Processo nº 80001156820228050010
Número do Processo:
8000115-68.2022.8.05.0010
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ
Última atualização encontrada em
09 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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09/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8000115-68.2022.8.05.0010 Órgão Julgador: 1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ AUTOR: TACIMAR GOMES MATTOS e outros Advogado(s): JONATHAS FORTUNA GOMES registrado(a) civilmente como JONATHAS FORTUNA GOMES (OAB:BA28051), PAULO RENE COSTA OLIVEIRA registrado(a) civilmente como PAULO RENE COSTA OLIVEIRA (OAB:BA38203) REU: COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA Advogado(s): LUCIANA PEREIRA GOMES BROWNE (OAB:PE786-B), MAURICIO BRITO PASSOS SILVA (OAB:BA20770) SENTENÇA Vistos, etc. I - RELATÓRIO Trata-se de Ação Ordinária com Pleito Indenizatório cumulado com Obrigação de Fazer com pedido de tutela de urgência ajuizada por TACIMAR GOMES MATTOS e JOSÉ ERNESTO MATTOS ALVES em face de COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA - COELBA. Os autores alegam que a primeira demandante é titular da conta-contrato nº 7048900938, embora quem realize os pagamentos seja o segundo autor, que é arrendatário da Fazenda Horacinopolis, conforme contrato de arrendamento de imóvel rural firmado em 05 de julho de 2017. Afirmam que em dezembro de 2019 houve corte de energia por inadimplemento devido a um parcelamento anterior, mas que, em março de 2021, o segundo autor realizou o parcelamento do débito existente, no valor de R$90.273,70, tendo pago o sinal de R$27.100,00 e o restante dividido em 6 parcelas, ocasião em que a unidade foi religada. Relatam que, em junho de 2021, ao realizar o pagamento da fatura referente ao consumo de maio/2021, foram surpreendidos com a apresentação de uma fatura em atraso, com vencimento em 29/05/2021, no valor de R$116.791,76, referente à cobrança por irregularidade. Sustentam que a Coelba não comunicou aos responsáveis pela unidade, em tempo oportuno, os critérios seguidos e os valores calculados para energia não faturada, não dando oportunidade para contestar a fatura de irregularidade. Diante da falta de transparência, o segundo autor optou por não pagar a referida fatura, suspendendo também o pagamento das parcelas do acordo, culminando com novo corte de energia em setembro de 2021. Alegam que, após diversas tentativas infrutíferas para sanar a problemática, inclusive por meio de reuniões e trocas de e-mails, foram obrigados a recorrer ao Judiciário. Requerem: a) em tutela antecipada, o restabelecimento do fornecimento de energia elétrica; b) a declaração de nulidade do procedimento de fiscalização realizado na unidade consumidora dos autores; c) a declaração de nulidade da fatura vencida em 29/05/2021 no valor de R$116.791,76; d) a transferência da titularidade da conta contrato para o nome do segundo autor; e) indenização por danos morais no valor de R$100.000,00; e f) indenização por danos materiais no montante de R$705.000,00. Por decisão de ID 208467655, foi deferida a tutela de urgência para determinar o restabelecimento da energia, sendo autorizada a consignação em juízo das faturas de julho, agosto e setembro de 2021, não questionadas. Em contestação e reconvenção (ID 223719256), a COELBA sustenta a legalidade do procedimento de fiscalização realizado em 22/03/2021, argumentando que foi constatada auto-religação da unidade consumidora à revelia da concessionária, com ausência de registro do consumo de energia. Alega que o TOI (Termo de Ocorrência de Irregularidade) nº 0264459 foi assinado pelo segundo autor, que acompanhou todo o procedimento de fiscalização. Defende a regularidade da cobrança de recuperação de consumo, realizada conforme a Resolução nº 414/2010 da ANEEL, e a legitimidade do corte de energia por inadimplência não apenas da fatura contestada, mas também de outras faturas de consumo regular. Em reconvenção, requer a condenação dos autores ao pagamento do valor de R$268.929,57, correspondente à fatura de recuperação de receita e faturas de consumo regular inadimplidas. As partes apresentaram suas alegações finais, reiterando os argumentos já expostos. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Passo a decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 - Preliminares Não existem questões preliminares a serem apreciadas. II.2 - Mérito O litígio versa sobre relação consumerista, sendo aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor, em virtude da qualificação das partes como consumidor e fornecedor, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90. II.2.1 - Da nulidade do procedimento de fiscalização e da fatura de recuperação de consumo A controvérsia central deste processo reside na legalidade ou não do procedimento de fiscalização realizado pela ré em 22/03/2021 e, consequentemente, da cobrança dele resultante no valor de R$116.791,76. Analisando a documentação acostada aos autos, verifica-se que a COELBA apresentou o Termo de Ocorrência de Inspeção (TOI) nº 0264459, assinado pelo segundo autor, que registra a detecção de irregularidade consistente em auto-religação da unidade consumidora à revelia da concessionária, com impedimento do registro de consumo. Constato que o TOI apresenta as informações básicas acerca da irregularidade constatada, contendo campos preenchidos com a descrição da ocorrência, registros fotográficos e a assinatura do segundo autor, demonstrando que este estava presente no momento da fiscalização. Ocorre, entretanto, que há inconsistências no procedimento administrativo de recuperação de consumo que invalidam, em parte, a cobrança realizada pela ré. Conforme estabelece a Resolução nº 414/2010 da ANEEL, em seu art. 132, quanto ao período de duração para fins de recuperação da receita: "Art. 132. O período de duração, para fins de recuperação da receita, no caso da prática comprovada de procedimentos irregulares ou de deficiência de medição decorrente de aumento de carga à revelia, deve ser determinado tecnicamente ou pela análise do histórico dos consumos de energia elétrica e demanda de potência, respeitados os limites instituídos neste artigo. § 1º Na impossibilidade de a distribuidora identificar o período de duração da irregularidade, mediante a utilização dos critérios citados no caput, o período de cobrança fica limitado a 6 (seis) ciclos, imediatamente anteriores à constatação da irregularidade." No caso em análise, a ré efetuou o cálculo da recuperação de consumo considerando 15 ciclos, sem comprovar tecnicamente esse período de duração da irregularidade. A própria troca de e-mails juntada aos autos demonstra que a concessionária não tinha certeza sobre quando teria iniciado a irregularidade, tendo inclusive indagado ao autor "Durante o período de Jan/2020 até Dez/2020 a unidade não esteve em funcionamento?". Ressalte-se que o autor alega que em 2020 a unidade permaneceu desligada por sazonalidade das atividades agrícolas, tendo sido inclusive alvo de furto de cabos, o que fundamentaria seu argumento de que a irregularidade não perdurou pelo período cobrado pela ré. Ademais, a recuperação de receita deve guardar correspondência com o real consumo estimado que deixou de ser registrado. No caso em exame, a ré utilizou como parâmetro para cálculo a média de consumo do período de junho a novembro de 2019, sem considerar a sazonalidade da atividade agrícola desenvolvida na propriedade, conforme alegado pelo autor. Nesse contexto, verifica-se que a cobrança realizada pela ré, no valor de R$116.791,76, não observou integralmente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 414/2010 da ANEEL, notadamente quanto ao período de duração considerado para fins de recuperação de receita. Diante disso, impõe-se a revisão do cálculo, que deverá limitar-se a 6 (seis) ciclos anteriores à data da constatação da irregularidade (22/03/2021), conforme preconiza o §1º do art. 132 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL. II.2.2 - Da legalidade do corte de energia Quanto ao corte de energia realizado em setembro de 2021, verifico que este se deu não apenas em razão da inadimplência da fatura contestada (R$116.791,76), mas também pelo não pagamento de faturas de consumo regular com vencimento em 21/06/2021, 19/07/2021, 16/08/2021 e 20/09/2021, conforme comprovado pela ré. O autor reconhece expressamente a existência dessas faturas em aberto, alegando que a COELBA teria condicionado o pagamento destas à quitação da fatura contestada. Todavia, a ré apresentou aos autos cópias dessas faturas, demonstrando que estavam disponíveis para pagamento separadamente. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que é legítimo o corte no fornecimento de energia elétrica por inadimplemento do consumidor, após prévio aviso, tratando-se de exercício regular de direito da concessionária. No caso concreto, havendo faturas de consumo regular inadimplidas (não contestadas), era legítima a suspensão do fornecimento de energia, independentemente da discussão acerca da fatura de recuperação de consumo. II.2.3 - Da transferência de titularidade Quanto ao pedido de transferência da titularidade da conta contrato nº 7048900938 para o nome do segundo autor, entendo que deve ser acolhido. O contrato de arrendamento juntado aos autos comprova a relação jurídica entre os autores, prevendo expressamente no parágrafo sexto que "O Arrendatário poderá encaminhar projeto elétrico junto a Coelba, no sentido de realizar contrato em seu próprio nome". A dívida decorrente do serviço de energia elétrica possui natureza pessoal (propter personam), e não propter rem, não havendo justificativa para que a concessionária recuse a transferência de titularidade, especialmente considerando que o segundo autor é quem efetivamente utiliza o serviço e realiza os pagamentos. II.2.4 - Dos danos morais No tocante ao pedido de indenização por danos morais, no valor de R$100.000,00, entendo que não restou configurado dano moral indenizável no caso em análise. Embora tenha havido falha no procedimento de recuperação de consumo, especificamente quanto ao período considerado para fins de cálculo, os autores não demonstraram a ocorrência de ofensa à sua dignidade, honra ou imagem que ultrapassasse o mero aborrecimento decorrente da relação contratual. O corte de energia, como visto, decorreu também do inadimplemento de faturas de consumo regular, não contestadas, o que afasta a ilicitude da conduta da ré neste aspecto. Ausentes os pressupostos da responsabilidade civil, não há que se falar em dano moral indenizável. II.2.5 - Dos danos materiais O pedido de indenização por danos materiais, no valor de R$705.000,00, também não merece acolhimento. Os autores alegam que, com a interrupção do fornecimento de energia, não foi possível realizar plantios, o que teria gerado prejuízos no valor indicado. Contudo, não há nos autos prova robusta desses prejuízos. Além disso, como já analisado, a suspensão do fornecimento de energia decorreu também do inadimplemento de faturas não contestadas, configurando exercício regular de direito da ré. Ressalte-se que o dever de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss) impunha aos autores o pagamento das faturas não contestadas, o que teria evitado o corte de energia e, consequentemente, os supostos prejuízos materiais alegados. II.2.6 - Da reconvenção Na reconvenção, a ré postula a condenação dos autores ao pagamento do valor de R$268.929,57, correspondente à fatura de recuperação de receita e faturas de consumo regular inadimplidas. Conforme já fundamentado, a fatura de recuperação de receita deve ser recalculada, limitando-se a 6 (seis) ciclos anteriores à constatação da irregularidade. Quanto às faturas de consumo regular inadimplidas, estas são devidas, pois não foram objeto de contestação pelos autores. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para: 1. DECLARAR a nulidade parcial do procedimento de recuperação de consumo, determinando que a ré proceda ao recálculo da fatura de irregularidade, limitando-se a 6 (seis) ciclos anteriores à data da constatação da irregularidade (22/03/2021), nos termos do art. 132, §1º, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL; 2. DETERMINAR a transferência da titularidade da conta contrato nº 7048900938 para o nome do segundo autor, JOSÉ ERNESTO MATTOS ALVES, no prazo de 30 (trinta) dias; 3. JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos de indenização por danos morais e materiais. Em relação à RECONVENÇÃO, julgo-a PARCIALMENTE PROCEDENTE para: 1. DECLARAR devidas as faturas de consumo regular vencidas em 21/06/2021, 19/07/2021, 16/08/2021 e 20/09/2021, com os acréscimos legais; 2. DETERMINAR que a cobrança referente à recuperação de consumo (fatura vencida em 29/05/2021) seja recalculada, limitando-se a 6 (seis) ciclos anteriores à constatação da irregularidade, conforme fundamentação. Considerando a sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos advogados e com metade das custas processuais, observada a gratuidade da justiça concedida parcialmente aos autores. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. ANDARAÍ/BA, 28 de abril de 2025. GÉSSICA OLIVEIRA SANTOS JUÍZA DE DIREITO
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09/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8000115-68.2022.8.05.0010 Órgão Julgador: 1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ANDARAÍ AUTOR: TACIMAR GOMES MATTOS e outros Advogado(s): JONATHAS FORTUNA GOMES registrado(a) civilmente como JONATHAS FORTUNA GOMES (OAB:BA28051), PAULO RENE COSTA OLIVEIRA registrado(a) civilmente como PAULO RENE COSTA OLIVEIRA (OAB:BA38203) REU: COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA Advogado(s): LUCIANA PEREIRA GOMES BROWNE (OAB:PE786-B), MAURICIO BRITO PASSOS SILVA (OAB:BA20770) SENTENÇA Vistos, etc. I - RELATÓRIO Trata-se de Ação Ordinária com Pleito Indenizatório cumulado com Obrigação de Fazer com pedido de tutela de urgência ajuizada por TACIMAR GOMES MATTOS e JOSÉ ERNESTO MATTOS ALVES em face de COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA - COELBA. Os autores alegam que a primeira demandante é titular da conta-contrato nº 7048900938, embora quem realize os pagamentos seja o segundo autor, que é arrendatário da Fazenda Horacinopolis, conforme contrato de arrendamento de imóvel rural firmado em 05 de julho de 2017. Afirmam que em dezembro de 2019 houve corte de energia por inadimplemento devido a um parcelamento anterior, mas que, em março de 2021, o segundo autor realizou o parcelamento do débito existente, no valor de R$90.273,70, tendo pago o sinal de R$27.100,00 e o restante dividido em 6 parcelas, ocasião em que a unidade foi religada. Relatam que, em junho de 2021, ao realizar o pagamento da fatura referente ao consumo de maio/2021, foram surpreendidos com a apresentação de uma fatura em atraso, com vencimento em 29/05/2021, no valor de R$116.791,76, referente à cobrança por irregularidade. Sustentam que a Coelba não comunicou aos responsáveis pela unidade, em tempo oportuno, os critérios seguidos e os valores calculados para energia não faturada, não dando oportunidade para contestar a fatura de irregularidade. Diante da falta de transparência, o segundo autor optou por não pagar a referida fatura, suspendendo também o pagamento das parcelas do acordo, culminando com novo corte de energia em setembro de 2021. Alegam que, após diversas tentativas infrutíferas para sanar a problemática, inclusive por meio de reuniões e trocas de e-mails, foram obrigados a recorrer ao Judiciário. Requerem: a) em tutela antecipada, o restabelecimento do fornecimento de energia elétrica; b) a declaração de nulidade do procedimento de fiscalização realizado na unidade consumidora dos autores; c) a declaração de nulidade da fatura vencida em 29/05/2021 no valor de R$116.791,76; d) a transferência da titularidade da conta contrato para o nome do segundo autor; e) indenização por danos morais no valor de R$100.000,00; e f) indenização por danos materiais no montante de R$705.000,00. Por decisão de ID 208467655, foi deferida a tutela de urgência para determinar o restabelecimento da energia, sendo autorizada a consignação em juízo das faturas de julho, agosto e setembro de 2021, não questionadas. Em contestação e reconvenção (ID 223719256), a COELBA sustenta a legalidade do procedimento de fiscalização realizado em 22/03/2021, argumentando que foi constatada auto-religação da unidade consumidora à revelia da concessionária, com ausência de registro do consumo de energia. Alega que o TOI (Termo de Ocorrência de Irregularidade) nº 0264459 foi assinado pelo segundo autor, que acompanhou todo o procedimento de fiscalização. Defende a regularidade da cobrança de recuperação de consumo, realizada conforme a Resolução nº 414/2010 da ANEEL, e a legitimidade do corte de energia por inadimplência não apenas da fatura contestada, mas também de outras faturas de consumo regular. Em reconvenção, requer a condenação dos autores ao pagamento do valor de R$268.929,57, correspondente à fatura de recuperação de receita e faturas de consumo regular inadimplidas. As partes apresentaram suas alegações finais, reiterando os argumentos já expostos. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Passo a decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 - Preliminares Não existem questões preliminares a serem apreciadas. II.2 - Mérito O litígio versa sobre relação consumerista, sendo aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor, em virtude da qualificação das partes como consumidor e fornecedor, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90. II.2.1 - Da nulidade do procedimento de fiscalização e da fatura de recuperação de consumo A controvérsia central deste processo reside na legalidade ou não do procedimento de fiscalização realizado pela ré em 22/03/2021 e, consequentemente, da cobrança dele resultante no valor de R$116.791,76. Analisando a documentação acostada aos autos, verifica-se que a COELBA apresentou o Termo de Ocorrência de Inspeção (TOI) nº 0264459, assinado pelo segundo autor, que registra a detecção de irregularidade consistente em auto-religação da unidade consumidora à revelia da concessionária, com impedimento do registro de consumo. Constato que o TOI apresenta as informações básicas acerca da irregularidade constatada, contendo campos preenchidos com a descrição da ocorrência, registros fotográficos e a assinatura do segundo autor, demonstrando que este estava presente no momento da fiscalização. Ocorre, entretanto, que há inconsistências no procedimento administrativo de recuperação de consumo que invalidam, em parte, a cobrança realizada pela ré. Conforme estabelece a Resolução nº 414/2010 da ANEEL, em seu art. 132, quanto ao período de duração para fins de recuperação da receita: "Art. 132. O período de duração, para fins de recuperação da receita, no caso da prática comprovada de procedimentos irregulares ou de deficiência de medição decorrente de aumento de carga à revelia, deve ser determinado tecnicamente ou pela análise do histórico dos consumos de energia elétrica e demanda de potência, respeitados os limites instituídos neste artigo. § 1º Na impossibilidade de a distribuidora identificar o período de duração da irregularidade, mediante a utilização dos critérios citados no caput, o período de cobrança fica limitado a 6 (seis) ciclos, imediatamente anteriores à constatação da irregularidade." No caso em análise, a ré efetuou o cálculo da recuperação de consumo considerando 15 ciclos, sem comprovar tecnicamente esse período de duração da irregularidade. A própria troca de e-mails juntada aos autos demonstra que a concessionária não tinha certeza sobre quando teria iniciado a irregularidade, tendo inclusive indagado ao autor "Durante o período de Jan/2020 até Dez/2020 a unidade não esteve em funcionamento?". Ressalte-se que o autor alega que em 2020 a unidade permaneceu desligada por sazonalidade das atividades agrícolas, tendo sido inclusive alvo de furto de cabos, o que fundamentaria seu argumento de que a irregularidade não perdurou pelo período cobrado pela ré. Ademais, a recuperação de receita deve guardar correspondência com o real consumo estimado que deixou de ser registrado. No caso em exame, a ré utilizou como parâmetro para cálculo a média de consumo do período de junho a novembro de 2019, sem considerar a sazonalidade da atividade agrícola desenvolvida na propriedade, conforme alegado pelo autor. Nesse contexto, verifica-se que a cobrança realizada pela ré, no valor de R$116.791,76, não observou integralmente os parâmetros estabelecidos na Resolução nº 414/2010 da ANEEL, notadamente quanto ao período de duração considerado para fins de recuperação de receita. Diante disso, impõe-se a revisão do cálculo, que deverá limitar-se a 6 (seis) ciclos anteriores à data da constatação da irregularidade (22/03/2021), conforme preconiza o §1º do art. 132 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL. II.2.2 - Da legalidade do corte de energia Quanto ao corte de energia realizado em setembro de 2021, verifico que este se deu não apenas em razão da inadimplência da fatura contestada (R$116.791,76), mas também pelo não pagamento de faturas de consumo regular com vencimento em 21/06/2021, 19/07/2021, 16/08/2021 e 20/09/2021, conforme comprovado pela ré. O autor reconhece expressamente a existência dessas faturas em aberto, alegando que a COELBA teria condicionado o pagamento destas à quitação da fatura contestada. Todavia, a ré apresentou aos autos cópias dessas faturas, demonstrando que estavam disponíveis para pagamento separadamente. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica no sentido de que é legítimo o corte no fornecimento de energia elétrica por inadimplemento do consumidor, após prévio aviso, tratando-se de exercício regular de direito da concessionária. No caso concreto, havendo faturas de consumo regular inadimplidas (não contestadas), era legítima a suspensão do fornecimento de energia, independentemente da discussão acerca da fatura de recuperação de consumo. II.2.3 - Da transferência de titularidade Quanto ao pedido de transferência da titularidade da conta contrato nº 7048900938 para o nome do segundo autor, entendo que deve ser acolhido. O contrato de arrendamento juntado aos autos comprova a relação jurídica entre os autores, prevendo expressamente no parágrafo sexto que "O Arrendatário poderá encaminhar projeto elétrico junto a Coelba, no sentido de realizar contrato em seu próprio nome". A dívida decorrente do serviço de energia elétrica possui natureza pessoal (propter personam), e não propter rem, não havendo justificativa para que a concessionária recuse a transferência de titularidade, especialmente considerando que o segundo autor é quem efetivamente utiliza o serviço e realiza os pagamentos. II.2.4 - Dos danos morais No tocante ao pedido de indenização por danos morais, no valor de R$100.000,00, entendo que não restou configurado dano moral indenizável no caso em análise. Embora tenha havido falha no procedimento de recuperação de consumo, especificamente quanto ao período considerado para fins de cálculo, os autores não demonstraram a ocorrência de ofensa à sua dignidade, honra ou imagem que ultrapassasse o mero aborrecimento decorrente da relação contratual. O corte de energia, como visto, decorreu também do inadimplemento de faturas de consumo regular, não contestadas, o que afasta a ilicitude da conduta da ré neste aspecto. Ausentes os pressupostos da responsabilidade civil, não há que se falar em dano moral indenizável. II.2.5 - Dos danos materiais O pedido de indenização por danos materiais, no valor de R$705.000,00, também não merece acolhimento. Os autores alegam que, com a interrupção do fornecimento de energia, não foi possível realizar plantios, o que teria gerado prejuízos no valor indicado. Contudo, não há nos autos prova robusta desses prejuízos. Além disso, como já analisado, a suspensão do fornecimento de energia decorreu também do inadimplemento de faturas não contestadas, configurando exercício regular de direito da ré. Ressalte-se que o dever de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss) impunha aos autores o pagamento das faturas não contestadas, o que teria evitado o corte de energia e, consequentemente, os supostos prejuízos materiais alegados. II.2.6 - Da reconvenção Na reconvenção, a ré postula a condenação dos autores ao pagamento do valor de R$268.929,57, correspondente à fatura de recuperação de receita e faturas de consumo regular inadimplidas. Conforme já fundamentado, a fatura de recuperação de receita deve ser recalculada, limitando-se a 6 (seis) ciclos anteriores à constatação da irregularidade. Quanto às faturas de consumo regular inadimplidas, estas são devidas, pois não foram objeto de contestação pelos autores. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para: 1. DECLARAR a nulidade parcial do procedimento de recuperação de consumo, determinando que a ré proceda ao recálculo da fatura de irregularidade, limitando-se a 6 (seis) ciclos anteriores à data da constatação da irregularidade (22/03/2021), nos termos do art. 132, §1º, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL; 2. DETERMINAR a transferência da titularidade da conta contrato nº 7048900938 para o nome do segundo autor, JOSÉ ERNESTO MATTOS ALVES, no prazo de 30 (trinta) dias; 3. JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos de indenização por danos morais e materiais. Em relação à RECONVENÇÃO, julgo-a PARCIALMENTE PROCEDENTE para: 1. DECLARAR devidas as faturas de consumo regular vencidas em 21/06/2021, 19/07/2021, 16/08/2021 e 20/09/2021, com os acréscimos legais; 2. DETERMINAR que a cobrança referente à recuperação de consumo (fatura vencida em 29/05/2021) seja recalculada, limitando-se a 6 (seis) ciclos anteriores à constatação da irregularidade, conforme fundamentação. Considerando a sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos advogados e com metade das custas processuais, observada a gratuidade da justiça concedida parcialmente aos autores. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. ANDARAÍ/BA, 28 de abril de 2025. GÉSSICA OLIVEIRA SANTOS JUÍZA DE DIREITO