Samara Kelly Barcelos De Sousa Ribeiro e outros x José Ataídes Peres
Número do Processo:
5265696-35.2024.8.09.0166
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJGO
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Montes Claros de Goias - Vara Cível
Última atualização encontrada em
22 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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26/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Montes Claros de Goias - Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁSComarca de Montes Claros de Goiás- Cartório Cível - Processo n: 5265696-35.2024.8.09.0166Demandante: Samara Kelly Barcelos De Sousa RibeiroDemandado(a): JOSÉ ATAÍDES PERES SENTENÇA I - RELATÓRIOTrata-se de Ação Reivindicatória com pedido de tutela de urgência ajuizada por BRENO DE PAULA RIBEIRO e sua esposa SAMARA KELLY BARCELOS DE SOUSA RIBEIRO em face de JOSÉ ATAÍDES PERES, todos devidamente qualificados nos autos.Alegam os autores, em síntese, que são os legítimos proprietários do imóvel rural denominado "Fazenda Mutum" ou "Fazenda Sucupira", com área de 82,28 hectares, objeto da Matrícula nº 129 do Cartório de Registro de Imóveis de Montes Claros de Goiás/GO e que em visita ao imóvel, constataram que o réu o ocupava de forma injusta e sem autorização. Afirmam ter notificado extrajudicialmente o réu em 18/03/2024 para desocupação voluntária no prazo de 10 dias, o que não foi atendido. Requereram, em sede de tutela de urgência, a imissão na posse e, no mérito, a confirmação da medida com a definitiva restituição do imóvel, além da condenação do réu aos ônus sucumbenciais. A inicial (mov. 01) veio instruída com documentos.A tutela de urgência foi inicialmente deferida (mov. 04), determinando a desocupação do imóvel.O réu interpôs Agravo de Instrumento (mov. 11), ao qual foi concedido efeito suspensivo e, posteriormente, provimento para reformar a decisão e indeferir a liminar de imissão de posse (mov. 31).Citado, o réu apresentou contestação (mov. 16). Preliminarmente, arguiu a inadequação da via eleita e sua ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou, em suma, que sua posse é justa e de boa-fé. Alegou que os autores, em 05/03/2022, teriam negociado o imóvel objeto da lide com o Sr. Veridiano Evangelista Itacaramby, como parte de um contrato de permuta por outra propriedade rural ("Fazenda Morrinhos"), e que este, em 04/08/2022, repassou o imóvel ao contestante, por meio de instrumento particular de compra e venda, com transmissão da posse desde então. O requerido defendeu que os autores tinham plena ciência e anuíram tacitamente com o negócio. Pediu a improcedência da pretensão inicial e, subsidiariamente, o direito de retenção e indenização por benfeitorias. Juntou documentos, incluindo contratos e atas notariais com transcrição de diálogos.Os autores apresentaram réplica (mov. 22), impugnando os argumentos da defesa, negando a validade dos contratos por ausência de suas assinaturas e anuência, e reiterando que a posse do réu é injusta por derivar de venda a non domino.Em decisão de saneamento (mov. 24), as preliminares foram afastadas e foram fixados como pontos controvertidos: i) a propriedade do imóvel e ii) a existência de venda a non domino.Realizada audiência de instrução e julgamento (mov. 90), foram colhidos os depoimentos pessoais das partes e ouvidas as testemunhas e o informante arrolados. Também foi determinada a apresentação de documento pelos autores, com imposição de penalidade processual em caso de inércia.Os autores se manifestaram (mov. 96).As partes apresentaram suas alegações finais por memoriais (mov. 101 e 102.Os autos vieram conclusos para sentença.É o relatório. Decido.II - FUNDAMENTAÇÃO1. As questões preliminares já foram devidamente analisadas e rechaçadas na decisão saneadora (mov. 24), inexistindo nulidades aparentes. As partes produziram as provas que entenderam pertinentes, observando-se o contraditório e a ampla defesa. Desse modo, o processo transcorreu em conformidade com os preceitos legais, estando apto para julgamento, razão pela qual passo à análise do mérito.2. A propriedade é garantida constitucionalmente, art. 5º, caput, da Constituição Federal e regulamentada pelo art. 1.228 do Código Civil, que diz: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” Assim, dentre os poderes atribuídos ao proprietário está aquele de reaver seu bem de quem injustamente o possua.E tal pode ser feito por meio da ação reivindicatória. A ação reivindicatória, de natureza petitória, fundamenta-se no direito de sequela, sendo o instrumento processual à disposição do titular do domínio para reaver a coisa de quem injustamente a possua ou detenha, conforme preceitua o art. 1.228 do Código Civil. Para seu sucesso, é indispensável a comprovação de três requisitos cumulativos: (i) a titularidade do domínio sobre o bem, (ii) a individualização da coisa e (iii) a posse injusta do réu. O Tribunal de Justiça, em julgado recente, falando sobre os requisitos, disse que “(...) para o acolhimento do pleito formulado em ação reivindicatória, mister é a prova da titularidade do domínio, a individualização da coisa reivindicanda e a posse injusta do réu. (...).” APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0333252-53.2011.8.09.0051, Rel. Des(a). ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 03/05/2021, DJe de 03/05/2021) grifo meu.No caso em tela, a titularidade do domínio dos autores e a individualização do imóvel são incontroversas, estando devidamente comprovadas pela Certidão de Inteiro Teor da Matrícula nº 129 do CRI de Montes Claros de Goiás/GO (mov. 01, arq. 07), que atesta serem os autores os proprietários registrais do bem.A controvérsia central, portanto, reside na natureza da posse exercida pelo réu: se justa ou injusta.Para fins de ação reivindicatória, o conceito de posse injusta é mais amplo do que aquele previsto no art. 1.200 do Código Civil. Não se limita à posse violenta, clandestina ou precária, abrangendo toda posse que, embora sem os vícios mencionados, se contrapõe ao direito de propriedade do autor, ou seja, aquela que não encontra amparo em uma causa jurídica apta a legitimá-la perante o titular do domínio. O E. Tribunal de Justiça esclareceu que “(…) para efeito reivindicatório, posse injusta é aquela sem causa jurídica a justificá-la, isto é, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5017002-24.2018.8.09.0006, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 9ª Câmara Cível, julgado em 24/06/2024, DJe de 24/06/2024)A despeito dos autores alegaram ter notificado o réu a desocupar o imóvel, o que eventualmente poderia indicar a injustiça da posse dali em diante, a defesa sustentou e demonstrou que a posse está amparada, pois deriva de um Instrumento Particular de Contrato de Compra e Venda firmado com o Sr. Veridiano Evangelista Itacaramby (mov. 16, doc. 04), que por sua vez detinha a posse em virtude de um negócio de permuta com os próprios autores. As provas oral e documental, notadamente as atas notariais de conversas de WhatsApp (mov. 16, doc. 08 e 09) degravadas, entre o autor Breno e o requerido degravadas, são cruciais para o deslinde. Elas demonstram, de forma inequívoca, que o autor Breno de Paula Ribeiro tinha pleno e prévio conhecimento da negociação entre Veridiano e o réu José Ataídes, tendo inclusive discutido detalhes da transação e questões burocráticas junto à prestadora de serviço de energia elétrica na propriedade, sem opor qualquer resistência, o que caracteriza uma anuência tácita.Ademais, um ponto de suma importância processual deve ser ressaltado. Durante a audiência de instrução (mov. 90), foi determinado que os autores juntassem aos autos o contrato de permuta firmado com o Sr. Veridiano, documento essencial para esclarecer os termos da posse transferida. Contudo, na petição de mov. 95, os autores se esquivaram de cumprir a determinação, alegando não terem localizado o documento. Tal conduta, como bem já havia sido advertido aos autores no despacho proferido em audiência (mov. 90), atrai a aplicação do disposto no art. 400 do CPC, que autoriza o juiz a admitir como verdadeiros os fatos que, por meio do documento, a parte contrária pretendia provar, reforçando a veracidade das alegações do réu sobre a existência e os termos do negócio original.No caso dos autos, a prova produzida, especialmente durante a audiência de instrução, revelou uma complexa cadeia de negócios jurídicos que não pode ser ignorada. Ficou demonstrado que os autores permutaram o imóvel em litígio com o Sr. Veridiano Evangelista Itacaramby, entregando-lhe a posse do bem, como parte de pagamento pela aquisição da "Fazenda Morrinhos". O próprio autor, Breno de Paula Ribeiro, confessou em seu depoimento pessoal a existência do negócio e que ainda se encontra na posse da fazenda recebida em permuta.Posteriormente, o Sr. Veridiano, que detinha a posse com justo título (o contrato de permuta), alienou o imóvel ao réu, José Ataídes Peres, que, por sua vez, pagou parte substancial do preço e adentrou na posse de boa-fé. O Sr. Veridiano, também em audiência, confirmou que não desfez o contrato inicial com Breno e esposa.Dessa forma, a tese dos autores de que a posse do réu é injusta por derivar de uma venda a non domino não se sustenta no contexto fático-probatório. Embora o Sr. Veridiano não detivesse a propriedade registral para alienar o bem, ele detinha direitos possessórios legítimos, oriundos de negócio jurídico válido e não desfeito, celebrado com os próprios autores. Os autores entregaram voluntariamente a posse a Veridiano, criando uma aparência de legitimidade que induziu o réu, terceiro de boa-fé, a erro.A conduta dos autores, ao ajuizar a presente ação omitindo o negócio original com o Sr. Veridiano, configura comportamento contraditório (venire contra factum proprium), vedado pelo ordenamento jurídico como corolário da boa-fé objetiva. Não podem os autores se beneficiar de uma situação que eles próprios criaram – a transferência da posse a Veridiano – para, em um segundo momento, alegar a injustiça da posse daquele que a adquiriu do possuidor original, de boa-fé.A posse do réu, portanto, não é desprovida de causa jurídica legítima. Ela se ampara em um contrato de compra e venda celebrado com quem, aparentemente, tinha poderes para tanto, pois exercia a posse do imóvel com o consentimento dos proprietários. Assim, embora o título do réu não seja oponível ao registro dominial dos autores para fins de transferência de propriedade, ele serve como fundamento para afastar o caráter de "injustiça" da posse, requisito essencial da ação reivindicatória.O E. Tribunal de Justiça, recentemente, decidiu que “(…) o entendimento firmado Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos, exercida a posse por força de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, inadmissível é a reivindicatória contra o promitente comprador sem a prévia rescisão do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa. 2. Enquanto não desfeito o negócio jurídico, não pode ser tida como injusta a posse daquele que se comprometeu a adquirir, ainda que esteja inadimplente. Precedentes. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5391067-34.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, 7ª Câmara Cível, julgado em 04/03/2024, DJe de 04/03/2024)Dessa forma, a via eleita pelos autores mostra-se inadequada. A questão subjacente é contratual e deve ser resolvida entre os autores e o Sr. Veridiano, com a necessária participação do réu como terceiro interessado, em ação própria e não por meio da via estreita da ação petitória, que pressupõe uma posse injusta, o que não se verifica no caso.Resta, portanto, a improcedência da pretensão inicial, no todo.III - DISPOSITIVO3. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial e, de consequência, EXTINGUO o processo na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.Em razão da sucumbência, CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.Apuradas as custas finais, intimem-se os demandantes para recolhimento, em 15 (quinze) dias, sob pena de averbação no Projudi.Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as devidas baixas.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Atenda-se. MCG, data do sistema. Rafael Machado de SouzaJuiz de Direito
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