÍVEL Nº 5137068.87.2021.8.09.00512ª CÂMARA CÍVELCOMARCA DE GOIÂNIAAPELANTE: JV PARTICIPAÇÕES LTDA.APELADO: JORGE DA COSTA FERREIRA.RELATOR: DESEMBARGADOR VICENTE LOPES Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. INADIMPLEMENTO RECÍPROCO. DEVOLUÇÃO DE VALORES E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel, condenando o comprador ao pagamento de indenização e cláusula penal. O vendedor alegou inadimplemento do comprador, que por sua vez alegou vícios na aeronave e irregularidades no imóvel.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão são: (i) a existência de inadimplemento recíproco, considerando vícios na aeronave oferecida como parte do pagamento e irregularidades no imóvel, como débitos de IPTU e pendências cartorárias; (ii) a possibilidade de resolução contratual e a consequente devolução de valores e reintegração de posse; (iii) a correta interpretação das cláusulas contratuais; (iv) o cabimento de condenação em perdas e danos e cláusula penal.III. RAZÕES DE DECIDIR3. Houve inadimplemento recíproco. O comprador não entregou aeronave com as características contratualmente previstas. O vendedor não entregou o imóvel livre e desembaraçado de ônus.4. A jurisprudência reconhece a possibilidade de resolução contratual em caso de inadimplemento recíproco, devendo as partes retornar ao status quo ante. A boa-fé objetiva e a excepcionalidade da mora simultânea devem ser consideradas.5. O contrato previu o pagamento mediante aeronave e parcelas em dinheiro. A venda da aeronave impossibilita seu retorno, convertendo-se o valor em perdas e danos.IV. DISPOSITIVO E TESE5. Recurso parcialmente provido. A sentença é reformada para rescindir o contrato, determinar a devolução dos valores pagos pelo comprador e reintegrar o vendedor na posse do imóvel. "1. Há inadimplemento recíproco, ensejando a resolução contratual. 2. O comprador deve restituir o imóvel; o vendedor, os valores recebidos. 3. A impossibilidade de restituição da aeronave converte-se em perdas e danos." ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5137068.87.2021.8.09.0051, sendo apelante JV PARTICIPAÇÕES LTDA. e apelado JORGE DA COSTA FERREIRA. ACORDAM os componentes da Terceira Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade, em conhecer e prover parcialmente o recurso, nos termos do voto do Relator. Fez sustentação oral a Dra. Priscilla Silva Ferreira, pelo apelante. VOTARAM, com o Relator, o Desembargador Rodrigo de Silveira, e a Desembargadora Sirlei Martins da Costa. PRESIDIU o julgamento o Desembargador Carlos Alberto França. PRESENTE a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Rúbian Corrêa Coutinho. Goiânia, data da assinatura digital. Desembargador Vicente LopesRelatorAPELAÇÃO CÍVEL Nº 5137068.87.2021.8.09.00512ª CÂMARA CÍVELCOMARCA DE GOIÂNIAAPELANTE: JV PARTICIPAÇÕES LTDA.APELADO: JORGE DA COSTA FERREIRA.RELATOR: DESEMBARGADOR VICENTE LOPES VOTO Consoante relatado, o réu JV PARTICIPAÇÕES LTDA. interpôs apelação cível (mov. 178) contra sentença (mov. 174) proferida pelo Juiz de Direito da 13ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, Dr. Otacílio de Mesquita Zago, nos autos da Ação de Rescisão de Compromisso de Compra e Venda proposta por JORGE DA COSTA FERREIRA. I. Caso em exame Na petição inicial, a parte autora narra que firmou com a requerida Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda, pelo qual alienou o imóvel situado na Rua Canes, 181, quadra E-1, lote 13, Alphaville Flamboyant, Goiânia/Go, registrado sob a matrícula nº 51.592, junto ao Cartório de Registro da 4ª Circunscrição de Goiânia/Go. Diz que o imóvel foi vendido pelo valor de R$ 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil reais), a serem pagos mediante transferência de uma aeronave A36, prefixo PR-LSE, avaliada em R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), no prazo de 30 dias a partir da assinatura do contrato, com manutenção válida, inspeção recente com validade de um ano, mangueiras em condições regulares e acompanhada do Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA). Aduz que o valor remanescente de R$ 1.200.000,00 (hum milhão e duzentos mil reais) seriam pagos de forma parcelada. Afirma que após a inspeção da aeronave, constatou que aquela não atendia aos requisitos necessários e previstos no contrato, conforme descrito no Relatório de Inspeção da Goiás Aviação. Para tanto, requer a rescisão do contrato entabulado e a retenção de 10% (dez por cento) do valor do contrato, conforme cláusula 6.1 do contrato. No ato sentencial, o magistrado julgou parcialmente procedente os pedidos formulados na inicial. Veja-se: “ANTE O EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, com amparo no art. 487, inciso I, do CPC, e rejeito de plano o pedido contraposto apresentado pela ré para: a) rescindir o contrato firmado entre as partes, sem retorno ao status quo ante; b) condenar a requerida, J.V PARTICIPAÇÕES LTDA., ao pagamento de indenização a título de perdas e danos, correspondente ao valor atual do imóvel, com exceção das benfeitorias e acessões devidamente comprovadas posteriores à alienação, deduzidos o valor de avaliação da aeronave ao tempo da entrega ao autor e as duas parcelas de R$ 60.000,00 (sessenta mil) recebidas pelo vendedor/autor, a ser apurada em liquidação de sentença; c) condenar a requerida, J.V PARTICIPAÇÕES LTDA., ao pagamento de cláusula penal, fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor de R$ 2.200.000,00 (dois milhões e duzentos mil reais), acrescida de correção monetária pelo IGP-M (índice contratual), a partir do descumprimento da obrigação, e acrescida de juros de mora correspondente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o IPCA/IBGE (art. 406, § 1º, CC), a contar da citação (art. 405, CC). Ante a sucumbência mínima da parte autora (reintegração de posse), condeno a requerida ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.” Irresignado, o apelante (movimentação nº 178), após o relato dos fatos, alega inicialmente ausência de pagamento das custas iniciais pelo apelado, dizendo que pagou apenas duas parcelas. Alega, “Desde o deferimento do parcelamento até a efetiva prolação da sentença, transcorreram-se 4 meses e, não sendo surpresa para ninguém, o Apelado apenas havia feito o pagamento de duas parcelas, sendo uma paga fora da data correta (14/10/2024) e estando outras duas em atraso.” Sustenta que o imóvel estava sendo vendido livre e desembaraçado e que o primeiro descumprimento se evidenciou no momento em que o cartório exigiu a realização de inventário da falecida esposa do apelado para proceder com qualquer averbação, inclusive bancária. Ressalta que a liberação do imóvel e a averbação do óbito da falecida esposa do apelado se deu por ação judicial. Assevera, “A controvérsia sobre tal assunto só veio a ser resolvida em 24 de novembro de 2022 (quase dois anos após a propositura da presente ação), quando o Tribunal de Justiça entendeu pela desnecessidade de inventário.” Relata que todas as ações movidas pelo apelante só seguiram em razão do primeiro descumprimento contratual do apelado. Afirma, “(…), o imóvel adquirido também possuía enorme dívida junto ao condomínio onde se situava, o que inclusive obstava a entrada da Apelante no clube pertencente ao grupo Alphaville, responsabilidade que também era do Apelado, já que anterior ao contrato.” Sublinha que pagou dívidas relativas ao imóvel. E prossegue, “(…), dizer que o Apelado não descumpriu o contrato quando na verdade a Apelante precisou pagar dívida que a ela não pertencia para não perder o bem beira ao absurdo.” Diz que não refutou a alegação de que a aeronave já havia sido vendida e também não negou que o IPTU estava em atraso, pelo contrário, aduziu ser sua a responsabilidade de consultar os débitos em aberto. Obtempera, “O documento unilateral realizado pelo Apelado não tem o condão de provar que a aeronave estava em desconformidade, tanto que foi ele a recebeu como pagamento, podendo recusá-la, e logo depois a vendeu.” Expõe acerca do julgamento extra petita, eis que rescindiu o contrato e condenou o apelante além do pedido realizado na exordial. Reitera, “Ora, o pedido do Apelado foi claro, pugnando inclusive pela devolução do imóvel, não podia o Magistrado decidir de forma diversa da pleiteada.” Pleiteia a revogação da gratuidade da justiça concedida ao apelado. Por fim, requer o conhecimento e provimento do apelo para reformar integralmente a sentença, a fim de que seja realizada a rescisão do contrato, com a devolução ao apelado os valores recebidos, inclusive o referente à aeronave com a determinação de devolução do imóvel. Subsidiariamente, requer a condenação da apelante a pagar o valor remanescente do contrato, eis que o descumprimento contratual do apelado restou evidente. II. Da admissibilidade do recurso: Presentes os requisitos e pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, notadamente de cabimento (próprio), legitimidade, tempestividade e preparo, conheço do apelo. FEITAS ESSAS REMINISCÊNCIAS, passo a análise das razões recursais. III. Questão em discussão A questão em discussão consiste em: (i) saber se estão presentes os requisitos para a revogação do benefício da justiça gratuita concedido ao autor. (ii) saber se o descumprimento contratual decorreu do vendedor, em razão da existência de restrições sobre o imóvel relativas à necessidade de inventário, bem como débitos de IPTU e condomínio; (iii) saber se a aeronave entregue como parte do pagamento estava em conformidade com as condições pactuadas no contrato; (iv) saber se houve julgamento extra petita na sentença. IV. Razões de decidirIV. 1. Do parcelamento das custas iniciais Alega o apelante que o autor/apelado não teria pago as custas iniciais em sua integralidade, antes da prolatação da sentença. Pois bem. De fato constato a ausência de integralidade no pagamento das custas iniciais, estas parceladas em dez vezes por decisão do juízo a quo. Contudo, é certo que o juízo de primeira instância, proferiu sentença, com resolução do mérito, desconsiderando a norma do artigo 290 do Código de Processo Civil, que expressamente dispõe: “Art. 290. Será cancelada a distribuição do feito se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias.” É possível que se depreenda que o ilustre magistrado entendeu por bem prestigiar a solução integral do mérito, superando o vício processual, considerando que, ao julgar procedentes os pedidos iniciais, aproveitando todos os atos do processo, de acordo com o artigo 82, § 2º do CPC. Apoiado nos fundamentos lançados nas linhas pretéritas, melhor refletindo sobre a questão, a meu sentir, a solução dada pelo magistrado serve melhor ao comando constitucional visto no inciso LXXVIII, acrescentado ao art. 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004, regra constitucional positivada pelo art. 4º do CPC, que dispõe: “(…) as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito …”. Elucidativa, quanto a isso, a lição de Elpídio Donizetti (in Curso de direito processual civil. 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2020:pág. 127), no sentido de que do dispositivo supracitado, “o legislador consagrou o chamado princípio da primazia do julgamento do mérito, que pode ser sintetizado da seguinte forma: o julgador deve, sempre que possível, priorizar o julgamento do mérito, superando ou viabilizando a correção dos vícios processuais”. Em igual sentir, colaciono, por oportuno, precedente dos Tribunais Pátrios, ad exemplum: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PARCELAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. INADIMPLEMENTO DA SEGUNDA PARCELA. VÍCIO SANÁVEL. SENTENÇA DESCONSTITUIDA. - Por força do princípio da primazia da decisão de mérito, o julgador deve sempre priorizar o julgamento do mérito do processo com o intuito de realmente resolver o litígio instaurado entre as partes e submetido à apreciação pelo Judiciário - Considerando as particularidades dos autos, em que o autor justifica expressamente a falha no sistema bancário que inviabilizou o pagamento da segunda parcela das custas iniciais, deve lhe ser oportunizado o pagamento das parcelas em atraso, em consonância com os princípios da instrumentalidade efetiva das formas e da primazia do julgamento de mérito - Recurso provido.” (TJ-MG - Apelação Cível: 5000431-35.2020.8.13.0090, Relator: Des.(a) Narciso Alvarenga Monteiro de Castro (JD Convocado), Data de Julgamento: 12/12/2023, Câmara Justiça 4.0 - Cível Pri, Data de Publicação: 12/12/2023) Do quanto expendido, determino que a parte autora recolha a guia de custas remanescente, no prazo de 15 (quinze) dias. IV. 2. Do pleito de revogação da gratuidade concedida ao apelado Pleiteia o apelante a revogação do benefício da gratuidade concedido ao autor na movimentação nº 147 dos autos. Entretanto pela simples leitura do agravo de Instrumento juntado na mov. 164, constata-se que houve um equívoco do magistrado quanto a decisão de mov.147, pois não houve pedido de gratuidade (já negado anteriormente, mov.10 e confirmado pela decisão em agravo de instrumento mov.15), mas o parcelamento das custas. Dessa maneira, diante da ausência dos benefícios da gratuidade ao apelado, o referido pedido encontra-se prejudicado. IV. 2. Do inadimplemento No caso dos autos o requerido/apelante firmou contrato de compromisso de compra e venda de imóvel com o requerente/apelado, visando adquirir o bem situado na Rua Canes, nº 181, quadra E-1, lote 13, Alphaville Flamboyant, matrícula nº 51.592 do CRI de Goiânia/Go. Restou acordado entre as partes que o adquirente pagaria o valor de R$ 2.200.000,00, mediante transferência de uma aeronave A36, prefixo PR-LSE, avaliada em R$ 1.000.000,00, no prazo de 30 dias a partir da assinatura do contrato, sendo que a aeronave deveria estar com manutenção válida, inspeção recente com validade de um ano, mangueiras em condições regulares e acompanhada do Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA). O valor remanescente de R$ 1.200.000,00 seria pago de forma parcelada, com a quitação de R$ 180.000,00 em até 90 dias após a assinatura do contrato, e o restante em 17 parcelas mensais de R$ 60.000,00, acrescidas de juros de 8,4% ao ano, conforme o IGP-M. Em razão da inadimplência do requerido em relação ao pagamento das parcelas do imóvel, o requerente ajuizou a presente demanda, buscando a reintegração na posse do bem e a resolução contratual. Citado, o réu ofertou contestação e pedido contraposto (movimentação nº 36), arguindo que o inadimplemento contratual teve início por parte do requerente, pois ao buscar informações junto à Caixa Econômica Federal (CEF) para viabilizar o financiamento, tomou conhecimento de que a transferência da casa seria inviável enquanto não fosse realizado o inventário ou a sobrepartilha do bem, considerando que o postulante era casado com Iracy Moreira dos Santos Ferreira sob o regime de separação obrigatória de bens. Disse que notificou o autor a respeito da situação mencionada, ao que este informou que como o imóvel foi adquirido antes do matrimônio, o bem não fazia parte da sucessão de sua esposa. Discorreu que ciente do equívoco cometido pelo postulante, procurou o único herdeiro da Sra. Iracy, adquirindo a totalidade dos direitos hereditários por meio de instrumento de cessão e, diante disso, notificou o autor para readequar as condições do contrato e suspender o pagamento das parcelas remanescentes, em razão da necessidade de sobrepartilha. Arguiu que o requerente insistiu na desnecessidade do bem imóvel ser inventariado, motivo pelo qual o atraso do pagamento das parcelas não se justificaria. Apontou que o imóvel adquirido possui dívida junto ao condomínio onde se situa, o que obsta a entrada da ré no clube pertencente ao grupo Alphaville, bem ainda débitos relativos ao IPTU desde 2018. Argumentou que a aeronave foi alienada pelo autor à empresa Athos Holding – EIRELI, da qual o requerente não faz parte do quadro societário, em 10/06/2021, ou seja, após o ajuizamento da lide, quando o requerente ainda pretendia a sua devolução. Relatou que desde a posse no imóvel realizou diversas benfeitorias e reformas necessárias, as quais impossibilitam a rescisão do pactuado. Pois bem. A priori, convém esclarecer que no contrato pactuado entre as partes em 25/06/2020 (mov.01, PDF 08), constam expressamente, as seguintes cláusulas: 1.1.1 O imóvel está sendo vendido livre e desembaraçado de todos os ônus, gravames, alienações, hipoteca e livre de toda e quaisquer outras pendências. O mesmo esta devidamente regularizado junto aos órgãos competentes, bem como com suas taxas, impostos devidamente quitados. Pela simples leitura da referida cláusula contratual constata-se que o promitente vendedor não cumpriu com sua parte na avença, vez que ficou demonstrado nos autos que o imóvel, no momento da celebração do acordo, não encontrava-se desembaraçado, tendo em vista que somente em 18/04/2022, foi proferida sentença “na suscitação de dúvida inversa", formulado por Jorge da Costa Ferreira em face do Oficial Substituto do Cartório de Registro de Imóveis da 4ª Circunscrição de Goiânia (Rodrigo Esperança Borba), diante da negativa do Cartório suscitado em proceder à averbação do óbito de Iracy Moreira dos Santos Ferreira no registro do imóvel de matrícula nº 51.592. Demais disso, constata-se pelas provas apresentadas que o referido imóvel encontrava-se, no momento da celebração do contrato com débitos relativos ao seu IPTU de 2018. Fato esse constatado pelo número de inscrição do imóvel junto a Prefeitura de Goiânia, apresentado na peça contestatória e na presente apelação. Por fim, verifica-se também que o referido imóvel, no processo de execução de sentença arbitral (5161523-24), promovido pelo condomínio Alphaville, referente a cobrança das taxas de associação, sofreu uma constrição em 09/02/2023, referente aos débitos da parte autora/vendedora, vejamos: “Assim, sendo preferencial a ordem de penhora e, ainda, sendo o imóvel o originário gerador do débito persistente, bem como destacada a peculiaridade do feito, defiro o pedido de penhora do imóvel matrícula n. 51.592, registrado no Serviço de Registro de Imóveis da 4ª. Circunscrição deste Município, por termo nos autos, conforme o artigo 838 do Código de Processo Civil. Lavre a escrivania o auto ou termo competente. “(mov.157 – autos 5161523-24). Logo, conclui-se que o promitente/vendedor não cumpriu com sua parte na avença no momento da celebração do contrato, vez que o referido imóvel não encontrava-se desembaraçado e livre de qualquer ônus. Por outro lado, também consta no referido contrato: “2..1.1.1 A manutenção da aeronave deverá estar devidamente válida, e o seu ano de fabricação (ano 1992) devidamente corrigido junto ao RAB A IAM (inspeção anual de manutenção)deverá ser recente com validade de um ano e com mangueiras as mangueiras válidas.” In casu, o documento emitido em novembro de 2020 (movimentação nº04 – doc. 02) revela que a aeronave estava com inspeção anual vencida. Veja-se: “Inspeção programada de 100 horas/12 meses da aeronave está vencida de acordo com o manual de manutenção a inspeção de 100 horas precisa ser cumprida anualmente. Última inspeção de 100 horas foi em 17/05/2019;” Logo, constata-se também que o promitente/comprador não cumpriu com o avençado no momento da celebração do contrato, pois repassou ao vendedor uma aeronave fora dos padrões pactuados na avença, conforme laudo técnico acima apresentado. Os princípios aplicáveis ao Direito Contratual Contemporâneo Brasileiro, recentemente atualizados pela Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), reforçam que os contratos - com exceção às hipóteses taxativamente descritas em lei, como, por exemplo, no CDC - se submetem à autonomia privada, à função social, à força obrigatória dos contratos ( pacta sunt servanda ), à boa-fé objetiva e, ainda, à relatividade dos efeitos contratuais. A boa-fé objetiva, que, aliás, existe no plano de conduta, e não no plano intencional (enunciado nº 1 da I Jornada de Direito Processual Civil), está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídica, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. O desdobramento da boa-fé objetiva implica dizer que às partes recaem o dever de cuidado; dever de respeito; dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; dever de agir conforme a confiança depositada; dever de lealdade e probidade; dever de colaboração ou cooperação; dever de agir com honestidade; dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. A quebra desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, com responsabilização civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva (enunciado nº 24 do CJF/STJ). Essa responsabilização independentemente de culpa está amparada igualmente pelo teor do enunciado nº 363 do CJF/STJ, da IV Jornada, segundo o qual "os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação". Nesse sentido: 4. A relação obrigacional não se exaure na vontade expressamente manifestada pelas partes, porque, implicitamente, estão elas sujeitas ao cumprimento de outros deveres de conduta, que independem de suas vontades e que decorrem da função integrativa da boa-fé objetiva. 5. Se à liberdade contratual, integrada pela boa-fé objetiva, acrescentam-se ao contrato deveres anexos, que condicionam a atuação dos contratantes, a inobservância desses deveres pode implicar o inadimplemento contratual. (REsp n. 1.655.139/DF, Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 07/12/2017) Impende esclarecer que a mora simultânea (ou mora bilateral) ocorre quando tanto o devedor quanto o credor entram em mora, ou seja, ambos deixam de cumprir com as suas obrigações, simultaneamente. Neste caso, a consequência legal é que a mora de um anula a mora do outro, como que se nenhuma das partes tivesse estado em mora. Nesse sentido: STJ:RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. RESCISÃO CONTRATUAL. ATRASO NA ENTREGA DO BEM . MORA CONFIGURADA. INADIMPLÊNCIA DO AUTOR, CONSIDERANDO O ATRASO NO PAGAMENTO DE ALGUMAS PARCELAS. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO ( CC, ART. 476) . INAPLICABILIDADE. INADIMPLÊNCIA DE AMBAS AS PARTES CONTRATANTES. AUSÊNCIA DE SIMULTANEIDADE DAS PRESTAÇÕES. CULPA RECÍPROCA NA RESOLUÇÃO DO CONTRATO . NÃO INCIDÊNCIA DOS ÔNUS CONTRATUAIS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO DESPROVIDO. 1 . Como corolário da boa-fé objetiva, o art. 476 do Código Civil contempla a chamada exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), estabelecendo que, "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro". 2. Embora, ordinariamente, o referido dispositivo legal tenha aplicabilidade na promessa de compra e venda de imóvel, por se tratar de contrato bilateral, o caso guarda particularidade que afasta essa regra . 3. Na hipótese, ambas as partes estavam inadimplentes em relação a uma unidade imobiliária, valendo destacar que a inadimplência da construtora não se deu em razão do inadimplemento do autor, tanto que, na contestação, foi alegado que o atraso na entrega da obra se deu por força maior e caso fortuito (falta de mão de obra qualificada, chuvas constantes, desabastecimento do mercado de materiais e equipamentos indispensáveis à execução das obras, etc), logo, não havia a necessária simultaneidade das obrigações assumidas pelos contratantes, a fim de se permitir a aplicação do art. 476 do CC. 4. Não se pode olvidar, ademais, que o pressuposto para que a parte alegue a exceção de contrato não cumprido é justamente o adimplemento de sua obrigação, o que não ocorreu em relação à recorrente. 5. Assim, diante da reciprocidade da culpa pela resolução do contrato, ante a inadimplência de ambas as partes contratantes, revela-se correto o entendimento das instâncias ordinárias em determinar tão somente a restituição das partes ao status quo, sem a imposição de qualquer ônus contratual, não sendo o caso, portanto, de aplicação do art. 476 do Código Civil . 6. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1758795 DF 2016/0199161-0, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 22/06/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2021). TJ/GO: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. OCULTAÇÃO DO ESTADO CIVIL REAL E DIVÓRCIO . ELEMENTOS RELEVANTES PARA CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO. BOA-FÉ OBJETIVA. ART. 422 /CC . AUSÊNCIA DE ASSINATURA DA EX-CÔNJUGE ANUINDO COM A VENDA DO IMÓVEL. DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DA SOLIDEZ DO NEGÓCIO JURÍDICO. POSTERIOR AQUISIÇÃO PELO VENDEDOR DA QUOTA-PARTE DA EX-ESPOSA. POSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO DO ATO QUE NÃO SE CONFUNDE COM CONVOLAÇÃO DO NEGÓCIO NULO . ART. 169 /CC. MORA DO CREDOR. CONSIGNAÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL . HIPÓTESE DE MORA RECÍPROCA. MANUTENÇÃO DA COMPRA E VENDA. SENTENÇA CONFIRMADA. 1 . […]; 4. No caso, também se verifica mora da parte compradora, especialmente pois a mora do credor cria a possibilidade da consignação judicial ou extrajudicial do objeto obrigacional, nos termos do art . 334 do CC/2002. Nessa situação, quando as moras são simultâneas, mora do devedor e do credor em uma mesma situação, uma elimina a outra, como se nenhuma das partes houvesse incorrido em mora. Ocorre, nesse sentido, uma espécie de compensação dos atrasos. (DINIZ, Maria Helena . Curso de direito civil brasileiro. Teoria Geral das Obrigações. 24. ed . São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2, p. 413-414) .APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS E DESPROVIDAS. SENTENÇA CONFIRMADA. (TJ-GO - Apelação Cível: 50692413420198090082 ITAJÁ, Relator.: Des(a) . DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 24/06/2024. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. BEM IMÓVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA . NÃO QUITAÇÃO DA OBRIGAÇÃO. VENDA DO BEM A TERCEIROS. AUSÊNCIA DE PREPARO DO SEGUNDO APELO. CAUSA MAIS QUE SUFICIENTE PARA O NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO . ALTERAÇÃO DO POLO PASSIVO ARGUIDA NO PRIMEIRO APELO. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA . DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. MANUTENÇÃO. […]; IV- O inadimplemento, por parte do promitente comprador, que não efetuou o pagamento das parcelas indicadas no contrato para a quitação do imóvel, somado ao fato de que a construtora vendeu o bem a terceiros, leva à conclusão de que a mora é simultânea e, portanto, a rescisão contratual é medida imperativa, na espécie, ensejando o retorno das partes ao status quo ante, sem que seja devida qualquer tipo de indenização. V- Não há falar-se em inversão dos ônus sucumbenciais ante a manutenção da sentença . PRIMEIRO APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SEGUNDA APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. (TJ-GO - AC: 01052563920108090006, Relator.: DR(A). SERGIO MENDONCA DE ARAUJO, Data de Julgamento: 06/04/2017, 5A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2251 de 19/04/2017) Cumpre observar que, em se tratando de resolução contratual por inadimplemento de ambas as partes, devem estas retornar ao status quo ante, com a devolução dos valores pagos, além da reintegração do promissário vendedor na posse do imóvel. Por outro lado, inconteste a venda da aeronave à empresa Athos Holding – EIRELI em 10/06/2021 (movimentação nº 36 – doc. 01). Assim, impossível o retorno da aeronave ao patrimônio da apelante, eis que envolve terceiro de boa-fé, sendo necessário a conversão em perdas e danos. Dessa forma, deverá a parte vendedora/apelada ser condenada a devolução das parcelas do valor do imóvel já pago (valor da aeronave e das duas parcelas de R$ 60.000,00 pagas), devidamente corrigidas pelo IPCA-IBGE, e os juros de mora sejam calculados pela taxa SELIC, deduzida a atualização pelo IPCA-IBGE, nos termos da Lei n. 14.905/2024 (art. 406, §1º, CC/2002). E o apelante/comprador deverá restituir o imóvel imediatamente, reintegrando o autor/apelado na posse do imóvel, observando as disposições contidas no artigo 1.219 do CC. Prejudicados os demais pedidos constantes na peça recursal. V. Dispositivo: Diante do exposto, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE parcial provimento, reformando a sentença para rescindir o contrato entabulado entre as partes e condenar o autor/apelado a devolução das parcelas do valor do imóvel já pago (valor da aeronave e das duas parcelas de R$ 60.000,00 pagas), devidamente corrigidas pelo IPCA-IBGE, e os juros de mora sejam calculados pela taxa SELIC, deduzida a atualização pelo IPCA-IBGE, nos termos da Lei n. 14.905/2024 (art. 406, §1º, CC/2002) desde a data dos desembolsos; e determinar a reintegração do autor/apelado na posse do imóvel objeto do presente litígio, condicionado à devolução das parcelas recebidas pelo vendedor, observando as disposições contidas no artigo 1.219 do CC. De consequência, redimensiono e os honorários advocatícios fixados na origem, a serem rateados na proporção de 50% para cada um dos litigantes, no percentual de 10% sobre o valor da condenação. Custas iniciais a serem recolhidas 15 (quinze) dias após a prolação do voto. Custas finais pro rata. É o voto. Goiânia, data da assinatura digital. Desembargador Vicente LopesRelator Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. INADIMPLEMENTO RECÍPROCO. DEVOLUÇÃO DE VALORES E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel, condenando o comprador ao pagamento de indenização e cláusula penal. O vendedor alegou inadimplemento do comprador, que por sua vez alegou vícios na aeronave e irregularidades no imóvel.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão são: (i) a existência de inadimplemento recíproco, considerando vícios na aeronave oferecida como parte do pagamento e irregularidades no imóvel, como débitos de IPTU e pendências cartorárias; (ii) a possibilidade de resolução contratual e a consequente devolução de valores e reintegração de posse; (iii) a correta interpretação das cláusulas contratuais; (iv) o cabimento de condenação em perdas e danos e cláusula penal.III. RAZÕES DE DECIDIR3. Houve inadimplemento recíproco. O comprador não entregou aeronave com as características contratualmente previstas. O vendedor não entregou o imóvel livre e desembaraçado de ônus.4. A jurisprudência reconhece a possibilidade de resolução contratual em caso de inadimplemento recíproco, devendo as partes retornar ao status quo ante. A boa-fé objetiva e a excepcionalidade da mora simultânea devem ser consideradas.5. O contrato previu o pagamento mediante aeronave e parcelas em dinheiro. A venda da aeronave impossibilita seu retorno, convertendo-se o valor em perdas e danos.IV. DISPOSITIVO E TESE5. Recurso parcialmente provido. A sentença é reformada para rescindir o contrato, determinar a devolução dos valores pagos pelo comprador e reintegrar o vendedor na posse do imóvel. "1. Há inadimplemento recíproco, ensejando a resolução contratual. 2. O comprador deve restituir o imóvel; o vendedor, os valores recebidos. 3. A impossibilidade de restituição da aeronave converte-se em perdas e danos."