Lucas Augustus Testa Campos e outros x Fernanda Rafaella Oliveira De Carvalho
Número do Processo:
8001343-36.2023.8.05.0239
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ
Última atualização encontrada em
21 de
maio
de 2025.
Intimações e Editais
-
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21/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8001343-36.2023.8.05.0239 Órgão Julgador: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ AUTOR: REGINALDO BORGES TRINDADE Advogado(s): LUCAS AUGUSTUS TESTA CAMPOS (OAB:BA25383), ANGELO MIGUEL FERREIRA MENEZES (OAB:BA39066) REU: BANCO C6 CONSIGNADO S.A. Advogado(s): FERNANDA RAFAELLA OLIVEIRA DE CARVALHO (OAB:PE32766) S E N T E N Ç A Vistos, etc. Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e materiais com pedido de tutela de urgência proposta por REGINALDO BORGES TRINDADE em face de BANCO C6 CONSIGNADO S.A. Alega o autor que é aposentado e deficiente visual, sendo surpreendido com depósitos em sua conta corrente referentes a dois contratos de empréstimo consignado que afirma jamais ter contratado. Aduz que os contratos foram realizados de forma fraudulenta. Relata que recebeu mensagem de um suposto agente financeiro via WhatsApp, que solicitou sua foto e documentos para contratação de um empréstimo com juros menores, tendo ocorrido um golpe. Afirma que devolveu os valores dos empréstimos mediante transferência bancária, conforme orientação recebida, mas o banco réu continuou efetuando os descontos em seu benefício previdenciário. Devidamente citado, o réu apresentou contestação, alegando, em síntese: (i) que a contratação foi regular, mediante biometria facial e prova de vida do requerente; (ii) que os valores foram devidamente depositados na conta do autor; (iii) que houve portabilidade do contrato para outra instituição financeira (Facta S.A. CFI) em 13/12/2024, o que demonstraria o reconhecimento da dívida pelo autor; (iv) que o autor foi vítima de golpe de terceiro, não sendo responsabilidade do banco; (v) que o autor nunca procurou a instituição bancária para solucionar a questão administrativamente; (vi) ausência de dano moral. É o relatório. Decido. O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, sendo dispensável a produção de outras provas, conforme o art. 355, I, do CPC. Diante disso, INDEFIRO a produção de prova oral. Aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, envolvendo, de um lado, o banco réu como fornecedor de serviços e, de outro, o autor como destinatário final, nos termos da Súmula 297 do STJ. A controvérsia principal reside na existência ou não de contratação válida dos empréstimos consignados pelo autor junto ao banco réu, bem como à responsabilidade pelos danos decorrentes da suposta fraude. O banco réu comprovou nos autos a contratação dos empréstimos consignados, mediante apresentação de cópias dos contratos, da comprovação da validação biométrica (com imagem do autor) e dos comprovantes de transferência dos valores para a conta do autor. Todavia, o conjunto probatório indica que, embora tenha havido a formalização dos contratos, o autor foi vítima de golpe perpetrado por terceiro. Conforme relatado na inicial e confirmado pelos elementos dos autos, o autor, que é deficiente visual e idoso, foi abordado por suposto agente financeiro por mensagem de WhatsApp, que solicitou seus dados e imagem para formalização de contratos (ID 400708017). É notório que esse tipo de fraude tem se tornado comum, especialmente com pessoas mais vulneráveis, como idosos e pessoas com deficiência. O chamado "golpe do manequim", em que fraudadores utilizam fotos das vítimas para burlar sistemas de reconhecimento facial de bancos, encontra-se amplamente documentado e noticiado, inclusive em veículos de comunicação. Assim, embora tenha havido a formalização dos contratos com validação biométrica, restou demonstrado que a vontade do autor foi viciada pela ação de terceiro fraudador, configurando-se a ocorrência de erro substancial. Embora se reconheça a ocorrência da fraude, é preciso determinar a responsabilidade pelas consequências danosas. A Súmula 479 do STJ estabelece que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". No caso em análise, o banco réu adotou procedimento de validação biométrica facial e forneceu os valores diretamente na conta de titularidade do autor, cumprindo, assim, com as medidas de segurança razoavelmente exigíveis. Ocorre que, após o recebimento dos valores em sua conta bancária, o autor, induzido por terceiro, efetuou a transferência dos montantes para conta bancária de pessoa estranha ao negócio. Este fato está comprovado pela juntada do comprovante de transferência bancária efetuada pelo próprio autor, conforme documento de ID 400708021. Trata-se, portanto, não de falha de segurança no sistema bancário, mas de erro cometido pelo próprio autor ao efetuar a transferência bancária para terceiro desconhecido, após ter recebido os valores do empréstimo em sua conta. A fraude, neste caso, ocorreu fora do âmbito de atuação e responsabilidade do banco, configurando fortuito externo. Considerando que o autor foi vítima de fraude, embora tenha sido ele quem efetuou a transferência dos valores para terceiro fraudador após recebê-los em sua conta, entendo que os contratos devem ser declarados inexistentes por vício de consentimento, não devendo o autor ser onerado com o pagamento das parcelas. Esta solução se mostra mais adequada à luz do princípio da boa-fé objetiva e da proteção ao consumidor vulnerável, especialmente considerando que o autor é idoso e deficiente visual, condições que o tornam mais suscetível a golpes dessa natureza. Quanto aos danos materiais, o autor comprovou o desconto de 4 parcelas de R$270,00 e 4 parcelas de R$276,00, totalizando R$2.184,00. Considerando a declaração de inexistência do débito, tais valores devem ser restituídos. No entanto, não se vislumbra a má-fé do banco réu, que agiu de acordo com os procedimentos de segurança exigíveis, depositando os valores na conta do próprio autor. Assim, a restituição deve ocorrer na forma simples, e não em dobro como pleiteado, nos termos do entendimento jurisprudencial do STJ, que exige a demonstração de má-fé para a aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC. No tocante ao dano moral, embora o autor tenha passado por situação desagradável, entendo que não ficou demonstrado dano moral indenizável no caso concreto. Os transtornos sofridos pelo autor decorreram de golpe aplicado por terceiro, e não de conduta ilícita do banco réu, que agiu dentro dos parâmetros de segurança exigíveis, formalizando o contrato mediante validação biométrica e prova de vida, além de depositar os valores diretamente na conta do autor. A jurisprudência tem reconhecido que, em casos como o presente, em que o consumidor cai em golpe aplicado por terceiro após a regular contratação e recebimento dos valores, não há responsabilidade da instituição financeira pelos danos morais, por se tratar de fortuito externo, alheio à sua esfera de controle. Nesse sentido: PROCESSO Nº: 0242480-88.2023.8.05 .0001 RECORRENTE: ITALMIR BORGES CERQUEIRA RECORRIDO: NU PAGAMENTOS S.A. - INSTITUICAO DE PAGAMENTO PAGSEGURO INTERNET INSTITUICAO DE PAGAMENTO S.A . RELATORA: ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI e XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC) . DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA (PIX) REALIZADA PARA CONTA FRAUDULENTA. GOLPE . PARTE AUTORA QUE NÃO ADOTOU AS CAUTELAS NECESSÁRIAS ÀS TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. INOCORRÊNCIA DE FALHA DA ATIVIDADE BANCÁRIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS ACOSTADOS PELO AUTOR SÃO INSUFICIENTES A EXIMIR SUA RESPONSABILIDADE NA CAUSAÇÃO DO EVENTO . EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 3º, II, DO CDC. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE . DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO CONFIGURADOS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO . DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado que julgou improcedentes os pedidos da exordial. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço. O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil. Trata-se de pretensão indenizatória por danos materiais e morais em que a parte autora afirma sido vítima de uma central falsa que utilizava do mesmo mecanismo do réu, tendo clicado em SMS enviado e o suposto atendente do Banco Réu, ao se passar por funcionário do Banco Nubank, teria realizado transferências bancárias via PIX fraudulentas, momento em que descobriu que foi vítima de um golpe . Sustenta a falha na prestação dos serviços pela ré, que poderia interferir na transação e até mesmo bloqueá-la diante dos indícios de fraude. Analisados os autos observa-se que tal matéria já se encontra sedimentada no âmbito das Turmas Recursais, conforme precedentes nºs 0104856-31.2022.8 .05.0001, 0000854-78.2019.8 .05.0271 0093516-90.2022.8 .05.0001 e 0086420-24.2022.8 .05.0001, dentre outros, inexistindo responsabilidade da instituição financeira diante da culpa exclusiva do consumidor, a teor do que dispõe o art. 14, § 3º, II do CDC. Da narrativa da exordial, conclui-se que o autor foi vítima de uma fraude denominada como "Golpe do Intermediário", o qual somente foi concretizado pela falta de cautela do demandante, na medida em que deixou de observar as regras de segurança na realização do negócio, seguindo instruções do terceiro que se passou por preposto do banco . Assim, não há como se reconhecer qualquer falha na prestação dos serviços no caso concreto, porquanto inexiste nos autos qualquer indício de que a ré tenha de algum modo contribuído com a fraude que resultou na realização de transferência bancária, na modalidade PIX, a terceiro desconhecido. Logo, não se pode ter outra conclusão senão que o equívoco decorreu de fato exclusivo do consumidor, rompendo-se o nexo de causalidade da responsabilidade objetiva e afastando por completo qualquer pretensão indenizatória. A jurisprudência pátria ampara este entendimento, veja-se: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSO CIVIL . AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. GOLPE DA OLX. TERCEIRO ESTELIONATÁRIO . TRANSFERÊNCIA VIA PIX PARA CONTA DE PESSOA ESTRANHA À NEGOCIAÇÃO. CONDUTA DAS PARTES. COMPRADOR E VENDEDOR. CULPA CONCORRENTE . RATEIO DOS PREJUÍZOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ADMINISTRADORA DA CONTA EM QUE RECEBIDOS OS VALORES PAGOS PELA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE . FORTUITO EXTERNO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE PARA RECONHECER A CULPA CONCORRENTE ENTRE OS CONTRATANTES. 1. Incontroverso nos autos a ocorrência de estelionato conhecido por ?Golpe da OLX? . Trata-se de expediente fraudulento corriqueiro, pelo qual um terceiro estelionatário, mediante ardil e utilizando-se de anúncio realizado no sítio eletrônico OLX, se faz passar por potencial comprador/vendedor/intermediador da compra de determinado veículo, a fim de induzir a erro as vítimas, reais contratantes. O estelionatário, passando-se ora pelo vendedor e ora pelo pretenso comprador, acaba intermediando o negócio de compra e venda do veículo, instruindo as verdadeiras partes contratantes a omitir/mentir reciprocamente informações/detalhes relevantes da negociação, para, ao final, se beneficiar com o pagamento. [...] 4. Não há que se falar em responsabilidade da instituição financeira que administra a conta na qual foram recebidos os valores pagos pela vítima do golpe, pois ela não integra a cadeia de relações jurídicas indicadas na petição inicial entre particulares, limitando-se a servir como intermediária de pagamento. Trata-se de hipótese de fortuito externo, que rompe o nexo de causalidade entre os prejuízos suportados pela vítima e a utilização fraudulenta da conta bancária, não podendo a instituição financeira responder pelos danos suportados pelo Apelante, já que não houve qualquer relação com a atividade do banco, que, aliás, sequer esteve envolvido, mesmo que indiretamente, no golpe evidenciado nos autos. 5 . Sentença parcialmente reformada para reconhecer a culpa concorrente entre os contratantes. (TJ-DF 07321594220218070003 1731524, Relator.: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 19/07/2023, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: 02/08/2023) AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - GOLPE APLICADO POR TERCEIRO - COMPRA E VENDA DE VEÍCULO POR MEIO DO SITE DA OLX - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DA AUTORA - Autora vítima de fraude praticada por estelionatário - Anúncio da OLX de venda de um automóvel interceptado por terceiro fraudador que coloca a possível compradora e o real vendedor em contato, mas orienta a vítima a depositar o dinheiro na conta bancária de terceira pessoa - Autora que após conferir pessoalmente o veículo, com o possível vendedor, efetua o depósito bancário de dinheiro em conta corrente de terceiro indicada pelo estelionatário - Culpa exclusiva da vítima - Ausência de responsabilidade do banco - Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP - AC: 10027757020198260368 SP 1002775-70 .2019.8.26.0368, Relator: Marino Neto, Data de Julgamento: 06/10/2020, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/10/2020) Desse modo, e constatado que a sentença observou o entendimento já consolidado desta Turma Recursal, a mesma deve ser mantida em todos os seus termos . Diante do exposto, na forma do art. 15, inciso XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais e do art. 932 do Código de Processo Civil, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA para manter a sentença atacada pelos próprios e jurídicos fundamentos. Condenação em custas e honorários advocatícios arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, restando suspensa a exigibilidade do pagamento pela parte autora, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015 . ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA Juíza Relatora (TJ-BA - Recurso Inominado: 02424808820238050001, Relator: ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA, SEGUNDA TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 19/04/2024) Grifei. Sendo assim, não se vislumbra dano moral indenizável no caso concreto. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: a) DECLARAR a inexistência das relações jurídicas decorrentes dos contratos de empréstimo consignado nº 010122824696 e nº 010122825545, firmados entre as partes; b) DETERMINAR que o réu BANCO C6 CONSIGNADO S.A. se abstenha definitivamente de realizar descontos no benefício previdenciário do autor, referentes aos contratos supra mencionados; c) CONDENAR o réu à restituição dos valores descontados do benefício previdenciário do autor, na forma simples, totalizando R$2.184,00 (dois mil, cento e oitenta e quatro reais), com correção monetária a partir de cada desconto e juros de mora desde a citação. A correção monetária far-se-á pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, Código Civil). Os juros de mora correspondem à taxa Selic deduzido o índice de correção monetária (art. 406, § 1º, Código Civil); d) JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de danos morais. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, na proporção de 70% pelo réu e 30% pelo autor, nos termos do art. 86 do CPC, observada a gratuidade da justiça concedida ao autor. Publique-se. Intime-se. Em prol dos princípios da economia e celeridade processual, concedo à presente sentença FORÇA DE OFÍCIO/MANDADO/CARTA DE INTIMAÇÃO. São Sebastião do Passé, datado e assinado eletronicamente. Amanda Inácio Gordilho Freitas Juíza de Direito Substituta
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21/05/2025 - CitaçãoÓrgão: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8001343-36.2023.8.05.0239 Órgão Julgador: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ AUTOR: REGINALDO BORGES TRINDADE Advogado(s): LUCAS AUGUSTUS TESTA CAMPOS (OAB:BA25383), ANGELO MIGUEL FERREIRA MENEZES (OAB:BA39066) REU: BANCO C6 CONSIGNADO S.A. Advogado(s): FERNANDA RAFAELLA OLIVEIRA DE CARVALHO (OAB:PE32766) S E N T E N Ç A Vistos, etc. Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e materiais com pedido de tutela de urgência proposta por REGINALDO BORGES TRINDADE em face de BANCO C6 CONSIGNADO S.A. Alega o autor que é aposentado e deficiente visual, sendo surpreendido com depósitos em sua conta corrente referentes a dois contratos de empréstimo consignado que afirma jamais ter contratado. Aduz que os contratos foram realizados de forma fraudulenta. Relata que recebeu mensagem de um suposto agente financeiro via WhatsApp, que solicitou sua foto e documentos para contratação de um empréstimo com juros menores, tendo ocorrido um golpe. Afirma que devolveu os valores dos empréstimos mediante transferência bancária, conforme orientação recebida, mas o banco réu continuou efetuando os descontos em seu benefício previdenciário. Devidamente citado, o réu apresentou contestação, alegando, em síntese: (i) que a contratação foi regular, mediante biometria facial e prova de vida do requerente; (ii) que os valores foram devidamente depositados na conta do autor; (iii) que houve portabilidade do contrato para outra instituição financeira (Facta S.A. CFI) em 13/12/2024, o que demonstraria o reconhecimento da dívida pelo autor; (iv) que o autor foi vítima de golpe de terceiro, não sendo responsabilidade do banco; (v) que o autor nunca procurou a instituição bancária para solucionar a questão administrativamente; (vi) ausência de dano moral. É o relatório. Decido. O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, sendo dispensável a produção de outras provas, conforme o art. 355, I, do CPC. Diante disso, INDEFIRO a produção de prova oral. Aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, envolvendo, de um lado, o banco réu como fornecedor de serviços e, de outro, o autor como destinatário final, nos termos da Súmula 297 do STJ. A controvérsia principal reside na existência ou não de contratação válida dos empréstimos consignados pelo autor junto ao banco réu, bem como à responsabilidade pelos danos decorrentes da suposta fraude. O banco réu comprovou nos autos a contratação dos empréstimos consignados, mediante apresentação de cópias dos contratos, da comprovação da validação biométrica (com imagem do autor) e dos comprovantes de transferência dos valores para a conta do autor. Todavia, o conjunto probatório indica que, embora tenha havido a formalização dos contratos, o autor foi vítima de golpe perpetrado por terceiro. Conforme relatado na inicial e confirmado pelos elementos dos autos, o autor, que é deficiente visual e idoso, foi abordado por suposto agente financeiro por mensagem de WhatsApp, que solicitou seus dados e imagem para formalização de contratos (ID 400708017). É notório que esse tipo de fraude tem se tornado comum, especialmente com pessoas mais vulneráveis, como idosos e pessoas com deficiência. O chamado "golpe do manequim", em que fraudadores utilizam fotos das vítimas para burlar sistemas de reconhecimento facial de bancos, encontra-se amplamente documentado e noticiado, inclusive em veículos de comunicação. Assim, embora tenha havido a formalização dos contratos com validação biométrica, restou demonstrado que a vontade do autor foi viciada pela ação de terceiro fraudador, configurando-se a ocorrência de erro substancial. Embora se reconheça a ocorrência da fraude, é preciso determinar a responsabilidade pelas consequências danosas. A Súmula 479 do STJ estabelece que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". No caso em análise, o banco réu adotou procedimento de validação biométrica facial e forneceu os valores diretamente na conta de titularidade do autor, cumprindo, assim, com as medidas de segurança razoavelmente exigíveis. Ocorre que, após o recebimento dos valores em sua conta bancária, o autor, induzido por terceiro, efetuou a transferência dos montantes para conta bancária de pessoa estranha ao negócio. Este fato está comprovado pela juntada do comprovante de transferência bancária efetuada pelo próprio autor, conforme documento de ID 400708021. Trata-se, portanto, não de falha de segurança no sistema bancário, mas de erro cometido pelo próprio autor ao efetuar a transferência bancária para terceiro desconhecido, após ter recebido os valores do empréstimo em sua conta. A fraude, neste caso, ocorreu fora do âmbito de atuação e responsabilidade do banco, configurando fortuito externo. Considerando que o autor foi vítima de fraude, embora tenha sido ele quem efetuou a transferência dos valores para terceiro fraudador após recebê-los em sua conta, entendo que os contratos devem ser declarados inexistentes por vício de consentimento, não devendo o autor ser onerado com o pagamento das parcelas. Esta solução se mostra mais adequada à luz do princípio da boa-fé objetiva e da proteção ao consumidor vulnerável, especialmente considerando que o autor é idoso e deficiente visual, condições que o tornam mais suscetível a golpes dessa natureza. Quanto aos danos materiais, o autor comprovou o desconto de 4 parcelas de R$270,00 e 4 parcelas de R$276,00, totalizando R$2.184,00. Considerando a declaração de inexistência do débito, tais valores devem ser restituídos. No entanto, não se vislumbra a má-fé do banco réu, que agiu de acordo com os procedimentos de segurança exigíveis, depositando os valores na conta do próprio autor. Assim, a restituição deve ocorrer na forma simples, e não em dobro como pleiteado, nos termos do entendimento jurisprudencial do STJ, que exige a demonstração de má-fé para a aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC. No tocante ao dano moral, embora o autor tenha passado por situação desagradável, entendo que não ficou demonstrado dano moral indenizável no caso concreto. Os transtornos sofridos pelo autor decorreram de golpe aplicado por terceiro, e não de conduta ilícita do banco réu, que agiu dentro dos parâmetros de segurança exigíveis, formalizando o contrato mediante validação biométrica e prova de vida, além de depositar os valores diretamente na conta do autor. A jurisprudência tem reconhecido que, em casos como o presente, em que o consumidor cai em golpe aplicado por terceiro após a regular contratação e recebimento dos valores, não há responsabilidade da instituição financeira pelos danos morais, por se tratar de fortuito externo, alheio à sua esfera de controle. Nesse sentido: PROCESSO Nº: 0242480-88.2023.8.05 .0001 RECORRENTE: ITALMIR BORGES CERQUEIRA RECORRIDO: NU PAGAMENTOS S.A. - INSTITUICAO DE PAGAMENTO PAGSEGURO INTERNET INSTITUICAO DE PAGAMENTO S.A . RELATORA: ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XI e XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC) . DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA (PIX) REALIZADA PARA CONTA FRAUDULENTA. GOLPE . PARTE AUTORA QUE NÃO ADOTOU AS CAUTELAS NECESSÁRIAS ÀS TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. INOCORRÊNCIA DE FALHA DA ATIVIDADE BANCÁRIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS ACOSTADOS PELO AUTOR SÃO INSUFICIENTES A EXIMIR SUA RESPONSABILIDADE NA CAUSAÇÃO DO EVENTO . EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 3º, II, DO CDC. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE . DANOS MATERIAIS E MORAIS NÃO CONFIGURADOS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO . DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado que julgou improcedentes os pedidos da exordial. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço. O artigo 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJBA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil. Trata-se de pretensão indenizatória por danos materiais e morais em que a parte autora afirma sido vítima de uma central falsa que utilizava do mesmo mecanismo do réu, tendo clicado em SMS enviado e o suposto atendente do Banco Réu, ao se passar por funcionário do Banco Nubank, teria realizado transferências bancárias via PIX fraudulentas, momento em que descobriu que foi vítima de um golpe . Sustenta a falha na prestação dos serviços pela ré, que poderia interferir na transação e até mesmo bloqueá-la diante dos indícios de fraude. Analisados os autos observa-se que tal matéria já se encontra sedimentada no âmbito das Turmas Recursais, conforme precedentes nºs 0104856-31.2022.8 .05.0001, 0000854-78.2019.8 .05.0271 0093516-90.2022.8 .05.0001 e 0086420-24.2022.8 .05.0001, dentre outros, inexistindo responsabilidade da instituição financeira diante da culpa exclusiva do consumidor, a teor do que dispõe o art. 14, § 3º, II do CDC. Da narrativa da exordial, conclui-se que o autor foi vítima de uma fraude denominada como "Golpe do Intermediário", o qual somente foi concretizado pela falta de cautela do demandante, na medida em que deixou de observar as regras de segurança na realização do negócio, seguindo instruções do terceiro que se passou por preposto do banco . Assim, não há como se reconhecer qualquer falha na prestação dos serviços no caso concreto, porquanto inexiste nos autos qualquer indício de que a ré tenha de algum modo contribuído com a fraude que resultou na realização de transferência bancária, na modalidade PIX, a terceiro desconhecido. Logo, não se pode ter outra conclusão senão que o equívoco decorreu de fato exclusivo do consumidor, rompendo-se o nexo de causalidade da responsabilidade objetiva e afastando por completo qualquer pretensão indenizatória. A jurisprudência pátria ampara este entendimento, veja-se: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSO CIVIL . AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. GOLPE DA OLX. TERCEIRO ESTELIONATÁRIO . TRANSFERÊNCIA VIA PIX PARA CONTA DE PESSOA ESTRANHA À NEGOCIAÇÃO. CONDUTA DAS PARTES. COMPRADOR E VENDEDOR. CULPA CONCORRENTE . RATEIO DOS PREJUÍZOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ADMINISTRADORA DA CONTA EM QUE RECEBIDOS OS VALORES PAGOS PELA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE . FORTUITO EXTERNO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE PARA RECONHECER A CULPA CONCORRENTE ENTRE OS CONTRATANTES. 1. Incontroverso nos autos a ocorrência de estelionato conhecido por ?Golpe da OLX? . Trata-se de expediente fraudulento corriqueiro, pelo qual um terceiro estelionatário, mediante ardil e utilizando-se de anúncio realizado no sítio eletrônico OLX, se faz passar por potencial comprador/vendedor/intermediador da compra de determinado veículo, a fim de induzir a erro as vítimas, reais contratantes. O estelionatário, passando-se ora pelo vendedor e ora pelo pretenso comprador, acaba intermediando o negócio de compra e venda do veículo, instruindo as verdadeiras partes contratantes a omitir/mentir reciprocamente informações/detalhes relevantes da negociação, para, ao final, se beneficiar com o pagamento. [...] 4. Não há que se falar em responsabilidade da instituição financeira que administra a conta na qual foram recebidos os valores pagos pela vítima do golpe, pois ela não integra a cadeia de relações jurídicas indicadas na petição inicial entre particulares, limitando-se a servir como intermediária de pagamento. Trata-se de hipótese de fortuito externo, que rompe o nexo de causalidade entre os prejuízos suportados pela vítima e a utilização fraudulenta da conta bancária, não podendo a instituição financeira responder pelos danos suportados pelo Apelante, já que não houve qualquer relação com a atividade do banco, que, aliás, sequer esteve envolvido, mesmo que indiretamente, no golpe evidenciado nos autos. 5 . Sentença parcialmente reformada para reconhecer a culpa concorrente entre os contratantes. (TJ-DF 07321594220218070003 1731524, Relator.: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 19/07/2023, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: 02/08/2023) AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - GOLPE APLICADO POR TERCEIRO - COMPRA E VENDA DE VEÍCULO POR MEIO DO SITE DA OLX - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DA AUTORA - Autora vítima de fraude praticada por estelionatário - Anúncio da OLX de venda de um automóvel interceptado por terceiro fraudador que coloca a possível compradora e o real vendedor em contato, mas orienta a vítima a depositar o dinheiro na conta bancária de terceira pessoa - Autora que após conferir pessoalmente o veículo, com o possível vendedor, efetua o depósito bancário de dinheiro em conta corrente de terceiro indicada pelo estelionatário - Culpa exclusiva da vítima - Ausência de responsabilidade do banco - Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP - AC: 10027757020198260368 SP 1002775-70 .2019.8.26.0368, Relator: Marino Neto, Data de Julgamento: 06/10/2020, 11ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/10/2020) Desse modo, e constatado que a sentença observou o entendimento já consolidado desta Turma Recursal, a mesma deve ser mantida em todos os seus termos . Diante do exposto, na forma do art. 15, inciso XII, do Regimento Interno das Turmas Recursais e do art. 932 do Código de Processo Civil, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA para manter a sentença atacada pelos próprios e jurídicos fundamentos. Condenação em custas e honorários advocatícios arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, restando suspensa a exigibilidade do pagamento pela parte autora, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015 . ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA Juíza Relatora (TJ-BA - Recurso Inominado: 02424808820238050001, Relator: ISABELA KRUSCHEWSKY PEDREIRA DA SILVA, SEGUNDA TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 19/04/2024) Grifei. Sendo assim, não se vislumbra dano moral indenizável no caso concreto. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: a) DECLARAR a inexistência das relações jurídicas decorrentes dos contratos de empréstimo consignado nº 010122824696 e nº 010122825545, firmados entre as partes; b) DETERMINAR que o réu BANCO C6 CONSIGNADO S.A. se abstenha definitivamente de realizar descontos no benefício previdenciário do autor, referentes aos contratos supra mencionados; c) CONDENAR o réu à restituição dos valores descontados do benefício previdenciário do autor, na forma simples, totalizando R$2.184,00 (dois mil, cento e oitenta e quatro reais), com correção monetária a partir de cada desconto e juros de mora desde a citação. A correção monetária far-se-á pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, Código Civil). Os juros de mora correspondem à taxa Selic deduzido o índice de correção monetária (art. 406, § 1º, Código Civil); d) JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de danos morais. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, na proporção de 70% pelo réu e 30% pelo autor, nos termos do art. 86 do CPC, observada a gratuidade da justiça concedida ao autor. Publique-se. Intime-se. Em prol dos princípios da economia e celeridade processual, concedo à presente sentença FORÇA DE OFÍCIO/MANDADO/CARTA DE INTIMAÇÃO. São Sebastião do Passé, datado e assinado eletronicamente. Amanda Inácio Gordilho Freitas Juíza de Direito Substituta