1. Gerson Renan Correa Rodrigues (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado Do Rio Grande Do Sul (Recorrido)
ID: 332789917
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 5031434-48.2023.8.21.0003
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Advogados:
LAÍS MAUER DE SIQUEIRA
OAB/RS XXXXXX
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CAROLINA VÊBER PEREIRA DE SOUZA FERNANDES
OAB/RS XXXXXX
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REsp 2211211/RS (2025/0156835-4)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
RECORRENTE
:
GERSON RENAN CORREA RODRIGUES
ADVOGADOS
:
CAROLINA VÊBER PEREIRA DE SOUZA FERN…
REsp 2211211/RS (2025/0156835-4)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
RECORRENTE
:
GERSON RENAN CORREA RODRIGUES
ADVOGADOS
:
CAROLINA VÊBER PEREIRA DE SOUZA FERNANDES - RS115708
LAÍS MAUER DE SIQUEIRA - RS134742
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por GERSON RENAN CORREA RODRIGUES contra acórdão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (e-STJ fls. 172-173):
EMBARGOS INFRINGENTES. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL. RECHAÇADA. EXISTÊNCIA DE MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS DE AUTORIA. DISSIDÊNCIA RECHAÇADA. PREVALÊNCIA DO VOTO PROCLAMADO PELA MAIORIA.
I. Caso em Exame: 1. Embargos infringentes opostos por G.R.C.R. contra decisão não unânime exarada pela Colenda Terceira Câmara Criminal no julgamento de recurso em sentido estrito no qual, por maioria, os eminentes julgadores rejeitaram a preliminar suscitada e, no mérito, negaram provimento aos recursos dos réus, vencido o eminente Juiz de Direito Leandro Augusto Sassi, que votou por acolher a preliminar de nulidade do reconhecimento fotográfico e, no mérito, por dar provimento aos recursos, a fim de despronunciar os réus.
II. Questão em Discussão:
2. Se válido o reconhecimento fotográfico realizado em sede policial;
3. Se há prova da materialidade e indícios de autoria para a manutenção da pronúncia;
III. Razões de Decidir:
4. Em que pese a testemunha J.L. não ter sido ouvida em sede judicial, já que não encontrada, declarou, em sede policial, que foram RICARDO e GERSON, seus conhecidos, os autores do delito. Deve-se levar em conta a fidedignidade da colheita da prova inquisitorial, na medida em que 1) a testemunha declarou de forma livre os fatos e sua autoria, em depoimento registrado em vídeo; 2) o reconhecimento fotográfico foi efetuado posteriormente ao depoimento, onde, mostradas fotografias dos acusados, J.L declarou que os reconhecia com absoluta certeza (sobretudo considerando que já os conhecia previamente); e 3) após diligências realizadas pela autoridade policial no local dos fatos, obtidas as imagens das câmeras de monitoramento, é possível perceber que dois indivíduos se aproximam da vítima e efetuam os disparos de arma de fogo, conforme relatado por J.L em seu depoimento, o qual, inclusive, se identifica como um dos ciclistas que aparece nas imagens.
5. O procedimento adotado pela polícia constituiu-se, na verdade, em etapa de identificação e reconhecimento dos acusados já conhecidos da testemunha e não propriamente no reconhecimento de pessoas previsto na legislação processual penal. Precedentes.
6. A vedação do 155 do Código de Processo Penal não afasta a possibilidade de o juiz utilizar as provas produzidas no inquérito policial para pronunciar o réu, desde que não as utilize de forma exclusiva. E, no caso, todos os elementos informativos colhidos na investigação foram corroborados na fase judicial pelos depoimentos coerentes e detalhados do Delegado de Polícia Edimar Machado de Souza e do Policial Civil Renato Silveira Jeremias Júnior, que participaram da investigação e confirmaram os elementos de autoria necessários à pronúncia.
7. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando a decisão de pronúncia se lastrear em outros elementos probatórios, descabe falar em nulidade do reconhecimento fotográfico
IV. Dispositivo: EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS.
Teses de julgamento: 1. "Quando a decisão de pronúncia se lastrear em outros elementos probatórios, descabe falar em nulidade do reconhecimento fotográfico"; 2. "A vedação do 155 do Código de Processo Penal não afasta a possibilidade de o juiz utilizar as provas produzidas no inquérito policial para pronunciar o réu, desde que não as utilize de forma exclusiva.".
Consta dos autos que o recorrente foi pronunciado como incurso nas sanções dos artigos 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, e impronunciado da prática do delito tipificado no art. 288, parágrafo único, do Código Penal. Irresignado com a sentença de pronúncia, o recorrente interpôs recurso em sentido estrito perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou provimento ao recurso, mantendo a pronúncia do acusado.
No recurso especial, o recorrente sustenta violação aos arts. 226, 155, 413, 414 do Código de Processo Penal e 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, alegando nulidade do reconhecimento fotográfico realizado em sede policial, por inobservância das formalidades legais, e que a pronúncia se baseou exclusivamente em elementos informativos colhidos no inquérito policial, inexistindo prova judicializada suficiente para a submissão do recorrente ao Tribunal do Júri. Requer o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima, por entender ausentes elementos probatórios mínimos para suas configurações. Requer o provimento do recurso para que seja reconhecida a nulidade do reconhecimento fotográfico e a impronúncia do acusado, ou, subsidiariamente, o afastamento das qualificadoras (e-STJ fls. 179-201).
O recurso foi admitido pela Corte de origem (e-STJ fls. 246-255).
Contrarrazões apresentadas (e-STJ fls. 207-242).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 267-275):
Recurso especial. Direito penal e processual penal. Homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal). Pronúncia. Alegação de nulidade do reconhecimento fotográfico (art. 226 do CPP). Inocorrência. Procedimento realizado em fase inquisitorial. Testemunha que já conhecia previamente o acusado. Ato corroborado por outros elementos de prova. Ausência de demonstração de prejuízo concreto (pas de nullité sans grief). Precedentes do STJ. Arguição de violação ao art. 155 do CPP. Pronúncia supostamente baseada apenas em dados informativos: não verificação. Existência de elementos judicializados, ainda que indiretos, que corroboram a prova inquisitorial. Indícios suficientes de autoria para fins de pronúncia. Revisão que demanda reexame fático-probatório. Óbice da súmula 7/STJ. Pleito de afastamento das qualificadoras (motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima). Impossibilidade. Circunstâncias que não se mostram manifestamente improcedentes. Existência de lastro probatório mínimo. Competência do Tribunal do Júri. Reexame vedado pela súmula 7/STJ. Dissídio jurisprudencial não demonstrado adequadamente e prejudicado pela conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência do STJ (Súmula 83/STJ). Pelo não provimento do recurso especial.
É o relatório.
Decido.
O recurso é tempestivo e está com a representação processual correta. O recorrente indicou os permissivos constitucionais que embasam o recurso e o dispositivo de lei federal supostamente violado, demonstrando pertinência na fundamentação (não incidência da súmula n. 284 do STF).
Não obstante, deixo de conhecer do recurso no tocante à interposição pela alínea "c" do permissivo constitucional, considerando que o recorrente, na petição recursal, não observou o disposto no art. 1029, § 1º, do Código de Processo Civil.
A mera transcrição de ementas – desacompanhada da confrontação ponto a ponto entre amoldura fática dos precedentes paradigmas e a situação dos autos – não satisfaz o ônus do recorrente. Exige‑se prova analítica de divergência: demonstração objetiva de que casos substancialmente idênticos receberam soluções jurídicas distintas, com indicação do ponto de dissenso e da atualidade do entendimento colacionado.
No que tange à alegação de contrariedade aos artigos 226, 155, 413, 414 do Código de Processo Penal e 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, por se tratar de matéria de direito, conheço do recurso e passo à análise.
A controvérsia trazida no recurso cinge-se a alegação de nulidade do reconhecimento fotográfico realizado em sede policial, por inobservância das formalidades legais, e a insuficiência de indícios de autoria para a pronúncia, além do pedido de afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima.
A defesa do recorrente insiste na tese de que o procedimento de reconhecimento pessoal e fotográfico realizado na fase inquisitorial é nulo por manifesta inobservância das formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal, o que, em sua visão, tornaria a prova ilícita e imprestável para embasar a pronúncia. Afirma que o reconhecimento ocorreu de forma "absolutamente informal", mediante exposição de fotografias e vídeos de baixa qualidade, sem a apresentação de outras imagens ou pessoas com características semelhantes e, sobretudo, sem que a testemunha ocular, que apontou o acusado, fosse ouvida em juízo para ratificar o ato (e-STJ fls. 185-186).
Contudo, o Tribunal de Justiça de origem, ao analisar a questão tanto no recurso em sentido estrito quanto nos embargos infringentes, afastou a referida preliminar. A Corte estadual asseverou que as formalidades estabelecidas no art. 226 do CPP são "meras recomendações" e que a sua eventual inobservância não é capaz de ensejar a declaração de nulidade, sem afrontar os princípios da ampla defesa, do contraditório e da paridade de armas (e-STJ fls. 79-80 e 162-164).
Adicionalmente, a Corte de origem, em uma análise contextualizada, pontuou que o procedimento adotado pela autoridade policial se configurou, na verdade, como uma etapa de identificação e reconhecimento de acusados já previamente conhecidos da testemunha, e não propriamente como um reconhecimento de pessoas desconhecidas. A testemunha João Luís, em seu depoimento na fase policial, gravado em vídeo declarou que já conhecia os acusados Gerson e Ricardo, referindo-se a eles como "amigos de infância", e que os reconhecia "sem sombra de dúvidas" (e-STJ fls. 168). Essa familiaridade prévia da testemunha com os autores do fato é um elemento crucial que mitiga a exigência de formalidades rígidas para o ato de reconhecimento.
A jurisprudência desta colenda Corte Superior, mesmo a evolução de seu entendimento sobre a aplicação do artigo 226 do Código de Processo Penal, tem ressalvado situações em que as formalidades podem ser mitigadas. Embora o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, seja apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva apenas quando observadas as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, este entendimento comporta distinções relevantes.
É possível que o julgador, destinatário das provas, forme sua convicção acerca da autoria delitiva a partir de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato de reconhecimento falho, porquanto, como já consolidado, o sistema probatório brasileiro se pauta pelo princípio do livre convencimento motivado, desde que existam provas produzidas em contraditório judicial. A validade do reconhecimento de pessoa, ainda que não tenha observado estritamente todas as formalidades legais, pode ser mantida se existirem outros elementos de prova independentes que corroborem a autoria delitiva.
Nesse sentido, os precedentes desta coçlenda Corte consolidam a tese de que a condenação pode ser mantida quando houver provas independentes e suficientes, ainda que o reconhecimento fotográfico esteja em desacordo com o procedimento legal, especialmente quando se trata de mera identificação de pessoa já conhecida:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO E RECEPTAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE RECONHECIDAS NA ORIGEM. RECONHECIMENTO REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. PROVIDÊNCIA VEDADA PELA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O acusado não pode ser condenado com base, apenas, em eventual reconhecimento pessoal falho, ou seja, sem o cumprimento das formalidades previstas no art. 226, do Código de Processo Penal, as quais constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um delito.
2. É possível que o julgador, destinatário das provas, convença-se da autoria delitiva a partir de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato do reconhecimento pessoal falho, porquanto, sem prejuízo da nova orientação, não se pode olvidar que vigora no sistema probatório brasileiro o princípio do livre convencimento motivado, desde que existam provas produzidas em contraditório judicial.
3. No caso dos autos, as instâncias ordinárias afirmaram que a condenação não está amparada apenas no reconhecimento fotográfico, mas nas firmes declarações da vítima protegida e da testemunha que, tanto em sede inquisitorial quanto judicial, apontaram a autoria delitiva.
4. A pretensão de infirmar o pronunciamento das instâncias ordinárias que concluíram pela comprovação da autoria e materialidade, com respaldo nas provas obtidas a partir da instrução criminal, sob o pálio do devido processo legal e com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, demandaria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula 7/STJ.
5. O aresto recorrido alinha-se à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, firme de que "quando o agente é flagrado na posse do objeto receptado, cabe à defesa demonstrar o desconhecimento da origem ilícita do objeto, sem que esse mister caracterize ilegal inversão do ônus da prova" (AgRg no AREsp n. 2.387.294/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 20/9/2023).
6. Agravo não provido.
(AREsp n. 2.852.641/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 10/4/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. FORMALIDADES LEGAIS. PROVAS SUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso especial, mantendo a condenação dos agravantes pelo crime de roubo, previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal.
2. A controvérsia envolve a legalidade do reconhecimento pessoal realizado em inquérito policial e a suficiência probatória para a condenação dos agravantes.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se o reconhecimento fotográfico realizado na fase do inquérito policial, sem observância das formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal, pode ser utilizado como prova para condenação, quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial.
III. Razões de decidir
4. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, é válido para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal e corroborado por outras provas colhidas na fase judicial.
5. No caso concreto, a condenação dos agravantes não se baseou exclusivamente no reconhecimento fotográfico, mas também em depoimentos prestados em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que confirmaram a autoria delitiva.
6. A decisão agravada foi mantida, pois o Tribunal de origem concluiu pela existência de provas independentes e suficientes para a condenação, em conformidade com o entendimento desta Corte Superior.
IV. Dispositivo e tese
7. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. O reconhecimento de pessoa, realizado na fase do inquérito policial, deve observar as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal e ser corroborado por outras provas colhidas na fase judicial. 2. A condenação pode ser mantida quando houver provas independentes e suficientes, ainda que o reconhecimento fotográfico esteja em desacordo com o procedimento legal".
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 226; CPP, art. 155; CPP, art. 386, V e VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 652.284/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 03/05/2021; STJ, AgRg no HC 860.053/PE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 07/03/2024.
(AgRg no AREsp n. 2.702.018/PA, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 28/4/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECONHECIMENTO PESSOAL. NULIDADE. PROVAS SUFICIENTES. AGRAVO IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu da impetração de habeas corpus, mantendo a condenação do réu. A defesa alega nulidade do reconhecimento pessoal por violação do art. 226 do CPP e ausência de provas suficientes para a condenação.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se a nulidade do reconhecimento pessoal, realizado em desconformidade com o art. 226 do CPP, compromete a condenação do réu, considerando a existência de outras provas nos autos.
3. A defesa questiona a atuação da Defensoria Pública, que teria impetrado habeas corpus no STJ ao invés de apresentar o recurso cabível, e alega inércia processual subsequente.
III. Razões de decidir
4. No tocante às alegadas nulidades processuais, percebe-se que os temas não foram submetidos a exame da Corte de origem, máxime a alegada nulidade por ausência de defesa, o que obsta o exame dos tema por este Tribunal, sob pena de indevida supressão de instância.
5. O reconhecimento pessoal, ainda que realizado em desconformidade com o art. 226 do CPP, não invalida a condenação quando há outras provas suficientes nos autos que sustentam a autoria e materialidade delitivas.
6. A palavra da vítima, especialmente em crimes contra o patrimônio, possui relevante valor probatório quando firme e coerente, sendo corroborada por outros elementos de prova.
7. A desconstituição da autoria demandaria aprofundamento no exame das provas, o que é inviável na via estreita do habeas corpus.
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo improvido.
Tese de julgamento: "1. O reconhecimento pessoal em desconformidade com o art. 226 do CPP não invalida a condenação se há outras provas suficientes. 2. A palavra da vítima, quando firme e coerente, possui relevante valor probatório em crimes contra o patrimônio.".
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 226.
(AgRg no HC n. 982.852/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/4/2025, DJEN de 8/4/2025.)
No caso concreto, o acórdão recorrido, em consonância com a jurisprudência desta colenda Corte Superior, bem delineou as particularidades fáticas que afastam a nulidade aventada. A propósito, sobre o tema, o acórdão recorrido fundamentou da seguinte forma (e-STJ fls. 168-170):
(...) compulsando os autos, verifico que a testemunha José Luís, em que pese não ter sido ouvida em sede judicial, já que não encontrada, declarou, em sede policial, que foram RICARDO e GERSON, seus conhecidos, os autores do delito.
E, como bem apontado na sentença, deve-se levar em conta a fidedignidade da colheita da prova inquisitorial, na medida em que 1) a testemunha declarou de forma livre os fatos e sua autoria, em depoimento registrado em vídeo (1.18, 1.19, 1.26); 2) o reconhecimento fotográfico foi efetuado posteriormente ao depoimento, onde, mostradas fotografias dos acusados, José Luís declarou que os reconhecia com absoluta certeza (sobretudo considerando que já os conhecia previamente); e 3) após diligências realizadas pela autoridade policial no local dos fatos, obtidas as imagens das câmeras de monitoramento, é possível perceber que dois indivíduos se aproximam da vítima e efetuam os disparos de arma de fogo, conforme relatado por José Luís em seu depoimento, o qual, inclusive, se identifica como um dos ciclistas que aparece nas imagens (1.20, 1.21, 1.22, 1.23, 1.24, 1.25).
Assim, o procedimento adotado pela polícia constituiu-se, na verdade, em etapa de identificação e reconhecimento dos acusados já conhecidos da testemunha e não propriamente no reconhecimento de pessoas previsto na legislação processual penal. (...).
Outrossim, a vedação do 155 do Código de Processo Penal não afasta a possibilidade de o juiz utilizar as provas produzidas no inquérito policial para pronunciar o réu, desde que não as utilize de forma exclusiva.
E, no caso, todos os elementos informativos colhidos na investigação foram corroborados na fase judicial pelos depoimentos coerentes e detalhados do Delegado de Polícia Edimar Machado de Souza e do Policial Civil Renato Silveira Jeremias Júnior, que participaram da investigação e confirmaram os elementos de autoria necessários à pronúncia. (...).
Relembro, por fim, que, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a pronúncia exige que o magistrado esteja convencido da materialidade do fato denunciado e da existência de indícios suficientes de autoria. Depreende-se, pois, que a pronúncia não exige prova plena de autoria, adotando-se tradicionalmente a fórmula in dubio pro societate, típica dos juízos de admissibilidade acusatória, cabendo aos jurados a valoração aprofundada sobre as provas apresentadas e sobre as divergências de teses desenvolvidas.
Desse modo, a decisão das instâncias ordinárias, ao afastar a nulidade, pautou-se na presença de outros elementos probatórios independentes e judicializados que confirmam a autoria delitiva, não havendo, portanto, que se falar em violação ao art. 226 do CPP que enseje a anulação do reconhecimento ou, consequentemente, da pronúncia.
A pretensão de reavaliar a nitidez das imagens ou a suficiência do conhecimento prévio da testemunha, para infirmar o convencimento das instâncias ordinárias, demandaria o reexame aprofundado do acervo fático-probatório, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
Quanto à alegada violação dos artigos 155 e 413 do Código de processo Penal, a defesa argumenta que a pronúncia do recorrente seria inválida por se basear "exclusivamente em elementos informativos colhidos durante a fase de inquérito policial", especialmente o depoimento de João Luís Almintas, que não foi ratificado em juízo, e que os depoimentos dos policiais seriam meros "testemunhos indiretos" (hearsay testimony), desprovidos de valor probatório suficiente para um juízo de pronúncia (e-STJ fls. 188-189).
É fundamental reiterar que a decisão de pronúncia constitui um mero juízo de admissibilidade da acusação, e não um juízo de certeza quanto à autoria ou materialidade, conforme dispõe o art. 413 do Código de Processo Penal. Para a pronúncia, exige-se apenas a prova da materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, cabendo ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, a análise aprofundada das provas e a solução de eventuais dúvidas.
Embora esta Corte Superior tenha consolidado o entendimento de que a condenação não pode ser fundamentada exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase inquisitorial (art. 155 do CPP), também é pacífico que tais elementos podem e devem ser utilizados para a pronúncia, desde que corroborados por outras provas produzidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório. O testemunho indireto, ou hearsay testimony, embora não seja apto, por si só, para fundamentar a condenação, pode servir como elemento de corroboração quando há outros indícios presentes nos autos.
Nesse contexto, merece destaque a jurisprudência:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVA JUDICIAL. TESTEMUNHO DIRETO. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que manteve a pronúncia do agravante por homicídio qualificado. A decisão de pronúncia baseou-se em indícios de autoria e prova da materialidade, com depoimentos de testemunhas e diligências policiais. A defesa alegou a inexistência de indícios mínimos de autoria para a submissão ao júri popular, notadamente em razão da existência de testemunhos indiretos somente.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se a pronúncia do agravante está devidamente fundamentada em provas diretas e indícios suficientes de autoria, ou se se baseia exclusivamente em testemunhos indiretos e elementos colhidos na fase inquisitorial.
III. Razões de decidir
3. A decisão de pronúncia foi mantida com base em provas colhidas sob o crivo do contraditório, não se limitando a testemunhos indiretos.
4. A jurisprudência desta Corte não admite a pronúncia baseada exclusivamente em hearsay testimony, mas reconhece a validade da decisão quando há provas diretas e indícios suficientes.
IV. Dispositivo e tese
5. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: 1. A decisão de pronúncia pode se basear em indícios suficientes de autoria e materialidade, não exigindo prova incontroversa. 2. O Tribunal do Júri é o órgão competente para análise do mérito de crimes dolosos contra a vida.
(AgRg no AREsp n. 2.501.988/ES, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2024, DJe de 5/11/2024.)
DIREITO PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO. COMPROVADA A MATERIALIDADE E RECONHECIDA A PRESENÇA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A pronúncia não revela juízo de mérito, mas apenas de admissibilidade da acusação, direcionando o julgamento da causa para o Tribunal do Júri, órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. Para tanto, basta a demonstração da materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. O Tribunal de origem negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela defesa, que requeria a despronúncia do agravante, sob o argumento de inexistência de indícios suficientes da autoria delitiva.
2. O acórdão recorrido alinha-se à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, pois a partir do reconhecimento de que está comprovada a materialidade e demonstrada a presença de indícios suficientes de autoria, deve ser preservada a competência do Tribunal do Júri, juiz natural da causa. Incidência da Súmula 83/STJ.
3. As instâncias ordinárias, com base no acervo fático-probatório, concluíram pela existência de elementos hábeis a submeter ao Júri a análise do crime imputado. Assim, a revisão do julgado esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
4. Agravo em Recurso Especial desprovido.
(AREsp n. 2.847.385/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 1/7/2025.)
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. CRIME DE FAVORECIMENTO PESSOAL. PRONÚNCIA BASEADA EM ELEMENTOS DO INQUÉRITO E PROVAS JUDICIAIS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Acerca do depoimento indireto (testemunho de "ouvir dizer" ou (hearsay testimony), sua imprestabilidade para pronunciar o acusado é pacífica na jurisprudência deste STJ policial, sem que estes tenham sido confirmados em juízo.
2. No caso em questão, o recorrente foi submetido à pronúncia com base em elementos que apontam para a existência de indícios de autoria e materialidade, os quais foram coletados durante a fase investigatória, e foram corroborados pelas provas apresentadas durante o processo judicial, incluindo o interrogatório do réu. Não há que se falar, portanto, na existência de testemunhos indiretos a subsidiar a sentença de pronúncia.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 2.059.866/ES, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023.)
No caso em análise, as instâncias ordinárias confirmaram a materialidade delitiva por meio de robustos elementos como o boletim de ocorrência policial, relatórios do local do crime, laudos periciais e boletim de atendimento de emergência (e-STJ fl. 81-83). Quanto aos indícios de autoria, o acórdão recorrido, em particular o voto condutor do Recurso em Sentido Estrito e o acórdão dos Embargos Infringentes, destacou que o depoimento da testemunha presencial João Luís Almintas (gravado em vídeo na fase policial) foi corroborado em juízo pelo policial civil Renato Silveira Jeremias Júnior, que participou da investigação e confirmou os elementos de autoria e a dinâmica dos fatos (e-STJ fl. 81). Além disso, as imagens de câmeras de segurança registraram a dinâmica dos acontecimentos, e o próprio João Luís se identifica como o ciclista que aparece nas imagens, reforçando a narrativa acusatória (e-STJ fls. 81 e 165-166).
A alegação defensiva de que a prova se baseia exclusivamente em elemento inquisitorial é refutada pelos próprios fatos consignados no acórdão, que demonstram a existência de corroboração judicial dos elementos informativos. Os depoimentos dos policiais, que atuaram na investigação e relataram em juízo o que observaram e apuraram, são considerados meios de prova idôneos, conforme a jurisprudência desta Corte Superior, e não se confundem com o "hearsay testimony" inválido quando se referem a fatos por eles presenciados ou diligências que acompanharam.
A divergência sobre o envolvimento da vítima com drogas, apontada pela defesa com base no depoimento de Edson Adriano Pedroso Nunes (e-STJ fl. 194), configura uma dúvida razoável sobre a tese dos fatos, cuja elucidação e valoração competem precipuamente ao Tribunal do Júri, em razão de sua competência constitucional como juiz natural dos crimes dolosos contra a vida.
A pretensão de desconstituir os indícios de autoria e materialidade afirmados pelas instâncias ordinárias implicaria, inevitavelmente, o reexame aprofundado do conjunto fático-probatório, providência inviável na via estreita do recurso especial, em face do óbice da Súmula 7/STJ. Desse modo, não há qualquer violação aos artigos 155 e 413 do Código de Processo Penal que justifique a reforma do acórdão recorrido.
Por fim, o recorrente postula, subsidiariamente, o afastamento das qualificadoras de motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima, sustentando que seriam manifestamente improcedentes por ausência de elementos probatórios mínimos. Alega que o motivo torpe não ficou demonstrado, uma vez que os acusados negaram conhecer a vítima, e que a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima não se configura pela mera superioridade numérica ou de armas, exigindo-se prova de surpresa, que, segundo a defesa, não foi demonstrada.
Conforme a jurisprudência consolidada desta egrégia Corte Superior, a exclusão de qualificadoras na fase de pronúncia é medida excepcionalíssima. Tal afastamento somente é admitido quando a qualificadora se mostra manifestamente improcedente ou completamente dissociada dos elementos de prova constantes dos autos, sob pena de usurpação da competência constitucional do Tribunal do Júri, que é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida e a quem compete a análise aprofundada do mérito da causa e a valoração das provas. A mera alegação de insuficiência probatória ou de que o motivo não é torpe ou não houve surpresa, quando há lastro mínimo, não autoriza o decote.
Nesse sentido, a jurisprudência é uníssona:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. PLEITO DE AFASTAMENTO DE QUALIFICADORA RECONHECIDA NA PRONÚNCIA. TESES QUE ENCONTRAM ÓBICE NA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). RECURSO IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial com fundamento no art. 932, III, do Código de Processo Civil (CPC), haja vista a incidência do óbice da Súmula n. 7/STJ.
II. Questão em discussão
2. Discute-se a possibilidade de esta Corte pode reconhecer a desistência voluntária cuja ocorrência foi afastada pelas Instâncias Ordinárias.
3. Também se discute se esta Corte pode afastar qualificadora constante na pronúncia e mantida pelo Tribunal a quo.
III. Razões de decidir
4. O fundamento utilizado pelo Tribunal a quo, segundo o qual a tese de ocorrência da desistência voluntária deve ser submetida ao Conselho de Sentença, quando houver dúvida razoável acerca da sua ocorrência, encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior.
5. Tendo as instâncias ordinárias identificado indícios da presença da qualificadora, seu afastamento demandaria a análise fática probatória, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ.
6. A exclusão de qualificadoras na fase de pronúncia é medida excepcional, cabível apenas quando forem manifestamente improcedentes, o que não é o caso dos autos. O Tribunal do Júri é o Juiz Natural dos crimes dolosos contra a vida, cabendo a ele a análise detalhada do mérito da causa.
7. A aplicação da Súmula n. 7/STJ impede o reexame de fatos e provas em sede de recurso especial.
8. A decisão do Tribunal a quo, ao manter a pronúncia, está em conformidade com o entendimento consolidado desta Corte sobre a competência do Tribunal do Júri, sendo desnecessária sua reconsideração.
IV. Dispositivo e tese
9. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. A tese de ocorrência da desistência voluntária deve ser submetida ao Conselho de Sentença, quando houver dúvida razoável acerca da sua ocorrência. 2. A exclusão de qualificadoras na fase de pronúncia é medida excepcional, cabível apenas quando forem manifestamente improcedentes. 3. O Tribunal do Júri é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, cabendo a ele a análise detalhada do mérito da causa. 4. A aplicação da Súmula 7/STJ impede o reexame de fatos e provas em sede de recurso especial".
(AgRg no AREsp n. 2.756.309/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 26/3/2025, DJEN de 8/4/2025.)
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. MANUTENÇÃO DE QUALIFICADORAS. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, mantendo as qualificadoras de motivo fútil e uso de meio que dificultou a defesa da vítima em crime de homicídio qualificado na forma tentada.
2. A decisão de pronúncia incluiu as qualificadoras com base em depoimentos e provas que indicam que o acusado agiu por ciúmes e de forma a dificultar a defesa da vítima.
3. O Tribunal de Justiça de origem manteve as qualificadoras, afirmando que as qualificadoras não estão dissociadas dos elementos probatórios.
II. Questão em discussão
4. A questão em discussão consiste em saber se as qualificadoras de motivo fútil e uso de meio que dificultou a defesa da vítima devem ser excluídas na fase de pronúncia por falta de fundamentação idônea e por estarem dissociadas dos elementos de prova.
5. Outra questão é se o ciúme pode ser considerado motivo fútil para qualificar o crime de homicídio.
III. Razões de decidir
6. As qualificadoras só podem ser excluídas na fase de pronúncia se forem manifestamente improcedentes, o que não se verifica no presente caso.
7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que cabe ao Tribunal do Júri decidir se o ciúme pode qualificar o crime de homicídio como motivo fútil.
8. A reanálise de fatos e provas para excluir as qualificadoras é vedada em recurso especial, conforme a Súmula n. 7 do STJ.
IV. Dispositivo e tese
9. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. O reconhecimento de nulidades no processo penal exige a demonstração de efetivo prejuízo. 2. As qualificadoras só podem ser excluídas na fase de pronúncia se forem manifestamente improcedentes. 3. Cabe ao Tribunal do Júri decidir se o ciúme pode qualificar o crime de homicídio como motivo fútil. 4. A reanálise de fatos e provas para excluir qualificadoras é vedada em recurso especial, conforme a Súmula n. 7 do STJ."
(AgRg no AREsp n. 2.293.337/AL, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 30/12/2024.)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO. ART. 121, §2º, INCISO IV, DO CP. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AUSÊNCIA DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro societate.
2. Esta Corte Superior tem reiteradamente decidido que as qualificadoras do crime de homicídio só podem ser excluídas da pronúncia quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes, sob pena de se invadir a competência constitucional do Tribunal do Júri.
3. No presente caso, pela leitura da sentença e do acórdão recorrido, há elementos probatórios a indicar que o crime foi cometido com recurso que dificultou a defesa da vítima, já que fora perseguida e espancada por vários indivíduos, os quais se utilizaram de barras de ferro, pedras de concreto e faca, circunstâncias que deixam-na em desvantagem, não só numérica, mas também de armamento.
Dessa forma, não sendo manifestamente improcedente a incidência da referida qualificadora, inviável sua exclusão por esta Corte, por ser da competência do Tribunal do Júri sua apreciação. Assim, compete ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, dirimir eventual dúvida acerca da dinâmica dos fatos, cabendo a este decidir pela incidência ou não da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.979.795/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 14/3/2022.)
Aqui, o Tribunal de origem manteve as qualificadoras com base em elementos que, longe de serem manifestamente improcedentes, apontam a plausibilidade de suas incidências, devendo, assim, serem submetidas à apreciação do Conselho de Sentença.
Quanto ao motivo torpe, as instâncias ordinárias, com base nos depoimentos colhidos, especialmente o de João Luís Almintas (confirmado pelos policiais), indicaram que o delito teria sido praticado em razão da crença de que a vítima traficava drogas para facção rival ("Antibala"), enquanto os réus seriam ligados à facção "Bala na Cara" (e-STJ fls. 87 e 167).
A jurisprudência desta Corte e dos Tribunais é pacífica em reconhecer que a motivação de crimes decorrentes de rixas entre facções criminosas e disputas por pontos de tráfico de drogas configura motivo torpe, por ser vil e abjeto. A alegação da defesa de que os acusados negaram conhecer a vítima ou que o motivo não ficou claro é uma tentativa de reexame probatório, o que não se permite em recurso especial. A existência de lastro probatório mínimo é suficiente para a manutenção da qualificadora nesta fase processual.
No que tange ao recurso que dificultou a defesa da vítima, o acórdão recorrido consignou a existência de indícios de que a vítima teria sido surpreendida e alvejada "de inopino", sem que pudesse esboçar qualquer reação efetiva eficaz. Essa dinâmica foi corroborada pelas imagens das câmeras de segurança e pelo fato de que a vítima foi encontrada com múltiplos orifícios de arma de fogo, sem que houvesse qualquer indício de troca de tiros, resistência ou discussão prévia que pudesse alertá-la (e-STJ fls. 87-89 e 166-168).
A qualificadora da surpresa se caracteriza justamente quando o agente atua de forma inesperada, privando a vítima da capacidade de defesa. A argumentação da defesa de que a mera superioridade numérica ou de armas não configura a qualificadora, ou que a surpresa não foi demonstrada, busca reanalisar o conjunto probatório, o que, uma vez mais, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. Havendo elementos que, em uma análise não exaustiva, indicam a possibilidade da surpresa, a questão deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença.
Portanto, a decisão do Tribunal de origem, ao manter as qualificadoras, está em consonância com a orientação jurisprudencial desta Corte, que somente as exclui quando manifestamente improcedentes, o que não é o caso dos autos. A tarefa de aprofundar a valoração da prova e decidir sobre a efetiva configuração das qualificadoras é de competência exclusiva do Tribunal do Júri.
Ante o exposto, com fulcro no art. 255, § 4º, I e II, do Regimento Interno do egrégio Superior Tribunal de Justiça, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão, nego-lhe provimento.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
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