Amalia Araujo Ribeiro Dias x Dirceu Araujo & Cia Ltda e outros
Número do Processo:
5258780-45.2024.8.09.0146
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJGO
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
São Luís de Montes Belos - Vara Cível
Última atualização encontrada em
23 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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23/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: São Luís de Montes Belos - Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de São Luís de Montes Belos Vara Cível e Juizado Cível Gabinete virtual: (64)-98408-0942 gabvarcivsaoluis@tjgo.jus.br Processo n.: 5258780-45.2024.8.09.0146 Parte autora: Amalia Araujo Ribeiro Dias Parte ré: Dirceu Araujo & Cia Ltda Este despacho/decisão possui força de mandado de citação/intimação, ofício, alvará judicial e, inclusive, carta precatória, nos termos do artigo 136 do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial - CGJ/TJGO. SENTENÇATrata-se de “AÇÃO ANULATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR” ajuizada por Amália Araújo Ribeiro Dias e Talmon Dias Alves de Sousa em desfavor de Dirceu Araújo & Cia Ltda, Dirceu Araújo, Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimentos, Marília Araújo Toledo e Laerte de Araújo Neto, partes qualificadas.Em suma, narra a parte autora que é filha do Sr. Dirceu Araújo, nascida em 1997. Declina que Dirceu possui atualmente 88 anos e outros três filhos, nascidos ainda na década de 60, sendo eles Laerte, Marlene e Marta.Assevera que em razão da idade avançada de seu genitor, este relatou descontentamento por não mais administrar seus bens, com a informação de que o requerido Laerte o teria “expulsado” da propriedade rural.Informa que tomou conhecimento da existência da holding familiar de denominação Dirceu Araújo e Cia LTDA, integrada exclusivamente pelos requeridos, com incorporação das glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires).Assevera que no ato constitutivo da holding, há previsão de que no caso de morte ou incapacidade do Sr. Dirceu, as cotas de sua titularidade, qual 97% do patrimônio incorporado, serão transferidas automaticamente, via doação, aos seus três filhos que ali figuram como integrantes, em evidente lesão à autora.Sustenta a nulidade do ato jurídico em razão da ofensa literal ao artigo 1.784 do Código Civil, que trata das regras da sucessão. Por tal razão, pleiteia a declaração de nulidade dos atos constitutivos da holding, por tratar-se de negócio jurídico simulado. Subsidiariamente, postula pela declaração de nulidade da cláusula 14ª do contrato social, em razão de tratar-se doação inoficiosa.Em sede de antecipação de tutela, pleiteia a determinação de suspensão dos efeitos da cláusula 14ª e seus respectivos parágrafos do contrato social, até que sobrevenha a resolução do mérito da demanda.Inicial recebida no evento 07, com os benefícios da justiça gratuita, ocasião que foi deferida a tutela de urgência para determinar a suspensão dos efeitos da Cláusula 14ª do contrato social que instituiu a holding “DIRCEU ARAUJO & CIA LTDA”.Audiência realizada em 02/07/2024, oportunidade em que ambas as partes pugnaram pela suspensão do feito em 30 (trinta) dias para tentativa de autocomposição.Devidamente citados, os requeridos apresentaram contestação no evento 57, ocasião que preliminarmente impugnaram ao valor da causa, bem como a concessão da gratuidade da justiça deferida a requerente. No mérito, requereram que seja julgado improcedente o pedido de nulidade da integralidade dos atos constitutivos da sociedade empresária DIRCEU ARAÚJO & CIA LTDA, por se tratar — a constituição da empresa, bem como a integralização de capital através dos imóveis pertencentes ao sócio majoritário — de atos amparados pelo art. 1228 do Código Civil, bem como que a existência da cláusula 14ª do contrato social não opera qualquer doação inoficiosa.Impugnação à contestação no evento 60.Decisão de saneamento e organização do processo (evento 62).Manifestação das partes acerca das provas (eventos 78 e 80).Determinação de juntada das últimas três declarações de imposto de renda de Dirceu Araújo e da pessoa jurídica Dirceu Araújo e Cia Ltda. Juntada de documentos (eventos 91 e 110). Manifestação da parte ré (evento 141), com juntada de novos documentos. Pedido de julgamento do mérito pelo autor (evento 144).É o relatório. Autos conclusos. DECIDO. Inicialmente, consigno que a causa se encontra pronta para julgamento, tendo as provas necessárias à formação do convencimento do Juízo sido produzidas devidamente, as partes estão devidamente representadas e não existem preliminares ou prejudiciais de mérito a serem analisadas. Desse modo, passo ao julgamento do mérito.A questão ora posta em Juízo cinge-se na validade da constituição da sociedade empresária denominada “DIRCEU ARAÚJO & CIA LTDA”, registrada sobre o CNPJ 18.578.076/0001-64, que possui como objeto a atividade de “holdings-participações em negócios agropastoris próprios e de outras sociedades como acionista ou cotista” – Cláusula 3ª do contrato social anexado à inicial. Em suma, a parte autora, que é filha do requerido Dirceu Araújo e irmã dos demais réus, declina que a sociedade empresária não foi regularmente constituída, mormente pelo fato de que integrada exclusivamente pelos requeridos Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimentos, Marília Araújo Toledo e Laerte de Araújo Neto, com incorporação das glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires), de propriedade exclusiva de seu genitor, ora requerido Dirceu, havendo previsão contratual de que no caso de morte ou incapacidade do Sr. Dirceu, as cotas de sua titularidade, qual seja 97% do patrimônio incorporado, serão transferidas automaticamente, via doação, aos seus três filhos que ali figuram como integrantes, em evidente lesão à autora.Os requeridos, por sua vez, asseveram que a constituição da empresa, bem como a integralização de capital através dos imóveis pertencentes ao sócio majoritário estão amparados pelo art. 1228 do Código Civil. Tecidas tais considerações, em proêmio, consigno que a denominada holding familiar é essencialmente uma sociedade que tem como objeto social a participação em outras empresas/sociedades, sendo usualmente aplicada nos planejamentos familiares para organização do patrimônio, criação de estruturas centralizadas para atividades exercidas pelo grupo e, especialmente, para o planejamento sucessório em busca de otimizar procedimentos próprios e reduzir custos tributários em eventual sucessão aberta. No caso dos autos, é incontroverso que os requeridos constituíram pessoa jurídica com a finalidade exclusiva de integralizar o patrimônio de Dirceu Araújo à sociedade empresária constituída exclusivamente pelo próprio e os filhos Laerte, Marília e Marta. Do contrato social anexado à movimentação 1, se retira que o capital social da empresa tem como cotistas Dirceu Araújo 97,0%; Marta, Marília e Laerte, na proporção de 1% cada, somando-se, ao final, 100% ou R$100.000,00 do total. Os bens incorporados à holding, por sua vez, são imóveis rurais de propriedade do requerido Dirceu, quais sejam as glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires), além de R$35.000,00 também do requerido Dirceu em moeda corrente, e R$1.000,00 de cada um dos demais sócios. No que se refere a validade da constituição de modo geral da sociedade empresária, nos termos da regra geral dos negócios jurídicos prevista no Código Civil – artigo 104, não verifico mácula a ensejar a declaração de nulidade total da holding. Isto porque, ainda que pela idade avançada do requerido Dirceu, não se tem nos autos comprovação de sua incapacidade para os atos da vida civil; o objeto do contrato social é lícito, possível e determinado e não há vedação legal para criação deste tipo de gerência patrimonial em específico, à exceção, unicamente, da cláusula 14ª prevista no contrato. Nesse ponto, devo consignar que ainda que se reconheça a violação da reserva legítima em razão da cláusula 14ª do contrato social, tal fato não mácula totalmente o objeto do contrato social, eis que este se destina, também, em uma melhor forma de administração dos bens integralizados, podendo o proprietário promover os atos inerentes à administração como entender. Infere-se do contrato social anexado à inicial a seguinte previsão: “Cláusula 14ª – Dirceu Araújo determina expressamente que em caso de seu impedimento, falecimento ou interdição, deverá ser substituído no presente contrato social, na integralidade de sua participação societária, pelos três sócios remanescentes, ou seja, Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimento, Marília Araújo Toledo e Laerte Araújo Neto, desta feita, cada um dos sócios remanescentes receberá igualitariamente a cota correspondente a participação societária de Dirceu Araújo, assim Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimento receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, Marília Araújo Toledo receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, e Laerte Araújo Neto receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, perfazendo assim a substituição de 100% (cem por cento) da participação societária de Dirceu Araújo.” Nesse contexto, ainda que os requeridos argumentem que não houve doação inoficiosa, a previsão contratual de que os três filhos sucederiam integralmente o requerido Dirceu em suas cotas no contrato social e, consequentemente, receberiam os bens ali integralizados na proporção de 1/3 para cada, evidenciam, por certo, lesão à reserva legítima da herdeira necessária excluída do planejamento sucessório. Tal fato ocorre em razão da integralização da quase totalidade dos bens de Dirceu Araújo, o que se comprova mediante as declarações de imposto de renda da pessoa física anexadas ao procedimento, que dão conta dos bens declarados por Dirceu ao fisco serem os integralizados ao capital social da holding.Sobre a doação inoficiosa, o Código Civil (art. 549, CC) prevê que é nula aquela que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, com a finalidade de preservar a legítima dos herdeiros necessários. Veja-se: Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.Assim, a doação será nula naquilo que violar a legítima dos herdeiros necessários (art. 1.845 do CC – cônjuge, ascendentes e descendentes). A preservação da legítima dos herdeiros necessários torna a doação inoficiosa, ineficaz em relação à parte indisponível, que corresponde à metade que o doador poderia dispor em testamento. Os herdeiros necessários, de acordo com o art. 1.846, CC, tem direito subjetivo à metade dos bens da herança, constituindo a legítima.Deste modo, aplicando-se analogicamente as regras da sucessão geral (art. 1.789 do CC) à sociedade empresária constituída com intuito de planejamento familiar, especialmente quando integralizada a totalidade dos bens do instituidor, com previsão contratual de transmissão automática do capital social aos demais cotistas e herdeiros necessários, excluindo-se, no entanto, outra herdeira necessária, poderia o instituidor tão somente integralizar metade de seus bens, reservando a legítima, o que não ocorreu no presente caso. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. DOAÇÃO INOFICIOSA COMPROVADA. VÍCIOS DAS PROCURAÇÕES. IRRELEVÂNCIA. PERMUTANTE DE BOA-FÉ. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. 1. É possível o reconhecimento da nulidade da doação quando exceder à parte que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, nos termos do artigo 549 do CC. 2. Restando comprovado que, à época das doações, não haviam outros bens compondo o patrimônio da doadora, é evidente a violação à legítima, impondo-se o reconhecimento da nulidade das disposições patrimoniais, com o consequente retorno dos bens ao Espólio. 3. Diante da nulidade das doações em si, por esgotamento do patrimônio da doadora, é irrelevante a discussão sobre a validade ou não das procurações outorgadas. 4. Considerando o reconhecimento da permuta de boa-fé realizada pela terceira interessada, SORAYA MARIA DA SILVA E SOUSA, não há como reintegrar o imóvel por ela adquirido ao espólio, devendo-se restituir apenas o seu valor econômico para posterior partilha. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0360799 63.2014.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LEOBINO VALENTE CHAVES, 2ª Câmara Cível, julgado em 01/04/2024, DJe de 01/04/2024)Por tais motivos, concluo que a previsão contratual de transmissão automática das cotas sociais - consequentemente dos bens que integralizaram e formaram as cotas - do requerido Dirceu aos demais requeridos – seus filhos e irmãos da autora – se mostra, em verdade, de espécie de doação inoficiosa, revestida de planejamento patrimonial familiar, ferindo a reserva legítima da autora/herdeira necessária. Ademais, ainda que os requeridos aduzam que a autora não foi incluída na sociedade empresarial por ausência de affectio societatis, tal fato não se sobrepõe a circunstância evidenciada de que a constituição da holding se deu como forma de planejamento sucessório - inclusive pelo fato de que nenhuma atividade foi verificada ao longo dos anos - com esvaziamento do patrimônio do sócio Dirceu em razão da cláusula de sucessão automática pelos demais cotistas nas cotas integralizadas por todos os bens do genitor das partes.Consigno, por fim, que o caso não é de declaração de nulidade tão somente da parte que exceda à reserva da legítima, a uma porque não se pode aferir qual a parte em moeda ou do monte dos bens que exceda, eis que os valores avaliados de cada bem estão, claramente, muito abaixo do que efetivamente tem como preço no mercado imobiliário; a duas porque para o caso de vontade de doação do proprietário dos bens, deverá se valer da via adequada e prevista legalmente para tanto. Ao teor do exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o feito com resolução do mérito, tão somente para DECLARAR NULO e, consequentemente, tornar sem efeito, o parágrafo primeiro da cláusula 14ª do contrato social da sociedade empresarial limitada DIRCEU ARAÚJO & CIA. Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2°, do CPC. Com o trânsito, oficie-se à JUCEG para conhecimento e averbação da declaração de nulidade da mencionada cláusula no contrato social da sociedade empresarial. Havendo recurso de apelação, intimem as partes para apresentarem suas razões e contrarrazões recursais, encaminhando em seguida os autos ao TJ- GO, com as nossas homenagens.Após o trânsito em julgado, arquivem os autos com as baixas e cautelas de praxe.Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se. São Luís de Montes Belos, data constante da movimentação processual. Julyane NevesJuíza de Direito- documento assinado eletronicamente -
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23/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: São Luís de Montes Belos - Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de São Luís de Montes Belos Vara Cível e Juizado Cível Gabinete virtual: (64)-98408-0942 gabvarcivsaoluis@tjgo.jus.br Processo n.: 5258780-45.2024.8.09.0146 Parte autora: Amalia Araujo Ribeiro Dias Parte ré: Dirceu Araujo & Cia Ltda Este despacho/decisão possui força de mandado de citação/intimação, ofício, alvará judicial e, inclusive, carta precatória, nos termos do artigo 136 do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial - CGJ/TJGO. SENTENÇATrata-se de “AÇÃO ANULATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR” ajuizada por Amália Araújo Ribeiro Dias e Talmon Dias Alves de Sousa em desfavor de Dirceu Araújo & Cia Ltda, Dirceu Araújo, Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimentos, Marília Araújo Toledo e Laerte de Araújo Neto, partes qualificadas.Em suma, narra a parte autora que é filha do Sr. Dirceu Araújo, nascida em 1997. Declina que Dirceu possui atualmente 88 anos e outros três filhos, nascidos ainda na década de 60, sendo eles Laerte, Marlene e Marta.Assevera que em razão da idade avançada de seu genitor, este relatou descontentamento por não mais administrar seus bens, com a informação de que o requerido Laerte o teria “expulsado” da propriedade rural.Informa que tomou conhecimento da existência da holding familiar de denominação Dirceu Araújo e Cia LTDA, integrada exclusivamente pelos requeridos, com incorporação das glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires).Assevera que no ato constitutivo da holding, há previsão de que no caso de morte ou incapacidade do Sr. Dirceu, as cotas de sua titularidade, qual 97% do patrimônio incorporado, serão transferidas automaticamente, via doação, aos seus três filhos que ali figuram como integrantes, em evidente lesão à autora.Sustenta a nulidade do ato jurídico em razão da ofensa literal ao artigo 1.784 do Código Civil, que trata das regras da sucessão. Por tal razão, pleiteia a declaração de nulidade dos atos constitutivos da holding, por tratar-se de negócio jurídico simulado. Subsidiariamente, postula pela declaração de nulidade da cláusula 14ª do contrato social, em razão de tratar-se doação inoficiosa.Em sede de antecipação de tutela, pleiteia a determinação de suspensão dos efeitos da cláusula 14ª e seus respectivos parágrafos do contrato social, até que sobrevenha a resolução do mérito da demanda.Inicial recebida no evento 07, com os benefícios da justiça gratuita, ocasião que foi deferida a tutela de urgência para determinar a suspensão dos efeitos da Cláusula 14ª do contrato social que instituiu a holding “DIRCEU ARAUJO & CIA LTDA”.Audiência realizada em 02/07/2024, oportunidade em que ambas as partes pugnaram pela suspensão do feito em 30 (trinta) dias para tentativa de autocomposição.Devidamente citados, os requeridos apresentaram contestação no evento 57, ocasião que preliminarmente impugnaram ao valor da causa, bem como a concessão da gratuidade da justiça deferida a requerente. No mérito, requereram que seja julgado improcedente o pedido de nulidade da integralidade dos atos constitutivos da sociedade empresária DIRCEU ARAÚJO & CIA LTDA, por se tratar — a constituição da empresa, bem como a integralização de capital através dos imóveis pertencentes ao sócio majoritário — de atos amparados pelo art. 1228 do Código Civil, bem como que a existência da cláusula 14ª do contrato social não opera qualquer doação inoficiosa.Impugnação à contestação no evento 60.Decisão de saneamento e organização do processo (evento 62).Manifestação das partes acerca das provas (eventos 78 e 80).Determinação de juntada das últimas três declarações de imposto de renda de Dirceu Araújo e da pessoa jurídica Dirceu Araújo e Cia Ltda. Juntada de documentos (eventos 91 e 110). Manifestação da parte ré (evento 141), com juntada de novos documentos. Pedido de julgamento do mérito pelo autor (evento 144).É o relatório. Autos conclusos. DECIDO. Inicialmente, consigno que a causa se encontra pronta para julgamento, tendo as provas necessárias à formação do convencimento do Juízo sido produzidas devidamente, as partes estão devidamente representadas e não existem preliminares ou prejudiciais de mérito a serem analisadas. Desse modo, passo ao julgamento do mérito.A questão ora posta em Juízo cinge-se na validade da constituição da sociedade empresária denominada “DIRCEU ARAÚJO & CIA LTDA”, registrada sobre o CNPJ 18.578.076/0001-64, que possui como objeto a atividade de “holdings-participações em negócios agropastoris próprios e de outras sociedades como acionista ou cotista” – Cláusula 3ª do contrato social anexado à inicial. Em suma, a parte autora, que é filha do requerido Dirceu Araújo e irmã dos demais réus, declina que a sociedade empresária não foi regularmente constituída, mormente pelo fato de que integrada exclusivamente pelos requeridos Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimentos, Marília Araújo Toledo e Laerte de Araújo Neto, com incorporação das glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires), de propriedade exclusiva de seu genitor, ora requerido Dirceu, havendo previsão contratual de que no caso de morte ou incapacidade do Sr. Dirceu, as cotas de sua titularidade, qual seja 97% do patrimônio incorporado, serão transferidas automaticamente, via doação, aos seus três filhos que ali figuram como integrantes, em evidente lesão à autora.Os requeridos, por sua vez, asseveram que a constituição da empresa, bem como a integralização de capital através dos imóveis pertencentes ao sócio majoritário estão amparados pelo art. 1228 do Código Civil. Tecidas tais considerações, em proêmio, consigno que a denominada holding familiar é essencialmente uma sociedade que tem como objeto social a participação em outras empresas/sociedades, sendo usualmente aplicada nos planejamentos familiares para organização do patrimônio, criação de estruturas centralizadas para atividades exercidas pelo grupo e, especialmente, para o planejamento sucessório em busca de otimizar procedimentos próprios e reduzir custos tributários em eventual sucessão aberta. No caso dos autos, é incontroverso que os requeridos constituíram pessoa jurídica com a finalidade exclusiva de integralizar o patrimônio de Dirceu Araújo à sociedade empresária constituída exclusivamente pelo próprio e os filhos Laerte, Marília e Marta. Do contrato social anexado à movimentação 1, se retira que o capital social da empresa tem como cotistas Dirceu Araújo 97,0%; Marta, Marília e Laerte, na proporção de 1% cada, somando-se, ao final, 100% ou R$100.000,00 do total. Os bens incorporados à holding, por sua vez, são imóveis rurais de propriedade do requerido Dirceu, quais sejam as glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires), além de R$35.000,00 também do requerido Dirceu em moeda corrente, e R$1.000,00 de cada um dos demais sócios. No que se refere a validade da constituição de modo geral da sociedade empresária, nos termos da regra geral dos negócios jurídicos prevista no Código Civil – artigo 104, não verifico mácula a ensejar a declaração de nulidade total da holding. Isto porque, ainda que pela idade avançada do requerido Dirceu, não se tem nos autos comprovação de sua incapacidade para os atos da vida civil; o objeto do contrato social é lícito, possível e determinado e não há vedação legal para criação deste tipo de gerência patrimonial em específico, à exceção, unicamente, da cláusula 14ª prevista no contrato. Nesse ponto, devo consignar que ainda que se reconheça a violação da reserva legítima em razão da cláusula 14ª do contrato social, tal fato não mácula totalmente o objeto do contrato social, eis que este se destina, também, em uma melhor forma de administração dos bens integralizados, podendo o proprietário promover os atos inerentes à administração como entender. Infere-se do contrato social anexado à inicial a seguinte previsão: “Cláusula 14ª – Dirceu Araújo determina expressamente que em caso de seu impedimento, falecimento ou interdição, deverá ser substituído no presente contrato social, na integralidade de sua participação societária, pelos três sócios remanescentes, ou seja, Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimento, Marília Araújo Toledo e Laerte Araújo Neto, desta feita, cada um dos sócios remanescentes receberá igualitariamente a cota correspondente a participação societária de Dirceu Araújo, assim Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimento receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, Marília Araújo Toledo receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, e Laerte Araújo Neto receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, perfazendo assim a substituição de 100% (cem por cento) da participação societária de Dirceu Araújo.” Nesse contexto, ainda que os requeridos argumentem que não houve doação inoficiosa, a previsão contratual de que os três filhos sucederiam integralmente o requerido Dirceu em suas cotas no contrato social e, consequentemente, receberiam os bens ali integralizados na proporção de 1/3 para cada, evidenciam, por certo, lesão à reserva legítima da herdeira necessária excluída do planejamento sucessório. Tal fato ocorre em razão da integralização da quase totalidade dos bens de Dirceu Araújo, o que se comprova mediante as declarações de imposto de renda da pessoa física anexadas ao procedimento, que dão conta dos bens declarados por Dirceu ao fisco serem os integralizados ao capital social da holding.Sobre a doação inoficiosa, o Código Civil (art. 549, CC) prevê que é nula aquela que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, com a finalidade de preservar a legítima dos herdeiros necessários. Veja-se: Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.Assim, a doação será nula naquilo que violar a legítima dos herdeiros necessários (art. 1.845 do CC – cônjuge, ascendentes e descendentes). A preservação da legítima dos herdeiros necessários torna a doação inoficiosa, ineficaz em relação à parte indisponível, que corresponde à metade que o doador poderia dispor em testamento. Os herdeiros necessários, de acordo com o art. 1.846, CC, tem direito subjetivo à metade dos bens da herança, constituindo a legítima.Deste modo, aplicando-se analogicamente as regras da sucessão geral (art. 1.789 do CC) à sociedade empresária constituída com intuito de planejamento familiar, especialmente quando integralizada a totalidade dos bens do instituidor, com previsão contratual de transmissão automática do capital social aos demais cotistas e herdeiros necessários, excluindo-se, no entanto, outra herdeira necessária, poderia o instituidor tão somente integralizar metade de seus bens, reservando a legítima, o que não ocorreu no presente caso. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. DOAÇÃO INOFICIOSA COMPROVADA. VÍCIOS DAS PROCURAÇÕES. IRRELEVÂNCIA. PERMUTANTE DE BOA-FÉ. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. 1. É possível o reconhecimento da nulidade da doação quando exceder à parte que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, nos termos do artigo 549 do CC. 2. Restando comprovado que, à época das doações, não haviam outros bens compondo o patrimônio da doadora, é evidente a violação à legítima, impondo-se o reconhecimento da nulidade das disposições patrimoniais, com o consequente retorno dos bens ao Espólio. 3. Diante da nulidade das doações em si, por esgotamento do patrimônio da doadora, é irrelevante a discussão sobre a validade ou não das procurações outorgadas. 4. Considerando o reconhecimento da permuta de boa-fé realizada pela terceira interessada, SORAYA MARIA DA SILVA E SOUSA, não há como reintegrar o imóvel por ela adquirido ao espólio, devendo-se restituir apenas o seu valor econômico para posterior partilha. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0360799 63.2014.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LEOBINO VALENTE CHAVES, 2ª Câmara Cível, julgado em 01/04/2024, DJe de 01/04/2024)Por tais motivos, concluo que a previsão contratual de transmissão automática das cotas sociais - consequentemente dos bens que integralizaram e formaram as cotas - do requerido Dirceu aos demais requeridos – seus filhos e irmãos da autora – se mostra, em verdade, de espécie de doação inoficiosa, revestida de planejamento patrimonial familiar, ferindo a reserva legítima da autora/herdeira necessária. Ademais, ainda que os requeridos aduzam que a autora não foi incluída na sociedade empresarial por ausência de affectio societatis, tal fato não se sobrepõe a circunstância evidenciada de que a constituição da holding se deu como forma de planejamento sucessório - inclusive pelo fato de que nenhuma atividade foi verificada ao longo dos anos - com esvaziamento do patrimônio do sócio Dirceu em razão da cláusula de sucessão automática pelos demais cotistas nas cotas integralizadas por todos os bens do genitor das partes.Consigno, por fim, que o caso não é de declaração de nulidade tão somente da parte que exceda à reserva da legítima, a uma porque não se pode aferir qual a parte em moeda ou do monte dos bens que exceda, eis que os valores avaliados de cada bem estão, claramente, muito abaixo do que efetivamente tem como preço no mercado imobiliário; a duas porque para o caso de vontade de doação do proprietário dos bens, deverá se valer da via adequada e prevista legalmente para tanto. Ao teor do exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o feito com resolução do mérito, tão somente para DECLARAR NULO e, consequentemente, tornar sem efeito, o parágrafo primeiro da cláusula 14ª do contrato social da sociedade empresarial limitada DIRCEU ARAÚJO & CIA. Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2°, do CPC. Com o trânsito, oficie-se à JUCEG para conhecimento e averbação da declaração de nulidade da mencionada cláusula no contrato social da sociedade empresarial. Havendo recurso de apelação, intimem as partes para apresentarem suas razões e contrarrazões recursais, encaminhando em seguida os autos ao TJ- GO, com as nossas homenagens.Após o trânsito em julgado, arquivem os autos com as baixas e cautelas de praxe.Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se. São Luís de Montes Belos, data constante da movimentação processual. Julyane NevesJuíza de Direito- documento assinado eletronicamente -
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23/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: São Luís de Montes Belos - Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS Comarca de São Luís de Montes Belos Vara Cível e Juizado Cível Gabinete virtual: (64)-98408-0942 gabvarcivsaoluis@tjgo.jus.br Processo n.: 5258780-45.2024.8.09.0146 Parte autora: Amalia Araujo Ribeiro Dias Parte ré: Dirceu Araujo & Cia Ltda Este despacho/decisão possui força de mandado de citação/intimação, ofício, alvará judicial e, inclusive, carta precatória, nos termos do artigo 136 do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial - CGJ/TJGO. SENTENÇATrata-se de “AÇÃO ANULATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR” ajuizada por Amália Araújo Ribeiro Dias e Talmon Dias Alves de Sousa em desfavor de Dirceu Araújo & Cia Ltda, Dirceu Araújo, Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimentos, Marília Araújo Toledo e Laerte de Araújo Neto, partes qualificadas.Em suma, narra a parte autora que é filha do Sr. Dirceu Araújo, nascida em 1997. Declina que Dirceu possui atualmente 88 anos e outros três filhos, nascidos ainda na década de 60, sendo eles Laerte, Marlene e Marta.Assevera que em razão da idade avançada de seu genitor, este relatou descontentamento por não mais administrar seus bens, com a informação de que o requerido Laerte o teria “expulsado” da propriedade rural.Informa que tomou conhecimento da existência da holding familiar de denominação Dirceu Araújo e Cia LTDA, integrada exclusivamente pelos requeridos, com incorporação das glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires).Assevera que no ato constitutivo da holding, há previsão de que no caso de morte ou incapacidade do Sr. Dirceu, as cotas de sua titularidade, qual 97% do patrimônio incorporado, serão transferidas automaticamente, via doação, aos seus três filhos que ali figuram como integrantes, em evidente lesão à autora.Sustenta a nulidade do ato jurídico em razão da ofensa literal ao artigo 1.784 do Código Civil, que trata das regras da sucessão. Por tal razão, pleiteia a declaração de nulidade dos atos constitutivos da holding, por tratar-se de negócio jurídico simulado. Subsidiariamente, postula pela declaração de nulidade da cláusula 14ª do contrato social, em razão de tratar-se doação inoficiosa.Em sede de antecipação de tutela, pleiteia a determinação de suspensão dos efeitos da cláusula 14ª e seus respectivos parágrafos do contrato social, até que sobrevenha a resolução do mérito da demanda.Inicial recebida no evento 07, com os benefícios da justiça gratuita, ocasião que foi deferida a tutela de urgência para determinar a suspensão dos efeitos da Cláusula 14ª do contrato social que instituiu a holding “DIRCEU ARAUJO & CIA LTDA”.Audiência realizada em 02/07/2024, oportunidade em que ambas as partes pugnaram pela suspensão do feito em 30 (trinta) dias para tentativa de autocomposição.Devidamente citados, os requeridos apresentaram contestação no evento 57, ocasião que preliminarmente impugnaram ao valor da causa, bem como a concessão da gratuidade da justiça deferida a requerente. No mérito, requereram que seja julgado improcedente o pedido de nulidade da integralidade dos atos constitutivos da sociedade empresária DIRCEU ARAÚJO & CIA LTDA, por se tratar — a constituição da empresa, bem como a integralização de capital através dos imóveis pertencentes ao sócio majoritário — de atos amparados pelo art. 1228 do Código Civil, bem como que a existência da cláusula 14ª do contrato social não opera qualquer doação inoficiosa.Impugnação à contestação no evento 60.Decisão de saneamento e organização do processo (evento 62).Manifestação das partes acerca das provas (eventos 78 e 80).Determinação de juntada das últimas três declarações de imposto de renda de Dirceu Araújo e da pessoa jurídica Dirceu Araújo e Cia Ltda. Juntada de documentos (eventos 91 e 110). Manifestação da parte ré (evento 141), com juntada de novos documentos. Pedido de julgamento do mérito pelo autor (evento 144).É o relatório. Autos conclusos. DECIDO. Inicialmente, consigno que a causa se encontra pronta para julgamento, tendo as provas necessárias à formação do convencimento do Juízo sido produzidas devidamente, as partes estão devidamente representadas e não existem preliminares ou prejudiciais de mérito a serem analisadas. Desse modo, passo ao julgamento do mérito.A questão ora posta em Juízo cinge-se na validade da constituição da sociedade empresária denominada “DIRCEU ARAÚJO & CIA LTDA”, registrada sobre o CNPJ 18.578.076/0001-64, que possui como objeto a atividade de “holdings-participações em negócios agropastoris próprios e de outras sociedades como acionista ou cotista” – Cláusula 3ª do contrato social anexado à inicial. Em suma, a parte autora, que é filha do requerido Dirceu Araújo e irmã dos demais réus, declina que a sociedade empresária não foi regularmente constituída, mormente pelo fato de que integrada exclusivamente pelos requeridos Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimentos, Marília Araújo Toledo e Laerte de Araújo Neto, com incorporação das glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires), de propriedade exclusiva de seu genitor, ora requerido Dirceu, havendo previsão contratual de que no caso de morte ou incapacidade do Sr. Dirceu, as cotas de sua titularidade, qual seja 97% do patrimônio incorporado, serão transferidas automaticamente, via doação, aos seus três filhos que ali figuram como integrantes, em evidente lesão à autora.Os requeridos, por sua vez, asseveram que a constituição da empresa, bem como a integralização de capital através dos imóveis pertencentes ao sócio majoritário estão amparados pelo art. 1228 do Código Civil. Tecidas tais considerações, em proêmio, consigno que a denominada holding familiar é essencialmente uma sociedade que tem como objeto social a participação em outras empresas/sociedades, sendo usualmente aplicada nos planejamentos familiares para organização do patrimônio, criação de estruturas centralizadas para atividades exercidas pelo grupo e, especialmente, para o planejamento sucessório em busca de otimizar procedimentos próprios e reduzir custos tributários em eventual sucessão aberta. No caso dos autos, é incontroverso que os requeridos constituíram pessoa jurídica com a finalidade exclusiva de integralizar o patrimônio de Dirceu Araújo à sociedade empresária constituída exclusivamente pelo próprio e os filhos Laerte, Marília e Marta. Do contrato social anexado à movimentação 1, se retira que o capital social da empresa tem como cotistas Dirceu Araújo 97,0%; Marta, Marília e Laerte, na proporção de 1% cada, somando-se, ao final, 100% ou R$100.000,00 do total. Os bens incorporados à holding, por sua vez, são imóveis rurais de propriedade do requerido Dirceu, quais sejam as glebas de terras das matrículas R-3-777 (30 alqueires); R-4-776 (15 alqueires), R-5-3696 (33 litros), R-3-462 (12 alqueires), além de R$35.000,00 também do requerido Dirceu em moeda corrente, e R$1.000,00 de cada um dos demais sócios. No que se refere a validade da constituição de modo geral da sociedade empresária, nos termos da regra geral dos negócios jurídicos prevista no Código Civil – artigo 104, não verifico mácula a ensejar a declaração de nulidade total da holding. Isto porque, ainda que pela idade avançada do requerido Dirceu, não se tem nos autos comprovação de sua incapacidade para os atos da vida civil; o objeto do contrato social é lícito, possível e determinado e não há vedação legal para criação deste tipo de gerência patrimonial em específico, à exceção, unicamente, da cláusula 14ª prevista no contrato. Nesse ponto, devo consignar que ainda que se reconheça a violação da reserva legítima em razão da cláusula 14ª do contrato social, tal fato não mácula totalmente o objeto do contrato social, eis que este se destina, também, em uma melhor forma de administração dos bens integralizados, podendo o proprietário promover os atos inerentes à administração como entender. Infere-se do contrato social anexado à inicial a seguinte previsão: “Cláusula 14ª – Dirceu Araújo determina expressamente que em caso de seu impedimento, falecimento ou interdição, deverá ser substituído no presente contrato social, na integralidade de sua participação societária, pelos três sócios remanescentes, ou seja, Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimento, Marília Araújo Toledo e Laerte Araújo Neto, desta feita, cada um dos sócios remanescentes receberá igualitariamente a cota correspondente a participação societária de Dirceu Araújo, assim Marta Angélica Araújo dos Passos Nascimento receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, Marília Araújo Toledo receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, e Laerte Araújo Neto receberá 1/3 da participação de Dirceu Araújo, perfazendo assim a substituição de 100% (cem por cento) da participação societária de Dirceu Araújo.” Nesse contexto, ainda que os requeridos argumentem que não houve doação inoficiosa, a previsão contratual de que os três filhos sucederiam integralmente o requerido Dirceu em suas cotas no contrato social e, consequentemente, receberiam os bens ali integralizados na proporção de 1/3 para cada, evidenciam, por certo, lesão à reserva legítima da herdeira necessária excluída do planejamento sucessório. Tal fato ocorre em razão da integralização da quase totalidade dos bens de Dirceu Araújo, o que se comprova mediante as declarações de imposto de renda da pessoa física anexadas ao procedimento, que dão conta dos bens declarados por Dirceu ao fisco serem os integralizados ao capital social da holding.Sobre a doação inoficiosa, o Código Civil (art. 549, CC) prevê que é nula aquela que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, com a finalidade de preservar a legítima dos herdeiros necessários. Veja-se: Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.Assim, a doação será nula naquilo que violar a legítima dos herdeiros necessários (art. 1.845 do CC – cônjuge, ascendentes e descendentes). A preservação da legítima dos herdeiros necessários torna a doação inoficiosa, ineficaz em relação à parte indisponível, que corresponde à metade que o doador poderia dispor em testamento. Os herdeiros necessários, de acordo com o art. 1.846, CC, tem direito subjetivo à metade dos bens da herança, constituindo a legítima.Deste modo, aplicando-se analogicamente as regras da sucessão geral (art. 1.789 do CC) à sociedade empresária constituída com intuito de planejamento familiar, especialmente quando integralizada a totalidade dos bens do instituidor, com previsão contratual de transmissão automática do capital social aos demais cotistas e herdeiros necessários, excluindo-se, no entanto, outra herdeira necessária, poderia o instituidor tão somente integralizar metade de seus bens, reservando a legítima, o que não ocorreu no presente caso. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. DOAÇÃO INOFICIOSA COMPROVADA. VÍCIOS DAS PROCURAÇÕES. IRRELEVÂNCIA. PERMUTANTE DE BOA-FÉ. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. 1. É possível o reconhecimento da nulidade da doação quando exceder à parte que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, nos termos do artigo 549 do CC. 2. Restando comprovado que, à época das doações, não haviam outros bens compondo o patrimônio da doadora, é evidente a violação à legítima, impondo-se o reconhecimento da nulidade das disposições patrimoniais, com o consequente retorno dos bens ao Espólio. 3. Diante da nulidade das doações em si, por esgotamento do patrimônio da doadora, é irrelevante a discussão sobre a validade ou não das procurações outorgadas. 4. Considerando o reconhecimento da permuta de boa-fé realizada pela terceira interessada, SORAYA MARIA DA SILVA E SOUSA, não há como reintegrar o imóvel por ela adquirido ao espólio, devendo-se restituir apenas o seu valor econômico para posterior partilha. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0360799 63.2014.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LEOBINO VALENTE CHAVES, 2ª Câmara Cível, julgado em 01/04/2024, DJe de 01/04/2024)Por tais motivos, concluo que a previsão contratual de transmissão automática das cotas sociais - consequentemente dos bens que integralizaram e formaram as cotas - do requerido Dirceu aos demais requeridos – seus filhos e irmãos da autora – se mostra, em verdade, de espécie de doação inoficiosa, revestida de planejamento patrimonial familiar, ferindo a reserva legítima da autora/herdeira necessária. Ademais, ainda que os requeridos aduzam que a autora não foi incluída na sociedade empresarial por ausência de affectio societatis, tal fato não se sobrepõe a circunstância evidenciada de que a constituição da holding se deu como forma de planejamento sucessório - inclusive pelo fato de que nenhuma atividade foi verificada ao longo dos anos - com esvaziamento do patrimônio do sócio Dirceu em razão da cláusula de sucessão automática pelos demais cotistas nas cotas integralizadas por todos os bens do genitor das partes.Consigno, por fim, que o caso não é de declaração de nulidade tão somente da parte que exceda à reserva da legítima, a uma porque não se pode aferir qual a parte em moeda ou do monte dos bens que exceda, eis que os valores avaliados de cada bem estão, claramente, muito abaixo do que efetivamente tem como preço no mercado imobiliário; a duas porque para o caso de vontade de doação do proprietário dos bens, deverá se valer da via adequada e prevista legalmente para tanto. Ao teor do exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o feito com resolução do mérito, tão somente para DECLARAR NULO e, consequentemente, tornar sem efeito, o parágrafo primeiro da cláusula 14ª do contrato social da sociedade empresarial limitada DIRCEU ARAÚJO & CIA. Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2°, do CPC. Com o trânsito, oficie-se à JUCEG para conhecimento e averbação da declaração de nulidade da mencionada cláusula no contrato social da sociedade empresarial. Havendo recurso de apelação, intimem as partes para apresentarem suas razões e contrarrazões recursais, encaminhando em seguida os autos ao TJ- GO, com as nossas homenagens.Após o trânsito em julgado, arquivem os autos com as baixas e cautelas de praxe.Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Cumpra-se. São Luís de Montes Belos, data constante da movimentação processual. Julyane NevesJuíza de Direito- documento assinado eletronicamente -
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23/07/2025 - Documento obtido via DJENSentença Baixar (PDF)
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11/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: São Luís de Montes Belos - Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)