Adelson De Oliveira Cabral x Associacao Beneficente Corrente Do Bem

Número do Processo: 8017533-75.2024.8.05.0001

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJBA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 1ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR
Última atualização encontrada em 16 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 16/06/2025 - Intimação
    Órgão: 1ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA   1ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR  Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8017533-75.2024.8.05.0001 Órgão Julgador: 1ª V CÍVEL E COMERCIAL DE SALVADOR AUTOR: ADELSON DE OLIVEIRA CABRAL Advogado(s): EDUARDO RODRIGUES DE SOUZA (OAB:BA21441) REU: ASSOCIACAO BENEFICENTE CORRENTE DO BEM Advogado(s): MARCIA RAMOS DOS SANTOS (OAB:SP111991), THAMIRES DE ARAUJO LIMA (OAB:SP347922)   SENTENÇA   Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA c/c INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, ajuizada por ADELSON DE OLIVEIRA CABRAL, em face da ASSOCIACAO BENEFICENTE CORRENTE DO BEM - ABCB. A parte autora, beneficiária da previdência social com um benefício mensal líquido de R$ 1.027,00, alega que identificou descontos indevidos de R$ 42,80 em seu extrato, realizados em favor da "CONTRIB. ABCB SAC 0800 323 5069", sem que jamais tenha aderido a essa associação ou tivesse conhecimento dela. Ao buscar esclarecimentos no INSS, foi informada de que a devolução dos valores só poderia ser solicitada pela própria entidade, o que se mostrou inviável, já que não há vínculo entre as partes. A autora descobriu que a Associação Beneficente Corrente do Bem (ABCB) não possui sede na Bahia, onde reside, e que o INSS já registrou casos semelhantes de irregularidades, indicando possível conduta fraudulenta. Argumenta que houve falha na prestação de serviços, configurando ato ilícito (arts. 186 e 927 do CC), violação de direitos fundamentais (art. 5º, X, da CF/88) e infração ao CDC (art. 39, III), por serviço não solicitado. Requer a inversão do ônus da prova para que a ré comprove o contrato de adesão, a restituição em dobro dos valores descontados (estimados em R$ 346,02), a declaração de inexistência de vínculo jurídico e indenização por danos morais, alegando que a prática da ré é abusiva, reiterada e dolosa, com base em jurisprudência consolidada em casos similares. O Juízo consumerista declarou a sua incompetência e remeteu os autos a este Juízo Cível (Id. 430492163). Foi deferido o pedido de gratuidade de justiça (Id. 435294385). A parte ré apresentou contestação (Id. 442741651), onde sustenta que a relação jurídica com a autora existe devido à sua adesão aos serviços oferecidos pela associação, que é sem fins lucrativos e voltada a aposentados, fornecendo benefícios como seguros, telemedicina, assistências diversas e descontos, mediante autorização prévia para desconto em folha. Afirmou ter agido de boa-fé ao juntar um termo de cancelamento, atendendo ao desinteresse da autora, e requereu gratuidade de justiça com base no Estatuto do Idoso e no CPC. Quanto ao CDC, argumentou que não se aplica, pois a entidade não tem fins lucrativos nem relação de consumo, sendo uma organização de ajuda mútua. Sobre os danos morais, negou sua configuração, sustentando que o desconto de valor baixo (R$ 33,00) não causou sofrimento ou constrangimento, mas apenas um aborrecimento, conforme jurisprudência do STJ, e que, sem provas de lesão à dignidade, o pedido deve ser indeferido. A parte autora foi intimada a apresentar réplica à contestação e a parte ré foi intimada a apresentar os documentos comprobatórios da hipossuficiência alegada (Id. 442775815). A parte autora apresentou réplica (Id. 445374617).  Em decisão saneadora (Id. 448803509) a parte ré foi intimada a comprovar que é uma Associação sem fins lucrativos, as partes foram intimadas a informarem a possibilidade de composição amigável para solução da lide e informarem o interesse na produção de novas provas. A parte autora se manifestou nos autos (Id. 452297990). Decorreu-se o prazo sem qualquer manifestação da parte ré (Id. 467132133). A parte ré foi intimada a se manifestar a respeito das alegações da parte autora (Id. 468421767). A parte ré apresentou suas alegações finais (Id. 483339575), e juntou ficha de filiação que alega ter sido assinada pela parte autora. A parte autora foi intimada a se manifestar (Id. 495168758). A parte autora apresentou as suas alegações finais (Id. 498598230).  Um dos advogados informa renúncia ao mandato, requerendo a sua exclusão do sistema e das futuras intimações processuais e de todos os advogados substabelecidos com reservas pela subscritora renunciante (Id. 505011028). Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Decido. DA PRECLUSÃO E DESCONSIDERAÇÃO DA FICHA DE FILIAÇÃO A ficha de filiação juntada pela ré somente foi apresentada em sede de alegações finais, fora do prazo legal para apresentação de documentos e provas em contestação, configurando manifesta preclusão temporal conforme disposto no artigo 434 do Código de Processo Civil (CPC): "Art. 434. O réu apresentará contestação no prazo de 15 dias, contados da juntada do mandado cumprido ou do aviso de recebimento, salvo disposição em contrário." Ademais, quando intimada a informar o interesse em produzir novas provas a parte ré permaneceu inerte (Id. 467132133). A apresentação extemporânea de documento essencial para comprovar a defesa do vínculo associativo implica violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da CF). Não há nos autos justificativa plausível para o atraso. Ainda que este Juízo, excepcionalmente, considerasse a ficha de filiação, constata-se que a assinatura constante no documento diverge significativamente da assinatura habitual do autor nos demais documentos anexados aos autos. A assinatura apresentada aparenta ter sido produzida por meio de fonte digital ou computadorizada, conforme análise visual do perito judicial, o que, somado às reiteradas notícias e indícios de fraudes em descontos semelhantes envolvendo associações desse ramo, impõe a não consideração do referido documento como prova válida. Caberia a parte ré comprovar, tempestivamente, de forma mais contundente a filiação alegada ônus que não cumpriu. Ante ao exposto, considero a documentação acostada preclusa, em razão da sua apresentação extemporânea. DA INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA E DOS DESCONTOS INDEVIDOS Nos termos dos documentos que instruem a inicial, verifica-se que foram realizados descontos mensais no benefício previdenciário da parte autora, sem que tenha sido apresentada prova válida, cabal e idônea de sua anuência ou vinculação contratual com a parte ré. Frise-se que incumbia exclusivamente à parte ré, nos moldes do artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil, comprovar a existência da relação jurídica que supostamente legitimaria os descontos realizados. No entanto, não trouxe aos autos qualquer documento firmado pela autora ou mesmo prova da existência de vínculo jurídico legítimo com ela. A situação se agrava diante do fato de que os descontos decorreriam, conforme alegação genérica da ré, de vínculo com entidade associativa. Todavia, sequer foi comprovada a filiação da parte autora a tal associação, tampouco apresentada ficha de adesão, termo de autorização para desconto ou outro documento hábil a demonstrar consentimento expresso. A ausência de comprovação dessa filiação desconstitui a base fática e jurídica para qualquer cobrança ou retenção de valores no benefício da autora. Os descontos realizados  diretamente no benefício previdenciário da autora - verba de caráter alimentar e de natureza essencial - sem respaldo contratual ou autorização expressa, configuram ato ilícito, conforme previsto no artigo 186 do Código Civil: "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Ainda, o artigo 927 do Código Civil determina que aquele que causar dano a outrem é obrigado a repará-lo. A conduta da parte ré também afronta o princípio da boa-fé objetiva, que rege as relações jurídicas e impõe o dever de lealdade, transparência e correção nas condutas negociais. Ao proceder descontos sem prévia autorização ou comprovação de vínculo, a ré infringiu tal princípio, ensejando, além da restituição dos valores, a reparação do dano moral, em razão do abuso praticado. Portanto, os descontos efetuados indevidamente configuram violação de direito e ensejam reparação, inclusive com a devolução em dobro dos valores descontados, pois se trata de enriquecimento sem causa da parte ré, vedado pelo ordenamento jurídico (artigo 884 do Código Civil): "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores." Neste contexto, mostra-se evidente a inexistência de qualquer relação jurídica válida entre as partes, o que torna ilegítimos os descontos realizados. Diante disso, impõe-se o reconhecimento da nulidade dos descontos, bem como a condenação da parte ré à restituição em dobro dos valores indevidamente subtraídos, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicação é pacífica em situações como a dos autos, dada a evidente falha na prestação do serviço e a vulnerabilidade da parte consumidora. Por fim, a ausência de comprovação mínima da filiação ou autorização da parte autora para os descontos impõe o reconhecimento de que os lançamentos foram unilaterais, abusivos e ilegítimos, devendo ser declarada a inexistência da relação jurídica, com a consequente condenação da ré à restituição dos valores pagos indevidamente e à reparação dos danos causados. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Ainda que o ônus da prova recaia inicialmente sobre a ré, considerando-se a situação fática e a hipossuficiência técnica do autor em comprovar a origem e validade dos descontos, é razoável, nos termos do artigo 373, §1º, do CPC, inverter o ônus da prova, exigindo que a ré demonstre a existência da relação jurídica e a autorização expressa para os descontos. DA RESTITUIÇÃO EM DOBRO E DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA O autor pleiteia a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente de seu benefício previdenciário, alegando ausência de autorização para tais descontos. Embora o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) preveja a repetição em dobro de valores cobrados indevidamente, esta ação não versa sobre relação consumerista, mas sim relação cível entre particulares, razão pela qual o CDC não se aplica. No entanto, o ordenamento civil brasileiro também assegura a restituição em dobro em casos de enriquecimento sem causa, conforme artigo 884 do Código Civil: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores." Assim, considerando que os valores foram descontados sem autorização do autor, caracterizando ausência de justa causa, cabe a restituição em dobro, para evitar o enriquecimento ilícito da parte ré. No presente caso, foi apurada preliminarmente a quantia de R$ 346,02 (trezentos e quarenta e seis reais e dois centavos) relativa aos descontos do qual o autor teve conhecimento, ficando facultada a eventual retificação do valor. Ante ao exposto, condeno a parte ré a restituir, em dobro, os valores descontados indevidamente, nos termos do artigo 884 do Código Civil, com correção monetária pelo IPCA desde cada desconto e com incidência de juros legais de 1% ao mês a contar da citação. DOS DANOS MORAIS Os danos morais, independentemente de prejuízo material, ferem direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. Ressalta-se, no caso dos autos, a desnecessidade de prova do prejuízo. Noutros termos, o ato ilícito gera presunção juris tantum de ocorrência de danos morais, o que significa dizer que é impossível carrear aos autos de um processo provas materiais das diminuições que afrontaram a esfera psicológica da vítima, enfim, seria impossível amealhar aos autos lágrimas sofrimentos, sob a forma de provas documentais. A redação do art. 186 do CC estabelece que aquele, que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Entende-se por ato ilícito o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. É o ato que causa dano material ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo. Assim, possui efeitos jurídicos, só que estes não são desejados pelo agente, mas impostos por lei. A propósito dos danos morais, e acerca da sua valoração, já se averbou: "O que caracteriza o dano moral é a consequência de algum ato que cause dor, angústia, aflição física ou espiritual ou qualquer padecimento infligido à vítima em razão de algum evento danoso" (ANTÔNIO JEOVÁ SANTOS, "DANO MORAL INDENIZÁVEL", Editora Método, 3a ed., pág.116.). No campo do dano moral, há de se falar em reparação, em amenização, em distração, em sublimação da dor. Seu conteúdo é a dor, tanto a dor física, quanto a dor moral, o susto, a emoção, o espanto, o "stress", a mágoa, a ansiedade, a vergonha, etc., eventos não materiais, insuscetíveis de serem desfeitos, numa restitutio in integrum. O dinheiro possui valor permutativo, podendo de alguma forma, além de lenir a dor, representar também punição e desestímulo do ato ilícito. Destarte, a responsabilidade civil demanda a existência de conduta culposa ou dolosa, dano e nexo causal. O art. 927 do Código Civil estabelece que aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo, desde que comprovada a culpa ou o risco da atividade desenvolvida. A teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, via de regra, é a subjetiva, exigindo a demonstração da culpa do agente causador do dano. E, para o deferimento do pedido de indenização por danos morais, é necessário examinar a conduta do agente causador do fato, verificar a reprovabilidade do ato e sua potencialidade danosa em relação ao patrimônio imaterial da vítima, tudo com o objetivo de reprimir a prática de condutas que atinjam a honra, a imagem e outros direitos inerentes à personalidade. O dano moral não se confunde, pois, com o mero aborrecimento, que é inerente à vida cotidiana, e não enseja reparação financeira. O benefício previdenciário possui natureza alimentar, sendo fonte essencial para a subsistência do autor. Descontos indevidos nesse benefício causam sofrimento e angústia, configurando dano moral. O valor da indenização por danos morais deve ser fixado em quantia suficiente para cumprir sua função compensatória, punitiva e preventiva, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, a capacidade econômica das partes e o caráter pedagógico da condenação. Assim, condeno a parte ré a indenizar a parte autora por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo IPCA, na forma do art. 389, parágrafo único, do CPC. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ADELSON DE OLIVEIRA CABRAL em face da ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE CORRENTE DO BEM - ABCB, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: DECLARAR a inexistência de relação jurídica entre as partes que justifique os descontos realizados no benefício previdenciário do autor;CONDENAR a parte ré a restituir, em dobro, os valores descontados indevidamente, nos termos do artigo 884 do Código Civil, com correção monetária pelo IPCA desde cada desconto e com incidência de juros legais de 1% ao mês a contar da citação;CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com incidência de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária pelo IPCA a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ);DETERMINAR que cesse imediatamente os descontos indevidos realizados em favor da ré no benefício previdenciário do autor. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil. Intime-se. Cumpra-se. Salvador(BA), 12 de junho de 2025. Indira Fábia dos Santos Meireles Juíza de Direito 1VC09
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