Debora Santana Dos Santos x Banco Bradesco Sa
Número do Processo:
8102948-26.2024.8.05.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
EMBARGOS à EXECUçãO
Grau:
1º Grau
Órgão:
15ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 15ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR | Classe: EMBARGOS à EXECUçãOPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 15ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Processo: EMBARGOS À EXECUÇÃO n. 8102948-26.2024.8.05.0001 Órgão Julgador: 15ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR EMBARGANTE: DEBORA SANTANA DOS SANTOS Advogado(s): RENILDA MAGALHAES DOS SANTOS (OAB:BA43929), ANA PATRICIA DE OLIVEIRA SILVA (OAB:BA30208) EMBARGADO: BANCO BRADESCO SA Advogado(s): CLAUDIO KAZUYOSHI KAWASAKI (OAB:BA1110-A), MARIA JULIA RIBEIRO DINIZ DA HORA (OAB:BA67571), EZIO PEDRO FULAN (OAB:BA1089-A) SENTENÇA Trata-se de EMBARGOS À EXECUÇÃO C/C PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, ajuizados por DEBORA SANTANA DOS SANTOS em face do BANCO BRADESCO S.A, ambos devidamente qualificados nos autos (ID 455954300). Aduz a embargante, preliminarmente, a nulidade da citação, visto que o mandado foi entregue no endereço de sua mãe, com quem não convive em razão de conflitos familiares, sendo que apenas teve conhecimento da demanda em 25/08/2023, ao visitar ocasionalmente a genitora. Argumenta que tal falha comprometeu seu direito à ampla defesa e ao contraditório. Quanto ao mérito, reconhece a existência do contrato de financiamento firmado com o banco, originalmente no valor de R$ 9.221,51, posteriormente renegociado para R$ 124.327,68, a ser pago em 96 parcelas. Contudo, destaca que o valor renegociado é abusivo, configurando anatocismo e juros excessivos, além de representar um excesso de execução, pois considera desproporcional a elevação da dívida em tão curto espaço de tempo. A embargante também afirma estar em situação de superendividamento, com mais de 60% de sua renda líquida comprometida, o que compromete seu mínimo existencial. Nesse sentido, invoca a aplicação da Lei nº 14.181/2021, que disciplina o tratamento do superendividamento no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, requerendo a limitação dos descontos em folha a 30% de sua remuneração. Ao final, requer: a) a concessão da justiça gratuita; b) o reconhecimento da nulidade da citação com extinção da execução; c) o enquadramento como superendividada, com possibilidade de parcelamento do débito em condições viáveis; d) o reconhecimento do excesso de execução e remessa ao setor de cálculos para apuração do valor devido; e) a vedação de penhoras ou bloqueios com base no valor executado; e f) a condenação do banco ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Coligiu procuração e documentos (ID's 455954303/ 455954308). Proferido despacho inicial, deferindo os benefícios da justiça gratuita e determinando a intimação da parte embargada a manifestar-se (ID 456044851). O embargado sustenta, em síntese, a improcedência dos embargos à execução, argumentando que a embargante não impugnou os termos da execução, mas apenas alegou dificuldades financeiras e excesso do débito, sem apresentar fundamentos jurídicos ou probatórios relevantes. Por isso, requer a extinção dos embargos sem resolução do mérito. Contesta o pedido de justiça gratuita, afirmando que a autora não comprovou a hipossuficiência, como exige o art. 5º, LXXIV, da CF e o art. 98 do CPC. Defende que a simples alegação de insuficiência não é suficiente, sendo necessária comprovação objetiva. Rebate também a alegada nulidade da citação, sustentando que houve comparecimento espontâneo da embargante aos autos, o que suprime eventual vício na citação, conforme prevê o art. 239, §1º do CPC. No tocante à alegação de superendividamento, o banco alega que a embargante não atendeu aos requisitos dos arts. 104-A a 104-C do CDC, pois: não apresentou plano de pagamento; não incluiu todos os débitos e credores; não comprovou que a dívida compromete seu mínimo existencial. Ressalta que os contratos foram firmados por partes capazes, com objeto lícito, sendo válidos e exigíveis. Defende o princípio do pacta sunt servanda e a segurança jurídica, mencionando a inaplicabilidade da revisão contratual com base apenas em dificuldades financeiras genéricas. Quanto ao valor executado, afirma que está devidamente demonstrado, com planilhas e contratos anexados, sendo os valores já pagos devidamente descontados. Cita jurisprudência para sustentar que cédula de crédito bancário é título executivo extrajudicial válido e líquido (ID 460391704). Posteriormente, foi proferido despacho intimando a parte autora a pronunciar-se sobre a impugnação (ID 468362586). Na manifestação à impugnação apresentada pelo Banco Bradesco, a embargante reafirma os argumentos constantes dos embargos à execução. Inicialmente, defende a manutenção da justiça gratuita, argumentando que o benefício já foi concedido pelo juízo e deve perdurar por todo o curso do processo. Sustenta não ter condições financeiras de arcar com custas e honorários sem prejuízo à sua subsistência e, caso indeferido o benefício, requer o parcelamento nos termos do §6º do art. 98 do CPC. Reitera a nulidade da citação, alegando que só teve ciência da demanda em 25 de agosto de 2023, pois a citação foi realizada em endereço diverso de sua residência. Nega o comparecimento espontâneo e afirma que a ausência de citação válida compromete o exercício da ampla defesa e do contraditório, nos termos do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, razão pela qual requer a nulidade da citação e dos atos processuais posteriores. Argumenta estar em situação de superendividamento, nos termos do art. 54-A, §1º do Código de Defesa do Consumidor, conforme inserido pela Lei 14.181/2021. Sustenta que mais de 80% de sua renda líquida está comprometida com dívidas, o que inviabiliza sua sobrevivência e compromete o mínimo existencial. Informa que sua condição decorre de problemas de saúde, e não de má-fé, e apresenta contracheque comprovando os descontos mensais. Por isso, pleiteia a limitação dos descontos mensais a 20% de sua renda, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, como o REsp 1.237.112/RS. Aduz, ainda, que há excesso de execução, uma vez que a dívida originária de R$ 9.221,51 em 2020 foi majorada para R$ 124.327,68 em apenas um ano, o que considera abusivo e desproporcional. Requer o encaminhamento dos autos ao setor de cálculos para apuração do valor real do débito, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Por fim, cita o precedente do STJ (REsp 1.330.567/RS, relatoria da Ministra Nancy Andrighi) que admite a revisão de contratos, inclusive aqueles com confissão de dívida, em sede de embargos à execução. Ao final, requer a rejeição da impugnação do banco e o acolhimento integral dos embargos, com reconhecimento da nulidade da citação, da condição de superendividamento, do excesso na execução e a consequente limitação dos descontos salariais (ID 472336269). Foi determinada a intimação das partes a manifestarem-se sobre eventual produção de provas ou acerca do julgamento do processo no estado em que se encontra (ID 483786210). A parte ré assinalou a desnecessidade de produção probatória, requerendo o prosseguimento do feito (ID 485790237). Similarmente, a parte autora reiterou a necessidade de aplicação da lei do superendividamento, requerendo o pedido de que os descontos não ultrapassem o limite de 30% de seus rendimentos (ID 494457079). Adensou documentação (ID's 494457080/ 494457081). É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR. DAS PRELIMINARES: Inicialmente, o embargado impugna a concessão da justiça gratuita à embargante, sustentando que não foi comprovada a hipossuficiência exigida pelo art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal e pelo art. 98 do Código de Processo Civil, defendendo que a simples alegação de insuficiência não é suficiente, sendo necessária comprovação objetiva. Contudo, a impugnação não merece acolhimento. A embargante demonstrou sua condição de hipossuficiência, especialmente através do contracheque adensado ao ID 455954305, o qual evidencia o comprometimento de mais de 80% de sua renda líquida com dívidas. Além disso, comprovou estar enfrentando problemas de saúde que agravaram sua situação financeira, conforme documentação médica juntada ao ID 455954308. A presunção de veracidade da declaração de pobreza, prevista no art. 99, §3º do CPC, não foi elidida pelo impugnante, que se limitou a alegações genéricas sem apresentar prova em contrário. Assim, mantenho a concessão da justiça gratuita. A embargante alega nulidade da citação, sustentando que o mandado foi entregue no endereço de sua mãe, com quem não convive, e que apenas teve conhecimento da demanda em 25/08/2023. Contudo, o argumento não merece prosperar. Conforme estabelece o art. 239, §1º do Código de Processo Civil, "a nulidade da citação fica sanada quando o réu comparece espontaneamente aos autos". No caso em análise, a embargante ajuizou os presentes embargos à execução, comparecendo espontaneamente ao processo, o que sana eventual vício na citação. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica neste sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. ADVOGADO SEM PODERES ESPECÍFICOS. CITAÇÃO SUPRIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO . 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, independentemente da existência de procuração com poderes específicos, o comparecimento espontâneo do réu aos autos supre a ausência ou a nulidade da citação. Incidência da Súmula n. 83/STJ . 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1709915 CE 2017/0292182-2, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 10/04/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/04/2018). DO MÉRITO: Quanto ao mérito, a Lei nº 14.181/2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, trouxe importantes inovações no ordenamento jurídico brasileiro. O art. 54-A, §1º do CDC define o superendividamento como "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, quitar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial". No caso em análise, a embargante demonstrou documentalmente que possui mais de 80% de sua renda líquida comprometida com dívidas, conforme se verifica dos contracheques juntados aos autos. Tal situação evidencia a impossibilidade manifesta de quitar suas obrigações sem comprometer o mínimo existencial, configurando o estado de superendividamento. A embargante comprovou ainda que sua situação decorre de problemas de saúde, demonstrando a boa-fé exigida pela lei, sendo que os documentos médicos acostados aos autos corroboram suas alegações quanto às dificuldades enfrentadas. O art. 104-A do CDC, introduzido pela Lei nº 14.181/2021, estabelece que "a pedido do consumidor pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no tribunal". Embora a embargante não tenha requerido formalmente a instauração do processo de repactuação e conquanto não seja possível aplicar o instituto nesta vai incidental sem a devida observância do procedimento e da presença de todos os credores, a situação demonstrada nos autos autoriza a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da preservação do mínimo existencial. Adensa-se fração de julgamento: "1. A Corte Especial do STJ tem entendimento de que há possibilidade de mitigação da impenhorabilidade absoluta da verba salarial, desde que preservada a dignidade do devedor e observada a garantia de seu mínimo existencial. Precedentes: AgInt no REsp 1847503/PR e REsp 1705872/RJ."Acórdão 1326665, 07483276520208070000, Relator: ALFEU MACHADO, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 10/3/2021, publicado no DJE: 26/3/2021. Considerando que a embargante tem mais de 80% de sua renda comprometida, é razoável limitar os descontos a 30% de seus rendimentos líquidos, preservando assim o mínimo existencial. Quanto ao alegado excesso de execução, a embargante sustenta haver tal vício, uma vez que a dívida originária de R$ 9.221,51 foi majorada para R$ 124.327,68 em aproximadamente um ano. Contudo, não se pode falar em excesso de execução sem a devida impugnação específica dos cálculos apresentados pelo exequente. A embargante reconhece expressamente a existência do contrato de financiamento e sua posterior renegociação, não havendo elementos suficientes nos autos para caracterizar abusividade ou anatocismo. A mera alegação de que o valor é desproporcional, sem a apresentação de cálculos alternativos ou demonstração específica de irregularidades, não é suficiente para caracterizar o excesso de execução. O título executivo apresentado pelo banco nos autos associados, qual seja, cédula de crédito bancário, é líquido, certo e exigível (ID's 380171217/ 380168904). Diante do exposto, os embargos à execução merecem parcial procedência, apenas para determinar a limitação dos descontos em folha de pagamento, preservando-se assim seu mínimo existencial, mantendo-se, contudo, o prosseguimento da execução quanto ao valor executado. Isto posto, julgo parcialmente procedentes os embargos à execução opostos por Debora Santana dos Santos contra Banco Bradesco S.A, para: a) rejeitar a preliminar de nulidade da citação, por ter sido sanada pelo comparecimento espontâneo da embargante; b) determinar que os descontos em folha de pagamento da embargante ficam limitados a 30% (trinta por cento) de seus rendimentos líquidos mensais, até a integral quitação do débito; c) manter o prosseguimento da execução quanto ao valor executado, por não restar configurado excesso de execução. Em razão da sucumbência recíproca, cada parte arcará com metade das custas processuais. No que tange aos honorários advocatícios, arbitro-os em 15% (-) sobre valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, determinando o pagamento de 50% (-) de tal quantia, pela parte autora ao patrono da empresa requerida, bem como o pagamento de 50% (-) do montante pela parte embargada ao advogado da embargante, suspendendo-se a exigibilidade da cobrança em relação à embargantes, nos termos do §3º, do art. 98 do CPC. P. I. Transitada em julgado, arquivem-se os autos com baixa. Salvador, 29 de junho de 2025. Carla Carneiro Teixeira Ceará Juíza de Direito