Addyson Carlos Soares Barreto e outros x Azul Linhas Aereas Brasileiras S.A.
Número do Processo:
8158116-13.2024.8.05.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
Última atualização encontrada em
17 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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17/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELVistos. Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais ajuizada por A. G. L. S. (MENOR), neste ato representado por seu genitor, ADDYSON CARLOS SOARES BARRETO, em face de AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S.A., todos devidamente qualificados nos autos. Narra a parte autora, em sua petição inicial (ID 471050499), que adquiriu passagens aéreas da companhia ré para si e sua família, para o trecho Salvador/BA - Navegantes/SC, com ida em 10/09/2024 e volta programada para 16/09/2024 (ID 471050504). Sustenta que a viagem de lazer foi frustrada por uma série de alterações unilaterais e negligentes por parte da ré. Aduz que, em 10 de setembro de 2024, o voo de ida foi alterado, causando prejuízos ao planejamento. Posteriormente, em 12 de setembro, o voo de volta, originalmente marcado para 16/09/2024 às 12h20min, foi remarcado para as 21h do mesmo dia. A situação se agravou em 14 de setembro, quando o voo de retorno foi novamente alterado, desta vez para o dia 17/09/2024, com chegada em Salvador prevista apenas para as 02h da madrugada. Afirma que tal alteração o impossibilitaria de participar de uma prova escolar importante, agendada para o dia 17/09/2024 (ID 471055414). Em razão disso, alega ter sido forçado a estender sua estada, arcando com custos extras de hospedagem no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) (IDs 471055412 e 471055413), alimentação no valor de R$ 247,50 (duzentos e quarenta e sete reais e cinquenta centavos), e a taxa de R$ 129,90 (cento e vinte e nove reais e noventa centavos) para a realização da segunda chamada da prova (ID 471055415). Relata que, após inúmeras tentativas de contato (ID 471055410 e 471055411), conseguiu ser realocado em um voo da companhia Gol no dia 17/09/2024, chegando a Salvador às 22h05min (ID 471050505), mas que a ré não ofereceu assistência material adequada durante o período. Pleiteia, assim, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 677,40 (seiscentos e setenta e sete reais e quarenta centavos) e danos morais no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Com a inicial, juntou documentos, incluindo comprovantes de compra das passagens, comunicações de alteração de voo, comprovante da prova escolar e notas fiscais das despesas extras. Decisão de ID 471228089 deferiu a gratuidade de justiça e determinou a citação da ré. Devidamente citada, a ré apresentou contestação (ID 474235458), arguindo, em sede preliminar, a falta de interesse de agir e impugnando o pedido de gratuidade de justiça. No mérito, sustentou que as alterações ocorreram por necessidade de adequação da malha aérea, um procedimento regular e permitido. Afirmou ter cumprido com o dever de informação, comunicando as mudanças com antecedência, conforme Resolução 400 da ANAC, e que os autores aceitaram as alterações. Alegou a inexistência de ato ilícito e de danos morais indenizáveis, defendendo a aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica em detrimento do CDC. Por fim, impugnou os danos materiais, argumentando que não há prova do nexo causal. Requereu o acolhimento das preliminares ou a total improcedência dos pedidos. Em petição posterior (ID 480720427), complementou a contestação com telas sistêmicas. A parte autora apresentou réplica (ID 478774310), rechaçando as preliminares e reiterando os termos da inicial. Argumentou que a responsabilidade da ré é objetiva, que a alteração da malha aérea constitui fortuito interno e que a falta de assistência material, especialmente a um menor, configura o dano moral in re ipsa. O Ministério Público manifestou-se pela sua intervenção no feito, em razão da menoridade do autor, requerendo vista dos autos após as manifestações das partes (ID 471524214). Instadas a indicar provas, a parte ré requereu o julgamento antecipado (ID 493265204), e a parte autora pugnou pelo mesmo (ID 499090738). O Ministério Público apesentou manifestação (ID 486380917). É o breve relatório. DECIDO. I - DAS QUESTÕES PRELIMINARES Da Falta de Interesse de Agir A ré suscita a preliminar de falta de interesse de agir, ao argumento de que não houve pretensão resistida na via administrativa. Tal preliminar não merece acolhimento. O ordenamento jurídico pátrio, em seu art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição, não se exigindo o prévio esgotamento da esfera administrativa para o ajuizamento de ação judicial. O interesse processual se configura a partir do momento em que a parte ré, em juízo, resiste à pretensão autoral, o que de fato ocorreu com a apresentação da contestação que refuta o mérito do pedido. Ademais, os documentos de IDs 471055410 e 471055411 demonstram a tentativa frustrada do genitor do autor em solucionar a questão diretamente com a companhia aérea, o que evidencia a necessidade da tutela jurisdicional. Assim, rejeito a preliminar. Da Impugnação à Gratuidade de Justiça A ré impugna, de forma genérica, o benefício da gratuidade de justiça concedido à parte autora. Contudo, não traz aos autos qualquer elemento concreto capaz de afastar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência firmada, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 99, §3º, do CPC. A mera alegação de que a parte autora poderia arcar com as custas, sem qualquer substrato probatório, não é suficiente para revogar o benefício. Portanto, rejeito a impugnação e mantenho a gratuidade de justiça deferida. II - DO MÉRITO O feito comporta julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que a matéria controvertida é eminentemente de direito e os fatos relevantes encontram-se suficientemente comprovados pelos documentos acostados aos autos, sendo desnecessária a produção de outras provas, conforme, inclusive, requerido por ambas as partes. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por se tratar de contrato de transporte aéreo. A responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, ou seja, independe da demonstração de culpa, bastando a comprovação do defeito na prestação do serviço, do dano e do nexo de causalidade, conforme preceitua o art. 14 do CDC. A controvérsia central reside em verificar se as sucessivas alterações e o cancelamento do voo de retorno configuram falha na prestação do serviço e se os transtornos decorrentes são passíveis de indenização por danos materiais e morais. A ré fundamenta sua defesa na tese de que as alterações decorreram da readequação da malha aérea, fato que, segundo ela, afastaria sua responsabilidade. Tal argumento, contudo, não prospera. A readequação da malha aérea, problemas operacionais ou manutenção de aeronaves são eventos inerentes ao risco da atividade empresarial de transporte aéreo, configurando o que a doutrina e a jurisprudência denominam de fortuito interno. Como tal, não tem o condão de romper o nexo de causalidade e, por conseguinte, não exclui a responsabilidade da companhia aérea perante o consumidor. Nesse sentido, é o entendimento pacífico do Tribunal de Justiça: "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CANCELAMENTO DE VOO - ALTERAÇÃO DE MALHA AÉREA - FORTUITO INTERNO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPRESA AÉREA - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - QUANTUM - PREVALÊNCIA A responsabilidade das companhias aéreas por cancelamentos e atrasos de voo é objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Remarcação de voo pautada em alegação vazia de alteração da malha aérea com repercussão nociva direta na viagem programa pelos consumidores adquirentes constitui falha na prestação do serviço de transporte a ensejar ilícito indenizável nas esferas material e moral. O arbitramento da indenização por dano moral deve considerar circunstâncias fáticas e repercussão do ato ilícito, condições pessoais das partes, razoabilidade e proporcionalidade . A falta de excesso na quantificação impede redimensionamento da cifra arbitrada. (TJ-MG - Apelação Cível: 52894341620238130024, Relator.: Des.(a) Marcelo Pereira da Silva, Data de Julgamento: 04/09/2024, Câmaras Cíveis / 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 05/09/2024)" Ademais, a Resolução nº 400/2016 da ANAC, embora estabeleça a possibilidade de alteração programada do voo pelo transportador, impõe a este o dever de prestar informação e assistência material ao passageiro. O art. 27 da referida norma é claro ao dispor que a assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro gratuitamente, incluindo comunicação, alimentação e hospedagem, conforme o tempo de espera. No caso em tela, os documentos carreados aos autos (IDs 471050506, 471050507, 471050508) demonstram as sucessivas e significativas alterações no voo de retorno, que culminaram na postergação da viagem em mais de 24 horas e com previsão de chegada de madrugada, o que prejudicaria um compromisso escolar inadiável do autor, um menor de idade. A ré, ao contestar, não logrou êxito em comprovar que prestou a devida assistência material ao autor e sua família, como fornecimento de hospedagem e alimentação, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, II, do CPC, e do art. 6º, VIII, do CDC. A simples oferta de opções de reacomodação ou cancelamento não exime a empresa de sua obrigação de prestar assistência diante do cancelamento e atraso significativo que ela mesma provocou. A falha na prestação do serviço é, portanto, manifesta, não apenas pelas alterações em si, mas principalmente pelo desamparo ao consumidor, que se viu forçado a arcar com despesas extras e a buscar, por conta própria, uma solução para retornar a tempo de seu compromisso. Dos Danos Materiais Os danos materiais pleiteados pela parte autora estão devidamente comprovados nos autos e guardam nexo de causalidade direto com a conduta da ré. A necessidade de arcar com diárias extras de hotel (R$ 300,00 - IDs 471055412 e 471055413), custos adicionais de alimentação (R$ 247,50 - valor não impugnado especificamente e compatível com a situação) e o pagamento da taxa para realização da segunda chamada da prova (R$ 129,90 - ID 471055415), que o autor só precisou fazer devido ao risco de não chegar a tempo para a avaliação original, são prejuízos que devem ser ressarcidos integralmente. Nesse sentido: "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - VOO - ATRASO - TRÁFEGO INTENSO - FORTUITO INTERNO - DEVER INDENIZATÓRIO - DANO MATERIAL - COMPROVAÇÃO - DANO MORAL - ADEQUAÇÃO. [...] Os danos materiais efetivamente comprovados devem ser indenizados pela causadora do dano - A falha na prestação de serviços da empresa aérea que resulta atraso no voo, considerado no conjunto dos fatos, reverbera no patrimônio imaterial dos consumidores [...]. (TJ-MG - AC: 10000220973226001 MG, Relator.: Joemilson Donizetti Lopes (JD Convocado), Data de Julgamento: 11/08/2022, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/08/2022)" O valor total de R$ 677,40 (seiscentos e setenta e sete reais e quarenta centavos) deve, portanto, ser restituído. Dos Danos Morais O dano moral, na hipótese de cancelamento de voo, tem sido entendido pela jurisprudência majoritária como in re ipsa, ou seja, decorre do próprio fato, prescindindo de prova do prejuízo. A situação vivenciada pela parte autora ultrapassa, em muito, o mero aborrecimento ou dissabor cotidiano. A frustração da legítima expectativa de uma viagem de lazer, a incerteza, o descaso e o estresse gerado pelas sucessivas alterações, a longa espera e a necessidade de reorganizar toda a logística da viagem de volta, somados à angústia de perder um compromisso escolar importante, configuram ofensa a direitos da personalidade, como a tranquilidade, a honra e a dignidade. A condição de vulnerabilidade do autor, por ser menor de idade, agrava a situação e exige um zelo ainda maior por parte do fornecedor, o que não ocorreu. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que a falha na prestação de serviço de transporte aéreo que envolve menor de idade enseja a condenação por danos morais. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPANHIA AÉREA . CONTRATO DE TRANSPORTE. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MORAIS . ATRASO DE VOO. SUPERIOR A QUATRO HORAS. PASSAGEIRO DESAMPARADO. PERNOITE NO AEROPORTO . ABALO PSÍQUICO. CONFIGURAÇÃO. CAOS AÉREO. FORTUITO INTERNO . INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Cuida-se de ação por danos morais proposta por consumidor desamparado pela companhia aérea transportadora que, ao atrasar desarrazoadamente o voo, submeteu o passageiro a toda sorte de humilhações e angústias em aeroporto, no qual ficou sem assistência ou informação quanto às razões do atraso durante toda a noite. 2 . O contrato de transporte consiste em obrigação de resultado, configurando o atraso manifesta prestação inadequada. 3. A postergação da viagem superior a quatro horas constitui falha no serviço de transporte aéreo contratado e gera o direito à devida assistência material e informacional ao consumidor lesado, independentemente da causa originária do atraso. 4 . O dano moral decorrente de atraso de voo prescinde de prova e a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro. 5. Em virtude das especificidades fáticas da demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) . 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1280372 SP 2011/0193563-5, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 07/10/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2014)" Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a capacidade econômica das partes, a extensão do dano e o caráter pedagógico-punitivo da medida, a fim de compensar o ofendido pelo abalo sofrido e desestimular a reiteração da conduta ilícita pelo ofensor, sem, contudo, gerar enriquecimento ilícito. Considerando as circunstâncias do caso, especialmente as múltiplas alterações de voo, a ausência de assistência material adequada e a aflição causada pela iminente perda de um compromisso escolar por um menor de idade, entendo razoável a fixação da indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). DISPOSITIVO Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, para: CONDENAR a ré, ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 677,40 (seiscentos e setenta e sete reais e quarenta centavos), a ser corrigido monetariamente pelo IPCA a partir de cada desembolso (Súmula 43 do STJ) e acrescido de juros de mora de acordo com a Taxa Selic deduzido o IPCA, nos termos dos arts. 389, parágrafo único, e 406 do Código Civil (com a redação da Lei 14.905/2024), a contar da citação (art. 405, CC). CONDENAR a ré, ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de mora de acordo com a Taxa Selic deduzido o IPCA, a contar da citação (art. 405, CC) até a data desta sentença, momento a partir do qual incidirá apenas a Taxa Selic de forma integral, que já engloba os juros de mora e a correção monetária devida a contar do arbitramento (Súmula 362 do STJ). Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 85, §2º, e art. 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Transitada em julgado, não havendo requerimentos, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Salvador, 13 de junho de 2025. Fábio Alexsandro Costa Bastos Juiz de Direito Titular