Joselino Trindade Nogueira Sacerdote x Banco Agibank S.A
Número do Processo:
8162823-24.2024.8.05.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
Última atualização encontrada em
13 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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13/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8162823-24.2024.8.05.0001 Órgão Julgador: 11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR AUTOR: JOSELINO TRINDADE NOGUEIRA SACERDOTE Advogado(s): CAIO JACOBINA RIBEIRO SANTANA (OAB:BA83326) REU: BANCO AGIBANK S.A Advogado(s): DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA (OAB:MS6835) SENTENÇA Vistos. JOSELINO TRINDADE NOGUEIRA SACERDOTE, por meio de advogado constituído, ajuizou AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE RESERVA DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA ANTECIPADA em face de BANCO AGIBANK S.A. A parte autora alegou, em síntese, ser beneficiário da previdência social e que contraiu empréstimo na modalidade consignação em folha junto ao banco réu, através do contrato nº 1506612992, datado de 20/01/2023, no valor aproximado de R$ 1.609,20, com parcelas mensais de R$ 60,60. Sustentou que somente após os descontos iniciarem descobriu tratar-se de cartão de crédito consignado na modalidade RCC - Reserva de Cartão Consignado, diversa do empréstimo consignado comum que pretendia contratar. Argumentou que não foi devidamente informado sobre aspectos essenciais do contrato, como quantidade de parcelas, taxa de juros aplicada e data da última parcela, caracterizando vício de consentimento e violação ao dever de informação. Alegou que a modalidade RCC gera dívida sem termo final definido, com rolagem do saldo devedor por meio de crédito rotativo com juros abusivos. Requereu a declaração de nulidade da contratação, restituição em dobro dos valores descontados no montante de R$ 2.787,60, liberação da reserva de margem consignável de 5%, suspensão dos descontos e indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Subsidiariamente, pleiteou a conversão para empréstimo consignado tradicional. Foi deferida a tutela antecipada, através da decisão de ID 485657341, determinando a suspensão dos descontos referentes ao contrato RCC sob pena de multa diária de R$ 500,00. Devidamente citado, o banco réu apresentou contestação sob ID 481649607, suscitando preliminarmente: falta de comprovação de pedido administrativo prévio; conexão com processo nº 8120528-06.2023.8.05.0001; e impugnação ao pedido de justiça gratuita. No mérito, defendeu a legalidade da contratação digital realizada mediante biometria facial em conformidade com a Instrução Normativa INSS nº 138/2022. Sustentou que o contrato foi celebrado de forma válida via teleatendimento com autenticação biométrica, sendo a parte autora devidamente informada sobre a modalidade de cartão de crédito consignado. Argumentou que o produto RCC é legal e regulamentado pela Lei 10.820/2003 e pela IN 138/2022 do INSS, permitindo o desconto de 5% da margem consignável para pagamento mínimo da fatura. Juntou documentação comprobatória da contratação, incluindo termo de adesão, biometria facial e autenticações mecânicas. A parte autora apresentou réplica sob ID 487221762, rejeitando as preliminares e reiterando que nunca negou a relação contratual, mas questionou a abusividade dos encargos que tornam a dívida impagável, uma vez que as parcelas pagas não abatem o saldo devedor. Manteve os pedidos iniciais. Através do despacho de ID 491632125, as partes foram intimadas para se manifestarem sobre provas a produzir. Ambas as partes manifestaram-se pelos IDs 493547834 e 494668679, informando não possuírem interesse na produção de novas provas e requerendo o julgamento antecipado da lide. É o relatório. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA Procedo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC, tendo em vista que a matéria é eminentemente documental e as partes expressamente manifestaram desinteresse na produção de outras provas, estando os autos suficientemente instruídos para o julgamento. Das Preliminares Rejeito a preliminar de falta de pedido administrativo prévio, uma vez que não se trata de condição para o exercício do direito de ação, configurando a exigência ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Quanto à alegada conexão, não vislumbro sua ocorrência, pois embora envolvam as mesmas partes, os contratos discutidos são distintos, não havendo identidade de objeto ou causa de pedir que justifique a reunião dos processos. Mantenho o deferimento da gratuidade de justiça já concedida, diante da ausência de elementos que afastem a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos apresentada pelo autor. Do Mérito A controvérsia central reside em verificar se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, e se há necessidade de adequação do negócio jurídico para melhor atender aos interesses das partes. A relação jurídica estabelecida entre as partes enquadra-se nas definições de consumidor e fornecedor previstas nos arts. 2º e 3º do CDC, configurando típica relação de consumo. A aplicabilidade do CDC às instituições financeiras está consolidada na Súmula 297 do STJ. Da Validade da Contratação e Falha Informacional O banco réu demonstrou, através da documentação apresentada, que a contratação foi realizada mediante procedimento digital em plena conformidade com a legislação vigente, com utilização de biometria facial e apresentação de documentos pessoais, seguindo os parâmetros da Instrução Normativa INSS nº 138/2022. Embora o termo de adesão indique claramente tratar-se de "CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BENEFÍCIO", verifica-se que a diferenciação entre empréstimo consignado tradicional e cartão consignado RCC pode gerar confusão ao consumidor comum, especialmente considerando que ambos envolvem descontos consignados e são oferecidos ao mesmo público-alvo. A análise dos autos revela que houve falha no dever de informação clara e ostensiva sobre as diferenças essenciais entre as modalidades, particularmente quanto ao fato de que no RCC o desconto mensal corresponde apenas ao pagamento mínimo da fatura, não amortizando necessariamente o principal, diferentemente do empréstimo consignado tradicional onde cada parcela reduz efetivamente o saldo devedor. O art. 54-D da Lei 14.181/21 estabelece expressamente que na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor deverá "informar e esclarecer adequadamente o consumidor sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento". Da Inadequação do Produto Contratado Embora o produto RCC seja legal e regulamentado, no caso concreto, verifica-se que não atende adequadamente à necessidade do consumidor, que buscava crédito com parcelas fixas e prazo determinado para quitação, característicos do empréstimo consignado tradicional. A modalidade RCC, com seus encargos rotativos e ausência de prazo definido para quitação, mostra-se inadequada ao perfil e à capacidade financeira de consumidor aposentado que depende exclusivamente do benefício previdenciário para sua subsistência. Da Conversão do Contrato Considerando que houve falha informacional na contratação, mas não vício que anule completamente o negócio jurídico, e tendo em vista o pedido subsidiário de conversão formulado pelo autor, a solução mais adequada é a readequação do contrato para a modalidade de empréstimo consignado tradicional. Esta medida atende ao princípio da conservação dos negócios jurídicos e harmoniza os interesses das partes, permitindo que o banco receba seu crédito através de modalidade menos onerosa ao consumidor. O Tribunal de Justiça da Bahia já decidiu em caso análogo: "A modalidade de empréstimo denominada 'Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC', ao invés de trazer benefícios aos que a utilizam, acaba por gerar transtornos graves constantes num endividamento progressivo e insolúvel, sendo necessária a readequação do negócio jurídico" (TJBA, APL: 80813323420208050001, Terceira Câmara Cível). Da Configuração de Danos Morais A falha informacional e a inadequação do produto contratado, que gerou descontos perpétuos no benefício previdenciário do autor sem efetiva amortização do principal, causaram transtornos que ultrapassam o mero aborrecimento, atingindo a dignidade do consumidor idoso e aposentado. Considerando as circunstâncias do caso, a função pedagógica da indenização e os precedentes do TJBA, fixo a indenização por danos morais em R$ 1.000,00 (dez mil reais), valor adequado para reparar o dano sem gerar enriquecimento sem causa. Da Repetição de Indébito Quanto à repetição de valores, deve ser considerado que o autor efetivamente recebeu o crédito contratado. Todavia, na liquidação da sentença, deverão ser recalculados os valores pagos, aplicando-se as condições de empréstimo consignado tradicional (com taxa de juros e prazo típicos desta modalidade), procedendo-se à restituição simples da eventual diferença a maior paga pelo consumidor. Não há má-fé comprovada que justifique a repetição em dobro, aplicando-se a restituição na forma simples, conforme art. 876 do Código Civil. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO, POR SENTENÇA, PARCIALMENTE PROCEDENTES, os pedidos formulados por JOSELINO TRINDADE NOGUEIRA SACERDOTE em face de BANCO AGIBANK S.A., para: CONVERTER o contrato de cartão de crédito consignado RCC nº 1506612992 em empréstimo consignado tradicional, com as seguintes características: a) valor principal de R$ 1.609,20; b) taxa de juros máxima de 2,14% ao mês (taxa média de mercado para empréstimo consignado INSS); c) prazo de 72 meses; d) parcelas mensais fixas que amortizem efetivamente o saldo devedor; DETERMINAR que o banco réu proceda ao recálculo de todos os valores pagos pelo autor desde a contratação, aplicando as condições do empréstimo consignado tradicional ora estabelecidas; CONDENAR o banco réu à restituição simples da eventual diferença a maior paga pelo autor, a ser apurada em liquidação de sentença, com correção monetária pelo INPC desde cada pagamento e juros de mora pela taxa Selic a partir da citação; CONDENAR o banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária pelo INPC e juros de mora pela taxa Selic, ambos a partir desta data; TORNAR DEFINITIVA a tutela antecipada concedida, determinando a manutenção da suspensão dos descontos, até que seja implementada a conversão contratual ora determinada, quando os descontos poderão ser retomados nas condições do empréstimo consignado tradicional; JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de anulação do contrato, repetição em dobro e liberação da margem consignável. Condeno o banco réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, considerando a maior sucumbência da parte ré. Para fins de correção monetária e juros de mora, aplicam-se as disposições da Lei 14.905/24, utilizando-se a taxa Selic acumulada mensalmente, convertida para taxa mensal. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Salvador - BA, 06 de junho de 2025. Fábio Alexsandro Costa Bastos Juiz de Direito Titular