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1. Marcelo Bertanha Barison…
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1. MARCELO BERTANHA BARISON (AGRAVANTE) consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 328385562
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ORDINáRIO EM HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0803892-28.2025.4.05.0000
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RIVAN RIBEIRO DA SILVA
OAB/PE XXXXXX
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RHC 215859/PE (2025/0167354-7)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE
:
ARTHUR ANDRADE ALVES DA SILVA
ADVOGADO
:
RIVAN RIBEIRO DA SILVA - PE049225
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FED…
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1. Khaoan Quevedo Jacques De Castro (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado Do Rio Grande Do Sul (Impetrado)
ID: 320833657
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0207492-31.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Advogados:
JÚLIA SLEIFER ALONSO
OAB/RS XXXXXX
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KHAOAN QUEVEDO JACQUES DE CASTRO
OAB/RS XXXXXX
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HC 1009602/RS (2025/0207492-2)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
KHAOAN QUEVEDO JACQUES DE CASTRO
ADVOGADOS
:
KHAOAN QUEVEDO JACQUES DE CASTRO - RS113182
JÚLIA SLEIFER ALONSO - RS12…
HC 1009602/RS (2025/0207492-2)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
KHAOAN QUEVEDO JACQUES DE CASTRO
ADVOGADOS
:
KHAOAN QUEVEDO JACQUES DE CASTRO - RS113182
JÚLIA SLEIFER ALONSO - RS127607
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE
:
CHRISTIAN ADORNES CARVALHO
CORRÉU
:
GEOVANE DOS SANTOS SILVEIRA
CORRÉU
:
ELISSON DAVI RODRIGUES DE CASTRO
CORRÉU
:
ROBSON SORIA SOARES
CORRÉU
:
DIONATHAN MICHAEL RODRIGUES SALGUEIRO
CORRÉU
:
PAOLA DE OLIVEIRA FERNANDES
CORRÉU
:
JEFERSON ANTONIO DO NASCIMENTO MARTINS
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de CHRISTIAN ADORNES CARVALHO, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 5058136-21.2025.8.21.7000.
Extrai-se dos autos que o paciente foi preso preventivamente e denunciado pela suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 33, caput, e 35, caput, c/c o art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006, na forma do art. 69 do Código Penal – CP.
No julgamento do HC n. 969.700/RS, esta Corte Superior determinou o trancamento da ação penal quanto ao crime de tráfico de drogas.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado (fls. 1.253/1.254):
"HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REINCIDENTE. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. ORDEM DENEGADA.
I. Caso em exame:
1. A decisão anterior. Decisão do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Uruguaiana que, 06 de março de 2025, negou pedido defensivo de revogação da segregação cautelar do paciente.
2. O writ. Habeas corpus em que o impetrante alegou, em síntese, a ausência de fundamentação na decisão que decretou a prisão preventiva bem como ausência de fundamentação quanto a não aplicação de medidas cautelares. Além disso, aduziu que não estão preenchidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal e fez referência às condições pessoais favoráveis do paciente, como residência fixa e emprego lícito. Pugnou, liminarmente, pela liberdade provisória ou, subsidiariamente, pela substituição da prisão por medidas cautelares alternativas.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão é: (i) se houve nulidade de fundamentação na decisão vergastada; e (ii) se estão presentes os requisitos para que seja mantida a prisão preventiva do paciente.
III. Razões de decidir
4. A decisão atacada foi fundamentada usando elementos do caso concreto para determinar a necessidade da segregação cautelar, nos termos do artigo 93, inciso IX, da CF.
5. Paciente preso preventivamente pela suposta prática dos delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico. A ação penal nº 5005039-77.2024.8.21.0037 foi trancada exclusivamente com relação ao crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
6. Segundo narra a exordial acusatória, "os denunciados formaram consórcio criminoso voltado à exploração da narcotraficância, mediante divisão das tarefas inerentes ao exercício de tal prática delituosa. Com esse propósito, os denunciados Christian e Geovane exercem a função de fornecedores de entorpecentes, vendendo-os ao acusado Dionathan, o qual os repassa para serem comercializados em seus pontos de tráfico (...) Em datas sucessivas e reiteradas, no período de tempo supramencionado, os denunciados Christian e Geovane forneceram e venderam os entorpecentes mencionados no Relatório de Análise de Extração de Dados de Celular nos autos, ao acusado Dionathan, e este, por sua vez, encaminhou as drogas para seus pontos de tráfico, onde foram revendidas."
7. O paciente é reincidente pela prática de tráfico de drogas (processo nº 001/2.16.0088360-3) e responde à ação penal nº 50152957920248210037, pela suposta prática do delito de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
8. Necessária, ao menos no momento, a manutenção da prisão preventiva do impetrante, para a garantia da ordem pública, diante do risco concreto de reiteração delitiva e da suposta participação em organização criminosa.
IV. Dispositivo e tese
9. Ordem de habeas corpus denegada."
No presente writ, a defesa sustenta a ausência de fundamentação do decreto preventivo, que se limitou a afirmar genericamente o preenchimento dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP, alegando que a reincidência específica do paciente não é, por si só, suficiente para embasar a custódia cautelar.
Afirma que não foram apreendidos entorpecentes com o paciente, que possui residência fixa e histórico de atividades lícitas.
Defende a suficiência das medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do CPP.
Requer, em liminar e no mérito, a concessão da ordem para que seja revogada a prisão preventiva, com aplicação de medidas cautelares diversas.
Liminar indeferida às fls. 1.264/1.266.
Informações prestadas às fls. 1.270/1.304 e 1.310/1.312.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 1.314/1.315).
É o relatório.
Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
Conforme relatado, busca-se, no presente writ, a revogação da prisão preventiva do paciente.
Preliminarmente, cumpre ressaltar que o habeas corpus não é a via adequada para discussão acerca da materialidade ou autoria do crime de tráfico, questões que demandam exame fático-probatório, incompatível com a via eleita, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária.
Confira-se nesse sentido:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. REVOLVIMENTO DE PROVAS. VIA INADEQUADA. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. A tese de negativa de autoria quanto ao delito de tráfico de drogas, e eventual desclassificação para a conduta de mero usuário, exige o revolvimento do conteúdo fático-probatório, o que é inviável na via do habeas corpus.
3. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
4. In casu, apesar da pequena quantidade de droga apreendida quando da prisão em flagrante - 13,97 gramas de cocaína -, a custódia preventiva do paciente está suficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, como forma de evitar a reiteração delitiva, pois, segundo consta, ele, quando adolescente, cumpriu medida socioeducativa em razão da prática de ato infracional equiparado ao tráfico de drogas.
5. É inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, porquanto a periculosidade do paciente indica que a ordem pública não estaria acautelada com a sua soltura.
6. Apenas a conclusão do processo será capaz de revelar se o acusado será beneficiado com a fixação de regime prisional diverso do fechado, sendo inviável essa discussão neste momento processual.
7. Habeas corpus não conhecido.
HC 533.898/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019.)
Quanto aos motivos da custódia, verifica-se que o Juízo de primeiro grau, após representação da autoridade policial, decretou a prisão preventiva sob o seguintes fundamentos (fls. 31/35):
"Impositivo destacar que o feito é atrelado às medidas investigativas vinculadas, no âmbito das quais se desvelou a possível atuação criminosa, voltada ao tráfico ilícito de entorpecentes, com suposto emprego de violência, concurso de agentes e violação de domicílio para a cobrança de usuários devedores, com uma espécie de imposição de ordem do crime.
[...]
O direito de liberdade detém assento constitucional, sendo categorizado como fundamental pela Constituição Federal nos incisos LIV e LXI do seu art. 5º. Via de regra, também por mandamento constitucional (art. 5º, inciso LVII, da CF), a prisão do indivíduo pressupõe a existência de sentença penal condenatória. Todavia, considerando que nenhum direito no Estado Democrático de Direito é absoluto, é possível a restrição da liberdade, deforma preventiva, desde que obedecidos estritamente os pressupostos discriminados na legislação.
Nessa toada, a lei processual penal, ao regular a prisão preventiva, estabelece os seguintes requisitos para sua decretação: o fumus commissi delicti, caracterizado pela presença de prova da materialidade e de indícios de autoria (art. 312, segunda parte, do CPP);o periculum libertatis, decorrente da necessidade de garantir a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução ou aplicação da lei penal (art. 312, primeira parte, do CPP); e a ocorrência de ao menos uma das situações elencadas nos incisos do art. 313 do CPP.
[...]
No caso em apreço, percebe-se da análise do expediente haver fortes indícios deque não apenas os representados tenham relação com os delitos de associação para o tráfico de drogas e, por diversas vezes, de tráfico de drogas, mas também terem efetiva ciência das investigações. Neste particular, aponta-se a imensa quantia de mensagens apagadas nas conversas do telefone celular apreendido nos autos [E1.3]. Deste modo, tem-se seguramente que os fatos ora desvelados são fração da prática delitiva supostamente em desenvolvimento.
Em atenção aos requisitos legais, a representação pela prisão preventiva merece prosperar apenas em face de DIONATHAN MICHAEL RODRIGUES SALGUEIRO, de alcunha "NEGUINHO", de CHRISTIAN ADORNES CARVALHO, de alcunhas "CHUCK" e "B ASASINO", e de JEFERSON ANTÔNIO DO NASCIMENTO MARTINS, de alcunhas" LB" e "LOBÃO".
Isso porque, conforme o item 2.1 da presente decisão, apenas em relação a tais representados restam satisfeitos simultaneamente os requisitos legais para a segregação cautelar.
Diante da conjuntura individualizada em na análise dos indícios da materialidade e da autoria delitiva, resta evidenciado o fumus comissi delicti referente aos tipos penais em apuração.
Quanto ao periculum libertatis, ou seja, o perigo decorrente do estado de liberdade, bem como à gravidade concreta do delito, tem-se que:
[...]
Já quanto a CHRISTIAN, depreende-se que atua como suposto fornecedor de entorpecentes a DIONATHAN, sendo que igualmente se apresenta como subordinado em estrutura mais ampla do tráfico de drogas. Não obstante, CHRISTIAN atuaria em papel importante de coordenação, uma vez que veicula em suas redes sociais diretrizes e ordens imposta pela associação criminosa sob investigação, indicando condutas a serem observadas por todos integrantes da associação, sob pena de punição severa.
Notadamente, a atuação direta de organizações criminosas de tal natureza é responsável por grande parte dos delitos cometidos nesta Comarca, especialmente homicídios, perpetrados na modalidade de execuções, contra dissidentes ou insubordinados. A gravidade concreta do delito, conforme já destacado, é alta. Isso porque os elementos até então carreados sugerem a atuação de diversos indivíduos que, de maneira coordenada e premeditada, teriam efetivado o tráfico de entorpecentes, com emprego de táticas violentas.
[...]
Dessa forma, depreendo que o caso concreto reclama a adoção de medidas voltadas à garantia da ordem pública e em favor da conveniência de instrução criminal.
Notadamente, delitos como o tráfico de entorpecentes - decorrente de mandado constitucional de criminalização abalam concretamente a paz pública. Considerando que os indícios de materialidade e de autoria delitiva demonstram a atuação de pessoas especializadas, a prática delitiva traz abalo à paz social para toda a comunidade envolvida.
Ainda, a conveniência da instrução criminal necessita ser assegurada, visto que nem todos os agentes foram identificados e estão sob investigação eficaz. Na mesma linha, constata-se que os investigados possuem efetiva capacidade de intimidação das testemunhas.
Desse modo, há indícios de reiteração de condutas ilícitas, da gravidade concreta e do perigo decorrente do estado de liberdade dos investigados, o que denota a insuficiência das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, no caso concreto.
Pontuo que o delito em comento é apenado com pena máxima superior a 04anos de reclusão, razão pela qual está permitida a prisão preventiva nessa hipótese, conforme a redação do art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
Ademais, da análise das certidões de antecedentes criminais dos representados, depreende-se que: DIONATHAN foi condenado não definitivamente pela prática de homicídio qualificado, com pena de 22 anos e 09 meses de reclusão (5012541-72.2021.8.21.0037); CHRISTIAN é reincidente, pois foi condenado definitivamente pela prática de tráfico de drogas, sem registro de extinção ou cumprimento da pena(001/2.16.0088360-3); JEFERSON foi condenado definitivamente pela prática de tráfico de drogas, com ocorrência do período depurador da reincidência (037/2.11.0001600-0); pela prática do delito de ameaça (037/2.17.0003848-9).
Impõe-se, em adição, a observação de que“ A prisão cautelar pode ser decretada para garantia da ordem pública potencialmente ofendida, especialmente nos casos de: reiteração delitiva, participação em organizações criminosas, gravidade em concreto da conduta, periculosidade social do agente, ou pelas circunstâncias em que praticado o delito (modus operandi)” (Jurisprudência em Teses, Edição nº 32, tese 12), tendo sido verificado no caso concreto que o investigado satisfaz os parâmetros indicados como aptos a ensejar a prisão preventiva.
Nesse contexto, a prisão se mostra necessária e adequada para a própria credibilidade da Justiça, a qual restará aviltada se, diante da insistência do representado em comportar-se de forma contrária ao ordenamento, não for decretada sua segregação cautelar."
Quando da manutenção da custódia cautelar, o Magistrado singular assim consignou (fl. 1.101):
"Em que pesem os argumentos defensivos, não há elementos novos trazidos aos autos do processo que justifiquem conclusão diversa daquela expressa na decisão que decretou a prisão preventiva do investigado, permanecendo íntegros os fundamentos lançados para se fixar a medida cautelar extrema.
À vista de uma leitura conjunta entre os arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal, entendo que o instituto da prisão preventiva se faz estritamente necessário no caso concreto.
Além da inexistência de alteração do quadro fático que motivou a decretação da prisão, tomo aqueles fundamentos também como razão de decidir, na forma em que o permite a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consoante os seguintes precedentes: HC 170.762-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 29/11/2019; HC 176.085-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 4/12/2019.
Outrossim, assentada a adequação, a necessidade e a proporcionalidade da segregação cautelar, não há falar em substituição por medidas menos gravosas, insuficientes para resguardar a ordem pública diante da gravidade concreta dos fatos apurados.
Isso, pois, primeiramente, em análise aos elementos investigativos já colhidos nos presentes autos e nos processos relacionados, vislumbra-se que o fato delituoso sob análise se reveste de especial gravidade concreta, tratando-se de associação criminosa para o tráfico, o qual, pela própria natureza delitiva, representa abalo considerável à ordem pública, corroborado pela reiteração delitiva e pela periculosidade do indivíduo.
Considerando tais circunstâncias, observo a necessidade da manutenção da prisão preventiva.
Inobstante, surgindo a qualquer tempo novos fatos que demonstrem a desnecessidade da segregação provisória, poderá esta ser revista, o que também será feito na periodicidade estabelecida em lei."
O Tribunal de origem manteve a custódia, nos seguintes termos (fls. 1.151/1.158):
"Diante das circunstâncias do caso em apreço, denego a ordem postulada pelos fundamentos já expostos por ocasião do indeferimento da liminar, os quais reproduzo a fim de evitar desnecessária tautologia:
[...]
Conforme se verifica, a prisão preventiva foi decretada para garantia da ordem pública e em favor da conveniência de instrução criminal, diante da gravidade concreta e do perigo decorrente do estado de liberdade dos investigados.
Segundo narra a exordial acusatória, "os denunciados formaram consórcio criminoso voltado à exploração da narcotraficância, mediante divisão das tarefas inerentes ao exercício de tal prática delituosa. Com esse propósito, os denunciados Christian e Geovane exercem a função de fornecedores de entorpecentes, vendendo-os ao acusado Dionathan, o qual os repassa para serem comercializados em seus pontos de tráfico (...) Em datas sucessivas e reiteradas, no período de tempo supramencionado, os denunciados Christian e Geovane forneceram e venderam os entorpecentes mencionados no Relatório de Análise de Extração de Dados de Celular nos autos, ao acusado Dionathan, e este, por sua vez, encaminhou as drogas para seus pontos de tráfico, onde foram revendidas."(evento 1, INIC1).
O fumus comissi delicti está baseado nos relatórios de investigação policial (evento 1, RELINVESTIG3). Quanto a o periculum libertatis, de se ver que o paciente é investigado por participação consórcio criminoso voltado à exploração da narcotraficância, mediante divisão das tarefas inerentes ao exercício de tal prática delituosa, o que indica reiteração de condutas delitivas. E, consoante entendimento sedimentado das Cortes Superiores, justifica-se a prisão preventiva para fazer cessar ou diminuir a atuação de suposto integrante de organização criminosa.
Além disso, veja-se que o paciente é reincidente pela prática de tráfico de drogas (processo nº 001/2.16.0088360-3) e responde à ação penal nº 50152957920248210037, pela suposta prática do delito de tráfico de drogas e associação para o tráfico (evento 6, CERTANTCRIM3). Logo, há também necessidade da segregação cautelar diante do risco concreto de reiteração delitiva.
Por fim, destaco que eventuais condições pessoais favoráveis do paciente (emprego lícito e endereço fixo) não são suficientes, por si só, para garantir a liberdade provisória.
Preenchidos, portanto, os requisitos do artigo 312 e 313 do Código de Processo Penal, medidas cautelares alternativas à prisão não se mostram, por ora, suficientes para tutelar a garantia da ordem pública.
Mantenho o posicionamento no sentido de que a garantia da ordem pública, diante do risco concreto de reiteração delitiva e da suposta participação em organização criminosa, constitui motivação suficiente para justificar a medida extrema, de forma que não configurado constrangimento ilegal em desfavor do paciente."
O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento segundo o qual, considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP.
Convém, ainda, ressaltar que, considerando os princípios da presunção da inocência e a excepcionalidade da prisão antecipada, a custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP.
No caso dos autos, verifico estarem presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada. As instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, entenderam demonstradas a gravidade concreta da conduta e a periculosidade do paciente, evidenciadas pelas circunstâncias dos delitos, considerando que o agente, supostamente, integra associação criminosa voltada à exploração da narcotraficância, mediante divisão das tarefas inerentes ao exercício de tal prática delituosa, na qual exerce a função de fornecedor de entorpecentes, o que demonstra a necessidade da custódia a bem da ordem pública.
Destacou-se, ainda, que o paciente é reincidente pela prática de tráfico de drogas e responde a outra ação penal pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, evidenciando a imprescindibilidade da segregação cautelar diante do risco concreto de reiteração delitiva.
Tais circunstâncias, somadas à necessidade de interromper ou reduzir a atividade do grupo criminoso, enfraquecendo a atuação da facção, demonstram a necessidade da prisão preventiva, para garantia da ordem pública.
Nesse contexto, forçoso concluir que a prisão processual está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, não havendo falar, portanto, em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar a sua revogação.
A propósito, vejam-se os seguintes precedentes:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA. INTEGRA O SEGUNDO ESCALÃO DA ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. RISCO CONCRETO DE REITERAÇÃO DELITIVA. EXCESSO DE PRAZO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PARECER ACOLHIDO.
1. A prisão preventiva pode ser decretada, desde que haja prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, em decisão motivada e fundamentada acerca do receio de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado e da contemporaneidade da necessidade da medida extrema (arts. 311 a 316 do CPP).
2. A custódia preventiva está idoneamente motivada, especialmente para a garantia da ordem pública, vulnerada pela gravidade concreta do crime, haja vista que o recorrente ocupava o segundo escalão da associação criminosa (fl. 24), e ainda, pelo risco concreto de reiteração da delitiva, conforme destacado pelo Juízo de origem.
3. Como sedimentado em farta jurisprudência desta Corte, maus antecedentes, reincidência ou até mesmo outras ações penais ou inquéritos em curso justificam a imposição de segregação cautelar como forma de evitar a reiteração delitiva e, assim, garantir a ordem pública (RHC n. 156.048/SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe 18/2/2022) - (AgRg no HC n. 951.885/GO, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 26/11/2024).
4. O excesso de prazo não resulta de mero critério matemático, mas de uma ponderação do julgador, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, a evitar o retardamento injustificado da prestação jurisdicional (AgRg no RHC n. 197.279/SP, Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, DJe 16/8/2024).
5. Recurso em habeas corpus improvido.
(RHC n. 211.834/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. RÉU QUE INTEGRA, COM FUNÇÃO BEM DEFINIDA, GRUPO CRIMINOSO VINCULADO À FACÇÃO "PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL" (PCC). SEGREGAÇÃO DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. Caso em que as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida para a garantia da ordem pública, tendo em vista as circunstâncias concretas que envolvem o fato criminoso, apontando-se que o agravante fazia parte de uma associação criminosa complexa vinculada à facção criminosa "PCC", envolvendo várias pessoas (inclusive adolescentes) e dedicada ao tráfico de drogas na cidade de Ribeirão Preto, na qual o acusado desempenhava diversas funções bem definidas, incluindo: abastecimento de pontos de venda de drogas, monitoramento da atividade policial e comunicação com os demais membros do grupo, gestão contábil, armazenamento de dinheiro e entorpecentes, além da venda direta de drogas.
3. Relata-se, ainda, a apreensão de razoável quantidade de drogas, - 838 porções de cocaína pesando 253g, 2 sacos plásticos contendo 270g de cocaína, 189 porções de crack totalizando 80g e 208 porções de maconha, incluindo uma em formato de tijolo, somando 521g - cenário este que, além de reforçar a gravidade concreta da conduta imputada, corrobora o significativo envolvimento do agravante com a criminalidade, evidenciando sua periculosidade social e o risco à ordem publica, caso mantida sua liberdade.
4. O entendimento da Suprema Corte é no sentido de que "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015). Prisão preventiva, no caso vertente, devidamente justificada para a garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP.
5. Condições subjetivas favoráveis ao agravante não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes.
6. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública.
7. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC n. 962.158/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025, DJEN de 26/2/2025.)
Ressalta-se que a presença de condições pessoais favoráveis, como residência fixa e histórico de atividades lícitas, não impede a decretação da prisão preventiva.
No mesmo sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. OPERAÇÃO "HEADHUNTER CHELSEA". PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAÇÃO DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Havendo prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
2. Hipótese em que a organização criminosa, denominada "Chelsea", atua no tráfico de drogas em Santa Catarina, e seria um braço do Primeiro Grupo Catarinense - PGC, grupo criminoso voltado para prática de diversos crimes, dentre eles o tráfico de entorpecentes e de armas, roubo e posse (ou porte) ilegal de armas.
3. A prisão cautelar está devidamente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, diante da periculosidade concreta do agente, visando evitar a reiteração da conduta delitiva, porquanto o recorrente, integrante da organização criminosa, próximo das lideranças, tem como função o comércio da droga e a vigilância (atuante como "olheiro"). Em sua residência, foi encontrada caderneta com anotações da mercancia ilícita.
4. "A custódia cautelar visando a garantia da ordem pública legitima-se quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa" (RHC 122.182, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/8/2014).
5. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis ao agente, como primariedade, domicílio certo e emprego lícito, não representam óbice, por si sós, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela.
6. Recurso não provido.
(RHC 111.232/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 16/9/2019.)
Ademais, o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para manutenção da ordem pública.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. QUANTIDADE, VARIEDADE E NATUREZA DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS - 109 PORÇÕES DE MACONHA, 122 PINOS DE COCAÍNA E 104 PEDRAS DE CRACK. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art.
5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF). Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
3. Hipótese na qual o paciente foi preso em local conhecido como ponto de comércio ilícito de entorpecentes, em posse de expressiva quantidade e variedade de drogas, de natureza especialmente reprovável e embaladas de forma típica da traficância - 109 porções de maconha, pesando 172g; 122 pinos de cocaína, com peso de 102g e 104 pedras de crack, com massa de 18g -, além de R$ 97,25 em dinheiro. Ou seja, estão presentes indícios de dedicação às práticas delitivas que apontam para a necessidade da segregação como forma de manutenção da ordem pública.
4. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
5. Agravo desprovido.
(AgRg no HC 575.757/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 9/6/2020, DJe 18/6/2020.)
Nesse contexto, não verifico a presença de constrangimento ilegal capaz de justificar a revogação da custódia cautelar do paciente.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XVIII, a, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus .
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Defensoria Pública Do Estado De São Paulo (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo (Impetrado)
ID: 322973170
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0220730-20.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Advogados:
HC 1011965/SP (2025/0220730-0)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
IMPETRANTE
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTAD…
HC 1011965/SP (2025/0220730-0)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
IMPETRANTE
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE
:
GUILHERME FERREIRA DE MOURA
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Para melhor compreensão da controvérsia e para fins de economia e celeridade processuais, adoto, em parte, o relatório de fl. 75 (e-STJ):
"Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de GUILHERME FERREIRA DE MOURA, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Consta dos autos que o paciente foi condenado como incurso no art. 33, ,caput da Lei n. 11.343/2006, à pena de 5 anos de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de 500 dias-multa. Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça negou provimento ao apelo defensivo.
No presente writ, a impetrante sustenta que a condenação do paciente se baseia em um conjunto probatório frágil, composto principalmente por depoimentos policiais e denúncia anônima, sem corroboração de outras provas.
Argumenta que a quantidade de droga apreendida é compatível com uso pessoal e que não há elementos que comprovem a mercancia.
Invoca a presunção de uso pessoal estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal para pequenas quantidades de drogas e a jurisprudência que rechaça condenações baseadas exclusivamente em depoimentos policiais.
Requer, assim, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem para reformar o acórdão e absolver o paciente. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação da conduta para uso pessoal ou que seja reconhecida e aplicada a causa especial de diminuição de pena do tráfico privilegiado, com readequação da pena e fixação de regime inicial aberto."
O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 75-76).
As informações foram prestadas pelo Tribunal de origem (e-STJ fls. 83-100.
O Ministério Público Federal oficiou pelo não conhecimento do habeas corpus e, no mérito, pela concessão da ordem de ofício, em parecer assim ementado (e-STJ fls. 102-110):
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PESSOAL. 5, 32 GRAMAS DE MACONHA/HAXIXE. TEMA 503/STF. PEQUENA QUANTIDADE. INTUITO DE MERCANCIA NÃO DEMONSTRADO. CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. A ordem não comporta conhecimento, pois incabível a impetração de habeas corpus em substituição a recurso previsto no ordenamento jurídico, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício, na linha do entendimento firmado pela Terceira Seção dessa Colenda Corte no HC 482549/SP. 2. Por força do julgamento do Recurso Extraordinário nº 635659, pelo Supremo Tribunal Federal, restou consolidada a tese segundo a qual "será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas" - Tema 506/STF. 3. Trata-se de decisão despenalizadora, que visa a afastar a repercussão criminal para os casos de consumo pessoal de droga e definir um critério objetivo para auxiliar policiais e agentes do sistema de justiça na diferenciação entre usuário e traficante. É uma medida que busca evitar a utilização de critérios variados e seletivos que sejam determinados centralmente por policiais e que prejudiquem predominantemente o jovem negro e pobre. 4. Embora a denúncia anônima especificada seja aceita como fundada razão para a abordagem pessoal, afastando, desse modo, a nulidade alegada em sede de preliminar, é incontroverso que a maior parte da droga apreendida não foi encontrada em posse do paciente, mas, sim, nas proximidades do local da abordagem. 5. Observa-se, ainda, que nenhum ato de mercancia ou mesmo conduta para se livrar da droga por parte do réu foi narrada pelos policiais, tendo sido concluído que se tratava de tráfico por terem as drogas escondidas a mesma embalagem das duas porções de maconha e uma de haxixe portadas pelo paciente. Logo, concluíram as instâncias de origem, seriam de sua propriedade, além do cigarro que portava, também as drogas encontradas nas redondezas do local da abordagem. Quanto ao ponto, de relevo que o raciocínio em sentido inverso também se mostra plausível e consentâneo com as declarações do réu, o qual alegou ter recém adquirido a pequena quantidade de droga apreendida em seu poder. 6. A situação fática descrita nos autos não é suficiente para fundamentar, por si só, a subsunção da conduta ao delito de tráfico de drogas. Isso porque a quantidade reduzida de droga, sem provas inequívocas de mercancia, permite a desclassificação do crime de tráfico para uso pessoal. Ademais, a ausência de petrechos ou flagrante de atos típicos de traficância reforça a condição de usuário. 7. Desse modo, admissível a desclassificação em casos excepcionais, com base na presunção de inocência" (AgRg no AR Esp n. 2.698.415/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 18/3/2025.) 8. Parecer pelo não conhecimento do habeas corpus e, no mérito, pela sua concessão de ofício.
É o relatório.
Decido.
É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que o habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, salvo em casos de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia (AgRg no HC n. 972.937/MT, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 26/3/2025; AgRg no HC n. 985.793/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025; AgRg no HC n. 908.616/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 24/3/2025.
Em igual sentido, confiram-se os seguintes arestos da Primeira e da Segunda Turmas do Supremo Tribunal Federal:
"Do ponto de vista processual, o caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental (cabível na origem). Nessas condições, tendo em vista a jurisprudência da Primeira Turma desta Corte, entendo que o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita (HC 115.659, Rel. Min. Luiz Fux) (...) A orientação jurisprudencial deste Tribunal é no sentido de que o “habeas corpus não se revela instrumento idôneo para impugnar decreto condenatório transitado em julgado” (HC 118.292-AgR, Rel. Min. Luiz Fux). 4. O caso atrai o entendimento desta Corte no sentido de que não cabe habeas corpus para reexaminar os pressupostos de admissibilidade de recurso interposto perante outros Tribunais (HC 146.113-AgR, Rel. Min. Luiz Fux; e HC 110.420, Rel. Min. Luiz Fux). (...)
(HC 225896 AgR, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 17/5/2023).
"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. REGIME DE CUMPRIMENTO FECHADO: ADEQUAÇÃO. ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO. ILEGALIDADE MANIFESTA: AUSÊNCIA. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido da inviabilidade de utilização do habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, salvo em casos de manifesta ilegalidade. Precedentes. 2. Ainda que fixada a pena em quantum não superior a 8 anos de reclusão, não há ilegalidade na definição do regime fechado, uma vez consideradas as especifidades do caso concreto. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."
(HC 243329 AgRg, Relator Ministro André Mendonça, Segunda Turma, julgado em 17/02/2025, DJe de 07/03/2025)
Analisando-se os autos, não se verifica de plano flagrante ilegalidade a ensejar a concessão da ordem de ofício, na forma do art. 647-A do Código de Processo Penal.
Do voto condutor do acórdão recorrido, extraem-se as seguintes razões de decidir (e -STJ fls. 65-68):
"A delação anônima vem sendo plenamente admitida em nosso ordenamento jurídico e perfeitamente apta a determinar investigações preliminares, com a consequente instauração de IP, mormente porque o próprio Poder Público as incentiva, mantendo vários canais de comunicação sem identificação do delator, como, por exemplo, “disk-denúncia”, aplicativos e outras plataformas digitais. Foi o que aconteceu no presente caso: policiais civis do setor de inteligência, depois de receberam delação apócrifa de que o apelante já conhecido dos meios, por ter sido preso recentemente por idêntico delito, além de apreendido duas vezes na adolescência - estaria comercializando drogas, efetuaram diligências e com ele encontraram os entorpecentes, confirmando a informação primeira e constatando a veracidade da notícia.
Nesse sentido: “A INVESTIGAÇÃO PENAL E A QUESTÃO DA DELAÇÃO ANÔNIMA. DOUTRINA. PRECEDENTES. PRETENDIDA EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO, COM O CONSEQÜENTE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. DESCARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas” (STF, HC nº 100042-MC/RO, Rel. Ministro CELSO DE MELO, D Je-190 DIVULG 07/10/2009 PUBLIC 08/10/2009).
“HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA” (STJ, 5ª Turma, HC nº 64.096/PR, Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, J. 27/05/2008, D Je 04/08/2008).
A acusação é de que, segundo a denúncia, aos “(...) 17 de setembro de 2023, por volta das 14h40min, no cruzamento de Rua Acácio Kotona com a Rua Pedro Lopes Dias, bairro Vila Nova, município e comarca de Registro, GUILHERME FERREIRA DE MOURA, qualificada em fl. 6, guardava e trazia consigo, para fins de tráfico, 11 (onze) porções de maconha, com peso bruto total aproximado de 120,20 gramas, e 01 (uma) porção de haxixe, com peso bruto total aproximado de 1,32 gramas, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 18/19 e laudo de exame químico-toxicológico de fls. 67/70” (fls. 81/82).
Interrogado, admitiu o porte de duas porções de maconha e uma de haxixe, recém-adquiridas, para consumo próprio, refutando a propriedade das demais. Estava com um cigarro de maconha quando a polícia chegou.
Os policiais civis Rogério e Leopoldo confirmaram a delação de narcotráfico, encontrando porções de entorpecentes e idênticas unidades nas proximidades quando, indagado, o apelante alegou a uso próprio, porém sem trazer qualquer apetrecho necessário.
Prova suficiente.
Anote-se que os depoimentos dos agentes são harmônicos e coerentes, não havendo comprovação de qualquer animosidade anterior a justificar infundada acusação. Nesse contexto, a certeza do tráfico é aferível pela circunstância da diligência, encetada por delação apócrifa, cuja veracidade foi constatada com a localização de drogas com o apelante, cuja natureza, quantidade e forma de condicionamento das drogas, fracionadas em porções prontas à venda, aliada aos inexoráveis dizeres dos agentes públicos, tornam certa a autoria, não remanescendo quaisquer dúvidas quanto ao destino a terceiros, e não ao seu consumo isolado, até porque eventual condição de usuário não seria impeditiva da realização concomitante do comércio clandestino, descartando-se a desclassificação para uso, como aduzido em autodefesa, suplantando, pelas mesmas razões, a alegada atipicidade.
Ademais, por ser o crime de tráfico de ação múltipla, pois apresenta várias formas objetivas de violação do tipo penal, basta, para a consumação do injusto, a prática de um dos verbos ali previstos (STJ - AgRg no R Esp 736729/PR - Ministro OG FERNANDES - Sexta turma - Dje 02/05/2013).
De igual modo, a materialidade está estampada no laudo definitivo às fls. 67/70." (destaques acrescidos)
Da sentença condenatória, extrai-se um resumo das declarações dos policiais civis e do contexto da prisão em flagrante (e-STJ fl. 38):
"Igualmente certa é a autoria que recai na pessoa do acusado GUILHERME FERREIRA DE MOURA. Senão, vejamos. O acusado GUILHERME FERREIRA DE MOURA declarou que efetivamente estava portando duas porções de maconha e uma de haxixe que tinha acabado de comprar. Salientou que o material era destinado ao consumo do declarante. Disse que conseguiu dinheiro trabalhando num bananal no bamburral. Finalizou dizendo que estava com um cigarro de maconha quando a Polícia chegou. Acrescentou que gastou cento e vinte reais no material. A confissão do acusado quanto à propriedade do material foi corroborada por todas as outras provas produzidas sob o crivo do contraditório. Entretanto, a negativa quanto ao destino do material para o tráfico fora completamente rechaçada pela prova oral produzida. Da prova oral colho: A testemunha Rogério Abrahão Pereira, policial civil, declarou que recebeu informação na Delegacia Especialidade acerca da tráfico de drogas envidado pelo requerido que já é conhecido dos meios policiais. Salientou que o réu já fora apreendido por duas vezes. Disse ter ido ao local da informação e encontrado com o acusado portando os entorpecentes, bem como encontrando mais drogas nas redondezas. Asseverou que o réu afirmara que o material se destinava ao uso e não ao tráfico, porém com ele não fora encontrado nem apetrecho para o uso. Anotou que o local da prisão é conhecido como ponto de venda de drogas e que o irmão do acusado também fora preso recentemente pelo comércio espúrio. A testemunha Leopoldo Rafael Dutil Goreri, policial civil, ratificou as palavras do colega. Acresceu que a droga encontrada próximo ao acusado tinha as mesmas características do material que fora encontrada com o réu. Salientou que o requerido já tinha sido preso anteriormente por tráfico" (destaques acrescidos)
Como se observa dos trechos acima transcritos, conforme depoimentos dos policiais civis, estes receberam a informação de que o paciente praticava o crime de tráfico de drogas, sendo, tanto o paciente, quanto o local dos fatos, já conhecidos dos meios policiais, pois este já tinha sido preso por tráfico anteriormente, além de apreendido pelo mesmo delito em outras duas ocasiões.
No local indicado, os policiais encontraram o paciente, o qual trazia consigo, 11 porções de maconha, com peso bruto total aproximado de 120,20 gramas, e 1 porção de haxixe, com peso bruto total aproximado de 1,32 gramas, sendo que parte da droga se encontrava com o paciente e parte nas redondezas. Mais especificamente, segundo a denúncia, o paciente trazia consigo 2 porções grandes de maconha e 1 saquinho contendo maconha e haxixe, devidamente embalados, e foram encontradas 8 porções de maconha em sacos de lixo próximos de onde ele estava.
Neste contexto, considerando a quantidade da droga apreendida, a forma de acondicionamento dos entorpecentes e as circunstâncias da prisão em flagrante, por meio do habeas corpus, não se pode operar um juízo de desclassificação para a conduta de consumo pessoal de drogas sem aprofundado reexame do arcabouço fático-probatório dos autos. Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR. FUNDADAS RAZÕES. PROVA LÍCITA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. QUANTIDADE, NATUREZA E FORMA COMO ACONDICIONADA A DROGA CARACTERIZAM O TRÁFICO. CONFISSÃO. MERO USUÁRIO. NÃO APLICAÇÃO DA ATENUANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(...) III. Razões de decidir 5. O ingresso em domicílio sem mandado judicial foi considerado válido, pois havia fundadas razões e situação de flagrante delito, conforme depoimentos dos policiais e provas materiais, não havendo nulidade das provas.
6. A desclassificação para uso de drogas foi rejeitada, pois a quantidade e a forma de acondicionamento das substâncias apreendidas indicam tráfico, não sendo suficiente a alegação de uso pessoal.
7. A atenuante de confissão espontânea não foi reconhecida, pois o acusado não admitiu a prática do tráfico de drogas, apenas alegou ser usuário, o que não configura confissão para fins de atenuação da pena.
IV. Dispositivo e tese 8. Agravo regimental desprovido. (...) (AgRg no HC 944249 / SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/12/2024, DJEN 23/12/2024)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA CONFIGURADA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME PARA A CONDUTA PREVISTA NO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO VEDADO. ILEGALIDADE FLAGRANTE NÃO EVIDENCIADA.
(...) III - No presente caso, as instâncias ordinárias assentaram que os policiais militares faziam patrulhamento de rotina em local conhecido como ponto de tráfico de entorpecentes, quando avistaram o agravante, já conhecido no meio policial pelo envolvimento com o tráfico, o qual acelerou o passo, com vistas a empreender fuga, tendo sido apreendidos na revista pessoal 14 (quatorze) pinos de cocaína, não havendo que se falar em ausência de fundada suspeita para a busca pessoal. Precedentes.
IV - No presente caso, a Corte de origem concluiu pela impossibilidade de desclassificação da conduta do paciente para aquela prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 com fulcro nos depoimentos dos policiais e na quantidade e na forma de acondicionamento dos entorpecentes, a ensejar a conclusão pelo dolo da mercancia, tudo em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior.
V - O rito do habeas corpus não admite o revolvimento de matéria fático-probatória, de modo que não há que se falar em desconstituição das conclusões bem exaradas pelo Tribunal local.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 913025 / SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/08/2024, DJe 19/08/2024)
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO DE CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
(...) II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se é possível a desclassificação da conduta de tráfico de drogas para posse de drogas para uso próprio, sem reexame de provas, o que é vedado em sede de recurso especial.
III. Razões de decidir 5. A decisão agravada considerou que a desclassificação da conduta demandaria reexame de fatos e provas, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
6. O Tribunal de origem já havia reconhecido a existência de elementos de prova suficientes para embasar a condenação por tráfico de drogas, sendo soberano na análise do acervo fático-probatório.
IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 2476061 / ES, Relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, 22/04/2025, DJEN 30/04/2025)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. FUNDAMENTOS DA DECISÃO QUE INADMITIU O RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(...) III. Razões de decidir 3. A ausência de impugnação específica e concreta de todos os fundamentos da decisão de inadmissibilidade do recurso especial inviabiliza o conhecimento do agravo, conforme preconiza a Súmula n. 182/STJ.
4. O agravante limita-se a apresentar afirmações genéricas no sentido de que não há necessidade de reexame de provas, sem demonstrar, de forma concreta e contextualizada, como a análise das teses recursais prescindiria do revolvimento fático-probatório.
5. A jurisprudência do STJ exige, para afastar a aplicação da Súmula n. 7/STJ, argumentação individualizada e cotejo específico entre as razões recursais e os fundamentos do acórdão recorrido, o que não ocorreu na hipótese.
6. A pretensão de desclassificação do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) para porte para uso pessoal (art. 28 da mesma lei) exige análise de elementos fáticos do caso concreto, como natureza e quantidade da substância, local do fato, conduta e antecedentes do agente, tornando indispensável o reexame probatório.
7. O princípio da dialeticidade recursal impõe que a parte agravante enfrente todos os fundamentos da decisão agravada de forma específica, sob pena de não conhecimento do recurso, nos termos do art. 932, III, do CPC/2015, aplicado ao processo penal por força do art. 3º do CPP.
IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo regimental não provido. (...) (AgRg no AREsp 2754983 / SP, Relator Ministro Otávio De Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP, Sexta Turma, 22/04/2025, DJEN 29/04/2025)
Por fim, em atenção ao parecer ministerial, anoto não serem aplicáveis as teses fixadas no julgamento do Tema 506 da repercussão geral do egrégio Supremo Tribunal Federal, ante o quantum de maconha apreendido em poder do paciente, bastante superior ao montante (40 gramas).
Além disso, não se vislumbra que a abordagem policial tenha refletido um "retrato mais escancarado de um sistema classista, racista e punitivo, que tem um discurso de poder amparado no apelo à segurança pública e na negligência de políticas estatais e judiciárias que contenham a mortalidade e o aprisionamento em massa da população pobre".
Os policiais receberam denúncia anônima especificada, informando a prática de tráfico de drogas pelo paciente e o local onde ocorria traficância, sendo que, reitere-se, tanto o paciente, quanto o local, ambos, já eram conhecidos dos policiais.
No ponto, importa registrar que, conforme constou no voto-vista do Ministro Joel Ilan Paciornik, no AREsp 1936393 / RJ, "O depoimento policial tem a natureza jurídica de prova testemunhal e deve ser valorado enquanto tal. Dessa forma, o testemunho policial não pode ser, aprioristicamente, sobrevalorizado, sob o único argumento de que o policial goza de fé pública, tampouco pode ser subvalorizado, sob a justificativa de que sua palavra não seria confiável para, isoladamente, fundamentar uma condenação.".
Para além da palavra dos policiais no sentido de que o paciente já era conhecido pela prática do delito de tráfico de drogas no indicado local, ele, segundo constou no acórdão recorrido, possui condenação pela prática deste delito e duas apreensões enquanto menor.
Não se está, por óbvio, justificando-se abordagens pela simples reincidência, mas apenas corroborando-se que a abordagem policial não decorreu de impressões subjetivas dos policiais, tampouco o paciente foi escolhido a esmo na rua ou em razão de suas características físicas ou de condição econômico-social.
Logo, a busca pessoal decorreu do exercício regular da atividade de policiamento conduzida pelos agentes de segurança pública. A propósito, nesse sentido, confiram-se os seguintes arestos de ambas as Turmas Criminais deste Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006. BUSCA DOMICILIAR. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. DILIGÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO DE DENÚNCIA ANÔNIMA ESPECIFICADA. EXERCÍCIO REGULAR DA ATIVIDADE INVESTIGATIVA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou o entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados". (AgRg no HC n. 819.903/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023.)
2. Na hipótese, o ingresso em domicílio está fundado em 'denúncia anônima especificada' seguida da confirmação detalhada das características descritas da residência da suspeita. Desse modo, a denúncia anônima foi minimamente averiguada, sendo que a busca domiciliar traduziu-se em exercício regular da atividade de policiamento ostensivo conduzida pelos agentes de segurança, o que justificou a abordagem.
3. Investigação policial e diligências prévias que redundam em acesso à residência do acusado não se traduz em constrangimento ilegal, mas sim em exercício regular da atividade investigativa promovida pelas autoridades policiais. (AgRg no RHC n. 169.456/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022)
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 834794 / TO, Relator Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, 15/08/2023, DJe 22/08/2023)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO CONFIGURAÇÃO. BUSCA DOMICILIAR. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. DILIGÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO DE DENÚNCIA ANÔNIMA ESPECIFICADA. AUTORIZAÇÃO DE INGRESSO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INVIÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- "Esta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual, em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, inquérito policial ou procedimento investigativo, tal medida somente se verifica possível quando ficar demonstrado - de plano e sem necessidade de dilação probatória - a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade" (AgRg no RHC n. 159.796/DF, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 31/3/2023.).
- O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou o entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados".
- In casu, a Corte local, soberana na delimitação do quadro fático-probatório, firmou que houve autorização para o ingresso dos policiais na residência do agravante. Para se concluir, eventualmente, que a dinâmica dos fatos foi distinta da narrada na origem, impõe-se aguardar a instrução criminal, onde será possível à defesa produzir provas no sentido de que não fora autorizada a entrada dos policiais no domicílio do agravante.
- Na hipótese, o ingresso em domicílio está fundado em 'denúncia anônima especificada' seguida da confirmação detalhada das características descritas da residência do suspeito. Desse modo, a denúncia anônima foi minimamente averiguada, sendo que a busca domiciliar traduziu-se em exercício regular da atividade de policiamento ostensivo conduzida pelos agentes de segurança, o que justificou a abordagem, especialmente, em face do consentimento do morador.
- Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 819903 / GO, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/06/2023, DJe 16/06/2023)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. BUSCA PESSOAL. DENÚNCIA ANÔNIMA ESPECIFICADA. EXISTÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 2. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUTORIA E MATERIALIDADE. TEMA JÁ ANALISADO EM APELAÇÃO. RENOVAÇÃO DA TESE EM REVISÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E DE PROVAS. 3. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Revela-se manifesta a existência de fundadas razões para a abordagem do paciente, uma vez que os policiais receberam uma denúncia anônima especificada, indicando as pessoas, suas características e vestimentas, contexto que revela dados concretos, objetivos e idôneos aptos a legitimar as diligências. Desse modo, a busca pessoal traduziu exercício regular da atividade investigativa promovida pela autoridade policial.
- Não se vislumbra, portanto, qualquer ilegalidade na atuação dos policiais, "amparados que estão pelo Código de Processo Penal para abordar quem quer que esteja atuando de modo suspeito ou furtivo, não havendo razão para manietar a atividade policial sem indícios de que a abordagem ocorreu por perseguição pessoal ou preconceito de raça ou classe social, motivos que, obviamente, conduziriam à nulidade da busca pessoal, o que não se verificou no caso". (AgRg no HC n. 832.832/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.)
2. A Corte local considerou que a autoria e a materialidade estariam devidamente comprovadas, com base no acervo probatório, já analisado por ocasião do julgamento do recurso de apelação, não havendo nenhum elemento novo que autorizasse a revaloração do conjunto probatório em revisão criminal. Nesse contexto, reafirmo que não se mostra possível igualmente o revolvimento dos fatos e das provas em habeas corpus, uma vez que se trata de ação constitucional de rito célere e de cognição sumária.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 930096 / SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN 03/12/2024)
Ante o exposto, na forma do art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus e, na análise de ofício, não visualizo elementos capazes de caracterizar flagrante ilegalidade.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
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1. Matheus Mattos Gregorio (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo (Impetrado)
ID: 328385606
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0243537-34.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
MATHEUS MATTOS GREGORIO
OAB/SP XXXXXX
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HC 1016538/SP (2025/0243537-0)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
IMPETRANTE
:
MATHEUS MATTOS GREGORIO
ADVOGADO
:
MATHEUS MATTOS GREGORIO - SP459677
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTA…
HC 1016538/SP (2025/0243537-0)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
IMPETRANTE
:
MATHEUS MATTOS GREGORIO
ADVOGADO
:
MATHEUS MATTOS GREGORIO - SP459677
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE
:
ANDRE BEZERRA DE OLIVEIRA
CORRÉU
:
MARCOS FERNANDO RODRIGUES DOS SANTOS
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de ANDRE BEZERRA DE OLIVEIRA, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO no julgamento da Apelação Criminal n. 1501705-03.2022.8.26.0320.
Consta dos autos que o paciente foi condenado às penas de 9 anos e 4 meses de reclusão no regime fechado e pagamento de 1.399 dias-multa, como incurso nas sanções dos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, sendo-lhe concedido o direito de recorrer em liberdade.
A apelação criminal interposta pela defesa teve o provimento negado pelo Tribunal estadual, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 134):
EMENTA: Tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico (art. 33, 'caput', e art. 35, ambos da Lei de drogas, na forma do art. 69 do Código Penal). Preliminares inconsistentes. Ausência de irregularidades na ação policial e revista pessoal dos réus, além de apreensão de drogas em residência. Presentes fundadas razões para a abordagem e ação policial. Desnecessidade de ordem judicial. Diligências dentro da legalidade. Precedentes desta C. Câmara Criminal. Mérito. Crimes caracterizados, integralmente. Flagrante inquestionável. Circunstâncias da prisão, quantidade de droga e petrechos que revelam a mercancia ilícita como finalidade. Palavras coerentes e incriminatórias de Policiais Militares. Versões exculpatórias inverossímeis. Inocorrência de excludentes de ilicitude. Inexigibilidade de conduta diversa não caracterizada. Condenação mantida. Associação para o tráfico caracterizada. Preparação, guarda e venda de drogas em conluio, com clara divisão de tarefas e estabilidade entre os agentes. Necessidade condenatória imperiosa. Apenamento acertado. Pena-base corretamente majorada. Inaplicabilidade da confissão espontânea. Atenuante não caracterizada. Alegações do réu com finalidade única de exculpar-se. Versão que em nada contribuiu ao deslinde do feito, não servindo de suporte para a condenação nem influindo no convencimento do Magistrado de origem. Inaplicabilidade do art. 33, §4º, da Lei de Drogas. Regime fechado único possível. Substituição da corporal inaplicável. Apelos improvidos, rejeitadas as preliminares.
A condenação transitou em julgado em 5/2/2025 (AREsp n. 2.667.485/SP).
Daí o presente writ, no qual o impetrante postula a absolvição do paciente, aduzindo a nulidade das provas obtidas, visto que os policiais teriam ingressado no domicílio do suspeito sem que houvesse fundadas razões indicando a ocorrência de flagrante delito em seu interior, mandado judicial ou consentimento dos moradores, o que caracterizaria invasão de domicílio.
Nesse sentido, argumenta que "o corréu Marcos não era morador, locatório ou proprietário do imóvel, não sendo possível em qualquer hipótese legal, a autorização de um terceiro para o ingresso dos policiais na residência do réu André" (e-STJ fl. 6), asseverando que "[o]s policiais militares supostamente teriam recebido informações anônimas do comércio de drogas na residência, no entanto, sem qualquer outro elemento concreto que pudesse colaborar com a denúncia anônima, invadiram a residência para apurar a denúncia" (e-STJ fl. 7).
Acrescenta a impossibilidade de condenação do paciente pelo delito de associação para o tráfico, pois não teria sido demonstrada a estabilidade e permanência da associação, conforme exigido pelo art. 35 da Lei n. 11.343/2006.
Requer, assim, a concessão da ordem para absolver o paciente.
O Ministério Público Federal, por meio do parecer exarado às e-STJ fls. 166/169, opinou pelo não conhecimento do habeas corpus, ou, se conhecido, pela denegação da ordem.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio. Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Na espécie, embora o impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Como é de conhecimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616/RO, apreciando o Tema n. 280 da repercussão geral, fixou a tese de que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados".
Dessa forma, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito em questão.
Vale asseverar que, diversamente do que ocorre em relação aos demais direitos fundamentais, o direito à inviolabilidade de domicílio se destina a proteger não somente o alvo de eventual atuação policial abusiva, mas todo o grupo de pessoas residentes no local da diligência. Desta forma, ao adentrar em determinada residência à procura de drogas ou produtos de outro ilícito criminal, poderão ser eventualmente violados direito à intimidade de terceiros, situação que, por si só, demanda maior rigor e estabelecimento de balizas claras na realização desse tipo de diligência.
De outro lado, modificando-se o foco da jurisprudência até o presente consolidada, necessário enfatizar que não se pode olvidar também que a dinâmica, a capilaridade e a sofisticação do crime organizado, inclusive do ligado ao tráfico de drogas, exigem postura mais efetiva do Estado. Nesse diapasão, não se desconhece que a busca e apreensão domiciliar pode ser de grande valia à cessação da mencionada espécie de criminalidade e à apuração de sua autoria.
Assim, imprescindível se mostra a consolidação de entendimento no sentido de que o ingresso na esfera domiciliar para a apreensão de drogas ou produtos de outros ilícitos penais, em determinadas circunstâncias, representa legítima intervenção restritiva do Estado, mas tão somente quando amparada em justificativa que denote elementos seguros, aptos a autorizar a ação de tais agentes públicos, sem que os direitos à privacidade e à inviolabilidade sejam vilipendiados.
Na esteira de tal salutar equilíbrio, resultado ao fim e ao cabo de um necessário juízo de ponderação de valores e levando-se em consideração a inexistência de direito, ainda que de índole fundamental, de natureza absoluta, alguns parâmetros objetivos mínimos para a atuação dos agentes que agem em nome do Estado podem e devem ser estatuídos.
Exemplificativamente, a diligência estaria convalidada se demonstrado: que, de modo inequívoco, houve consentimento do morador livremente prestado; que, uma vez abordado em atitude suspeita, o sujeito pôs-se, de forma imotivada, em situação de fuga, sendo posteriormente localizado em situação de flagrância (situação que diverge da busca do abrigo domiciliar por cidadão que se vê acuado por abordagem policial truculenta, em especial em áreas de periferia); que a busca efetuada resultou de situação de campana ou de investigação, de ação de inteligência prolongada, não de acaso ou fortuito desdobramento de fatos antecedentes; que a gravidade de eventual crime de natureza permanente, como o tráfico ilícito de droga, denotada, por exemplo, pelo vulto e quantidade da droga, mostre que, ante a estabilidade e organização da célula criminosa, o ambiente utilizado se volte, precipuamente, para a prática do delito, não para uso domiciliar do cidadão, verdadeiro objeto de proteção do Texto Constitucional.
Do dilema e da ponderação estabelecidos supra, percebe-se que a situação narrada neste e em inúmeros outros processos que chegam a esta Corte Superior dizem respeito ao que se entende por significado concreto de Estado Democrático de Direito, em especial em relação à parcela economicamente menos favorecida da população, sem se olvidar, contudo, a legitimidade de que os órgãos de persecução se empenhem, com prioridade, em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, ligados ao tráfico ilícito de drogas e à criminalidade organizada. Assim, o equilíbrio se faz necessário na avaliação dos valores postos em confronto, tendo-se como norte as garantias estatuídas no Texto Constitucional, desdobradas na legislação processual penal de regência.
Na hipótese, colhe-se da sentença condenatória (e-STJ fls. 111/116):
Ao que se apurou, em data incerta, porém anterior à data acima descrita, os denunciados reuniram-se e passaram a explorar o tráfico ilícito de drogas, de forma organizada, usando para tanto o local dos fatos, residência alugada pelo denunciado André.
Consta, ainda, que os denunciados, obtiveram grande quantidade de entorpecentes e, em seguida, armazenaram na residência do local dos fatos, alugada por André para tal finalidade.
Ao que se apurou, na ocasião supramencionada, os denunciados tinham em depósito as drogas supramencionadas para fins de comercialização.
Ocorre que policiais militares do grupamento especial denominado “Baep/Piracicaba” realizavam operação de combate ao tráfico ilícito de drogas, munidos de informes anônimos de que no local dos fatos uma pessoa de prenome André guardava drogas para venda a terceiros. Na ocasião, diligenciaram pelo logradouro supra, oportunidade em que avistaram Marcos adentrar a residência, instante em que o abordaram. Ao ser indagado, informalmente Marcos admitiu que havia tóxicos na casa e indicou onde eles estavam acondicionados.
Em continuidade à diligência, segundo indicações do denunciado retromencionado, os agentes públicos encontraram e apreenderam, dentro de uma caixa grande, dois tijolos de maconha; duas balanças de precisão pequenas; treze embalagens de sacos plásticos tipo “zip lock”, contendo cem unidades cada, todas vazias; duas porções de pó branco acondicionados em pote plástico e uma garrafa de vidro contendo substância com aparência de éter.
Ao lado da referida caixa, os policiais militares encontraram e apreenderam quatro embalagens de tubetes do tipo “eppendorf” vazios. Seguidamente, no interior de uma caixa menor, os agentes públicos encontraram e apreenderam quinhentos e vinte e três papelotes contendo “maconha”, acondicionados em vinte e três invólucros, sendo que um deles estava dichavado; quatro porções de cocaína a granel; duzentos e dezessete flaconetes preenchidos com a mesma droga, acondicionados em quatro embalagens e cinco cartelas de adesivos para colagem nos flaconetes. Logo após, ao lado da caixa menor os policiais militares encontraram uma peneira e um liquidificador.
Em seguida, os agentes públicos encontraram documentos pessoais de André (CNH, CTPS, Certidão de nascimento e currículo), o qual era o locatário da casa, segundo delação informal de Marcos. Logo após, Marcos foi preso em flagrante delito.
[...]
Então, não houve violação de domicílio, por se tratar o tráfico de drogas de delito de crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo.
Não bastasse, cabe ainda chamar a atenção que, no caso concreto, a Polícia Militar possuía informações de que aquele local era ponto para a prática do delito em questão, tendo se dirigido até o local a fim de verificar a procedência da delação apócrifa apontando o nome de André como locatário do imóvel destinado ao comércio de drogas.
Lá chegando, os guardas avistaram o acusado Marcos, que estava ingressando no local. Neste momento, Marcos confessou aos agentes públicos o motivo de estar ali, confirmando a prática do delito e informou que a residência era utilizada para o armazenamento de drogas que seriam, posteriormente, destinadas a comercialização nos pontos de venda no bairro. Para tanto, Marcos era o gerente e realizava a logística de distribuição pelo bairro, ao passo que André era o dono do ponto de drogas, com nítida distribuição de funções entre os agentes.
Após a confissão informal e a delação em relação ao fim que se destinava aquele imóvel, na presença do acusado Marcos, os policiais ingressaram na residência, local onde verificaram a presença de diversas substâncias tóxicas e equipamentos utilizados no tráfico ilícito de entorpecentes (Eppendorfs vazios, sacos plásticos com fechamento do tipo “zip”, balança de precisão digital, peneira, reagentes, adesivos com inscrições “Bolívia/Paraguai”).
Além disso, foram encontrados documentos do corréu André no interior da habitação, que é locatário do imóvel em questão. Em audiência de instrução, André confessou que armazenava drogas naquela residência a mando de terceiros.
Em resumo, os réus estavam em comportamento típico de tráfico ilícito de entorpecentes, mas foram interrompidos pela ação da Polícia Militar, havendo prisão em flagrante do acusado Marcos, que buscava drogas no imóvel alugado pelo réu André, com a intenção de comercializar os entorpecentes em biqueiras existentes naquele bairro.
Os elementos trazidos pelos agentes públicos corroboraram a fundada suspeita da ocorrência de crime de tráfico no imóvel residencial onde o denunciado Marcos estava, de crime considerado permanente, o que justificou a busca e apreensão sem mandado judicial.
Havendo, portanto, sérios e concretos indicativos da prática de tráfico no local dos fatos, não há que se falar em afronta à tese firmada em sede de repercussão geral no Recurso Extraordinário 603.616 do Colendo Supremo Tribunal Federal (tema 280):
[...]
Embora a Defesa sustente que a versão judicial dos acusados confirmaria a tese de que houve entrada forçada em domicílio, deve ser dada prevalência aos depoimentos dos policiais militares prestados na fase do inquisitivo e do contraditório, que se mostraram firmes e uníssonos quanto à fundada suspeita para ingressar no domicílio do denunciado André, onde estava presente o comparsa Marcos, réu que estava ingressando na residência para buscar drogas e distribui-las em biqueiras do bairro no momento em que os agentes públicos chegaram.
A Defesa sustenta que o acusado Marcos não poderia ter consentido com a entrada dos policiais militares, dizendo que este não residia no local e não era proprietário do imóvel, mas sem sucesso. Pelo que se verifica da prova oral colhida, Marcos já estava ingressando na habitação, demonstrando que possuía anuência do acusado André para acessar aquela residência.
A conduta dos acusados, como mencionada na denúncia, de guardar entorpecentes para entrega a consumo de terceiros, caracteriza o delito de tráfico de drogas. É prescindível que o agente seja surpreendido praticando atos de comércio, por não ser a venda a única conduta existente no tipo penal mencionado no artigo 33 da Lei de Tóxicos.
O comércio ilícito de drogas tem na clandestinidade uma de suas principais características, o que dificulta a sua repressão. Os meios usuais de prova (testemunhal e documental) quase sempre se revelam pouco concludentes.
Logo, é dispensável o mandado de busca e apreensão quando se tratar de flagrante de crime permanente, como no caso de tráfico de drogas, não havendo que se falar em ilicitude das provas obtidas, muito menos em falta de consentimento dos moradores, pelas razões acima expostas.
A Corte Local, por sua vez, ao afastar a aventada nulidade da busca domiciliar, assim consignou (e-STJ fls. 139/141):
No caso em apreço, é importante observar que, como se disse, (i) os policiais foram ao local para averiguar denúncia de tráfico de drogas, (ii) a denúncia indicava exatamente aquela residência, (iii) chegando ao local, os policiais viram Marcos entrando na casa e (iv) indagado, ele confirmou a existência de drogas no local, autorizando a entrada dos policiais.
São circunstâncias que, no caso concreto, caracterizam fundadas razões para a abordagem e subsequente buscas no interior do imóvel, e que se consubstanciaram em efetivo flagrante, com a apreensão de entorpecentes e de arma de fogo.
E, ao contrário do alegado pela defesa, Marcos poderia ter autorizado a entrada dos policiais.
Ainda que ele não fosse dono do imóvel nem residisse no local, ele foi surpreendido ingressando na residência, justamente porque possuía autorização de André para tanto, tendo amplo acesso à casa.
Ou seja.
O flagrante policial foi plenamente válido e tinha mesmo de ser realizado.
Tudo, enfim, em diligências absolutamente dentro da legalidade.
O que não se poderia era ignorar o fato.
Despicienda, então, ordem judicial para a espécie.
Se havia fundadas razões para o flagrante, o esperado era, exatamente, a busca do material relacionado àquele flagrante, sem qualquer ordem judicial.
[...]
Enfim, constatada a situação delituosa em tempo flagrancial, o que tem a Polícia que fazer é cumprir seu dever de tudo apurar, exatamente como se fez.
Afinal, não é razoável impedir a atividade legítima do poder de polícia para realizar abordagem daqueles que se encontram em situações que levantem fundadas suspeitas de ilícito, na medida em que isto retiraria das forças de segurança os meios necessários ao desempenho de sua atividade.
No mais, é certo que, na seara processual penal, a denúncia anônima é admitida como mero indício, a ser submetido ao crivo da investigação criminal, quando então poderá resultar na produção de provas que conduzam ao esclarecimento dos fatos.
Tanto é válida e aceita a denúncia anônima, que a prática é estimulada e institucionalizada pelo Poder Público, que mantém canais de comunicação com a população especificamente a fim de colher tais informações basta lembrar a existência do disque-denúncia e o programa de oferecimento de recompensas por informações que resultem na elucidação de determinados crimes.
In casu, agiu a Polícia Militar de modo escorreito, dês que, recebida a denúncia acerca da prática do tráfico de drogas, efetuou diligência no local dos fatos, visando justamente apurar a veracidade das informações recebidas. Flagrante plenamente válido, portanto.
Dos trechos acima transcritos, verifica-se que o contexto narrado nos autos não evidencia arbitrariedade na atuação dos policiais, porquanto decorrente de coleta progressiva de elementos que levaram, de forma válida, à conclusão segura de ocorrência de crime permanente no local, justificando a incursão que resultou na apreensão, no local, de 2 porções de maconha, pesando 2.056,39 g; 523 porções da mesma droga, pesando 958,3 g; e 217 porções de "Erythroxylon coca" cocaína, pesando 115 g.
Na hipótese, o contexto fático seria apto a legitimar a busca domiciliar realizada pelos agentes de polícia, visto que devidamente motivado pela existência de denúncia especificando que "no local dos fatos uma pessoa de prenome André guardava drogas para venda a terceiros", e, ao chegarem no local, visualizaram o corréu que, ao ser abordado, teria confessado a existência de entorpecentes no imóvel, autorizando a entrada dos policiais.
Nesse aspecto, "A jurisprudência do STJ admite a entrada em domicílio sem mandado judicial em casos de flagrante delito, desde que haja fundadas razões, como denúncia anônima especificada, que justifiquem a diligência" (AgRg no HC n. 827.281/RJ, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 4/6/2025, DJEN de 11/6/2025.)
Assim, diversamente da alegação defensiva, tem-se concretamente demonstrada a existência de justa causa para a diligência, mostrando-se irrelevante a ausência de mandado judicial ou de autorização do proprietário do domicílio. Destarte, não há se falar em nulidade da busca domiciliar.
No mesmo sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR. FUNDADAS RAZÕES. PRISÃO PREVENTIVA. REITERADA ATIVIDADE DELITIVA DO AGENTE. INDEFERIMENTO DE LIMINAR NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão do Ministro Presidente do Tribunal Superior, que indeferiu liminarmente o habeas corpus, com fundamento na Súmula 691 do STF.
2. A decisão de origem indeferiu o pedido liminar por não verificar, em um primeiro exame, o alegado constrangimento ilegal que justificasse a antecipação do mérito, considerando prematuro o trancamento da ação penal e a revogação da prisão cautelar.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se há flagrante ilegalidade na decisão que indeferiu a liminar em habeas corpus, justificando a prisão preventiva no risco concreto de reiteração criminosa.
4. Outra questão é saber se houve invasão domiciliar autorizando o encerramento prematuro da ação penal.
III. Razões de decidir
5. A jurisprudência do Tribunal Superior é firme no sentido de ser incabível habeas corpus contra decisão que indefere liminar, salvo em casos de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade.
6. A custódia cautelar foi decretada para assegurar a ordem pública, dada a reiterada atividade criminosa do agravante.
7. A busca domiciliar tem como justificativa confissão do corréu de que o local seria utilizado para armazenamento de entorpecentes, não se verificando flagrante ilegalidade que justifique o processamento da ordem.
IV. Dispositivo e tese
8. Recurso improvido.
Tese de julgamento: "É incabível habeas corpus contra decisão que indefere liminar, salvo em casos de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade".
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.343/2006, art. 33;
Súmula 691/STF. Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula 691.
(AgRg no HC n. 996.961/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2025, DJEN de 26/6/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR. FUNDADA SUSPEITA. PROVAS VÁLIDAS. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A fuga ou comportamento suspeito ao avistar uma guarnição policial configura motivo idôneo para autorizar busca pessoal, desde que a narrativa policial seja verossímil e coerente com os demais elementos dos autos.
2. A busca domiciliar foi considerada legítima, pois motivada pela confissão da ré sobre a posse de narcóticos em seu apartamento, configurando situação de flagrante delito.
3. A fundamentação do deferimento da quebra de sigilo telefônico foi considerada válida, e o laudo produzido pela polícia judiciária possui fé pública, afastando a alegação de nulidade.
4. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. A fuga ou comportamento suspeito ao avistar uma guarnição policial pode configurar fundada suspeita para autorizar busca pessoal. 2. A busca domiciliar é legítima quando motivada por confissão de posse de narcóticos, configurando flagrante delito. 3. A quebra de sigilo telefônico e o laudo policial são válidos quando fundamentados e coerentes com os autos".
Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 157, 158, 244, 245.
Jurisprudência relevante citada: HC n. 877.943/MS, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 18/4/2024, DJe de 15/5/2024.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 2.199.143/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 16/6/2025.)
Quanto ao mais, como é de conhecimento, o habeas corpus não é a via adequada para apreciar o pedido de absolvição ou de desclassificação de condutas, tendo em vista que, para se desconstituir o decidido pelas instâncias de origem, mostra-se necessário o reexame aprofundado dos fatos e das provas constantes dos autos, procedimento vedado pelos estreitos limites do mandamus, caracterizado pelo rito célere e por não admitir dilação probatória.
Nesse aspecto, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é necessária a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa. Nessa linha:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é necessária a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. A ausência de indicação, pelas instâncias ordinárias, de elementos que denotassem haver vínculo estável e permanente entre o paciente e os demais membros da suposta organização criminosa destoa do posicionamento consolidado na jurisprudência desta Corte Superior.
3. Assim, ao contrário do que sustentou o agravante, a decisão combatida não declarou a insuficiência de provas para a condenação do réu e, portanto, não implica em vedado revolvimento do conjunto fático-probatório.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 793.388/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/10/2024, DJe de 6/11/2024.)
No caso concreto, a Corte Local manteve a condenação pelo delito de associação para o tráfico assim fundamentando (e-STJ fls. 154/155):
E nem se alegue ausência de vínculo associativo entre os acusados para caracterização da associação para o tráfico.
As provas produzidas demonstram que os agentes montaram uma verdadeira fábrica para produção, embalo e distribuição de enorme quantidade e variedade de drogas, agindo conjuntamente, com verdadeiro suporte mútuo e divisão de tarefas, seguramente em vínculo de permanência.
Policiais foram unânimes em destacar que Marcos revelou o modo como agiam, informando que ele e André atuavam conjuntamente, ficando um responsável pelo local no qual as drogas eram produzidas e embaladas, enquanto o outro as repassava já embaladas aos vendedores, a demonstrar, assim, que agiam em conluio, com sólido vínculo de comprometimento nas ações delitivas.
E a veracidade de tais afirmações se comprova pela própria dinâmica dos fatos, tendo Marcos sido surpreendido justamente quando adentrava o local para pegar as drogas, enquanto André, que ali não estava, mantinha seus documentos pessoais em residência de sua propriedade.
Tudo dá conta certa de que estavam associados para a empreitada, independentemente de eventual reiteração, cuja caracterização não é exigida pela legislação (art. 35, 'caput', da Lei de Drogas).
Condenação, portanto, por tráfico de drogas e associação para o tráfico, em concurso material, inevitável.
Desse modo, constata-se que a Corte de origem apontou elementos concretos evidenciando a estabilidade e permanência exigidas para a configuração da associação para o tráfico. Nesse contexto, para a inversão da conclusão do Tribunal a quo, que, após a análise integral dos fatos e das provas, entendeu pela condenação dos réus, seria inevitável nova incursão no arcabouço probatório, providência indevida no espectro de cognição do habeas corpus.
Outrossim, a "questão probatória quanto à condenação por associação para o tráfico encontra-se devidamente respaldada nos autos pelas instâncias ordinárias, que apontam a estabilidade e permanência do vínculo associativo entre o paciente e os corréus. A revisão desse entendimento demanda reexame de provas, inviável na via do habeas corpus" (HC n. 850.197/ES, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 12/11/2024).
No mesmo sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus, mas concedeu a ordem de ofício para reduzir as penas-base ao mínimo legal e fixar o regime inicial semiaberto. O agravante foi condenado pela prática do delito de associação para o narcotráfico.
II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se houve violação ao princípio da colegialidade, uma vez que a matéria não foi submetida à análise da Quinta Turma.
3. A questão em discussão também envolve a análise da comprovação da estabilidade e permanência relativas à associação para a prática de tráfico ilícito de entorpecentes, e se há elementos suficientes para sustentar a condenação do agravante.
III. Razões de decidir 4. A decisão monocrática do relator não viola o princípio da colegialidade quando está em consonância com Súmula ou jurisprudência dominante, conforme art. 932 do CPC e art. 3º do CPP.
5. A caracterização do crime de associação para o tráfico de drogas exige a comprovação do dolo de se associar para a prática do narcotráfico, com estabilidade e permanência, o que foi indicado no julgamento colegiado.
6. A revisão do entendimento sobre a estabilidade e permanência da associação demandaria incursão probatória, o que é inadmissível em habeas corpus.
IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. A decisão monocrática do relator não viola o princípio da colegialidade quando está em consonância com súmula ou jurisprudência dominante. 2. A caracterização do crime de associação para o tráfico de drogas exige a comprovação do dolo de se associar para a prática do narcotráfico, com estabilidade e permanência. 3. A revisão do entendimento sobre a estabilidade e permanência da associação demandaria incursão probatória, inadmissível em habeas corpus."
Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 932; CPP, art. 3º; Lei n. 11.343/2006, art. 35.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 617.652/PA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 16/4/2021; STJ, AgRg no HC 639.327/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 30/3/2021.
(AgRg no HC n. 924.149/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 17/2/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus, impetrado para questionar condenações por associação para o tráfico e associação criminosa.
2. A parte agravante alega ausência de provas da estabilidade e permanência do vínculo associativo necessário para a configuração dos crimes.
II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se o habeas corpus pode ser utilizado para reavaliar provas e absolver o agravante das condenações por associação para o tráfico e associação criminosa.
III. Razões de decidir 4. O habeas corpus não é cabível para reexame de provas, sendo inviável sua utilização para alterar conclusões fáticas estabelecidas pelas instâncias ordinárias.
5. As instâncias ordinárias fundamentaram a condenação com base em provas suficientes, incluindo depoimentos coerentes de policiais e testemunhas, demonstrando a estabilidade e permanência do vínculo associativo.
6. Não se constatou flagrante ilegalidade que justificasse o conhecimento do habeas corpus substitutivo.
IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. O habeas corpus não é cabível para reexame de provas ou para alterar conclusões fáticas estabelecidas pelas instâncias ordinárias. 2. A condenação por associação para o tráfico e associação criminosa exige prova de estabilidade e permanência do vínculo associativo, devidamente fundamentada pelas instâncias ordinárias."
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 11.343/2006, art. 35;
Código Penal, art. 288. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1804625/RO, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 05/06/2019; STJ, HC 502.868/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 20/05/2019.
(AgRg no HC n. 938.700/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN de 3/12/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. EXISTÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. ABSOLVIÇÃO. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
[...]
4. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é necessária a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
5. No caso, uma vez que as instâncias ordinárias - dentro do seu livre convencimento motivado - apontaram elementos concretos, constantes dos autos, que efetivamente evidenciam a estabilidade e a permanência exigidas para a configuração de crime autônomo, deve ser mantida inalterada a condenação do réu em relação ao delito de associação para o narcotráfico.
6. Para entender-se de forma diversa e afastar a compreensão das instâncias de origem de que os agravantes se associaram, com estabilidade e permanência, para o fim de praticar o crime de tráfico de drogas, seria necessário o minucioso revolvimento do acervo fático- probatório amealhado aos autos, providência vedada em habeas corpus.
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 864.756/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO VEDADO. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. ILEGALIDADE FLAGRANTE NÃO EVIDENCIADA.
I - Não se conhece de habeas corpus substitutivo de revisão criminal.
II - Na hipótese de ilegalidade flagrante, concede-se a ordem de ofício. Precedentes.
III - No presente caso, as instâncias ordinárias fundamentaram devidamente a condenação pelo crime de associação para o tráfico, com fulcro em robusto conjunto probatório, restando configurada a estabilidade e a permanência da associação, bem como que o agravante nela atuava na função de vapor.
IV - O rito do habeas corpus não admite o revolvimento de matéria fático-probatória, de modo que não há que se falar em desconstituição da conclusão bem exarada pelo Tribunal local.
V - Não há desproporcionalidade na exasperação da basilar em 3 (três) anos de reclusão, uma vez que apontados elementos concretos e idôneos para tanto, negativadas as circunstâncias do delito, os maus antecedentes e a quantidade/natureza dos entorpecentes (cocaína), tudo em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior.
Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 911.296/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 24/6/2024.)
Inexistente, portanto, o alegado constrangimento ilegal a justificar a concessão, de ofício, da ordem postulada.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.
Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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1. Matheus Goncalves Dos Santos Trindade (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado Do Rio Grande Do Sul (Impetrado)
ID: 328425230
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0133694-37.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Advogados:
MATHEUS GONÇALVES DOS SANTOS TRINDADE
OAB/RS XXXXXX
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HC 996688/RS (2025/0133694-7)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
MATHEUS GONCALVES DOS SANTOS TRINDADE
ADVOGADO
:
MATHEUS GONÇALVES DOS SANTOS TRINDADE - RS101928
IMPETRADO
:
TRIBUNA…
HC 996688/RS (2025/0133694-7)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
MATHEUS GONCALVES DOS SANTOS TRINDADE
ADVOGADO
:
MATHEUS GONÇALVES DOS SANTOS TRINDADE - RS101928
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE
:
GIOVANI MELLO LEAL
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de GIOVANI MELLO LEAL, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 5029967-24.2025.8.21.7000/RS.
Extrai-se dos autos que o juiz de primeiro grau autorizou a quebra de sigilo telefônico do paciente, nos autos do inquérito policial em que está sendo investigado pela suposta prática do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado (fl. 135):
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. PLEITO DE RESTITUIÇÃO DOS BENS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE DECRETOU A QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO DOS CELULARES APREENDIDOS. Decisão de origem, devidamente fundamentada, que decretou a quebra de sigilo telefônico dos celulares apreendidos. Ausente situação excepcional em que configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal. Inviável, ao menos por ora e nos autos deste Habeas Corpus, reconhecer a nulidade da apreensão por violência pelos policiais. Não se verifica hipótese que justifique o trancamento do inquérito policial. Mantida a quebra do sigilo telefônico. ORDEM DENEGADA."
No presente writ, a defesa alega que inexiste ilícito penal pela posse de cannabis para consumo pessoal, conforme entendimento firmado pelo STF no Recurso Extraordinário n. 635.659/SP, com repercussão geral (Tema 506), que presume como usuário quem detiver até 40g de cannabis.
Sustenta que a decisão atacada não respeita a jurisprudência do STJ quanto à proibição de “fishing expedition”, caracterizando a atuação policial como desproporcional e excessiva.
Aduz que a apreensão do celular e a quebra de sigilo telefônico violam os direitos fundamentais à intimidade e privacidade, conforme o art. 5º, X e XII, da Constituição Federal.
Requer o deferimento de liminar para suspender os atos de extração de dados do celular apreendido até o julgamento final deste habeas corpus e, no mérito, pretende seja concedida a ordem para reconhecer a ilicitude da apreensão do aparelho celular e da atuação policial, determinando o trancamento do inquérito policial e a restituição dos bens apreendidos.
A liminar foi indeferida (fls. 246/247). As informações foram prestadas (fls. 253/264). O Ministério Público Federal opinou pela concessão do habeas corpus, a fim de trancar o inquérito policial nº 5002385-49.2024.8.21.0092, nos termos do voto vencido (fls. 137/139).
É o relatório.
Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
É da narrativa constante nos autos que houve representação da Autoridade Policial, por meio do ofício n.º 3869/2024/153017, pela autorização de acesso e extração dos conteúdos armazenados no aparelho celular apreendido, pertencente ao ora paciente, para o fim de amparar investigação policial em curso sobre o delito de tráfico de drogas.
A investigação policial por meio de inquérito instaurado em face do ora paciente se originou da ocorrência policial n.º 750/2024/153017, que apresentou o seguinte panorama:
"A equipe foi informada que um indivíduo conhecido por atuar no tráfico de drogas (Critntian (sic) Leote Maciel) estaria hospedado no hotel São Luiz juntamente com outro indivíduo, posteriormente identificado como Giovani Mello Leal. [...] ao avistar a viatura policial, o veículo (onde estava Giovani) realizou manobra arrancada brusca com arrastamento de pneus com o intuito de despistar a viatura, o que despertou mais ainda suspeita sobre o veículo [...] Que foi abordado logo após, próximo à entrada de Novo Xingu. [...] Procedida à revista veicular e pessoal, onde foi localizada uma faca e uma sacola com farelos de substância análoga à maconha. No veículo estava apenas Giovanni. [...] Foi dada voz de prisão ao indivíduo pelos crimes de tráfico de drogas e desacato [...] foi questionado de onde vinha, respondeu: Tenho meu direito de ir e vir. Questionado para onde estava indo, respondeu: A uma festa. Questionado se tinha parentes na cidade, respondeu que tinha sua mulher e que havia vindo visitá-la. Questionado quem era sua mulher, não quis responder".
Ora, como se percebe da narrativa fática, os objetos que foram efetivamente apreendidos se traduzem em “faca e uma sacola com farelos de substância análoga à maconha”.
Além disto, a comunicação anônima dizia respeito à figura de terceiro, como suposto traficante. Assim, não estava direcionada, portanto, ao ora paciente.
Não há registro, ainda, da quantidade de droga apreendida e se realmente houve a constatação de ser maconha. A ocorrência traz a informação apenas de ‘sacola com farelos de substância análoga à maconha’.
É de se ressaltar que a instauração do procedimento administrativo inquisitivo contra o paciente, ao se que tem notícia, versou tão-somente sobre o crime previsto no art. 33 da Lei 11343/06 e não houve alusão a eventual delito tipificado no art. 35 do mesmo diploma legal que justificasse, eventualmente, a investigação em curso.
Isto porque, a quantidade informada (farelos de substância análoga à maconha), na ausência de outros elementos indiciários indicados nestes autos, afasta a tipificação primeira aventada, razão pela qual culmina no trancamento do inquérito policial, em especial em observância ao Tema 506 do STF, com repercussão geral; entendimento este firmado pela Suprema Corte, em 26 de junho de 2024, no Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, como adiante se verá.
Explico.
O voto divergente apresentado no acórdão do Tribunal de origem elencou os seguintes fundamentos acerca da necessidade de trancamento do inquérito policial:
“(...) Peço vênia para divergir da e. Relatora, uma vez que entendo que a investigação em curso carece de justa causa. A investigação em curso decorreu dos seguintes atos: a) delatio criminis anônima especificada, feita à Brigada e não documentada nos autos, através da qual supostamente uma terceira pessoa estaria atuando no tráfico na cidade; b) busca veicular no veículo supostamente conduzido pelo terceiro mencionado; c) o encontro no veículo não da pessoa visada, mas do paciente; d) apreensão de resquícios de maconha (em farelo), uma faca e um celular.
Segundo entende o STJ, "em sede de habeas corpus somente deve ser obstado o inquérito policial se restar demonstrada, de forma indubitável, a atipicidade da conduta, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade e a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito (RHC n. 64.446/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 19/11/2015, D Je de 26/11/2015)".
O caso da impetração deve ser obstado, porque apura conduta atípica por excelência.
O paciente foi flagrado portando tão somente maconha, em quantidade ínfima, nem pesada pela autoridade policial, além disso nenhum petrecho típico de mercancia de droga foi com ele encontrado. Inexistia investigação em curso anterior, notícias de campanamento e/ou registro de atividade suspeita envolvendo o acusado.
A dita notitia criminis anônima que teria disparado a abordagem veicular não se dirigia ao réu, mas a outra pessoa devidamente especificada à Brigada Militar. Mas, de todo modo, tal delatio somente seria válida para fins de justa causa de potencial investigação, tivesse associada a algum outro elemento informativo (HC n. 137.349/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 5/4/2011, D Je de 30/5/2011), o que não ocorreu na espécie.
Não havendo qualquer um desses elementos informativos, a tipicidade da conduta da prática investigada pela polícia - art. 33, caput, da Lei 11.343/06, conforme despacho do Delegado de Polícia (1.1, p. 16) -, estaria restritamente consubstanciada nos farelos de maconha apreendidos.
Ocorre, todavia, que a conduta, assim, revela-se atípica, uma vez que aplicável ao caso o recente entendimento firmado pela Suprema Corte, em 26 de junho de 2024, no Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, com repercussão geral (Tema 506), haja vista a natureza e a quantidade de entorpecente apreendido com o paciente, à mingua de qualquer indicativo outro da prática do crime apurado.
Nesse sentido, é a decisão do STF na Tese de Repercussão Geral supramencionada:
Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; (...).
Diante do novel entendimento da STF, o STJ tem concedido ordem de habeas corpus desclassificando a conduta apurada, em situações como a dos autos. É o que aconteceu no HC 940.003-MG, julgado monocraticamente pelo Min. Reynaldo Soares da Fonseca, em 18/09/2024:
(...)
Aplicando idêntica solução à casuística, tenho como inviável a manutenção da investigação por crime considerado atípico, de forma que cabível o pleito do impetrante de trancamento do inquérito, devendo o expediente, no entanto, ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente para a apuração do ilícito administrativo respectivo. Deve ser restituído o aparelho de celular apreendido, porque não mais interessante à investigação. Diante do exposto, voto por conceder a ordem de habeas corpus, para o efeito de trancar o inquérito policial subjacente, determinando a restituição do parelho de celular apreendido ao seu dono, devendo ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente o expediente para a apuração do ilícito administrativo respectivo, se for o caso. (...)”.
Além disto, foi destacado, no parecer ministerial de fls. 278/284, o qual também assentou a necessidade de trancamento do inquérito policial:
“(...) É entendimento assente desse Superior Tribunal de Justiça que são necessários elementos sólidos, objetivos e concretos para a revista pessoal. (...) Nestes termos, o Supremo Tribunal Federal passou a entender que aquele que for flagrado com até 40 gramas de cannabis sativa (maconha), será presumidamente considerado usuário, tendo sua conduta classificada nos termos do art. 28-§2º da Lei nº 11.343/06, caso não haja indícios de situação de mercancia. Este é o caso do paciente. Ele trazia consigo farelos de maconha e uma faca. Não foram encontrados apetrechos da mercancia, soma em dinheiro, e não havia denúncias anônimas contra ele, mas apenas contra outro indivíduo com o qual estava hospedado. Diante da ausência de provas que demonstrem a mercancia e da quantidade de drogas apreendida, deve-se presumir que ele era apenas usuário. (...) Pelo exposto, opino pela concessão do habeas corpus, a fim de trancar o inquérito policial nº 5002385-49.2024.8.21.0092, nos termos do voto vencido (fls. 137/139)”.
Como denotado, no caso em testilha, a abordagem ocorreu porque os policiais, tinham conhecimento prévio de que o paciente estava hospedado com um traficante conhecido na região. Com o conhecimento de tal informação, seguiram o veículo e o paciente, ao perceber, tentou fugir, realizando manobras bruscas. Ocorre que, em busca veicular, quando se fazia presente apenas o paciente, os únicos objetos encontrados, como visto alhures, foram a faca e a sacola com farelos de substância análoga à maconha.
Além do que, a tipicidade da conduta da prática investigada no inquérito policial “– art. 33, caput, da Lei 11.343/06, conforme despacho do Delegado de Polícia – estaria restritamente consubstanciada nos farelos de maconha apreendidos”.
Desta feita, considerando os elementos trazidos à apreciação, é realmente o caso de aplicação do Tema 506 do STF. Isto porque o Supremo Tribunal Federal firmou, em sede de repercussão geral, no RE 635659, a seguinte tese:
“1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário”.
Portanto, em observância ao Tema 506 do STF, inviável é a manutenção da investigação por conduta considerada atípica, de forma que resulta no trancamento do inquérito e, ainda, segundo a linha da narrativa apresentada e o teor do julgado da Corte Suprema, deve o expediente, entretanto, ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente para a apuração do ilícito administrativo respectivo, bem como eventualmente do crime residual (suposto desacato). Desta feita, cabível a restituição do aparelho de celular apreendido.
Além disto, em consulta aos autos de nº 5002385-49.2024.8.21.0092, comarca de Constantina, Órgão Julgador: Juízo da Vara Judicial da Comarca de Constantina, o que se constata é que o procedimento investigativo ainda não se findou, bem como não há notícia de ação penal em curso contra o paciente em virtude dos fatos aqui veiculados. (https://www.tjrs.jus.br/novo/busca/?return=proc&client=wp_index, acesso em 17/07/2025, às 06h07). Portanto, tal circunstância apenas reforça a conclusão de que realmente não havia justa causa suficiente para instauração de inquérito policial, ao menos no que diz respeito à tipificação atribuída à conduta, ou seja, crime previsto no art. 33 da Lei de Drogas.
No mais, sobre a temática objeto de apreciação nestes autos, trago à colação os precedentes desta Corte Superior de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. 15 GRAMAS DE MACONHA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS DE COMERCIALIZAÇÃO. PRESUNÇÃO DE USUÁRIO. TEMA N. 506 DO STF. FLAGRANTE ILEGALIDADE CONFIGURADA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício em casos de flagrante ilegalidade, especialmente quando a condenação por tráfico de drogas baseia-se unicamente em presunções não corroboradas por elementos concretos.
2. No caso, a ínfima quantidade de droga apreendida (15,185 g de maconha) e a inexistência de indícios de prática de traficância revelam a possibilidade de aplicação da presunção de usuário, conforme o Tema n. 506 do STF.
3. Reconhecida a atipicidade penal da conduta imputada ao paciente, impõe-se a concessão de habeas corpus de ofício, nos moldes do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal.
4. Agravo regimental improvido. Ordem concedida de ofício para desclassificar a conduta do paciente para o delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
(AgRg no HC n. 989.407/PE, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 1/7/2025, DJEN de 7/7/2025.) (grifos nossos).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DENÚNCIA. AUTORIA DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA TRANCAR O PROCESSO EXCLUSIVAMENTE QUANTO À PACIENTE AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
2. A aptidão da denúncia deve ser aferida a partir do conteúdo da descrição dos fatos, que deve apontar as circunstâncias que envolvem a prática da infração penal, individualizando e tipificando, na medida do possível, a conduta dos imputados. Cumpre ao órgão acusador apresentar uma narrativa na qual a conduta típica esteja adequadamente descrita, narrando o fato e os elementos circundantes, apresentando, na medida do possível, os elementos acessórios e acidentais, que permitam o pleno exercício das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
3. No caso dos autos, a inicial acusatória carece de narrativa linear, pois não individualiza a possível forma de participação da agravada e imputa-lhe a guarda da droga na residência do filho, como se dela fosse. Não se discute que prevalece na jurisprudência dos Tribunais Superiores que os depoimentos dos policiais são merecedores de credibilidade como elementos de convicção. Contudo, na situação dos autos, esses depoimentos não demonstram por si só a autoria delitiva com relação à agravada, antes se limitam a trazer a informação de que os demais corréus relataram que estavam escondendo os entorpecentes a mando da agravada.
4. Como se sabe, a Constituição Federal consagra o princípio da responsabilização penal pessoal, pelo princípio da intranscendência.
Neste caso, não há elementos nos autos que permitam inferir a existência de liame entre a agravada e a conduta delituosa. A conexão só se afirma pelo encontro de drogas na residência do filho e pelo parentesco da agravada com o corréu. Não há outros elementos que a coloquem na condição de coautora ou partícipe da empreitada criminosa, exceto o fato de ser mãe do corréu, de modo que não há elementos indiciários mínimos aptos a autorizar o prosseguimento da persecução penal em desfavor da paciente, ora agravada.
5. Agravo regimental do Ministério Público do Estado de Goiás a que se nega provimento.
(AgRg no HC n. 776.399/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023.). (grifos nossos).
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA. NÃO CABIMENTO. 2. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRESENÇA DE EXCEPCIONALIDADE. 3. POSSE DE MUNIÇÕES. AUSÊNCIA DE ARMA. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. 4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE DE MUNIÇÃO. AUSÊNCIA DE ARTEFATO. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 5. ENTENDIMENTO QUE NÃO PODE LEVAR À PROTEÇÃO DEFICIENTE. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO. 6. POSSE DE 11 MUNIÇÕES DENTRO DA RESIDÊNCIA. DESACOMPANHADA DE ARMA. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. 7. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
3. Não há se falar em atipicidade em virtude da apreensão da munição desacompanhada de arma de fogo, porquanto a conduta narrada preenche não apenas a tipicidade formal mas também a material, uma vez que "o tipo penal visa à proteção da incolumidade pública, não sendo suficiente a mera proteção à incolumidade pessoal" (AgRg no REsp n. 1.434.940/GO, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 4/2/2016). Nesse contexto, verifico que permanece hígida a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a posse de munição, mesmo desacompanhada de arma apta a deflagrá-la, continua a preencher a tipicidade penal, não podendo ser considerada atípica a conduta.
4. Passou-se a admitir, no entanto, a incidência do princípio da insignificância quando se tratar de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, uma vez que ambas as circunstâncias conjugadas denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes do STF e do STJ.
5. A possibilidade de incidência do princípio da insignificância não pode levar à situação de proteção deficiente ao bem jurídico tutelado. Portanto, não se deve abrir muito o espectro de sua incidência, que deve se dar apenas quando efetivamente mínima a quantidade de munição apreendida, em conjunto com as circunstâncias do caso concreto, a denotar a inexpressividade da lesão. Com efeito, analisando os precedentes, verifico a insignificância se apresenta em situações nas quais se portava de 1 a 7 munições. Outrossim, a Quinta Turma já considerou que a apreensão de 20 projéteis não autorizava a aplicação do mencionado princípio. 6. A situação apresentada está mais próxima das hipóteses em que se reconheceu a possibilidade de incidência do princípio da insignificância, possuindo, assim, a nota de excepcionalidade que autoriza a incidência do referido princípio, porquanto apreendidos 11 cartuchos, de uso permitido, desacompanhados de arma de fogo, dentro da residência do paciente.
7. Agravo regimental a que se dá provimento, concedendo a ordem, de ofício, para trancar a Ação Penal n. 005/2.16.0002294-8.
(AgRg no HC n. 440.820/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/6/2018, DJe de 15/6/2018.) (grifos nossos).
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE 16 SEMENTES DE MACONHA (CANNABIS SATIVUM). DENÚNCIA POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. REJEIÇÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO, COM APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO POR ATIPICIDADE. ACATAMENTO DO ENTENDIMENTO DO STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. O conceito de "droga", para fins penais, é aquele estabelecido no art. 1.º, parágrafo único, c.c. o art. 66, ambos da Lei n.º 11.343/2006, norma penal em branco complementada pela Portaria SVS/MS n.º 344, de 12 de maio de 1998. Compulsando a lista do referido ato administrativo, do que se pode denominar "droga", vê-se que dela não consta referência a sementes da planta Cannabis Sativum.
2. O Tetrahidrocanabinol - THC é a substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativum, mas ausente na semente, razão pela qual esta não pode ser considerada "droga", para fins penais, o que afasta a subsunção do caso a qualquer uma das hipóteses do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006.
3. Dos incisos I e II do § 1.º do art. 33 da mesma Lei, infere-se que "matéria-prima" ou "insumo" é a substância utilizada "para a preparação de drogas". A semente não se presta a tal finalidade, porque não possui o princípio ativo (THC), tampouco serve de reagente para a produção de droga.
4. No mais, a Lei de regência prevê como conduta delituosa o semeio, o cultivo ou a colheita da planta proibida (art. 33, § 1.º, inciso II; e art. 28, § 1.º). Embora a semente seja um pressuposto necessário para a primeira ação, e a planta para as demais, a importação (ou qualquer dos demais núcleos verbais) da semente não está descrita como conduta típica na Lei de Drogas.
5. A conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha é atípica, consoante precedentes do STF: HC 144161, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 13-12-2018 PUBLIC 14-12-2018; HC 142987, Relator Min. GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-256 DIVULG 29-11-2018 PUBLIC 30-11-2018; no mesmo sentido, a decisão monocrática nos autos do HC 143.798/SP, Relator Min. ROBERTO BARROSO, publicada no DJe de 03/02/2020, concedendo a ordem "para determinar o trancamento da ação penal, em razão da ausência de justa causa". Na mesma ocasião, indicou Sua Excelência, "ainda nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC 173.346, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 148.503, Min. Celso de Mello; HC 143.890, Rel. Min. Celso de Mello; HC 140.478, Rel. Min. Ricardo Lewadowski; HC 149.575, Min. Edson Fachin; HC 163.730, Relª. Minª. Cármen Lúcia."
6. Embargos de divergência acolhidos, para determinar o trancamento da ação penal em tela, em razão da atipicidade da conduta.
(EREsp n. 1.624.564/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14/10/2020, DJe de 21/10/2020.) (grifos nossos).
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES. DESCLASSIFICAÇÃO E ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve a condenação do agravante pelos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e posse ilegal de munições, com redução das penas.
2. Fato relevante. O agravante foi condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006 e no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003, a cumprir 18 anos de reclusão, posteriormente reduzidos para 9 anos e 7 meses, além de 1 ano de detenção.
3. As decisões anteriores. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao recurso defensivo para reduzir as penas, mantendo a condenação do agravante.
II. Questão em discussão
4. A questão em discussão consiste em saber se as provas são suficientes para demonstrar o animus associativo entre o agravante e os demais corréus, bem como a estabilidade e permanência da associação para o tráfico.
5. A questão em discussão também envolve a análise da tipicidade material da conduta de posse ilegal de munições, considerando a aplicação do princípio da insignificância.
III. Razões de decidir
6. A desclassificação da conduta do agravante para a capitulação do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é justificada pela ínfima quantidade de drogas apreendidas e pela ausência de outros elementos concretos que indiquem tráfico.
7. A absolvição do agravante quanto à imputação de associação para o tráfico é fundamentada na ausência de provas que demonstrem um vínculo estável e duradouro entre o agravante e os demais acusados.
8. A absolvição do agravante pela posse ilegal de munições é justificada pela aplicação do princípio da insignificância, considerando a pequena quantidade de munições e a ausência de arma de fogo.
IV. Dispositivo e tese
9. Recurso provido.
Tese de julgamento: "1. A desclassificação da conduta para o artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é cabível quando a quantidade de drogas apreendidas é ínfima e não há outros elementos concretos de tráfico.
2. A absolvição por associação para o tráfico é justificada na ausência de provas de vínculo estável e duradouro. 3. A aplicação do princípio da insignificância é possível na posse de pequena quantidade de munições desacompanhadas de arma de fogo".
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 11.343/2006, arts. 28, 33 e 35; Lei n. 10.826/2003, art. 12; CPP, art. 386, III e VII.
Jurisprudência relevante citada: STF, RHC 143.449/MS, Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 26/09/2017; STJ, AgRg no HC 793388/RJ, Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/10/2024.
(AgRg no AREsp n. 2.515.527/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 3/6/2025, DJEN de 9/6/2025.) (grifos nossos).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONSUMO PESSOAL. INEXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. AUSÊNCIA DE PROVA DA MERCANCIA. AGRAVO PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça não tem mais admitido o habeas corpus como substitutivo de recurso, salvo em situações excepcionais.
2. O agravante foi condenado pela posse de 17,16 g de maconha e 4,34 g de cocaína/crack, de uma arma de airsoft, e de R$ 9,00 (nove reais), aliado aos depoimentos dos policiais militares que atenderam a ocorrência.
3. A apreensão de pequena quantidade de droga, por si só, não caracteriza o tráfico de drogas, especialmente diante da ausência de prova da mercancia e da apreensão de outros apetrechos indicativos da traficância.
4. Presente a negativa do agravante, afirmando que a droga era para consumo pessoal, o que também deve ser considerado por aplicação do princípio da presunção de inocência.
5. Agravo regimental provido.
(AgRg no HC n. 988.219/SP, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 27/5/2025.). (grifos nossos).
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182/STJ. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL.
1. O conhecimento do agravo em recurso especial exige impugnação específica de todos os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial, nos termos do art. 932, III, do CPC e do art. 253, parágrafo único, I, do RISTJ. A ausência de impugnação de um dos fundamentos impede o conhecimento do recurso, conforme entendimento pacífico do STJ e incidência da Súmula 182/STJ.
2. No caso concreto, o agravante deixou de impugnar adequadamente a ausência de comprovação da divergência jurisprudencial, fundamento utilizado pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, o que justifica a manutenção da decisão agravada.
3. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 635.659/SP (Tema 506 da Repercussão Geral), fixou a presunção de que a posse de até 40g de cannabis sativa configura uso pessoal, salvo elementos concretos indicativos de mercancia.
4. No caso dos autos, dessume-se do acórdão (fls. 461-479) que a condenação foi lastreada notadamente na palavra dos agentes penitenciários, devendo-se ressaltar, em contrapartida, a negativa da mercancia pelo acusado e o fato de ter sido apreendida com este uma pequena quantidade de maconha - 10 porções, pesando 18.38g (fl. 1) -, circunstâncias fáticas que, na linha do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, recomendam a desclassificação da conduta imputada ao agravante como porte para uso próprio (art. 28 da Lei 11.343/2006), com os respectivos consectários. 5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. PARECER MINISTERIAL ACOLHIDO. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.837.805/SP, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.) (grifos nossos).
Ante o exposto, nos termos do art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem, de ofício, para trancar o inquérito policial subjacente, determinando a restituição do aparelho de celular apreendido ao ora paciente, devendo ser encaminhado ao Juizado Especial Criminal competente o expediente para a apuração do ilícito administrativo respectivo, bem como eventual crime remanescente de desacato.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. V G Dos S (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado De Minas Gerais (Recorrido)
ID: 322205672
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ORDINáRIO EM HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0219357-51.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
VINICIUS VILARINO CAMPOS
OAB/MG XXXXXX
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HENRIQUE PIMENTA BRAGA
OAB/MG XXXXXX
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RHC 217945/MG (2025/0219357-0)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE
:
V G DOS S
ADVOGADOS
:
HENRIQUE PIMENTA BRAGA - MG200617
VINICIUS VILARINO CAMPOS - MG177841
RECORRIDO
:
MINIS…
RHC 217945/MG (2025/0219357-0)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE
:
V G DOS S
ADVOGADOS
:
HENRIQUE PIMENTA BRAGA - MG200617
VINICIUS VILARINO CAMPOS - MG177841
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
INTERESSADO
:
A R P
INTERESSADO
:
A T DE C
INTERESSADO
:
J DE S M
DECISÃO
Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por V. G. DOS S. contra acórdão proferido pela 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Habeas Corpus Criminal Nº 1.0000.25.112840-1/000).
Consta dos autos que o recorrente teve sua prisão preventiva decretada em 2/4/2025, em decorrência de denúncia ofertada pelo Ministério Público pela suposta prática dos crimes previstos no artigo 344 e art. 147-B, na forma do art. 69, todos do Código Penal, em desdobramento de apuração penal relativa a crimes contra a dignidade sexual de vulnerável.
A defesa impetrou habeas corpus perante a Corte estadual, que denegou a ordem. O acórdão recebeu a seguinte ementa (e-STJ fl. 14):
EMENTA: HABEAS CORPUS – COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO – TESES DE MÉRITO – VIA IMPRÓPRIA – EXCESSO DE PRAZO PARA FORMAÇÃO DA CULPA – INOCORRÊNCIA – PRISÃO PREVENTIVA – NECESSIDADE – DECISÃO FUNDAMENTADA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – INTEGRIDADE PSICOLÓGICA DA VÍTIMA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL – SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO – INADEQUAÇÃO – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS DO PACIENTE – INSUFICIÊNCIA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO – ORDEM DENEGADA. - Inviável a análise acerca das teses pertinentes ao mérito da causa, que demanda análise aprofundada e dilação probatória, incompatível com a via do Habeas Corpus. - Os prazos no Processo Penal não são fatais, improrrogáveis, admitindo-se exceções, de acordo com as peculiaridades do caso e atendendo ao princípio da azoabilidade e proporcionalidade. - Uma vez comprovado nos autos prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, bem como presentes os motivos da prisão preventiva, consubstanciados na garantia da ordem pública, nos termos dos artigos 312 e 313, inciso III, ambos do Código de Processo Penal, impõe-se a manutenção da restrição da liberdade do paciente. - O caso merece maior atenção, por se tratar, nos autos principais, de estupro de vulnerável cometido em contexto doméstico, sendo certo que em delitos desta natureza, é essencial resguardar a saúde física e psicológica da vítima, além de assegurar que a instrução processual correrá de acordo com a lei, sem que haja ameaças ou coação contra a ofendida. - Demonstrada a necessidade de manutenção da prisão preventiva do paciente, é incabível a aplicação das medidas cautelares alternativas, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. - Eventual condição favorável do paciente, por si só, não lhe garante o direito à liberdade, devendo tais condições ser analisadas em conjunto com os demais elementos probatórios dos autos.
Nas razões do recurso, a defesa sustenta, em síntese, que o recorrente está sob ameaça de prisão por fato que não configura, em tese, o crime de coação no curso do processo, pois não teria empregado violência ou grave ameaça contra a vítima. Alega que a conduta descrita se deu no contexto da atividade pastoral do recorrente, consistente em visitas a membros da comunidade religiosa com objetivo de aconselhamento e apoio emocional, não havendo qualquer intento de influenciar indevidamente os rumos da instrução criminal
Ressalta que os fatos ocorreram há quase um ano e que, desde então, não houve qualquer reiteração delitiva ou tentativa de contato com a vítima. Aponta que o decreto de prisão baseia-se em presunções genéricas e na gravidade abstrata do delito, sem demonstração concreta de risco à ordem pública ou à instrução criminal.
Invoca a inexistência dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, destacando que a segregação cautelar se baseia em juízo abstrato de periculosidade, sem fundamento fático idôneo. Sustenta a atipicidade da conduta do paciente, uma vez que a configuração do delito de coação exige a comprovação do emprego de violência ou grave ameaça direcionada à vítima ou testemunha, entretanto, a acusação se fundamenta em conversa a qual o acusado e sua esposa apenas questionam a vítima acerca das imputações.
Por fim, afirma que o recorrente possui residência fixa, é primário, tem bons antecedentes e exerce atividade pastoral reconhecida pela comunidade. Com isso, alega que tais condições demonstram o seu enraizamento social e afastam o risco de fuga ou reiteração delitiva.
Requer, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão preventiva, com a consequente concessão da liberdade provisória, e, subsidiariamente, o trancamento da ação penal, sob alegação de atipicidade da conduta.
A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 91/93.
As informações foram prestadas (e-STJ fls. 98/218).
O MPF, por meio de parecer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (e-STJ fl. 221)
RECURSO EM HABEAS CORPUS. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A INTEGRIDADE FÍSICA E PSIQUICA DAS VÍTIMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
É o relatório. Decido
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 03/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental". (AgRg no HC n. 268.099/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido". (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica". (AgRg no HC n. 514.048/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019).
Busca-se, em síntese, a revogação da prisão do recorrente, acusado de suposta prática dos crimes previstos no artigo 344 e art. 147-B, na forma do art. 69, todos do Código Penal, em desdobramento de apuração penal relativa a crimes contra a dignidade sexual de vulnerável.
Inicialmente, é de se notar que a tese de atipicidade da conduta consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
Com efeito, segundo a Suprema Corte, “[a] análise minuciosa para o fim de concluir pela inexistência de indícios mínimos de autoria demandaria incursão no acervo fático-probatório, inviável em sede de habeas corpus”. (AgRg no HC n. 215.663/SP, Rel. Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 04/07/2022, DJe 11/07/2022).
De igual modo, neste Tribunal Superior de Justiça é assente que “[o] enfrentamento da tese relativa à negativa de autoria é incompatível com a via estreita do habeas corpus, ante a necessária incursão probatória, devendo tal análise ser realizada pelo Juízo competente para a instrução e julgamento da causa”. (AgRg no HC n. 727.242/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe 22/12/2022).
Passo, portanto, a análise da prisão preventiva.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime.
Consta do autos de prisão (e-STJ fls. 19/20):
Diante disso em data de 20/09/24, o Conselho Tutelar acompanhou a adolescente e sua genitora até o Quartel da Polícia militar para registro da ocorrência policial, onde foi confeccionado o REDS n° 2024- 042412205-001.
Posteriormente, conforme relatório elaborado pelo Conselho Tutelar, a adolescente negou os fatos e disse que tinha medo de perder o padrasto como perdeu o pai biológico e que não queria que a denúncia tivesse seguimento e que o padrasto fosse preso.
Em conversa com a genitora da vítima, esta disse que a filha nunca havia falado sobre o ocorrido com ela e que iria deixar a filha sob os cuidados de sua irmã J. A. F. N., o que foi feito, mediante termo de responsabilidade.
Posteriormente, a Sra. J. A. F. N. entrou em contato com os Conselheiros tutelares e informou que a genitora da adolescente foi visitar a filha juntamente com o pastor V. G. S. e sua esposa J. S. M.. Segundo a Sra J. A. F. N. estas pessoas tiveram uma conversa com a adolescente e a coagiram a dizer que os fatos envolvendo o padrasto eram mentirosos. O pastor teria dito que o fato acabaria com a igreja e isso não estava certo. Já a Sra. J. S. M. teria dito que se isso realmente tivesse acontecido foi porque a adolescente quis. Isto posto, J. A. F. N. gravou a conversa e encaminhou ao conselho Tutelar.
Também foi relatado por J. A. F. N. que esta recebeu uma ligação telefônica da genitora da adolescente, a Sra. A. T. C. em que esta pedia para que a filha fosse levada até a Delegacia de Polícia para retirar a queixa contra o padrasto. (...)” (Grifo nosso.)
Colhe-se do decreto de prisão (e-STJ fl. 47/48):
Configurado também, o “perigo da liberdade”de que trata também o art. 312, “caput”do CPP.
Isso porque a gravidade concreta e as circunstâncias do suposto fato — consistente no estupro de uma criança de 11 anos à época dos eventos, praticado em continuidade delitiva, bem como na omissão e coação de uma adolescente no curso do processo penal, em crime contra a dignidade sexual — evidenciam a periculosidade dos investigados, seus destemperos e a absoluta indiferença em relação ao sistema de Justiça e à vigência da norma penal incriminadora. A gravidade dos crimes imputados aos investigados, que envolvem a violação da dignidade sexual de uma criança e a coação de uma adolescente, demonstra a sua periculosidade e a necessidade de afastá-los do convívio social para garantir a proteção da vítima e a ordem pública.
Tais circunstâncias causaram extremo abalo e intranquilidade à vítima, o que pôde ser constatado durante sua oitiva em depoimento especial, bem como por meio dos arquivos de áudio anexados pela autoridade policial, do depoimento prestado pela Sra. J. A. F. N.s e do relatório elaborado pelo Conselho Tutelar do Município de São Sebastião do Maranhão. Esses elementos, ainda que analisados de forma preliminar, sem adentrar o mérito da causa, evidenciam a violência psicológica sofrida pela vítima, decorrente de coação, intimidação e ameaça atribuídas aos investigados. A violência psicológica, muitas vezes invisível, pode causar danos irreparáveis à saúde mental e emocional da vítima, sendo fundamental a adoção de medidas que visem a protegê-la e a garantir a sua recuperação. A prisão preventiva, embora sacrifique a liberdade individual, justifica-se pelo interesse social e pela necessidade de garantir a ordem pública, resguardando, no caso concreto, a paz social. A proteção da ordem pública, entendida como a tranquilidade e a segurança da sociedade, é um dos fundamentos da decretação da prisão preventiva, especialmente em casos que envolvem crimes graves e que causam grande comoção social.
Além disso, a segregação cautelar mostra-se indispensável para afastar os investigados do convívio social, diante de suas periculosidades concretas e da gravidade dos delitos imputados, bem como para evitar a reiteração criminosa. A reiteração criminosa, ou seja, a prática de novos crimes pelos investigados, é um risco concreto que justifica a decretação da prisão preventiva, especialmente em casos que envolvem crimes violentos e que causam grande comoção social.
Insta salientar que a investigada A. T. de C. é genitora da vítima e, conforme informações constantes dos autos — em especial o depoimento da Sra. J. A. F. N.s e o relatório elaborado pelo Conselho Tutelar do Município de São Sebastião do Maranhão —, tinha conhecimento dos fatos. Todavia, teria solicitado à vítima que se retratasse da notitia criminis, sob o argumento de que o investigado faria falta à família. A omissão da genitora, que tinha o dever de proteger a filha e de denunciar os crimes de que tinha conhecimento, demonstra a sua conivência com os fatos e a sua falta de compromisso com a proteção da vítima.
Sabe-se que a omissão da genitora, que, mesmo alertada pelos agentes sociais e pela própria vítima, permaneceu inerte, torna-se penalmente relevante, uma vez que lhe incumbia o dever jurídico de agir para evitar o resultado, sendo responsável pelo cuidado e proteção da criança.
Assim, as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, não se mostram suficientes diante da gravidade dos fatos apurados. As medidas cautelares diversas da prisão, como o comparecimento periódico em juízo, a proibição de contato com a vítima e a proibição de frequentar determinados lugares, podem ser insuficientes para garantir a proteção da vítima e a ordem pública, especialmente em casos que envolvem crimes graves e que causam grande comoção social.
A manutenção da liberdade dos investigados representaria grave risco à ordem pública e à futura instrução criminal, risco este que não seria afastado pela imposição de medidas cautelares alternativas. O risco à ordem pública e à instrução criminal, nesse caso, é evidente, dada a gravidade dos crimes imputados aos investigados e a sua periculosidade, o que justifica a decretação da prisão preventiva como medida necessária e adequada para garantir a proteção da vítima e a apuração da verdade dos fatos.
Ademais, conforme se extrai da Certidão de Antecedentes Criminais (CAC) do investigado V. G. dos S. (ID 10416953852), o presente fato não constitui episódio isolado, evidenciando-se que o autuado possui histórico marcado por condutas delitivas. Tal circunstância demonstra a existência de maus antecedentes, bem como a ausência de propósito em submeter-se às normas legais. Os maus antecedentes do investigado, comprovados por meio da sua Certidão de Antecedentes Criminais, demonstram a sua propensão à prática de crimes e a sua falta de compromisso com o cumprimento da lei, o que justifica a decretação da prisão preventiva como medida necessária para garantir a ordem pública.
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 27/30):
(...) No caso em questão, a autoridade apontada como coatora, considerando presentes indícios suficientes de autoria e provas da existência do crime, indicou a necessidade da custódia para a garantia da ordem pública e da integridade psicológica da vítima (doc. de ordem 43), sobretudo considerando a gravidade concreta das condutas em apuração, já que o paciente, em tese, coagiu moralmente uma vítima de crime de estupro de vulnerável a alterar suas declarações iniciais feitas em desfavor de seu padrasto, a fim de inocentá-lo das acusações. Segundo se extrai dos autos, o paciente fez isso na posição de pastor de igreja frequentada pela família da vítima, utilizando-se, portanto, de sua autoridade religiosa para intimidar a adolescente. Faço consignar que as declarações dos membros da igreja do paciente, a meu ver, são meramente abonatórias e em nada descaracterizam o fato pelo qual o suplicante foi preso, especialmente tendo em vista que há nos autos arquivos de áudio, “confirmando a tentativa de coação psicológica da vítima, mediante falas que minimizam os abusos e buscam responsabilizá-la, dizendo que a denúncia prejudicaria a igreja e a família”, conforme destacado pelo Parquet no parecer favorável à decretação da prisão preventiva (doc. de ordem 42). Certo é que, nos termos do art. 312 do CPP, o presente writ veio acompanhado de documentos suficientes a se concluir pela existência do crime, indícios de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do paciente. Nessa esteira, constata-se que a decisão que converteu a prisão em flagrante do paciente em preventiva encontra-se devidamente fundamentada, pois está lastreada em elementos concretos extraídos dos autos, obedecendo ao que dispõe o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Acrescenta-se ainda que o caso merece maior atenção, por se tratar, nos autos principais, de estupro de vulnerável cometido em contexto doméstico, sendo certo que em delitos desta natureza, é essencial resguardar a saúde física e psicológica da vítima, além de assegurar que a instrução processual correrá de acordo com a lei, sem que haja ameaças ou coação contra a ofendida. De mais a mais, quanto às eventuais condições pessoais favoráveis do paciente, registro que, por si só, não lhe garantem o direito à liberdade, devendo tais circunstâncias ser analisadas em conjunto com os demais elementos probatórios dos autos, sendo certo que, se subsistentes os requisitos da prisão preventiva, como in casu, inviável a concessão da liberdade provisória. (...) Ante o exposto, não detectada qualquer ilegalidade na decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, impossível a concessão da ordem. Com tais fundamentos, DENEGO A ORDEM.
Cumpre verificar se o decreto prisional afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como aduz a inicial.
Entendo que não há motivos que justifiquem a manutenção da prisão preventiva do recorrente.
Em primeiro lugar, o decreto prisional limita-se a mencionar elementos genéricos de autoria e materialidade referentes a um suposto delito de coação no curso do processo, sem apresentar fundamentos concretos que demonstrem a necessidade da medida extrema.
De acordo com o auto de prisão, uma tia da vítima (irmã da mãe) teria, a pedido desta, assumido os cuidados da vítima e posteriormente denunciado que a genitora, acompanhada de um casal (sendo o homem pastor de uma igreja), teria realizado visita à vítima com o intuito de dissuadi-la de prosseguir com a denúncia. Assim, o recorrente teria se validado de sua posição de pastor de uma igreja para supostamente coagir moralmente uma vítima de estupro de vulnerável a alterar as declarações inicialmente prestadas em desfavor de seu padrasto, com o intuito de inocentá-lo das acusações. Tal conduta, em tese, caracterizaria a coação mencionada.
Foi com base nesse relato que deu origem à denúncia dem desfavor do casal - o recorrente (atualmente preso) e sua mulher -, que responde pelos crimes de coação no curso do processo e ameaça.
Observa-se que o decreto considerou essencialmente os aspectos previsto nos tipo penais imputados, sem destacar excepcionalidades, além da tipificação legal, que demonstrem a imprescindibilidade da medida extrema.
Como é cediço, "a mera indicação de circunstâncias que já são elementares do crime perseguido, nada se acrescendo de riscos casuísticos ao processo ou à sociedade, não justifica o encarceramento cautelar, e também não serve de fundamento à prisão preventiva a presunção de reiteração criminosa dissociada de suporte fático concreto" (RHC 63.254/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 7/4/2016, DJe 19/4/2016).
Nessa mesma perspectiva, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que “é ilegal a prisão preventiva imposta com base, essencialmente, na gravidade abstrata do delito, assentada a motivação em elementos inerentes ao próprio tipo penal”. (HC n. 656.210/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe 3/5/2022).
Em segundo lugar, o decreto prisional menciona que o recorrente possui antecedentes criminais. No entanto, não demonstra de forma clara e objetiva a relação entre tais registros pretéritos e a conduta ora imputada, tampouco evidencia risco concreto de reiteração delitiva que justifique a prisão cautelar sob o fundamento da garantia da ordem pública.
Com efeito, os registros apontados são antigos e desconexos do suposto delito atual: um deles diz respeito a crime contra o patrimônio cometido em 1992, com baixa pelo cumprimento da pena em 16/09/2008; o outro refere-se a fato ocorrido em 14/05/1990 (não especificado), com sentença datada de 11/02/1995 determinando o arquivamento do feito (e-STJ, fls. 210/211).
Ora, não se mostra razoável presumir risco acentuado de reiteração delitiva com base em condutas isoladas, praticadas há mais de três décadas, especialmente na ausência de qualquer indicativo de reiteração no período posterior. A invocação desses registros remotos, desprovida de contextualização concreta, não se presta a justificar a excepcionalidade da prisão preventiva.
Acrescente-se, ainda, que o crime de coação no curso do processo possui pena de 1 a 4 anos de reclusão, enquanto o crime de ameaça prevê pena de 6 meses a 2 anos de reclusão. Consideradas isoladamente, tais infrações não autorizam a decretação de prisão preventiva, salvo em hipóteses excepcionais e devidamente fundamentadas — o que, manifestamente, não ocorre no presente caso.
Com efeito, é fundamental que o Judiciário esclareça como o ilícito se relaciona com a ordem pública e justifica a segregação cautelar (restrição total da liberdade) como instrumento processual de sua proteção.
Em terceiro e último lugar, vale recordar que "a prisão preventiva somente se justifica na hipótese de impossibilidade que, por instrumento menos gravoso, seja alcançado idêntico resultado acautelatório." (HC 126815, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 27-08-2015 PUBLIC 28-08-2015).
No caso em exame, considerando as peculiaridades das condutas (que ainda serão devidamente esclarecidas em juízo, no curso da instrução processual), a necessidade de resguardar a ordem pública, a instrução criminal e manter a integridade fisica e psicológica da vítima, reputo razoável e proporcional a aplicação das seguintes medidas cautelares menos gravosas, a saber: (i) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividadese aos chamados da Justiça no curso do processo e (ii) proibição de se comunicar com as vítimas e testemunhas do processo.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. FRAUDE PROCESSUAL, CORRUPÇÃO DE MENORES E COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (POR 5 VEZES). PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO DE PRISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. EXISTÊNCIA, ENTRETANTO, DE MEDIDAS ALTERNATIVAS MAIS ADEQUADAS À SITUAÇÃO DA IMPUTADA. APLICAÇÃO DE MEDIDAS ALTERNATIVAS COM O FIM DE GARANTIR A INSTRUÇÃO CRIMINAL, A ORDEM PÚBLICA E A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio.
Existindo medidas alternativas capazes de garantir a instrução criminal e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da medida extrema. 2. Não obstante as importantes considerações realizadas pelas instâncias ordinárias e a demonstração da suposta autoria e materialidade dos delitos perpetrados pela paciente, a meu ver, existem medidas alternativas à prisão que melhor se adequam à situação, capazes de evitar a reiteração delitiva e garantir a instrução criminal, principalmente, considerando-se que os envolvidos no delito já foram identificados e a instrução processual já se iniciou e apresenta regular andamento.
3. O fato de constarem dos autos elementos concretos acerca da autoria e materialidade do delito não é suficiente, por si só, para justificar a manutenção da custódia, quando evidenciado que a segurança e a instrução processual podem ser garantidas com medidas menos gravosas do que a prisão cautelar.
4. No caso, a evolução dos fatos e o transcurso da instrução criminal revelam que a aplicação da medida extrema não se mostra tão eficaz como a imposição das medidas alternativas restritivas de liberdade.
5. Esse não é um posicionamento isolado nesta Corte Superior de Justiça. Também já disse algo semelhante a Ministra Maria Thereza, por ocasião do julgamento do RHC n. 84.932 (Sexta Turma, DJe 31/8/2017): a prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. 6. A aplicação das medidas cautelares consistentes em: a) comparecimento periódico em juízo para informar e justificar suas atividades a serem designadas pelo Juiz de piso (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares a serem determinados pelo Magistrado singular (art. 319, II, do CPP); c) proibição de manter contato com os demais corréus e qualquer pessoa relacionada aos fatos objeto da investigação e ação penal (art. 319, III, do CPP); e d) proibição de ausentar-se da comarca e do país (art. 319, IV, do CPP) mostra-se suficiente para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal.
7. Importante salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a prisão cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade, devendo-se sempre verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto.
8. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva imposta à paciente pelas medidas alternativas à prisão previstas no art. 319, I, II, III e IV, do Código de Processo Penal, a serem fiscalizadas e implementadas pelo Magistrado singular, mediante o comparecimento a todos os atos processuais, devendo ser a paciente alertada de que o descumprimento de quaisquer delas importará no restabelecimento imediato da segregação cautelar.
(HC n. 499.567/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe de 15/8/2019.)
HABEAS CORPUS. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. DESOBEDIÊNCIA. DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM CONCEDIDA.
1. É impossível transferir a discussão a respeito da inexistência dos crimes descritos na denúncia para a via do habeas corpus, cujas cognição - sumária e superficial - e ausência de real contraditório não permitem a análise vertical e definitiva acerca de alegações que versam sobre a reconstrução histórica dos fatos.
2. Consoante disposto nos incisos e no parágrafo único do art. 313 do Código de Processo Penal, para a decretação da prisão preventiva, é necessária a configuração de uma entre as seguintes hipóteses, consideradas requisitos de admissibilidade da segregação cautelar:
(a) crime doloso com pena cominada máxima superior a 4 anos; (b)
existência de condenação anterior transitada em julgado; (c) delito praticado em situação de violência doméstica ou familiar e (d) existência de dúvida sobre a identidade do agente. 3. É inadmissível a prisão preventiva, amparada no art. 313, I, do CPP, se, apesar de o Juiz sinalizar a investigação de outros crimes que tornariam cabível a medida extrema pelo critério da quantidade da pena, a única acusação que pesa atualmente contra o paciente, coexistente com o ato judicial impugnado, é a de suposta coação no curso do processo, com pena máxima não superior a 4 anos.
4. Afasta-se a hipótese do art. 313, III, do CPP se o Magistrado e o Tribunal de Justiça destacaram não ter havido o descumprimento de medida protetiva de urgência, porquanto o contato do paciente com a vítima ocorreu dias depois da expiração do prazo de sua vigência.
5. Apesar do não cabimento da prisão preventiva, é forçoso concluir que a autoridade judicial indicou motivação idônea, apoiada em dados concretos extraídos dos autos, a atestar a necessidade de alguma cautela para evitar a prática de infrações penais. Registrou o histórico de intimidações (em tese) perpetradas pelo paciente contra sua ex-esposa e afirmou que nem mesmo medidas protetivas de urgência, vencidas há poucos dias, o impediram de proferir nova ameaça contra a vítima. 6. Considerados, todavia, os interesses processuais, sociais, as circunstâncias relacionadas ao crime cometido, bem como a finalidade das demais medidas introduzidas pela Lei n. 12.403/2011, igualmente destinadas à proteger a comunidade social, ameaçada pela provável prática de novos crimes, é suficiente, em juízo de proporcionalidade, a aplicação de cautelas diversas ao paciente (art. 319, III e IV, do CPP).
7. Ordem concedida para aplicar ao paciente as medidas cautelares alternativas de proibição de aproximação e de contato com a vítima e de suspensão do porte de arma até o julgamento da ação penal, nos moldes especificados no acórdão, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do juiz natural da causa indicar cabíveis e adequadas ao caso sob exame, com a comunicação à vítima acerca da determinação de soltura, nos termos do art. 201, § 2º, do CPP.
(HC n. 434.772/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 29/5/2018.)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, FALSIDADE IDEOLÓGICA E COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO NÃO DEMONSTRADO. GARANTIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NOTÍCIAS DE TENTATIVA DE CONTATO COM UM CORRÉU PARA ALINHAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMIDAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ACAUTELAMENTO POR MEIO DE OUTRAS MEDIDAS MAIS BRANDAS. PACIENTE COM CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revele a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime. Precedentes do STF e STJ.
3. A urgência intrínseca da prisão preventiva impõe a contemporaneidade dos fatos justificadores aos riscos que se pretende com a prisão evitar (HC-214.921/PA, Relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe de 25/3/2015). Na espécie, o risco de reiteração não ficou demonstrado na certidão de antecedentes criminais. A despeito disso, a afirmação de que existem outras ações penais instauradas em desfavor do ora paciente, que se encontrava em liberdade até então, não poderia ser determinante para a decretação da sua prisão por representar risco de reiteração por fatos pretéritos, sem a demonstração de motivo atual e necessário para segregá-lo.
4. A suposta interferência na vontade livre do corréu, na forma como apresentada no decreto prisional, não se mostra suficiente para justificar a restrição total da liberdade do paciente para assegurar o resultado útil do processo. Possibilidade de acautelamento por outros meios, previstos na lei processual. Inteligência do art. 319 do CPP.
5. Os crimes imputados não envolvem violência ou grave ameaça, valendo ressaltar, ainda, que o paciente é primário, com residência fixa e pai de três filhos menores. Conquanto essas condições não sejam garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas para fins de deferimento da liberdade provisória. Precedentes.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para relaxar a prisão preventiva do paciente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas no art. 319, I, II e IV, do CPP.
(HC n. 360.766/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/9/2016, DJe de 30/9/2016.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XVIII, c, do RISTJ, dou provimento para substituir a prisão preventiva do recorrente pelas medidas cautelares especificadas na presente decisão.
Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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1. Antonio Claudio Mariz De Oliveira (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo (Impetrado)
ID: 326942321
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0236182-70.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Advogados:
GUSTAVO DOS SANTOS GASPAROTO
OAB/SP XXXXXX
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ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
OAB/SP XXXXXX
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HC 1015125/SP (2025/0236182-9)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
IMPETRANTE
:
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
ADVOGADOS
:
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
GUSTAVO DOS SANTOS GASPAROTO -…
HC 1015125/SP (2025/0236182-9)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
IMPETRANTE
:
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
ADVOGADOS
:
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA - SP023183
GUSTAVO DOS SANTOS GASPAROTO - SP354076
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE
:
BRUNO D AMICO
PACIENTE
:
FERNANDO D AMICO
CORRÉU
:
MARCELO ANTONIO MOREIRA MENDES
CORRÉU
:
PEDRO CAIO BARROS DOS SANTOS
CORRÉU
:
BRUNO RODRIGUES GOUVEA
CORRÉU
:
ESTACIO CARVALHO MERCES
CORRÉU
:
NAILTON MENDES MERCES
CORRÉU
:
ROBERTO LUIZ DA FONSECA
CORRÉU
:
GILBERTO LAURIANO JUNIOR
CORRÉU
:
CICERO DE SOUSA FREIRE
CORRÉU
:
LUANA ANDRADE DE SOUZA
CORRÉU
:
CARMEM GLICERIA RIBEIRO IANNACE
CORRÉU
:
TATHIANA DA FONSECA ELEUTERIO
CORRÉU
:
ANDERSON ROBERTO DE OLIVEIRA
CORRÉU
:
JULIANA DA FONSECA DE OLIVEIRA
CORRÉU
:
ELISANGELA FERREIRA DA FONSECA
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de BRUNO D AMICO e FERNANDO D AMICO, no qual se indica como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, prolator de acórdão assim ementado (fl. 121):
"HABEAS CORPUS - Organização criminosa - Prisão preventiva decretada para evitar a reiteração criminosa - Possibilidade - Necessidade da custódia para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal - Decisão devidamente fundamentada - Constrangimento ilegal - Inocorrência - Inteligência dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal - Requisitos objetivos e subjetivos verificados - Revogação da custódia cautelar - Não cabimento - Prisão Domiciliar - Descabimento - Ausência de comprovação de que a saúde dos pacientes estejam, de fato, extremamente debilitada ou que não poderão receber o tratamento médico adequado no sistema de saúde penitenciário - ORDEM DENEGADA"
Em suas razões, a parte impetrante alega, em resumo: a) ausência de contemporaneidade da prisão preventiva em relação aos fatos investigados; b) desnecessidade da prisão preventiva, mostrando-se suficiente, para evitar a reiteração delitiva, a suspensão da atividade econômica das empresas envolvidas; c) decreto prisional carece de fundamentação idônea; d) condições pessoais (primariedade, residência fixa, laços familiares e quadro de saúde) justificariam substituição da prisão por cautelares alternativas; e) afronta ao princípio da inocência.
Liminar indeferida às fls. 156-157 e informações prestadas às fls. 162-168.
Ouvido, o MPF manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 170-174).
É o relatório.
Decido.
Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 - pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
No caso, inexiste flagrante ilegalidade a ser reconhecida.
A ordem foi denegada pela Corte de origem nos seguintes termos (fls. 120-145):
"[...]
No caso em tela, há evidências bastantes de autoria e materialidade.
Apenas para permitir o entendimento da situação fática delineada, consta da denúncia oferecida pelo Parquet (fls.3354/ 3420 dos autos 1024537-53.2024.8.26.0050) que:
“[...] por período indeterminado, mas que perdura, ao menos, de 2019 até a presente data, em cidades distintas, notadamente nos municípios de São Paulo, Santo André e Osasco, os pacientes e os 14 (quatorze) corréus, agindo em concurso de pessoas, integraram organização criminosa, pessoalmente, consistente na associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais com pena máxima superior a quatro anos, em desfavor de número indeterminado de consumidores, da Administração Pública e da ordem econômica, notadamente para a prática de revenda de combustível em desacordo com as normas legais, corrupção ativa e lavagem de capitais (....) No dia 14 de maio de 2023, na altura do km 226 da Rodovia Presidente Dutra, durante fiscalização de rotina, policiais rodoviários federais verificaram que RENAN DIEGO INOCENCIA DA SILVA, na condução do caminhão de placas ECT-4986 e do semirreboque de placas BXJ-1785, transportava irregularmente 30.000L de substância perigosa, consistente em produto químico assemelhado a combustível, sem qualquer documentação da mercadoria e com inobservância das normas técnicas (Resolução n.º 5.947/21-ANTT, vigente à época do fato - 14/05/2023 - e Resolução n.º 5.998/22-ANTT e seus anexos; ABNT NBR 7500 e 9735) (fls. 06/10). Durante a diligência, compareceram três homens, dizendo-se amigos do condutor Renan. Um deles não portava documentos pessoais e os outros dois foram identificados como NAILTON MENDES MERCES e ESTÁCIO CARVALHO MERCES, vulgo “DINHO”. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) efetuou a coleta de amostras do produto, a fim de realizar exame pericial (fls. 21). O resultado do referido exame constatou que se trata de metanol, comumente utilizado para a adulteração de combustíveis (etanol e gasolina C) (fls. 22/26). Trata-se de produto altamente inflamável e nocivo à saúde humana. De fato, as resoluções da ANTT inserem o produto na classe de risco 3, significando que é tóxico, inflamável e de comercialização como combustível proibida no Brasil - autorizado o uso como matéria prima de produtos químicos para a produção de adesivos, solvente, piso e revestimento, entre outros. partir da investigação a respeito da origem e do destino do metanol apreendido, bem como de informações sobre o caminhão e semirreboque, descortinou-se a existência de ao menos três organizações criminosas que atuam na comercialização de combustíveis adulterados com metanol, na corrupção de agentes públicos e na ocultação de valores e bens obtidos com as práticas criminosas. Entre as organizações criminosas identificadas está a denominada “IRMÃOS D'AMICO”, integrada pelos ora denunciados e cujas ações foram bem demonstradas pelos elementos colhidos nos autos das medidas cautelares autorizadas judicialmente. A organização criminosa age de forma ordenada e com divisão de tarefas, para o fim de obter, especialmente, vantagem econômica, mediante a revenda de combustível - gasolina e etanol - em desacordo comas normas - adulterado (A); a corrupção de agentes públicos vinculados a órgãos de fiscalização da atividade (B); e a ocultação dos valores e bens auferidos com as práticas criminosas antecedentes (C). Na liderança da ORCRIM estão os irmãos B. D'A, vulgo “MENOTTI”, e F. D'A.. (...) Prosseguindo, a partir da análise dos dados e informações contidos nos aparelhos de telefone celular, notebooks e documentos apreendidos, verifica-se que a referida organização criminosa tem atuação em ao menos 19 postos de combustíveis situados na cidade de São Paulo e em outras da região metropolitana, como Osasco e Santo André.(....) No grupo de WhatsApp denominado “Rede Gallo”, composto por B D'A, F.,M. TUBARÃO e PEDRO CAIO, os denunciados centralizam informações de interesse da organização criminosa que digam respeito a todos os postos de combustíveis. Igualmente, há troca de informações sobre os abastecimentos com metanol e outras fraudes, referentes aos postos de combustíveis da ORCRIM (fls. 2662/2697). Foram encontradas vinte e quatro mil, quinhentas e sete mensagens, enviadas entre 11 de setembro de 2020 e 7 de fevereiro de 2024, véspera da deflagração da operação policial e apreensão do aparelho de telefone celular. (...) Nota-se, ainda, que há prévia comunicação entre os integrantes, nas proximidades de fiscalizações já noticiadas, para adotar as medidas eficazes à ocultação do crime, ou seja, da comercialização de combustível adulterado. Entre as providências estão a limpeza dos tanques em que está armazenado o metanol (combustível “GRU”) e o rápido abastecimento com etanol e gasolina “BOMBEIO” (sem adulteração) nos autopostos que serão alvo da inspeção (...) Os elementos colhidos, a partir da apreensão de aparelhos de telefone celular, notebook e documentos, revelaram que a organização criminosa também se vale da corrupção de agentes públicos, para a manutenção de sua estrutura e seu modo de agir, garantindo a obtenção de vantagem, notadamente para maximizar o ganho com a venda de combustível adulterado com metanol e com outras fraudes empregadas nas bombas de abastecimento.(...) No aparelho de telefone de B. D'A, foram encontradas mensagens de texto trocadas entre ele e o contato identificado como “Ricardo Catunda SEFAZ”, telefone 11 98311-5555. Essa linha telefônica está registrada em nome de RICARDO CATUNDA DO NASCIMENTO GUEDES, CPF 073.854.198-28, servidor da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, ocupante do cargo de auditor fiscal.(....) Os elementos colhidos apontam, inclusive, para a corrupção de servidores da Agência Nacional do Petróleo, responsável pelo controle da entrada e do uso do metanol no País (fls. 2503/2570 e 2691/2704). Tais fatos são objeto de investigação a cargo do Ministério Público Federal, conforme compartilhamento autorizado pela autoridade judicial nos autos n. 1018961-79.2024.8.26.0050 (....) Com o fim de acumular patrimônio sem submetê-lo aos regulares mecanismos de controle estatal, bem como de ocultar as práticas criminosas acima indicadas - revenda de combustível em desacordo com as normas legais, corrupção de agentes públicos e a própria instituição da organização criminosa - os líderes BRUNO e FERNANDO, irmãos D'AMICO, valem-se de interpostas pessoas físicas, ora denunciados indicados com o “Laranjas”, e empresas de fachada para adquirir bens, movimentar os recursos ilícitos obtidos e deles usufruir (IPJ 4523943/2023). Os irmãos D'AMICO gerenciam contas bancárias abertas em nome de terceiros (laranjas) ou de empresas de fachada, mediante o uso de procurações, com vistas a movimentar os recursos da organização criminosa, em seu benefício, e a dificultar seu rastreio e, por consequência, a sua origem ilícita.[...]”
Portanto, as investigações demonstraram, em tese, o envolvimento ativo dos pacientes em organização criminosa destinada a prática de vários delitos, não apenas na Cidade de São Paulo, destacando-se o grave delito de organização criminosa, cuja atividade consiste na revenda de derivados do petróleo em desacordo com as normas legais, corrupção ativa e lavagem de bens e valores.
Para que o crime de organização criminosa se configure não é necessária a prática de crime, bastando apenas que fique demonstrada a intenção de se associar para praticar a conduta criminosa, razão pela qual o crime de organização criminosa é considerado um crime formal.
Nesse diapasão, classificação da conduta dos denunciados, ora pacientes, claramente individualizadas na aludida peça vestibular do processo-crime, está baseada em fatos apurados concretamente e, ao menos em princípio, típicos.
Da mesma forma, não há que se falar em ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa, sendo, in casu, concedida à Defesa a possibilidade de se manifestar sobre todas as provas juntadas aos autos pela Acusação.
Com efeito, apesar dos argumentos lançados na impetração, na presente hipótese concreta a configuração dos requisitos demonstrativos do cabimento da medida prisional está evidenciada, como demonstrado, inclusive, pela decisão do juízo a quo, que proferiu fundamentadamente a r. decisão combatida descendo às peculiaridades do caso concreto (fls. 3447/3462 dos autos 1004025-15.2025.8.26.0050):
“[...] verificada, portanto, uma das hipóteses previstas no artigo 311 do Código de Processo Penal. Por seu turno, o artigo 312 do Código de Processo Penal preceitua que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (fumus comissi delicti) e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis). E tanto a prova da materialidade dos crimes de organização criminosa e lavagem de bens e valores como os indícios de autoria (fumus comissi delicti) exsurgem dos diversos elementos de informação compilados pelo Departamento de Polícia Federal ao longo do Inquérito Policial n.º 1024537-53.2024.8.26.0050 e referenciados na própria manifestação ministerial que inaugura estes autos. Já o perigo gerado pelo estado de liberdade dos denunciados (periculum libertatis) decorre somente da necessidade de garantia da ordem pública e econômica, a despeito do entendimento do Ministério Público de que também seria indispensável para assegurar a aplicação da lei penal. Conquanto os denunciados que constam como alvo do pedido de decreto de prisão preventiva não sejam os únicos supostos autores dos crimes de organização criminosa e lavagem de bens e valores, estes, diversamente dos demais, ocupam posição de destaque na referida facção, de modo a tornar a gravidade em concreto das condutas a eles imputadas mais acentuada em relação aos demais denunciados. Segundo foi apurado na investigação, em relação à organização criminosa objeto do Inquérito Policial n.º 1024537-53.2024.8.26.0050, B. D'A e F. D'A. são os líderes, M. A. M. M. é o coordenador operacional, P. C. B. dos S. é o supervisor direto e G. L. J. assim como R. L. da F. são os responsáveis pela constituição de pessoas jurídicas para a lavagem de bens e valores. E ainda de acordo com que foi apurado, tanto a organização criminosa como as pessoas jurídicas constituídas para a prática da lavagem de bens e valores permanecem em atividade. O que evidencia a necessidade da prisão preventiva de B. D'A e F. D'A, M. A. M. M, P. C. B. dos S., G. L. J. e R. L. da F. como meio de se garantir a ordem pública e econômica. Caso os denunciados em questão permaneçam em liberdade, é esperado que o grupo criminoso continue a vender combustível adulterado, permaneça corrompendo agentes públicos e mantenha lavando os valores obtidos com a venda ilícita de combustível adulterado. Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça abriga a tese de que a prisão cautelar pode ser decretada para a garantia da ordem pública potencialmente ofendida, especialmente nos casos de: reiteração delitiva, participação em organizações criminosas, gravidade em concreto da conduta, periculosidade social do agente, ou pelas circunstâncias em que praticado o delito. O que reforça a conclusão pela necessidade de prisão preventiva dos referidos denunciados. Prosseguindo, destaco que a presente decisão se funda em fatos contemporâneos, que justificam a aplicação da medida, nos termos do § 2º, do artigo 312, do Código de Processo Penal. Em relação à aplicação da lei penal como pressuposto para o decreto da prisão preventiva de B. D'A e F. D'A, M. A. M. M, P. C. B. dos S., G. L. J. e R. L. da F., ponderou o Ministério Público que tais denunciados possuem recursos e instituição de pagamento isenta de controle pelo Banco Central do Brasil para, se o caso, evadirem-se do distrito da culpa e, ainda, que F. D'A indicou nos instrumentos de procuração que juntou aos autos endereço diverso daqueles que constam dos bancos de dados oficiais do momento.(...) Afastada a possibilidade de decreto da prisão preventiva dos denunciados afim de se assegurar a aplicação da lei penal, pontuo que os crimes imputados aos denunciados, todos dolosos, ressalte-se, contemplam pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos. Por tal razão, se tem por verificada uma das hipóteses de admissão para o decreto da prisão preventiva, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal. Ademais, é oportuno ainda ressaltar que não se trata de decretação de prisão preventiva com a finalidade de antecipar o cumprimento de pena ou como decorrência imediata investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia, o que é vedado, nos termos do § 2º, do artigo 313, do Código de Processo Penal. Conforme sublinhado anteriormente, a prisão preventiva se funda na necessidade de garantir a ordem pública e econômica. Por fim, assinalo, em observância ao previsto no § 6º, do artigo 282, do Código de Processo Penal, que a prisão preventiva dos denunciados somente está sendo decretada ante a inadmissibilidade de aplicação de medidas cautelares pessoais diversas da prisão, já que insuficientes para garantirem a ordem pública e econômica, dada a posição de destaque deles na organização criminosa e a elevada gravidade em concreto das condutas que lhes foram imputadas. Conforme fundamentado, a prisão preventiva de B. D'A e F. D'A, M. A. M. M, P. C. B. dos S., G. L. J. e R. L. da F. é fundamental para se garantir a ordem pública e econômica, mas tal medida, isoladamente, não é suficiente(...) Assim como já foi anteriormente registrado em relação àqueles que foram alvo do pedido de prisão preventiva, tanto a prova da materialidade dos crimes de organização criminosa e lavagem de bens e valores como os indícios de autoria (fumus comissi delicti) exsurgem dos diversos elementos de informação compilados pelo Departamento de Polícia Federal ao longo do Inquérito Policial n.º 1024537-53.2024.8.26.0050 e referenciados na própria manifestação ministerial que inaugura estes autos. Mas se por um lado a gravidade em concreto dos fatos imputados a tais pessoas é acentuada a ponto de relevar a necessidade de imposição de medidas cautelares afim de se resguardar a ordem pública e econômica, a posição de subordinação destas mesmas pessoas nos quadros da organização criminosa indica que a prisão preventiva se trata de medida cautelar desproporcional. Assim, tenho por suficientes as medidas cautelares postuladas pelo Ministério Público. Ante o exposto: I) Decreto a prisão preventiva de B. D'A e F. D'A, M. A. M. M, vulgo "Tubarão", P. C. B. dos S., G. L. J. e R. L. da F., para a garantia da ordem pública e econômica, com fundamento nos artigos 312 e 313, inciso I, do Código de Processo Penal[...]”
Portanto, segundo consta dos autos, há contundentes indícios de autoria e materialidade delitivas e não é possível descartar, de plano, no apertado âmbito deste writ, a perspectiva, em tese, de intuito deliberado de revenda de derivados do petróleo em desacordo com as normas legais e de que haja dedicação ao delito como prática econômica. Logo, justifica-se a medida prisional para coarctar o exercício do comércio ilegal de derivados do petróleo, que é tão nefasta consequências sociais, de modo a garantir, assim, a ordem pública.
Destarte, indicam os elementos de convicção coligidos, em tese, o entrelaçamento dos pacientes, não se podendo ignorar o fato de que o resultado concreto das interceptações telefônicas foi satisfatório, mostrando-se compatível com a efetiva existência de associação criminosa de grande envergadura, voltada a adulteração de combustível e sua comercialização.
O contexto existente demonstra, enfim, que a prisão preventiva dos pacientes, tem patenteada sua utilidade para assegurar a instrução criminal, de maneira que as apurações possam ser exitosas, assim como para garantir a aplicação da lei penal e a própria ordem pública, interrompendo-se a continuidade da atuação criminosa organizada.
Quanto contemporaneidade no decreto de prisão preventiva, tem-se que ela diz respeito aos motivos ensejadores da prisão preventiva e não ao momento da prática supostamente criminosa em si, ou seja, é desimportante que o fato ilícito tenha sido praticado há lapso temporal longínquo, sendo necessária, no entanto, a efetiva demonstração de que, mesmo com o transcurso de tal período, continuam presentes os requisitos (i) do risco à ordem pública ou (ii) à ordem econômica, (iii) da conveniência da instrução ou, ainda, (iv) da necessidade de assegurar a aplicação da lei penal [...]
Ademais, como bem ponderado pelo i. Procurador de Justiça, em seu parecer( fls.87/89): “[...] E não há se falar em ausência de contemporaneidade, uma vez que os fatos que justificaram a decretação e a manutenção da prisão preventiva ocorreram ao menos até a deflagração da operação policial e o oferecimento da denúncia, no presente ano, e foram praticados reiteradamente durante vários anos (entre 2019 e 2025).
[...]
Assim, a prisão preventiva para evitar a prática de infrações penais (garantia da ordem pública), ora em análise, não se funda numa suposição abstrata, mas baseia-se, conforme dita a lei, na gravidade do crime, nas circunstâncias concretas do fato e nas condições pessoais do(s) acusado(s) (incisos I e II do art. 282 do Código de Processo Penal), estando devidamente fundamentada nos termos do art. 315 e seus parágrafos do CPP.
Quanto a questões referentes ao mérito da ação penal, trata-se de matéria a ser analisada por ocasião da prolação da sentença, pelo magistrado de primeiro grau, após concluída a colheita de elementos de convicção ao longo da instrução processual.
[...]
Quanto a alegação de que os pacientes possuem enfermidades, verifica-se que embora encartados aos autos pelo impetrante, parte de documentos médicos, tem-se que não foi encartado nenhum relatório médico asseverando corretamente a enfermidade e de eventual incapacidade física por conta da doença.
Não há nos autos, prova de que eles se encontram extremamente debilitados e que não possam receber os cuidados médicos no sistema penitenciário." (grifei)
Como se vê, a prisão preventiva foi decretada, como forma de preservar a ordem pública e a ordem econômica, diante de evidências de que os pacientes ocupariam posição de destaque (exercendo liderança) de organização criminosa dedicada à revenda de combustíveis adulterados, corrupção de agentes públicos responsáveis pela fiscalização e lavagem dos valores decorrentes das atividades ilícitas.
Segundo revelado pelas investigações, haveria provas de que o grupo criminoso, liderado pelos pacientes, teria, no período que se estende desde 2019 até as vésperas da deflagração da operação, colocado em prática sofisticado esquema de adulteração de derivados de petróleo, que envolveria uma rede de 19 (dezenove) postos de combustíveis, situados na cidade de São Paulo e em outras da região metropolitana, gerando graves prejuízos para um número indeterminado de consumidores, bem como para a Administração Pública (em razão da cooptação de agentes públicos responsáveis pela fiscalização da atividade econômica).
Essas circunstâncias justificam a prisão cautelar dos pacientes, consoante pacífico entendimento desta Corte, no sentido de que não há constrangimento ilegal quando a segregação preventiva é decretada em razão do modus operandi com que o delito fora praticado.
A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO DERROCADA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. CORRUPÇÃO PASSIVA. CORRUPÇÃO ATIVA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. SONEGAÇÃO FISCAL. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
2. A custódia preventiva do acusado foi justificada pela gravidade da conduta em tese perpetrada e no risco de reiteração delitiva, especialmente diante do modus operandi adotado pelos investigados na prática dos delitos a eles imputados - sobretudo a concessão de licenças ambientais "frias" e a busca de meios para ocultar a origem ilícita dos valores recebidos diante da atividade ilegal.
3. O acórdão proferido pela Corte estadual destacou que o ora agravante (a quem é imputada a prática de 56 condutas relacionadas à lavagem de dinheiro, 23 delitos de falsidade ideológica, 22 crimes contra a ordem tributária, além de crimes ambientais, corrupção passiva e ativa) era uma das peças centrais da organização criminosa que integrava, dado que reforça a necessidade de sua custódia cautelar para impedir a continuidade das ações delituosas.
4. Em relação à suscitada ausência de contemporaneidade, recordo que ela "diz com os motivos ensejadores da prisão preventiva e não o momento da prática supostamente criminosa em si, ou seja, é desimportante que o fato ilícito tenha sido praticado há lapso temporal longínquo, sendo necessária, no entanto, a efetiva demonstração de que, mesmo com o transcurso de tal período, continuam presentes os requisitos (i) do risco à ordem pública" (STF, HC 185.893 AgR, relatora Ministra ROSA WEBER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/4/2021, DJe 26/4/2021).
5. Como delimitado pelas instâncias ordinárias, a investigação realizada demonstrou que a organização criminosa prosseguiu com as supostas atividades ilícitas até a decretação da prisão preventiva dos acusados, de modo que não há como se reconhecer a ilegalidade suscitada pela defesa.
6. A decisão que impõe a cautela extrema menciona indícios de atuação habitual do investigado, dado que reforça a impossibilidade de fixação de medida menos gravosa, pois não se prestaria a impedir a reiteração delitiva.
7. Agravo não provido."
(AgRg no RHC n. 204.161/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/11/2024, DJEN de 29/11/2024, grifei)
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO ATIVO OCULTO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. NEGATIVA DE AUTORIA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. INTERRUPÇÃO DE ATUAÇÃO DE GRUPO CRIMINOSO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Relativamente aos pressupostos da prisão preventiva, depreende-se do feito que as instâncias ordinárias, com apoio nas investigações preliminares, entenderam pela existência de indícios suficientes de autoria e materialidade com relação à recorrente. Com efeito, "[c]onstatada pelas instâncias ordinárias a existência de prova suficiente para instaurar a ação penal, reconhecer que os indícios de materialidade e autoria do crime são insuficientes para justificar a custódia cautelar implicaria afastar o substrato fático em que se ampara a acusação, o que, como é sabido, não é possível na estreita e célere via do habeas corpus" (AgRg no HC n. 816.779/SP, relatora MINISTRA LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 29/5/2023, DJe de 5/6/2023).
2. Presentes elementos concretos para justificar a manutenção da prisão preventiva para a garantia da ordem pública. As instâncias ordinárias afirmaram a necessidade da segregação cautelar, tendo sido demonstradas, com base em elementos concretos, a gravidade da conduta e a periculosidade da recorrente que seria integrante de articulada organização criminosa e inclusive auxiliava na lavagem de dinheiro, sendo responsável por pagamentos de despesas de líder do Comando Vermelho - CV.
3 . A prisão processual está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, tendo em vista o modus operandi da conduta e a necessidade de desarticulação do grupo, não havendo falar em flagrante ilegalidade ensejadora de sua revogação, valendo ressaltar que o Juízo de Primeiro Grau substituiu a prisão preventiva pela domiciliar.
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no RHC n. 182.627/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024, grifou-se)
Ademais, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, seguida por esse Superior Tribunal de Justiça, “a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva” (STF, Primeira Turma, HC n. 95.024/SP, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe 20/2/2009, citado no RHC 126.774/DF, Rel. Ministro ANTÔNIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 27/10/2020).
No caso, conforme identificado pelas instância ordinárias, os pacientes não só integrariam como exerceriam a liderança de grupo criminoso em atuação há anos, o que revelou a necessidade da prisão preventiva como forma de interromper as atividades ilícitas que estariam em curso, cabendo destacar que a mera suspensão da atividade econômica dos postos de combustíveis ligados à organização não seria suficiente, ao menos no estágio atual, para assegurar o desmantelamento do esquema criminoso.
No ponto, cabe destacar que não se vislumbra contradição do decreto prisional ao concluir pela necessidade, a um só tempo, da prisão preventiva das lideranças da organização criminosa e da suspensão da atividade econômica das empresas vinculadas ao grupo; isso porque, por um lado, a mera suspensão da atividade dessas empresas permitiria a continuidade de adulteração e revenda dos combustíveis adulterados por meio de outras empresas ainda não identificadas, bem como a persistência de atos de lavagem dos valores ilícitos auferidos; por outro lado, a prisão dos líderes sem a suspensão da atividade das empresas abriria espaço para que outros integrantes do grupo assumissem a gerência da empreitada criminosa.
O contexto descrito, pois, justificou, de forma válida, tanto a prisão preventiva dos pacientes (e demais integrantes com posição de destaque na organização), como também a suspensão da atividade econômica das empresas já identificadas, dada a imprescindibilidade das medidas para o desmantelamento da organização criminosa que, reitere-se, segundo o acórdão recorrido, estaria em atuação até as vésperas da deflagração da operação.
Quanto à alegação de ofensa à contemporaneidade, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que: "A contemporaneidade diz respeito aos motivos ensejadores da prisão preventiva e não ao momento da prática supostamente criminosa em si, ou seja, é desimportante que o fato ilícito tenha sido praticado há lapso temporal longínquo, sendo necessária, no entanto, a efetiva demonstração de que, mesmo com o transcurso de tal período, continuam presentes os requisitos (i) do risco à ordem pública ou (ii) à ordem econômica, (iii) da conveniência da instrução ou, ainda, (iv) da necessidade de assegurar a aplicação da lei penal." (AgR no HC n. 190.028, Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 11/2/2021).
No caso, conforme assentado pela Corte local, a prisão preventiva se justificou para impedir a continuidade das atividades ilícitas de organização criminosa que ainda estaria em atuação, resguardando, assim, a ordem pública e a ordem econômica; tratando-se, pois, de crime de natureza permanente, e havendo concretas evidências de persistência das atividades criminosas do grupo ao tempo da deflagração da operação, mostra-se legítimo o decreto prisional.
Estando a prisão preventiva devidamente fundamentada, com base em elementos concretos colhidos na investigação, e visando interromper a atuação de organização criminosa complexa, não se verifica qualquer ofensa à garantia da presunção de inocência; isso porque a medida extrema não foi implementada como forma de antecipar cumprimento de pena, ou como mera decorrência da investigação, tratamento processual vedado expressamente pelo art. 313, § 2º, do CPP, mas sim com o objetivo de acautelar a ordem pública e ordem econômica, conforme autoriza os arts. 282 e 312 do CPP.
Segundo entende esta Corte: "A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP)." (AgRg no HC n. 808.524/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 28/8/2023).
Importa consignar, ainda, que, consoante reiterado entendimento desta Corte, eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva (AgRg no HC n. 773.086/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 10/10/2022; AgRg no HC n. 781.026/ES, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 15/12/2022).
Pelos mesmos motivos acima delineados, mostra-se inviável, no caso, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pois a periculosidade dos pacientes indica que a ordem pública não estaria satisfatoriamente acautelada com a soltura destes. Sobre o tema: RHC 81.745/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017; RHC 82.978/MT, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017; HC 394.432/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017.
A parte impetrante defende, por fim, que o quadro de saúde dos pacientes indicaria a inadequação da custódia cautelar, que deveria ser substituída por outras medidas cautelares.
Ocorre que a verificação acerca do quadro clínico dos pacientes, bem como eventual inadequação dos serviços de sáude disponibilizados pelo próprio sistema prisional, demandaria detido e profundo revolvimento fático-probatório, o que é inviável na via do habeas corpus.
Sobre o tema:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 121, § 2.º, INCISOS IV, DO CÓDIGO PENAL, E 28 DA LEI N.º 11.343/2006. EXCESSO DE PRAZO NO EXAME DE SANIDADE MENTAL. PERÍCIA REALIZADA. TESE PREJUDICADA. REQUERIMENTO DE PRISÃO DOMICILIAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EXTREMA DEBILIDADE POR MOTIVO DE DOENÇA GRAVE E DA INCOMPATIBILIDADE ENTRE O TRATAMENTO MÉDICO E O ENCARCERAMENTO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. RECURSO PARCIALMENTE PREJUDICADO E, NO MAIS, DESPROVIDO.
[...]
2. Esta Corte Superior tem entendimento no sentido de que, à luz do disposto no art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, o preso deve comprovar, simultaneamente, o grave estado de saúde em que se encontra e a incompatibilidade entre o tratamento de saúde e o encarceramento, o que não se verificou na hipótese dos autos.
3. No caso, a instância ordinária afirmou a inexistência de excepcionalidade a demonstrar a possibilidade de concessão de prisão domiciliar ao Recorrente, ante a ausência de comprovação de que ele esteja extremamente debilitado e de que o estabelecimento prisional não possui condições de oferecer o tratamento adequado.
4. Para se afastar as conclusões que justificaram a negativa do pedido de prisão domiciliar, seria necessário proceder ao revolvimento fático-probatório dos autos, o que não é cabível na via estreita do habeas corpus.
5. Recurso ordinário parcialmente prejudicado e, no mais, desprovido."
(RHC 116.842/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 5/11/2019, DJe 28/11/2019, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
7. Este Superior Tribunal de Justiça entende que 'o deferimento da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, depende da comprovação inequívoca de que o réu esteja extremamente debilitado, por motivo de grave doença aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra' (RHC 58.378/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015).
8. No caso, as instâncias ordinárias concluíram pela ausência de comprovação da extrema debilidade do ora agravante, por motivo de doença grave. Rever tal entendimento demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência incabível nesta via.
[...]
10. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no RHC 158.077/RS, da minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/2/2022, DJe 2/3/2022, grifei).
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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1. Antonio Claudeci Bezerra De Oliveira (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado De Goiás (Recorrido)
ID: 327455380
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ORDINáRIO EM HABEAS CORPUS
Nº Processo: 5336979-97.2025.8.09.0000
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
RHC 217926/GO (2025/0218823-4)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
ANTONIO CLAUDECI BEZERRA DE OLIVEIRA
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO…
RHC 217926/GO (2025/0218823-4)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
ANTONIO CLAUDECI BEZERRA DE OLIVEIRA
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
DECISÃO
Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por ANTONIO CLAUDECI BEZERRA DE OLIVEIRA, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 5336979-97.2025.8.09.0000.
Extrai-se dos autos que o recorrente foi preso em flagrante em 29/5/2025, posteriormente convertido em prisão preventiva, pela suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 147, § 1º; 147-B e 329, caput, do Código Penal – CP, c/c a Lei n. 11.340/2006, e no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado (fl. 158):
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA CONVERTIDA. AMEAÇAS DE GÊNERO. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. RESISTÊNCIA À PRISÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
I. CASO EM EXAME
1. Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Goiás contra decisão que converteu prisão em flagrante do paciente em preventiva pela suposta prática dos crimes tipificados no artigo 147, § 1º, artigo 147-B, e artigo 329, caput, todos do Código Penal, c/c Lei n.º 11.340/2006 e artigo 12 da Lei 10.826/2003. A impetração sustenta ausência de fundamentação concreta e dos requisitos legais para a prisão preventiva, desproporcionalidade da medida, condições pessoais favoráveis e suficiência de medidas cautelares alternativas.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em analisar: (i) a legalidade da prisão preventiva convertida, considerando a existência de prova da materialidade delitiva, indícios suficientes de autoria e a presença dos requisitos autorizadores da medida constritiva, ante a gravidade dos fatos e periculosidade do agente; (ii) se houve violação ao princípio da homogeneidade; (iii) se as condições pessoais dos pacientes afastam a necessidade da medida cautelar; e (iv) se é possível a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A prisão preventiva está fundamentada na necessidade de garantir a ordem pública e a integridade física e psicológica da vítima (CPP, arts. 312 e 313, III), diante da periculosidade do paciente, evidenciada pela gravidade da conduta perpetrada (além de possuir uma arma de fogo no interior de sua gaveta, o paciente teria, no dia dos fatos, ameaçado de morte a vítima, sua genitora de 81 anos de idade, utilizando-se, para tanto, de uma faca, bem como a teria xingado chamando-a de “velha safada” e “piranha” e a expulsado de casa, deixando-a abandonada na rua, além de ter resistido à prisão, causando lesões corporais em um dos policiais e, mesmo depois de algemado, continuado com as ameaças contra a vítima), sendo insuficiente, por tais motivos, sua substituição por cautelares diversas.
4. A existência de condições pessoais favoráveis não afasta a necessidade da custódia cautelar quando presentes os pressupostos legais.
5. Não se evidencia violação ao princípio da homogeneidade, porque presentes as condições previstas nos arts. 312 e 313, do CPP.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Ordem conhecida e denegada."
Nas razões do presente recurso, sustenta a ausência de fundamentação do decreto preventivo, uma vez que baseado na gravidade abstrata do delito, reputando ausentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP.
Defende a desnecessidade da prisão preventiva e a suficiência das medidas cautelares diversas da prisão, tendo em vista que é primário, possui endereço fixo e ocupação lícita, além de não ter sido oportunizado o cumprimento de medidas protetivas.
Requer, em liminar e no mérito, o provimento do recurso para que seja revogada a prisão preventiva, com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas.
Liminar indeferida às fls. 196/198.
Informações prestadas às fls. 201/206 e 207/210.
Parecer do MPF opinando pelo não provimento do recurso às fls. 216/218.
É o relatório.
Decido.
Decido.
Conforme relatado, busca-se, no presente recurso, o direito do recorrente recorrer em liberdade.
A Corte estadual, no julgamento do habeas corpus, manteve a referida segregação antecipada, conforme se verifica:
“02. Teses de ausência de fundamentação concreta e dos requisitos legais para a prisão preventiva, desproporcionalidade da medida, predicados pessoais favoráveis e suficiência de medidas cautelares diversas
A decisão impugnada (IP n.º 5331291-62, mov. 17) foi proferida com os seguintes fundamentos, in verbis:
“A decretação da prisão preventiva, como medida cautelar, de natureza pessoal, exige a presença dos pressupostos fundamentais de 'prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria' e o perigo da demora, conforme preceituado nas hipóteses previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, sendo elas 'a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução processual e para assegurar a aplicação da lei penal, sendo que apenas uma delas já é suficiente para embasar a cautelar.”
“Verifica-se que no caso ora em exame, a prova da existência do crime encontra-se fundamentada em ampla documentação acostada nos autos sendo estes Auto de Prisão em Flagrante, e Relatório Médico.”
“Quanto à autoria, sobejam indícios suficientes em relação ao autuado.”
“Cumpre salientar que a liberdade do flagrado atenta contra a ordem pública e repercute de maneira danosa e prejudicial ao meio social em que vivemos. Ademais, o perigo do estado de liberdade do autuado restou demonstrado nos autos, sendo a vítima sua genitora, idosa contando com 81 anos. Importante ressaltar que um policial foi lesionado e um arma de fogo encontrada no local.”
“Neste contexto, afigura-se imperativo concluir que a decretação da prisão cautelar do flagrado sobreleva-se como medida essencial para a manutenção da ordem pública e intranquilidade no meio social, diante da gravidade em concreto do crime. No presente caso a decretação da prisão no flagrado visa garantir a integridade física e psicológica da vítima.”
“Logo, está-se diante de, absoluta e, cristalina, concretude dos requisitos de preenchimentos da prisão sem pena.”
“Além disso, a conduta ilícita, em tese, praticada pelo autuado, demonstra o destemor do mesmo à imposições legais, além da evidente periculosidade social.”
“Salienta-se ainda, que nesta fase não se antecipa qualquer aferição do mérito sobre a conduta do autuado mas sim, observa-se a necessidade excepcional de se apreciar a possibilidade de atuação judicial emergencial para atender às necessidades da investigação preliminar.”
“Ainda que estas provas não tenham sido submetidas ao crivo do contraditório, constituem indícios suficientes de autoria, nos moldes exigidos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, os quais são aptos a permitir a decretação da prisão preventiva.”
“Quanto aos requisitos do artigo 312 do CPP, entendo que a segregação cautelar do autuado se faz necessária para a garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta dos fatos e periculosidade do agente, bem como para aplicação da lei penal, conforme acima exposto.”
“Neste sentido, qualquer medida que não seja a prisão cautelar do flagrado, poderá tornar-se inócua e causar graves prejuízos, não havendo que se falar em concessão de liberdade conforme requer a defesa.”
“Ante ao exposto, com fundamento nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, decreto a prisão preventiva de ANTÔNIO CLAUDECI BEZERRA DE OLIVEIRA.”
“Outrossim, a vítima na oportunidade do flagrante requereu a aplicação de medidas protetivas.”
“Depreende-se dos autos que o requerimento encontra respaldo na legislação (Lei nº 11.340/2006) em face das informações fornecidas pela vítima, a qual encontra-se em situação periclitante da personalidade violenta do requerido, razão pela qual a representação merece ser acolhida.”
“A Lei Maria da Penha, na seção que trata das medidas protetivas de urgência, preceitua que:”
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas de urgência, entre outras: (...)”
“Vê-se em vários dispositivos da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/60), a autorização de apreensão de eventual arma de fogo encontrada em poder do requerido, senão vejamos:”
“Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:”
“(...)”
“VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);”
“Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:”
“(...)”
“IV – determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.” “Ainda, o §2º do artigo 19 da citada legislação protetiva, dispõe que: '§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados'.”
“Portanto, considerando as circunstâncias fáticas e as especificidades do caso concreto, especialmente porque o representado disse que 'acabaria com a vida da vítima', constato que a suspensão do porte de arma, ao menos até o pronunciamento de mérito da ação penal, é medida que impõe.”
“A praxe tem demonstrado que, em casos semelhantes, se não forem adotadas medidas protetivas de urgência em favor da vítima de violência doméstica, o agressor consolida as ameaças, às vezes até ceifando a vida ou causando-lhe lesões graves.”
“Diante do exposto, visando resguardar a integridade física e psicológica da vítima M. N. de B. C., aplico em desfavor do requerido ANTÔNIO CLAUDECI BEZERRA DE OLIVEIRA, as seguintes medidas protetivas de urgência, com base no art. 22 da Lei nº 11.340/2006:”
“a) proibição de aproximação a menos de 500 (quinhentos) metros da vítima, de sua família e das testemunhas;”
“b) proibição de frequentar lugares em que a vítima esteja, a fim de preservar sua integridade física e psicológica;”
“c) o seu afastamento imediato do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;”
“d) Proibição de manter contato com a vítima por qualquer meio de comunicação.”
“e) Deverá o requerido participar do grupo reflexivo sobre violência contra a mulher no ambiente doméstico, devendo o requerido comparecer ao Edifício do Fórum em data posteriormente designada; e apresentar o seu número de telefone atualizado ao Oficial de Justiça no momento da intimação.”
“f) SUSPENSÃO DA POSSE E RESTRIÇÃO DO PORTE DE ARMAS DE FOGO DO OFENSOR, caso haja registro em nome do requerido, pelo prazo que perdurar as medidas protetivas;” “EM CASO DE DESOBEDIÊNCIA ÀS MEDIDAS ORA DETERMINADAS, A PRISÃO PREVENTIVA DO INDICIADO PODERÁ SER DECRETADA.”
“Cite-se e intime-se o autor do fato das obrigações ora impostas a ele e das consequências do descumprimento destas, com urgência, facultando-lhe manifestar sobre este pedido cautelar, no prazo de 05 (cinco) dias.”
Portanto, a prisão preventiva está fundamentada na periculosidade do paciente, evidenciada pela gravidade da conduta perpetrada (além de possuir uma arma de fogo no interior de sua gaveta, o paciente teria, no dia dos fatos, ameaçado de morte a vítima, sua genitora de 81 anos de idade, utilizando-se, para tanto, de uma faca, bem como a teria xingado chamando-a de “velha safada” e “piranha” e a expulsado de casa, deixando-a abandonada na rua, além de ter resistido à prisão, causando lesões corporais em um dos policiais e, mesmo depois de algemado, continuado com as ameaças contra a vítima), justificando a necessidade de custódia cautelar para garantir a ordem pública e a integridade física e psicológica da vítima, nos termos dos artigos 312 e 313, inciso III, do Código de Processo Penal, e declarações da vítima, não sendo, pelos mesmos motivos, sua substituição por cautelares diversas.
Destaca-se, ainda, que, a existência de condições pessoais favoráveis não afasta a necessidade da custódia cautelar quando presentes os pressupostos legais, tal como ocorrido na espécie.
Por fim, ressalta-se que, em cognição sumária, própria da via eleita, não se evidencia violação ao princípio da homogeneidade ou da proporcionalidade, porque presentes as condições previstas nos artigos 312 e 313, do Código de Processo Penal.
Nesse contexto, não se evidencia – nesse momento – coação ilegal ao direito de locomoção.” (fls. 162/165)
No que se refere à ausência de fundamentação concreta da custódia cautelar, o Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou posicionamento segundo o qual, considerando sua natureza excepcional, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP.
Convém, ainda, ressaltar que, considerando os princípios da presunção da inocência e a excepcionalidade da prisão antecipada, a custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP.
No caso dos autos, verifico estarem presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada. As instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, entenderam demonstrada a periculosidade concreta do agente, o qual teve a prisão preventiva decretada, após ser preso em flagrante por ameaçar de morte sua mãe, uma idosa de 81 anos, a qual foi expulsa de casa pelo recorrente, que ainda tinha uma arma de fogo na gaveta. Não bastasse, quando detido ainda resistiu à prisão, causando lesões corporais a um dos policiais, sendo que, mesmo algemado, continuou a proferir ameaças contra a genitora.
Nesse contexto, forçoso concluir que a prisão processual está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, como feito pelas instâncias ordinárias, não havendo falar, portanto, em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar a sua revogação. A propósito, vejam-se os seguintes precedentes:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PRISÃO PREVENTIVA.
MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que denegou a ordem de habeas corpus impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que manteve a prisão preventiva do agravante pela suposta prática dos crimes de organização criminosa, roubo, extorsão e extorsão mediante sequestro.
2. A defesa alega constrangimento ilegal devido à ausência de fundamentação concreta e idônea para a prisão preventiva, além de destacar que um corréu, com conduta mais gravosa, não teve a prisão preventiva decretada.
II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a prisão preventiva do agravante está devidamente fundamentada para garantir a ordem pública, considerando a gravidade das condutas atribuídas e o papel do agravante na organização criminosa.
4. Outra questão é se a concessão de liberdade provisória a um corréu justifica a soltura do agravante, e se há possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
III. Razões de decidir 5. A prisão preventiva está fundamentada na necessidade de garantir a ordem pública, devido à gravidade concreta das condutas atribuídas ao agravante, que é integrante de organização criminosa.
6. A jurisprudência desta Corte sustenta que a prisão preventiva é justificada para interromper ou diminuir a atuação de membros de grupos criminosos.
7. A concessão de liberdade provisória a um corréu não justifica a soltura do agravante, quando persistem os requisitos da prisão preventiva.
8. Não há elementos que justifiquem a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, sendo recomendada a manutenção da custódia cautelar.
IV. Dispositivo e tese 9. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. A prisão preventiva é justificada para garantir a ordem pública quando há gravidade concreta das condutas atribuídas ao acusado. 2. A concessão de liberdade provisória a um corréu não justifica a soltura de outro acusado, quando persistem os requisitos da prisão preventiva. 3. A manutenção da custódia cautelar é recomendada quando não há elementos que justifiquem a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão".
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 312.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC 202.963/PA, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 06/11/2024; STJ, AgRg no RHC 168.799/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 31/03/2023.
(AgRg no HC n. 982.705/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 28/4/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, ROUBO QUALIFICADO, EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
ALEGAÇÕES NÃO APRECIADAS PELAS INSTÂNCIAS INFERIORES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA SUBSTITUÍDA POR MEDIDA CAUTELAR. PERDA DE OBJETO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso em habeas corpus, no qual se questiona a prisão preventiva do recorrente, denunciado por crimes previstos nos artigos 1º, §1º, e 2º, §2º, da Lei n. 12.850/13, e nos artigos 157, §§ 2º, II e V, e 2º-A, I, e 158, §§ 1º e 3º, c/c art. 29, caput, e art. 69, caput, todos c/c art. 61, II, j, do Código Penal.
2. A defesa alega ilicitude das provas obtidas, inépcia da denúncia, ausência de fundamentação para a prisão preventiva e cerceamento de defesa. Requer a revogação da prisão preventiva ou a aplicação de medidas cautelares menos gravosas.
3. O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus, mantendo a prisão preventiva e rejeitando as alegações de cerceamento de defesa e incompetência do juízo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. A questão em discussão consiste em saber se há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva do recorrente, considerando as alegações de ilicitude das provas, inépcia da denúncia, cerceamento de defesa e incompetência do juízo.
5. Outra questão é se a Corte pode apreciar alegações não examinadas pelo Tribunal de origem, sob pena de supressão de instância. III.
RAZÕES DE DECIDIR 6. A análise de alegações que não foram previamente examinadas pelo Tribunal de origem implica em supressão de instância, o que impede a apreciação direta por esta Corte Superior.
7. No caso, as matérias relacionadas à nulidade da prova por revista domiciliar e à inépcia da denúncia não foram suscitadas ou apreciadas pelas instâncias inferiores, o que impossibilita o exame por esta Corte, conforme entendimento consolidado.
8. A prisão preventiva foi devidamente fundamentada para garantir a ordem pública, considerando a gravidade dos crimes imputados e a periculosidade do recorrente.
9. Verifica-se que o pedido de revogação da prisão preventiva com aplicação de medidas cautelares perdeu objeto, uma vez que a prisão foi substituída por medida cautelar de comparecimento periódico em juízo.
10. A alegação de cerceamento de defesa e outras matérias processuais já foram objeto de análise pelo Tribunal de origem, que afastou qualquer ilegalidade. IV. DISPOSITIVO 11.Recurso em habeas corpus desprovido.
(AgRg no RHC n. 174.583/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/12/2024, DJEN de 23/12/2024.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
EXTORSÃO MAJORADA. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPROPRIEDADE DA VIA.
QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. DESCUMPRIMENTO DO ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA.
GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
2. Em relação à alegação de quebra da cadeia de custódia, o posicionamento desta Corte é no sentido de que "[à] míngua de definição legal de sanções processuais em caso de ocorrência da quebra da cadeia de custódia, 'mostra-se mais adequada a posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável' (HC n. 653.515/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 1º/2/2022)" (AgRg no HC n. 916.651/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 30/9/2024).
3. Ademais, a matéria não foi objeto de análise no acórdão atacado - assim como a tese de descumprimento do art. 226 do Código de Processo Penal - , o que impede o exame de tais alegações diretamente por esta Corte, sob pena de configurar-se indevida supressão de instância.
4. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Julgados do STF e STJ.
5. Hipótese na qual a custódia foi devidamente justificada na gravidade concreta da conduta atribuída ao agravante. Consta que ele seria, em tese, membro de organização criminosa voltada para a prática de usura, tendo por incumbência realizar cobranças, as quais eram efetivadas mediante extorsões, extorsões com restrição da liberdade, constrangimento ilegal e ameaça, inclusive com uso de arma de fogo.
6. Os elementos dos autos são suficientes para demonstrar a suposta periculosidade dos envolvidos, tendo em vista os diversos relatos das exigências impostas às vítimas, com utilização de violência real e de ameaças graves como de decepar dedos ou colocar bombas em residência de parentes, e a comprovação de efetiva transferência de bens ao líder do grupo.
7. Além disso, ressaltou-se que as vítimas eram coagidas pelo grupo em razão do não pagamento, bem como relatou-se que o líder do grupo, por ocasião de sua prisão, prometeu vingar-se de uma delas. Foi destacado, ademais, que a organização detém endereço e contato dos seus familiares, o que revela que a prisão de seus membros é necessária, também, para assegurar-lhes a segurança e a integridade física.
8. Relevantes, ainda, os maus antecedentes do agravante, elemento que reforça os indícios de sua periculosidade, já que "possui condenações transitadas em julgado por crimes graves, inclusive tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico".
9. Eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como residência fixa, trabalho lícito, ou família constituída, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
10. É inviável a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, eis que a gravidade concreta da conduta delituosa indica que a ordem pública não estaria acautelada com sua soltura.
11. Agravo desprovido.
(AgRg no RHC n. 206.065/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/12/2024, DJEN de 9/12/2024.)
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. EXTORSÃO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA.
GRAVIDADE CONCRETA. MODUS OPERANDI. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.
INSUFICIÊNCIA DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO.
AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Não obstante a excepcionalidade que é a privação cautelar da liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, reveste-se de legalidade a medida extrema quando baseada em elementos concretos, nos termos do art. 312 do CPP.
2. A gravidade concreta da conduta é fundamento apto a embasar a segregação cautelar. Precedentes.
3. No caso, na extorsão supostamente praticada foi empregado grave modus operandi, ou seja, as vítimas teriam sido ameaças por meio de redes sociais e presencialmente, na residência e no trabalho, com o objetivo de quitação das dívidas.
4. Destaca-se, ainda, que "a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que se justifica a decretação de prisão de membros de organização criminosa como forma de interromper suas atividades" (AgRg no RHC n. 197.732/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 15/8/2024.).
5. No caso, há elementos concretos que demonstram ser a agravante integrante de organização criminosa especializada em extorsão e lavagem de dinheiro.
6. Além disso, "não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese" (RHC n. 91896/BA, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 15/3/2018, DJe de 23/3/2018).
7 Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 941.276/MG, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 4/11/2024, DJe de 7/11/2024.)
Destaco que esta Corte Superior possui entendimento firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis do agente não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela.
Além disso, é firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para manutenção da ordem pública.
A propósito, confiram-se:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. ESTELIONATO MAJORADO (CONTRA IDOSO) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO CORROBORADO POR OUTRAS PROVAS NA FASE JUDICIAL. LEGALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal - CPP e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
No caso, o decreto condenatório está lastreado em fundamentação concreta a qual, aliada ao reconhecimento coerente da vítima Almir Guedes e de dois policiais civis, em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalta não haver qualquer dúvida sobre a participação do agravante nos delitos em questão. Asseverou o MM. Juiz sentenciante que "o depoimento do lesado, que foi coerente e seguro, merece total credibilidade" (fl. 166). A vítima, um senhor de 80 anos de idade, afirmou que o réu V S C DE C, ora agravante, se apresentava como "Rafael Pina", tendo o visto pessoalmente quando das negociações; garantindo que só para o agravante fez em transferências bancárias mais de R$ 746.000,00 (setecentos e quarenta e seis mil reais). Os policiais afirmaram que a investigação se iniciou em julho ou agosto de 2019, com um senhor chamado Leonel, que perdeu em dois meses, para essa mesma associação criminosa, quase R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) com o mesmo modus operandi, já tendo trabalhado em 7 inquéritos envolvendo o mesmo grupo criminoso.
Assim, não há falar em nulidade, tendo em vista que a autoria delitiva não tem como único elemento de prova, o reconhecimento fotográfico.
2. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do CPP.
No caso dos autos, verifico que a prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo as instâncias ordinárias demonstrado, com base em elementos extraídos dos autos, a gravidade concreta da conduta e a periculosidade do agravante, evidenciadas pelas circunstâncias do delito, pois o recorrente e os corréus se associaram para com a finalidade de cometer inúmeros crimes de estelionato, ao induzirem e manterem em erro pessoas idosas que, acreditando que estariam negociando cotas bonificadas do clube de vantagens "Motel Clube do Brasil", efetuaram diversas transferências bancárias, totalizando a quantia de R$ 799.923,50 (setecentos e noventa e nove mil novecentos e vinte e três reais e cinquenta centavos), o que demonstra concreto risco ao meio social.
Nesse contexto, forçoso concluir que a prisão processual está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, não havendo falar, portanto, em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar a sua revogação.
3. Tendo o réu permanecido preso durante todo o processo, não deve ser permitido o recurso em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em primeiro grau.
4. As condições favoráveis do agente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada, conforme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.
5. São inaplicáveis quaisquer medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP, uma vez que as circunstâncias do delito evidenciam a insuficiência das providências menos graves.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 165.718/RJ, de minha Relatoria, Quinta Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 3/11/2022.)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS. USO DE DOCUMENTOS FALSOS. PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE SE INTERROMPER A ATUAÇÃO DE INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. HC COLETIVO N° 143.641/SP (STF). SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. MULHER PRESA. FILHOS DA PACIENTE MENORES DE 12 ANOS DE IDADE. HC COLETIVO N° 143.641/SP (STF). ARTIGOS 318-A E 318-B DO CPP. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. PRIORIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do art. 312 do CPP.
III - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam de maneira inconteste a necessidade da prisão para garantia da ordem pública, notadamente em razão de a paciente ter sido apontada como integrante de estruturada organização criminosa, voltada à prática de delitos de estelionato previdenciário, sendo uma das responsáveis pelo "deslocamento de idosos do Estado do Maranhão para o Estado do Piauí; acompanhamento de idosos a bancos, lotéricas, agências do INSS; realizavam saques e outras movimentações bancárias; providenciavam a obtenção de comprovantes de residência; compra de veículos na qualidade de 'laranjas'" da organização criminosa, conforme consignado pelas instâncias ordinárias, circunstâncias que revelam a periculosidade concreta da agente e a probabilidade de repetição de condutas tidas por delituosas tudo a justificar a necessidade da imposição da medida extrema ante a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, em virtude do fundado receio de reiteração delitiva. Precedentes do STF e do STJ.
IV - "A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (HC n. 95.024/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe de 20/02/2009).
V - A presença de circunstâncias pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese.
Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
VI - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças menores de doze anos de idade e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas.
VII - Na mesma esteira, consigne-se que em recente alteração legislativa, a Lei n. 13.769, de 19/12/2018, ao incluir os arts. 318-A e 318-B no Código de Processo Penal, assegurou às mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, exceto em casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça ou contra seus filhos ou dependentes.
VIII - Na hipótese, depreende-se que a conduta em tese perpetrada não foi cometida mediante grave ameaça ou violência, tampouco contra seus descendentes, sendo que a paciente possui dois filhos menores de 12 anos de idade, preenchendo portanto os requisitos legais para a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
Habeas Corpus não conhecido. Contudo, concedo a ordem de ofício para determinar a substituição da prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, salvo se por outro motivo estiver presa, e sem prejuízo da análise da necessidade de imposição de outras medidas cautelares alternativas, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, bem como das demais diretrizes contidas no referido HC 143.641/SP, devendo, ainda, o d. juízo de primeiro grau orientar a paciente quanto às condições da prisão domiciliar, de forma a evitar seu descumprimento ou a reiteração criminosa, haja vista que tais circunstâncias poderão ocasionar a revogação do benefício.
(HC n. 557.277/PI, relator Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), Quinta Turma, DJe de 2/3/2020.)
Nesse contexto, não verifico a presença de constrangimento ilegal capaz de justificar a revogação da custódia cautelar do recorrente.
Ante o exposto, nos termos do art. 34, XVIII, b, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, nego provimento ao presente recurso ordinário.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Samuel Pereira Matos (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado De Minas Gerais (Recorrido)
ID: 328425247
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ORDINáRIO EM HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0748027-62.2025.8.13.0000
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
REGINALDO LEAL
OAB/MG XXXXXX
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RHC 214827/MG (2025/0139935-1)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
SAMUEL PEREIRA MATOS
ADVOGADO
:
REGINALDO LEAL - MG188080
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
D…
RHC 214827/MG (2025/0139935-1)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
SAMUEL PEREIRA MATOS
ADVOGADO
:
REGINALDO LEAL - MG188080
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
DECISÃO
Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por SAMUEL PEREIRA MATOS, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 1.0000.25.074802-7/000.
Extrai-se dos autos que o recorrente foi preso em flagrante em 28/02/2025, posteriormente convertido em prisão preventiva, pela suposta prática do crime tipificado no art. 33 caput da Lei 11.343/06.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado:
"HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS – QUANTIDADE SIGNIFICATIVA DE DROGAS APREENDIDAS – RISCO À ORDEM PÚBLICA – PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES – INSUFICIENTES – FRAGILIDADE NO FLAGRANTE SUPERADO - EVENTUAL CONDENAÇÃO – IRRELEVÂNCIA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO – ORDEM DENEGADA - A decisão que mantém a prisão preventiva do paciente encontra-se devidamente fundamentada, atendendo aos requisitos legais dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, com base na gravidade concreta do crime e no risco à ordem pública, evidenciados pela quantidade de drogas apreendidas e pelas circunstâncias do fato - A alegação de ausência de mandado para as buscas na residência do paciente é superada pela conversão do flagrante em prisão preventiva, fundamentada em elementos concretos que atestam a legalidade da custódia - A alegação de que o paciente poderá ser condenado a uma pena menos gravosa do que a cautelar não é oportuna, pois o Habeas Corpus deve analisar apenas a legalidade da prisão preventiva, não sendo apropriado especular sobre uma possível sentença futura - A aplicação de medidas cautelares diversas da prisão mostra-se inviável diante da necessidade de segregação provisória para garantia da ordem pública e prevenção de reiteração delitiva, conforme a gravidade da conduta imputada ao paciente, bem como sua reiteração delitiva - A eventual existência de condições pessoais favoráveis, por si só, não é suficiente para afastar a prisão preventiva, especialmente quando presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar, como a gravidade do delito e a necessidade de garantia da ordem pública. V. V.: - A gravidade abstrata do delito supostamente praticado pelo agente, assim como, o montante de pena a ser aplicada em eventual condenação, por si sós, não são fundamentos aptos a legitimar o decreto de prisão preventiva. - Sendo possível a aplicação de outras medidas cautelares, a prisão deve ser evitada. - Ordem concedida em parte. ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DENEGAR A ORDEM, VENCIDO O SEGUNDO VOGAL. "
Nas razões do presente recurso, sustenta que não estão presentes os requisitos estabelecidos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP para a decretação da prisão preventiva.
Alega que a quantidade de drogas apreendida é pequena e destinada ao seu uso pessoal, não havendo provas da traficância.
Afirma que é primário, menor de 21 anos, possui bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, e defende a suficiência das medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do CPP.
Aduz violação do princípio da homogeneidade, já que a prisão representa medida mais gravosa se comparada ao regime de cumprimento da pena em eventual condenação do paciente.
Requer, em liminar e no mérito, o provimento do recurso para que seja revogada a prisão preventiva, com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas.
A liminar foi indeferida (fls. 193/195). As informações foram prestadas (fls. 199/200 e 203/242). O Ministério Público Federal ofereceu parecer pelo provimento do recurso ordinário em habeas corpus (fls. 246/250).
É o relatório.
Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP.
Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.
A prisão preventiva, por sua natureza cautelar, visa garantir o resultado útil e prático do processo, ou seja, eficácia do provimento jurisdicional.
Para sua decretação e manutenção é imperiosa a presença dos requisitos essenciais consistentes no fumus comissi delicti e no periculum libertatis.
O fumus comissi delicti refere-se à prova da existência do crime e aos indícios suficientes de autoria. Já o periculum libertatis se traduz no risco que a liberdade do indivíduo pode representar para a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal, nos estritos termos do art. 312 do CPP.
É da acusação que o ora recorrente, em tese, teria praticado o crime de tráfico de drogas (art. 33 caput da Lei 11343/06).
A insurgência diz respeito à manutenção da prisão preventiva.
Neste aspecto, veja-se que o acórdão guerreado apresentou os seguintes fundamentos:
“(...)
A impetração alega, em síntese, a ausência dos requisitos para decretação da prisão preventiva do paciente.
Contudo, sem razão.
Afinal, verifica-se que os motivos que levaram o d. Juízo a quo a converter a prisão em flagrante do paciente em preventiva encontram respaldo jurídico porque, atendendo ao “princípio da necessidade”, consignou presentes, in concreto, o fumus comissi deliciti e o periculum libertatis, conforme os artigos 312 e 313, ambos do CPP.
Resulta também demonstrada a necessidade da segregação, pois, conforme se extrai dos autos, no dia 28 de fevereiro de 2025, na comarca de Nova Lima, o paciente, foi supostamente flagrado durante a prática do crime de tráfico de drogas.
Diante dos elementos colhidos, verifica-se a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade. Conforme registrado no APFD (anexo nº 03), na data dos fatos, os militares receberam uma denúncia anônima informando que um indivíduo, em local já conhecido pelas autoridades policiais, estaria praticando o crime de tráfico de drogas. Ao se deslocarem ao local, os militares encontraram o indivíduo descrito na denúncia, posteriormente identificado como o ora paciente, que foi imediatamente abordado.
Ao ser procedida busca pessoal, foram encontrados em seu poder 10 (dez) invólucros contendo substância análoga à cocaína. Quando interrogado pelos militares sobre os entorpecentes, o paciente admitiu que comercializava drogas para terceiros e revelou que havia mais substâncias ilícitas escondidas em uma sacola preta próxima a um veículo abandonado. No local indicado, foram localizados e apreendidos 128 (cento e vinte e oito) invólucros adicionais da mesma substância, assim como 05 (cinco) buchas de substância análoga a maconha.
Embora o paciente possua bons antecedentes e seja primário, fato que, em princípio, poderia justificar a concessão da liberdade provisória, a quantidade expressiva de drogas apreendidas, que totaliza 217,00g de cocaína e 13,20g de maconha, demonstra, ao menos por ora, a gravidade concreta da conduta supostamente praticada pelos agentes.
Diante disso, a manutenção da prisão preventiva é imperativa, pois a medida é necessária para garantir a ordem pública, considerando a gravidade do crime praticado; e mais, a soltura sinaliza um verdadeiro incentivo ao paciente, à prática na continuidade de sua vida delituosa. Assim, entendo que a custódia cautelar é adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto.
(...)
Ademais, ainda que a impetração sustente suposta fragilidade do flagrante, sob o argumento de que a materialidade delitiva restou demonstrada apenas pelos depoimentos dos militares, o fato de o flagrante delitivo ter sido convertido em prisão preventiva supera tal tese, uma vez que a decisão cautelar foi fundamentada em elementos concretos que demonstram o fumus commissi delicti e o periculum libertatis, conforme exigido pelos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal, afastando-se, assim, qualquer ilegalidade na custódia.
Quanto a alegação de que o paciente, ao final do processo, seria condenado a uma pena menos gravosa do que a presente cautelar, não vejo como prosperar, pois, no presente momento, a análise a ser realizada limita-se à verificação da legalidade ou ilegalidade da prisão processual.
O Habeas Corpus tem como escopo a análise da existência de constrangimento ilegal na segregação cautelar imposta, não sendo apropriado, neste momento, especular sobre uma possível sentença futura e sua eventual gravidade.
A discussão sobre a pena a ser aplicada ao paciente ocorrerá somente após o devido processo legal e, até lá, o que deve ser considerado é a necessidade da custódia cautelar, em conformidade com os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Assim, a alegação apresentada não interfere na análise do constrangimento ilegal, que deve ser focada nas circunstâncias concretas que justificam a prisão preventiva.
Por outro lado, a parte impetrante requer que seja aplicada medida cautelar diversa da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal).
No entanto, a segregação provisória do paciente, objeto deste Habeas Corpus, atende aos requisitos da nova legislação, que permite prisão cautelar nos casos em que a pena máxima for superior a 04 anos (CPP, art. 313, I).
Com relação ao argumento de desrespeito à presunção de inocência, considerando que a decisão primeva devidamente justificada, não há prejuízo ao aludido princípio, que impede a antecipação dos efeitos de uma eventual sentença, como a execução da pena, a inscrição do nome do réu no rol dos culpados, a suspensão dos direitos políticos e o pagamento de custas.
Por fim, a eventual presença de condições pessoais favoráveis, não constitui motivo para desautorizar a manutenção da prisão cautelar, pois há risco de comprometimento da ordem pública.
(...)
Sendo assim, a custódia de SAMUEL PEREIRA MATOS se faz necessária, não sendo recomendada sua soltura, por ora. Consequentemente, não resta configurado o alegado constrangimento ilegal. (...)”.
Diversamente do sustentado, o acórdão objeto de impugnação (assim como as demais decisões proferidas pelas Instâncias ordinárias) elencou fundamentos específicos do caso em concreto. Portanto, não há que se acolher a tese de que a decisão é genérica.
Explico.
Ao que se tem do acórdão impugnado, o local já era conhecido como ponto de venda de drogas e os policiais já dispunham de comunicação no sentido de que o recorrente comercializava entorpecentes, tanto que as características físicas foram transmitidas. (“uma denúncia anônima informando que um indivíduo, em local já conhecido pelas autoridades policiais, estaria praticando o crime de tráfico de drogas”). Além do que, foram encontradas drogas diversas (10 invólucros contendo cocaína, mais substâncias ilícitas escondidas em uma sacola preta próxima a um veículo abandonado no total de 128 invólucros adicionais da cocaína e 05 porções de maconha).
A gravidade em concreto da conduta não se resvala tão somente na expressiva quantidade de drogas apreendidas (217,00g de cocaína e 13,20g de maconha), mas também pelo modus operandi e circunstâncias da apreensão das drogas. Tanto que é dos autos que o recorrente, ‘ao avistar a viatura, tentou evadir’. Registrou-se, ainda, que, quando os policiais conseguiram realizar a abordagem do recorrente, houve resistência, ‘sendo necessário o uso de técnicas de imobilização e força para contê-lo’. Na época, o recorrente teria dito aos policiais, segundo estes, que “estava no local para vender drogas a mando de um terceiro não identificado e que as drogas seriam a "carga da pista" para os dias de carnaval”. Ressalte-se, de outro lado, que foi indicado na decisão que converteu o flagrante em preventiva que ‘a mercancia realizada por ele estava ocorrendo de forma ininterrupta e pretendia se estender durante todo o período do carnaval, uma vez que, conforme dito pelo próprio autuado, a droga apreendida "era a carga da pista para o carnaval", restando demonstrado que ele a priori, está enfronhado na mercancia de drogas”.
Saliente-se, mais uma vez, que, quando da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, a elevada quantidade de droga não foi o único fundamento para o decreto prisional, a saber:
“É o relatório dos fatos. Decido. Verifico que a prisão foi efetuada legalmente, nos termos do art. 302, do Código de Processo Penal. Com relação as formalidades para a lavratura do auto de prisão em flagrante, analisando o presente caderno, verifico que a Autoridade Policial observou as garantias legais e constitucionais do conduzido, tendo sido analisada a existência do crime e o estado de flagrância (art. 301 CPP), providenciada a efetivação dos direitos constitucionais do preso (art. 5°, incisos LXII, LXIII e LXIV da CF/88), procedida a oitiva de três testemunhas e ao interrogatório do conduzido. Por fim, foi-lhe entregue a nota de culpa. Não existem, portanto, vícios formais ou materiais que venham a macular a peça flagrancial, razão pela qual homologo o auto de prisão em flagrante. Assim, passo à análise da manutenção da segregação cautelar do conduzido SAMUEL PEREIRA MATOS. Para a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva é necessária a presença do fumus comissi delicti e do perilucum libertatis. 0 primeiro requisito é comprovado pela existência de prova da materialidade delitiva e indícios suficientes da autoria. Pela análise dos autos, verifico que, ao menos no momento, estão presentes as provas da existência do crime, consistentes no próprio APFD, no REDS, no auto de apreensão, bem como pelos laudos toxicológicos preliminares, a indicarem que as substâncias apreendidas são cocaína e maconha. Quanto aos indícios de autoria, também estes estão demonstrados nos autos, consoante depoimentos colhidos pela Autoridade Policial, notadamente dos policiais militares que participaram da abordagem e da prisão do autuado. Com efeito, conforme se depreende do APFD, durante patrulhamento a Polícia Militar recebeu denúncia anônima no sentido de que um indivíduo vestindo blusa de frio preta e bermuda preta estava traficando drogas em um local conhecido do bairro Aqua Limpa, nesta cidade e Comarca de Nova Lima. 0 policial militar condutor do flagrante registrou que ao chegarem no local, visualizaram um indivíduo com as características repassadas na denúncia, sendo que, o indivíduo ao avistar a viatura, tentou evadir. Registrou, ainda, que conseguiram realizar a abordagem do indivíduo, que posteriormente foi identificado como Samuel Pereira Matos, tendo ele resistido a abordagem, sendo necessário o uso de técnicas de imobilização e força para contê-lo. Em posse do autuado, mais precisamente no bolso esquerdo da sua blusa, foram encontrados 10 (dez) pinos contendo substância semelhante a cocaína, já no bolso da sua bermuda foi encontrado 01 (um) aparelho celular e a quantia de R$10,00 (dez reais). Questionado pelos militares se haviam mais drogas no local o autuado informou que o restante do material estava dentro de uma sacola preta que estava próxima a um carro abandonado. Ato contínuo, os militares foram até o local indicado e encontraram a referida sacola, tendo sido encontrados mais 128 (cento e vinte e oito) pinos contendo substância semelhante a cocaína e 05 (cinco) buchas de substância semelhante a maconha. Ao ser indagado sobre o material apreendido o autuado informou que estava no local para vender drogas a mando de um terceiro não identificado e que as drogas seriam a "carga da pista" para os dias de carnaval. Desta forma, restam suficientemente demonstradas a materialidade e autoria delitivas. No tocante ao segundo requisito, periculum libertatis, esse se preenche pela existência de, ao menos, um dos pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal. No caso dos autos, observo ser a prisão preventiva necessária para a garantia da ordem pública, ante a gravidade concreta dos fatos e para evitar a reiteração criminosa. De fato, a gravidade que se delineia no caso concreto é patente, já sabido que o tráfico, além de difundir a droga no meio social, arruinando a saúde pública e os pilares da família, fomenta a prática de uma série de outros delitos tão graves quanto, em afronta direta aos mecanismos e instituições de segurança próprios do Estado, gerando na sociedade verdadeiro sentimento de medo e impunidade e, assim, vulnerando, sobremaneira a ordem pública, o que, de certo se perpetuará, se o autuado permanecer em liberdade. Nessa linha, registre-se que, quem pese o autuado seja primário, a grande quantidade e variedade de drogas aprendidas demonstram que a mercancia realizada por ele estava ocorrendo de forma ininterrupta e pretendia se estender durante todo o período do carnaval, uma vez que, conforme dito pelo próprio autuado, a droga apreendida "era a carga da pista para o carnaval", restando demonstrado que ele a priori, está enfronhado na mercancia de drogas. Essa constatação permite concluir que, além da gravidade em concreto da conduta ora em apreço, o próprio estado de liberdade do imputado acarreta risco à ordem pública, por haver fortes indícios de que, em liberdade, poderá reiterar na prática de delitos, sendo insuficiente a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão neste momento. Importante registrar que a prisão preventiva, quando decretada para assegurar a ordem pública, não viola o princípio do estado de inocência, porquanto em contrapartida aos interesses constitucionalmente assegurados aos acusados existem outros igualmente relevantes e tutelados pela Constituição da República, como a segurança pública, que, diante do conflito concreto de valores, deve exercer preponderância sobre aquele primeiro princípio. Por fim, para decretação da prisão preventiva, impõe-se, ainda, a existência de uma das hipóteses previstas no art. 313 do Código de Processo Penal. In casu, verifico estar preenchida a hipótese estabelecida no inciso I do citado dispositivo legal, eis que o crime é punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos Diante do exposto, com fundamento nos artigos 312 c/c 313, I, do Código de Processo penal, converto a prisão em flagrante do autuado SAMUEL PEREIRA MATOS em prisão preventiva”.
Não socorre ao recorrente a alegação no sentido de que “os policiais não visualizaram o suspeito entregar drogas a usuários, nenhuma atitude nesse sentido”, até porque o crime de tráfico é de ação múltipla ou conteúdo variado.
Portanto, não se vislumbra que a decretação, e posterior manutenção, da prisão preventiva pelas Instâncias Ordinárias se reveste de ilegalidade, até porque foram apresentados fundamentos no sentido de que a cautelar mais gravosa é imprescindível para garantir da ordem pública.
Sobre a temática, cito precedentes desta Corte Superior de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. INVIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que denegou habeas corpus impetrado em favor de acusado preso em flagrante, em 25/2/2025, com posterior conversão da prisão em preventiva pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006. A defesa reitera a negativa de autoria e a ausência dos requisitos do art. 312 do CPP, pleiteando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) verificar a idoneidade da fundamentação da prisão preventiva decretada com base na garantia da ordem pública; e (ii) analisar a possibilidade de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do CPP.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. É inviável analisar as alegações de negativa de autoria e fragilidade probatória por meio de habeas corpus, pois demanda revolvimento fático-probatório incompatível com o rito da impetração.
4. A prisão preventiva encontra respaldo em elementos concretos que evidenciam a gravidade das condutas imputadas, notadamente a apreensão de grande quantidade e variedade de drogas, a confissão de um dos corréus e a suposta participação em organização criminosa voltada ao tráfico de entorpecentes.
5. A fundamentação do decreto prisional aponta risco à ordem pública, diante da periculosidade social evidenciada pelas circunstâncias do caso e da atuação reiterada no comércio ilícito de drogas, o que justifica a manutenção da custódia.
6. Conforme reiterada jurisprudência do STJ e do STF, é idônea a prisão preventiva quando baseada na necessidade de interromper ou reduzir a atuação de organização criminosa e quando a gravidade concreta do delito compromete a eficácia de medidas cautelares alternativas.
7. A substituição da prisão por medidas cautelares diversas mostra-se inviável, ante a insuficiência dessas providências frente à periculosidade do agravante e ao risco concreto de reiteração delitiva.
IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no HC n. 991.298/SP, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 21/5/2025, DJEN de 26/5/2025.). (grifos nossos).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. NULIDADE NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. PRISÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. RÉU PRESO NO MOMENTO EM QUE FRACIONAVA E EMBALAVA AS SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. 433 G DE CRACK E 5 G DE COCAÍNA. FUNDAMENTOS IDÔNEOS E SUFICIENTES PARA MANTER A CUSTÓDIA CAUTELAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se em idêntico sentido ao enunciado sumular n. 523 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual, no processo penal, a falta da defesa técnica constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
2. In casu, o acórdão impugnado afirmou que a advogada dativa acompanhou a oitiva do agravante, requerendo a concessão de liberdade provisória, inclusive destacando a sua primariedade, tendo exercido o seu ofício de modo regular. Nesse espeque, não foi comprovada a deficiência da defesa técnica durante a audiência de custódia e o efetivo prejuízo experimentando pelo agravante, de modo que não há falar em nulidade.
3. A prisão preventiva pode ser decretada, desde que haja prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, em decisão motivada e fundamentada acerca do receio de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado e da contemporaneidade da necessidade da medida extrema (arts. 311 a 316 do CPP).
4. No caso em apreço, as instâncias ordinárias apontaram prova da existência dos delitos e o receio de perigo gerado pelo estado de liberdade do agravante à ordem pública , com base em elementos concretos dos autos, mormente as circunstâncias da conduta criminosa, pois consta do decreto preventivo que, após denúncia anônima, os agentes de polícia compareceram ao local indicado e avistaram o corréu Lucas, que autorizou o ingresso em sua residência onde também estavam o agravante e outro agente, sendo presos no momento em que supostamente estariam fracionando e embalando entorpecentes, restando apreendidos 433 g de crack, 5 g de cocaína e uma balança de precisão, tudo a fundamentar a prisão cautelar.
5. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrada, com base em fatores concretos, a sua imprescindibilidade para garantir a ordem e a saúde públicas, dada a gravidade da conduta incriminada, evidenciada pelas circunstâncias em que se deu a prisão em flagrante do réu (RHC n. 113.892/MS, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/8/2019), possuindo ainda entendimento consolidado no sentido de que a quantidade, a natureza e a diversidade dos entorpecentes encontrados podem servir de fundamento ao decreto de prisão preventiva (HC n. 515.676/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 12/11/2019).
6. É entendimento desta Corte Superior de Justiça que as condições favoráveis do agravante, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada; e que é inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública.
7. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 745.732/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.) (grifos nossos).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. QUANTIDADE EXPRESSIVA DE DROGAS. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO. INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL. NÃO CONSTATAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar que, nas hipóteses em que a quantidade e/ou a natureza das drogas apreendidas e outras circunstâncias do caso indiquem a maior reprovabilidade da conduta investigada, tais dados são bastantes para demonstrar a gravidade concreta do delito e, por conseguinte, justificar a custódia cautelar para a garantia da ordem pública.
3. No caso, o Juízo de primeira instância indicou motivação suficiente e concreta para decretar a prisão preventiva, ao destacar a expressiva quantidade de entorpecentes apreendidos em poder do paciente - mais de 10 kg de maconha, 320,68 g de haxixe, 321,26 g de cocaína, 62,7 g de crack, além de drogas sintéticas. Além disso, as instâncias ordinárias registraram que o paciente responde a outros três processos por tráfico de drogas.
4. É possível que o Tribunal, ao julgar o habeas corpus, especifique as circunstâncias já mencionadas pelo Juízo de primeira instância no decreto de prisão preventiva, sem que isso se caracterize como acréscimo indevido de fundamentação. No caso, o Magistrado de origem afirmou expressamente o risco de reiteração criminosa, pois o então indiciado já tinha histórico delitivo, e indicou a quantidade e da diversidade dos entorpecentes apreendidos como fator que denotava a gravidade concreta da conduta. A Corte local, tão somente, detalhou o número de processos a que o réu responde e o montante de drogas encontradas com ele.
5. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no HC 984463 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2025/0064155-5 Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 30/04/2025 Data da Publicação/Fonte DJEN 07/05/2025). (grifos nossos).
De outro viés, é entendimento pacífico neste Tribunal o de que as condições pessoais favoráveis, como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, não bastam, por si sós, para afastar a necessidade da prisão preventiva, quando presentes fundamentos concretos para sua decretação, a saber:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. REITERAÇÃO DELITIVA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA ISOLADA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, salvo em hipóteses de flagrante ilegalidade, o que não se configura no caso concreto.
2. A prisão preventiva foi fundamentada na gravidade concreta da conduta imputada ao agravante, evidenciada pela quantidade e diversidade de substâncias entorpecentes apreendidas e pela presença de arma de fogo no local da prisão.3. Consta dos autos que o agravante foi beneficiado recentemente com liberdade provisória em outro processo por associação ao tráfico, o que demonstra risco de reiteração delitiva e reforça o periculum libertatis.
4. As condições pessoais favoráveis, como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, não bastam, por si sós, para afastar a necessidade da prisão preventiva, quando presentes fundamentos concretos para sua decretação.
5. Conforme jurisprudência pacificada do STJ, a gravidade concreta do crime e a reiteração na prática delitiva autorizam a manutenção da custódia cautelar.6. A decisão impugnada não revela ilegalidade que justifique sua reforma.7. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 992249 / MG, AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS, 2025/0109370-8, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 06/05/2025 Data da Publicação/Fonte DJEN 09/05/2025).
Considerando que foram apresentadas razões idôneas no sentido de que a prisão preventiva é a única medida a resguardar a ordem pública, restou evidenciado nos autos que as medidas cautelares diversas da prisão não se prestam ao fim a que se destinam.
Neste sentido, confira-se:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus, mantendo a prisão preventiva da agravante, denunciada por tráfico de drogas, com base na apreensão de 60,90g de crack, 991,10g de cocaína e 247,30g de maconha.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se a quantidade de entorpecentes apreendidos constitui fundamento suficiente para justificar a prisão preventiva da agravante.
3. A defesa alega a ausência de requisitos autorizadores da prisão preventiva e a existência de condições pessoais favoráveis, pleiteando a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
III. Razões de decidir
4. A quantidade e a diversidade dos entorpecentes encontrados com a agravante, que foi surpreendida individualizando e embalando os entorpecentes em sua residência, evidenciam a maior reprovabilidade do fato, justificando a manutenção da prisão preventiva para resguardar a ordem pública.
5. Condições pessoais favoráveis, ainda que comprovadas, não desconstituem a prisão cautelar quando há elementos que autorizam sua manutenção.
6. A decisão está fundamentada em circunstâncias concretas, como a apreensão de drogas e materiais relacionados ao tráfico, além do risco de reiteração delitiva.
IV. Dispositivo 7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 966105 / SP, AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS, 2024/0462351-8, Relatora Ministra DANIELA TEIXEIRA (1188) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 26/02/2025 Data da Publicação/Fonte DJEN 05/03/2025). (grifos nossos).
Em adição, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que não há violação à proporcionalidade, uma vez que não há como prever, neste momento processual, a quantidade de pena que eventualmente poderá ser imposta, caso seja condenado o recorrente, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimenda em regime diverso do fechado. Vejamos:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PRISÃO DOMICILIAR. COVID-19. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONVERSÃO DO FLAGRANTE EM PREVENTIVA. ART. 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.964/2019. LEGALIDADE. PRISÃO CAUTELAR SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. ALEGADA DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONHECIDA EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.
1. A tese relativa à prisão domiciliar não foi apreciada pelo Tribunal de origem, de modo que não pode ser conhecida originariamente por esta Corte, sob pena de supressão de instância.
2. A Sexta Turma desta Corte concluiu, no recente julgamento do HC n. 583.995/MG, Relatoria de acórdão do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (DJe de 07/10/2020), que o Magistrado de piso, ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá, fundamentadamente, verificada a presença dos requisitos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal, converter a prisão flagrancial em preventiva, nos moldes do art. 310, inciso II, do mesmo diploma legal, mesmo sem pedido expresso da Autoridade Policial ou do Ministério Público.
3. A manutenção da prisão preventiva encontra-se suficientemente fundamentada no risco concreto de reiteração delitiva, pois o Acusado, além de possuir condenação definitiva por roubo e porte ilegal de arma de fogo, foi recentemente preso em flagrante por tráfico de drogas.
4. Não há como prever, nesta fase processual, a quantidade de pena que eventualmente poderá ser imposta, caso seja condenado o Paciente, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimenda em regime diverso do fechado, de modo que não se torna possível avaliar a arguida desproporção da prisão cautelar imposta 5. Ordem de habeas corpus conhecida em parte e, nessa extensão, denegada.
(HC n. 617.547/GO, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 27/11/2020.) (grifos nossos).
Para arrematar, em consulta aos autos da ação penal nº 0006858-57.2025.8.130188, constata-se que a audiência de instrução foi realizada em 01/07/2025, oportunidade em que foi colhida prova oral, o réu foi interrogado, o Ministério Público requereu a expedição de ofício para a vinda da perícia do celular e a Defesa solicitou a revogação da prisão preventiva, com a cominação de medidas cautelares diversas. O juízo monocrático deferiu o pedido ministerial e indeferiu o pedido da defesa, mantendo, portanto, a prisão preventiva do recorrente. O ofício foi expedido em 02/07/2025 e encaminhado à delegacia de polícia, via correspondência eletrônica, em 03/07/2025. (https://portaldeservicos.pdpj.jus.br/consulta/autosdigitais?processo=0006858-57.2025.8.13.0188&dataDistribuicao=20250411142120, acesso em 16/07/2025, às 11h07).
Portanto, a ação penal vem tramitando regularmente e o feito está em vias de ser sentenciado, tanto que resta apenas o cumprimento da diligência solicitada pelo órgão acusatório e deferida pelo juízo. Outrossim, após a colheita de prova oral, o pedido de revogação da prisão foi indeferido.
Ante todo o exposto, não há ilegalidade a ser vislumbrada, de plano, no decreto da prisão preventiva e, portanto, a ser sanada via concessão de ordem, de ofício, no bojo do remédio heroico.
Por tais razões, com fulcro no art. 34, XVIII, "b", do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conheço do recurso ordinário em habeas corpus, contudo, a ele nego provimento.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Claudio Luiz Da Silva Abreu (Recorrente) e outros x 4. Ministério Público Federal (Recorrido)
ID: 321580662
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 5021573-12.2014.4.04.7100
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Advogados:
PAOLA REIS
OAB/RS XXXXXX
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PAULO RICARDO SULIANI
OAB/RS XXXXXX
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AMANDA CONRAD DE AZEVEDO
OAB/RS XXXXXX
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CARLOS EDUARDO SCHEID
OAB/RS XXXXXX
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MICHELE DE ÁVILA RIVAROLLY LIMA
OAB/RS XXXXXX
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LEONEL ANNES KEUNECKE
OAB/RS XXXXXX
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FELIPE DREYER DE AVILA POZZEBON
OAB/RS XXXXXX
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CELSO SANCHEZ VILARDI
OAB/SP XXXXXX
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PAULO OLIMPIO GOMES DE SOUZA
OAB/RS XXXXXX
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CRISTIANE PETRÓ
OAB/RS XXXXXX
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RENATA MACHADO SARAIVA
OAB/RS XXXXXX
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MARCELO AZAMBUJA ARAUJO
OAB/RS XXXXXX
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CAMILE ELTZ DE LIMA
OAB/RS XXXXXX
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ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH
OAB/RS XXXXXX
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REsp 2139200/RS (2024/0145661-6)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU
ADVOGADOS
:
ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS036846
CAMILE ELTZ DE LIMA - RS058443
MARCEL…
REsp 2139200/RS (2024/0145661-6)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU
ADVOGADOS
:
ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS036846
CAMILE ELTZ DE LIMA - RS058443
MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS078969
RENATA MACHADO SARAIVA - RS076822
CRISTIANE PETRÓ - RS112949
RECORRENTE
:
MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO
ADVOGADOS
:
PAULO OLIMPIO GOMES DE SOUZA - RS003230
CELSO SANCHEZ VILARDI - SP120797
FELIPE DREYER DE AVILA POZZEBON - RS030663
LEONEL ANNES KEUNECKE - RS057062
MICHELE DE ÁVILA RIVAROLLY LIMA - RS067390
RECORRENTE
:
ODILON ALBERTO MENEZES
ADVOGADOS
:
CARLOS EDUARDO SCHEID - RS0055419
AMANDA CONRAD DE AZEVEDO - RS0084670
PAULO RICARDO SULIANI - RS0065611
PAOLA REIS - RS131079
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
CORRÉU
:
SERGIO LUIZ KLEIN
CORRÉU
:
SERGIO LUIZ MALLMANN
CORRÉU
:
CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ
CORRÉU
:
RICARDO LINS PORTELLA NUNES
CORRÉU
:
CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO
CORRÉU
:
PAULO FERNANDO BILLES GOETZE
CORRÉU
:
MARIO RACHE FREITAS
CORRÉU
:
WOODSON MARTINS DA SILVA
CORRÉU
:
DEOCLECIO LUIS CAUMO
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO em julgamento da Apelação Criminal n. 5021573-12.2014.4.04.7100/RS.
Consta dos autos que, instruído o feito, sobreveio sentença (evento 1154, SENT1), julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido condenatório veiculado na denúncia para: a) ABSOLVER o réu DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; b) ABSOLVER o réu MÁRIO RACHE FREITAS da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, com base nos arts. 386, VII, do Código de Processo Penal, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; c) ABSOLVER o réu PAULO FERNANDO BILLES GOETZE da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; d) ABSOLVER o réu RICARDO LINS PORTELLA NUNES da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ KLEIN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; f) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ MALLMANN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; g) ABSOLVER o réu WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do delito previsto no art. 333 do Código Penal, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal; h) CONDENAR o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ como incurso nas sanções do art. 288 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 11,6 (onze vírgula seis) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então; i) CONDENAR o réu CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 644.030,42 (seiscentos e quarenta e quatro mil trinta reais e quarenta e dois centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; j) CONDENAR o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, art. 288, caput, do Código Penal e art. 333, parágrafo único do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 anos e 8 meses de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime semiaberto, e multa de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e 23,3 (vinte e três vírgula três) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; k) CONDENAR o réu ODILON ALBERTO MENEZES como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/90, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base. Exceto quanto ao réu MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, todas as outras penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo tempo da condenação ou de limitação de final de semana, a ser definido pelo juízo da execução. b) prestação pecuniária, consistente no pagamento do valor de 20 (vinte) salários mínimos, para Carlos Júlio Garcia Martinez, e do valor de 40 (quarenta) salários mínimos cada um, para Cláudio Luiz da Silva Abreu e Odilon Alberto Menezes, considerado o valor do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento.
Em sede de apelação, o TRF a) reconheceu de ofício a extinção da punibilidade de Sérgio Mallmann, por conta da prescrição pela pena em abstrato para o delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93; b) reconheceu, de ofício, a extinção da punibilidade dos réus quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; c) deu parcial provimento ao recurso de Carlos Martinez, para reconhecer a extinção da punibilidade quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; d) negou provimento aos recursos de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu; e) deu parcial provimento ao recurso do MPF para reconhecer como negativa a culpabilidade dos réus Carlos Martinez, Marco Camino e Odilon e as circunstâncias de todos os crimes para todos os réus e elevar a fração da continuidade delitiva para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu.
Embargos de declaração opostos por SERGIO LUIZ KLEIN, MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram desprovidos.
Em sede de recurso especial (fls. 18186/18276), a defesa apontou violação de dispositivos de lei federal, relacionados às seguintes teses jurídicas:
(i) Art. 619 do Código de Processo Penal – A defesa alegou que o acórdão é omisso quanto à indicação dos elementos concretos aptos a demonstrar o “oferecimento” de vantagem indevida, elemento indispensável à caracterização do delito de corrupção ativa. Alega-se que, apesar da oposição de embargos de declaração, a contradição entre fundamentação e conclusão não foi sanada, violando o direito ao devido processo legal.
(ii) Arts. 1º, 2º e 5º da Lei nº 9.296/96 e arts. 157 e 315, § 2º do Código de Processo Penal – A defesa sustenta que a inclusão do recorrente nas interceptações telefônicas foi desfundamentada, e que nove decisões de prorrogação das interceptações são nulas por falta de fundamentação. Além disso, alega-se incompetência da autoridade que decretou as interceptações, o que macula a prova do feito.
(iii) Art. 333 do Código Penal – A defesa argumenta que o acórdão dispensou a exigência de que o móbil da conduta fosse um ato de ofício do servidor público, reconhecendo a prática do delito mesmo sem que os atos mercantilizados estivessem no feixe de atribuições dos funcionários públicos, o que configuraria atipicidade dos fatos. E, não fosse suficiente, a defesa ainda demonstrou que a aplicação da causa de aumento de pena, sem a indicação do ato de ofício praticado com infringência do dever funcional é absolutamente contrária ao art. 333, parágrafo único do Código Penal.
(iv) Arts. 59, 109 e 110 do CP – Ao aumentar a pena-base, fixada no mínimo legal pelo MM. Juízo de primeira instância, o E. Tribunal a quo cometeu graves ilegalidades, pois, além de deixar de indicar elementos concretos para exasperação da pena, utilizou elementos próprios dos tipos penais, incorrendo no odioso bis in idem. Inclusive, considerou os elementos do delito de quadrilha, cuja prescrição foi reconhecida, para aumentar a pena-base dos delitos remanescentes, condenando o ora Recorrente indiretamente pelo delito prescrito.
(v) art. 49, § 1º, do CP e negativa de vigência ao art. 315, §2º, II, III e IV do CPP. Subsidiariamente: negativa de vigência ao art. 619 do CPP – O v. acórdão fixou o valor do dia multa no máximo legal, em manifesta desproporcionalidade com a pena privativa de liberdade. Além disso, assenta genericamente como fundamento a “situação econômica do acusado” e, mesmo com a oposição e embargos de declaração, deixou de indicar os elementos concretos que embasam a conclusão.
Requer o provimento do recurso para que: (1) seja reconhecida a nulidade do acórdão por violação ao art. 619 do CPP, ou a absolvição do recorrente da prática do delito de corrupção ativa; (2) seja aplicada a inutilização da prova ilícita e suas derivadas; (3) seja decretada a absolvição do recorrente por atipicidade dos fatos; (4) seja afastada a causa de aumento do parágrafo único do art. 333 do CP; (5) seja fixada a pena-base no mínimo legal; e (6) seja fixada a pena de multa no mínimo legal.
Contrarrazões às fls. 18779/18828.
Admitido o recurso no TJ (fls. 18850/18851), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso especial (fls. 18890/18909).
É o relatório.
Decido.
Sobre as omissões e contradições, o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO não as reconheceu, sustentando que as diversas alegações preliminares de nulidade foram repisadas pela defesa, já tendo sido refutadas na sentença e no voto condutor do julgado, razão porque rejeitou os embargos declaratórios defensivos.
Consignou aquela Corte, ainda, que: "No mérito do crime de corrupção ativa, tampouco há vício a ser sanado. Apesar dos esforços da defesa em fazer crer que houve algum tipo de confusão entre as figuras típicas previstas no art. 333 do CP ("oferecer" ou "prometer"), fato é que restou caracterizada a oferta de vantagem indevida para que funcionário público deixasse de praticar ato de ofício, conforme preceitua referido dispositivo e consta expressamente do voto."
O recorrente pretendeu nos aclaratórios a análise dos seguintes temas: 1) ilegalidade na sua inclusão nas interceptações telefônicas, pois não era alvo originário - medida deferida como prospecção; 2) nulidade das nove decisões de prorrogação das interceptações por falta de fundamentação; 3) O v. acórdão anuncia a demonstração do verbo típico “oferecer” para, em seguida, em insuperável contradição, tratar exclusivamente do verbo atípico “pagar”; 4) não demonstração do verbo típico do crime de corrupção ativa, no que toca ao ato de ofício; 5) não configuração do crime de corrupção passiva porque tem ingerência direta e inequívoca na configuração do crime bilateral de corrupção ativa. Ou seja, se não aponta com clareza o elemento probatório capaz de alterar o entendimento e a conclusão sobre aquelas ligações que discutem a entrega de um CD e a compra de carne; 6) na causa de aumento, deixou-se de indicar qual o ato de ofício foi praticado pelo funcionário público com infração do dever funcional; 7) pena-base: aumento inadequado, bis in idem e; 8) acórdão deixou de indicar quais os elementos concretos dos autos que demonstram qual a situação econômica do recorrente e porque justificaria a fixação no máximo previsto em Lei.
Vejamos como as controvérsias foram deslindadas pela Corte Regional no julgamento da apelação:
"1.3. Competência do juízo federal de primeiro grau
As defesas de Odilon e de Marco Antônio sustentaram a nulidade da ação penal decorrente da incompetência do juízo federal de primeira instância para investigar agentes públicos com prerrogativa de foro, identificados nas interceptações telefônicas ainda em março/2008 - no caso, o envolvimento de deputados estaduais e federais nos delitos.
A tese não merece prosperar, tendo sido já enfrentada essa questão por este Tribunal, no âmbito da própria Operação "Solidária", nos termos dos seguintes julgados:
(...)
O STF também já se manifestou a esse respeito, quando lá foi instaurado o Inquérito nº 3.305, em razão da necessidade de redirecionamento da apuração ao então deputado federal Eliseu Padilha (processo 5021824-30.2014.4.04.7100/RS, evento 470, DEC1):
(...)
Ainda no Inq nº 3.305, o STF autorizou o compartilhamento das provas obtidas na Operação Solidária, incluindo a interceptação telefônica, para instrução de inquérito civil público e outras ações (Informativo n. 815, STF):
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a agravo regimental em que se discutia a possibilidade de compartilhar provas colhidas em sede de investigação criminal com inquérito civil público, bem como outras ações decorrentes dos dados resultantes do afastamento do sigilo financeiro e fiscal e dos alusivos à interceptação telefônica — v. Informativos 780 e 803.
O Colegiado, ao assentar a viabilidade do compartilhamento de provas, reiterou o que decidido no Inq 2.424 QO-QO/RJ (DJe de 24.8.2007) e na Pet 3.683 QO/MG (DJe de 20.2.2009), no sentido de que “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que negavam provimento ao agravo regimental.
O relator afirmava que, em face do contido no art. 5º, XII, da CF, não se poderia estender o afastamento do sigilo a situações concretas não previstas. Já o Ministro Edson Fachin destacava que o compartilhamento de provas não seria, peremptoriamente, vedado, porém sua regularidade deveria ser examinada de acordo com o caso concreto. Inq 3305 AgR/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 23.2.2016. (Inq-3305)
Como bem salientou o MPF em seu parecer, o envolvimento do parlamentar federal ocorreu fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, o que é inerente a esse tipo de medida e até frequente em situações semelhantes.
Uma vez verificada a ligação de pessoa com prerrogativa de foro, os autos foram encaminhados ao STF, já que a investigação inicial não era voltada a autoridades com foro especial.
Portanto, inexiste qualquer nulidade quanto aos investigados que não são titulares da prerrogativa de função, inclusive porque a Suprema Corte já afastou suposta usurpação de competência quanto a investigados sem foro por prerrogativa de função, no bojo da Operação Rodin, conforme o seguinte acórdão:
(...)
Logo, não há falar em nulidade da prova - especialmente as interceptações telefônicas - em decorrência de violação de prerrogativa de foro do parlamentar federal quanto a réus investigados que não ostentam tal condição pessoal.
Reitere-se, o fato de terem sido indiretamente captadas conversas com pessoas titulares de foro por prerrogativa de função, quando os alvos iniciais não eram esses indivíduos, não acarreta, por si só, nulidade da prova, sobretudo porque, no caso em tela, foram remetidos os autos ao STF assim que constatada a participação de Parlamentares Federais e Estaduais nos delitos investigados, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos.
Assim, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal de primeiro grau no que se refere aos réus e ao objeto desta ação penal.
(...)
1.5. Interceptações telefônicas deferidas com base em denúncia anônima e investigação quanto ao réu Marco Antônio Camino.
A alegação de que as interceptações telefônicas foram realizadas a partir de denúncia anônima já foram analisadas por este Tribunal no âmbito da Operação Solidária (TRF4, ACR 0033019- 10.2008.404.7100, Oitava Turma, Relator Nivaldo Brunoni, D. E. 23/02/2016) e foram novamente rechaçadas na decisão do evento 459 destes autos.
Na citada decisão, o magistrado de primeiro grau asseverou que as interceptações telefônicas não foram deferidas exclusivamente com base em denúncia anônima, a qual veio a se somar aos primeiros indícios de prática criminosa levantados através de depoimentos prestados ao Ministério Público Federal no ano de 2007 (evento 459, DESPADEC1).
Aliás, já é assentado na jurisprudência do STF ser possível dar início a apurações preliminares com amparo em denúncia anônima ou peça apócrifa a fim de verificar a sua plausibilidade e, em caso positivo, instaurar formalmente eventuais procedimentos investigatórios. Confira-se:
(...)
Na situação dos autos, não houve a alegada instauração de investigação ou o deferimento de medidas de quebras de sigilo, como as interceptações telefônicas, unicamente com base em denúncia anônima, o que se verifica pelo farto material probatório constante dos feitos relacionados e também na documentação apresentada quando do oferecimento da peça acusatória (evento 1).
Ademais, o STJ, ao apreciar o HC nº 315.670, impetrado pela defesa de Marco Aurélio Soares Alba - cuja ação penal tramitou em apartado - reconheceu a licitude das interceptações telefônicas ora analisadas, nos seguintes termos:
(...)
A respeito da investigação e inclusão do réu Marco Antônio Camino, verifica-se nos autos que a interceptação telefônica inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelou contatos de Francisco Fraga (alvo) com o réu, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes, por isso, não procede a alegação defensiva de que não havia elementos para a inclusão de Marco Antônio nas investigações e nas interceptações telefônicas.
Desse modo, não há nulidade a ser reconhecida nesse ponto.
(...) (fls. 17967/17971)
2. MÉRITO
(...)
2.2. Crime de corrupção ativa - art. 333 do CP.
A denúncia narrou que os réus Marco Camino e Woodson Martins da Silva ofereceram vantagens indevidas aos agentes públicos Marco Aurélio Soares Alba (Secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul) e Juvir Costella (Chefe de Gabinete do referido Secretário), no período de 19/02/2008 a 28/05/2008, para determiná-los a colaborar com as fraudes às Concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 da CORSAN.
Em primeiro grau, Marco Camino foi condenado e Woodson foi absolvido com base no art. 386, V, do CPP.
O MPF recorreu para que seja condenado também Woodson por esse delito.
No ponto, a sentença contou com a seguinte fundamentação:
Segundo a denúncia, os denunciados MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e WOODSON MARTINS DA SILVA, no período de 19 de fevereiro de 2008 a 28 de maio de 2008 teriam oferecido vantagens indevidas a funcionários públicos, no caso, Marco Aurélio Soares Alba (Secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul) e Juvir Costella (Chefe de Gabinete do referido Secretário de Governo) para determiná-los a praticar ato de ofício, qual seja, colaborar com a fraude à licitação promovida no âmbito das Concorrências nº 426/08, 427/08 e 428/08, levadas a efeito pela CORSAN, conforme detalhadamente exposto no item I-A (fato 1).
WOODSON MARTINS DA SILVA era funcionário da empresa MAC ENGENHARIA LTDA.
A denúncia narrou que transpareceu nas interceptações telefônicas levadas a efeito pela Polícia Federal que, em 19 de fevereiro de 2008, Marco Aurélio Soares Alba contatou o empresário MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO para informá-lo que Juvir Costella (referido como seu "líder político"), passaria na MAC Engenharia Ltda. Ato contínuo, o empresário avisou seu funcionário WOODSON MARTINS DA SILVA que talvez Juvir Costella passasse "para pegar a metade daquele negócio lá". WOODSON referiu que Juvir Costella não passou lá nesta ocasião e não lembra o que seria "a metade daquele negócio" (evento 1069, pág. 102).
Já, em 28 de maio de 2008, Juvir Costella teria dito a MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO que seu chefe havia pedido para que buscasse um "CD", ao que o empresário respondeu que o fizesse junto ao funcionário WOODSON MARTINS DA SILVA. Este, uma hora após, ligou para o empresário e indagou "é cinquenta quilos de costela né?", obtendo resposta positiva.
Segundo o Ministério Público Federal, não se estava falando aqui em quantidade de carne, mas sim em quantia em dinheiro, provavelmente R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
MARCO CAMINO, ouvido em Juízo, alegou que os 50 Kg de costela seria de uma festa de aniversário da empresa, que estava fazendo 22 anos, salvo engano. O Woodson é o administrativo que cuida da parte burocrática da MAC e cuida desse tipo de festa que a gente regularmente faz. Todo mês tem festa dos aniversariantes da empresa, tem festa de aniversário da empresa, tem grupos particulares nossos lá, dos grupos de amizade. Então, sempre ele é quem organiza esse tipo de coisa. E eu estava solicitando para ele que comprasse 50 kg de costela, para fazer o churrasco da festa de aniversário da MAC Engenharia (evento 1068, págs. 72 e ss). Quanto ao CD referido, MARCO CAMINO sustentou que o pessoal de São Paulo lhe havia mandado um CD institucional, de como funciona Águas de Guabiroba, que é uma concessão lá de Campo Grande, em pleno funcionamento há anos. Referiu que: mandaram para mim, para eu entregar para o Governo do Estado. Por isso que eu entreguei para o rapaz lá do Alba, do Marco Alba. O Costela. E ele passou lá para pegar lá, exatamente. Não fez registro ou protocolo da entrega (evento 1068, págs. 78/79). WOODSON MARTINS DA SILVA sustentou achar que essas acusações que são dirigidas desse processo da CORSAN não são verdadeiras, uma vez que nunca recebeu ou pagou valores ou propina para quem quer que seja. E ninguém pediu para que ele assim também fizesse. Confirmou que Juvir Costella esteve lá na empresa pegando um CD. Que no CD estava escrito PPP, Participação Público Privado. Escrito em pincel preto na capa (evento 1069, pág. 93 a 105). E quanto aos 50 quilos de costela, WOODSON afirmou que era costela bovina mesmo: Nós tínhamos uma confraternização lá na empresa, aniversário da MAC, isso foi no início de junho, e foi comprado costela bovina, foi comprado e foi entregue na empresa. Negou ter entregue qualquer valor para Juvir Costella. Na festa participaram funcionários e alguns amigos, alguns fornecedores, em torno de 100 pessoas. Foi na sede da empresa, no salão de festas que fica no último andar. Não lembrou em qual açougue comprou os 50 quilos de costela. Em seguida, disse que comprou por telefone, entregaram na MAC e ele pagou. Não lembrou qual o açougue. Ainda explicou que houve um termo de acordo entre três empresas, que eram, na época, a CIB, a MAC e a CSL, do Odilon. Essas três empresas formaram esse acordo, essa parceria, para fazer uma concessão de serviços públicos na área de esgoto e de água, aqui no Rio Grande do Sul. E, nessa parceria, eles tiveram vários contatos com o Secretário Marco Alba, no sentido de viabilizar essa concessão, apresentar os projetos das PP Ps. Eles pesquisaram, fizeram um trabalho, com mais seis ou sete grupos, mapeando as condições de saneamento de 300 e poucos municípios do Rio Grande do Sul. Cada grupo apresentava uma proposta para como deveria ser feita essa concessão e entregava o projeto. O projeto da MAC, que iniciou naquela época, foi o vencedor e é o que está aí até hoje. Mas a cópia do CD, que se bota como propina, essa cópia aí era como as águas de Gabiroba, em Campo Grande, como ela começou e como ela estava evoluindo ao longo dos tempos. Isso foi entregue para o Secretário Marco Alba, porque ele ia fazer uma apresentação a nível de Governo, para mostrar e tentar o convencimento de que se fosse feita essa licitação. Essa é a história do CD.
Segundo a testemunha Celso Araújo Bins (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 35), a MAC Engenharia tinha um local específico na empresa para celebrar encontros, almoços, jantares. Quem organizava os eventos e fazia os convites era o funcionário Woodson. Flavio Humberto Pelizzoli, que era funcionário da MAC, também afirmou que Woodson era o responsável pela recepção de documentos e cartas, encomendas, e por distribuí-los aos setores da empresa. Referiu que nas confraternizações da empresa não participavam funcionários ou diretores da CORSAN (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 54). O mesmo foi referido por Humberto Della Paqua (que trabalhou com a MAC Engenharia), que referiu ter sido convidado por Woodson para confraternizações ou eventos, através de e-mails (evento 1067, págs. 98/99).
Rogério Araújo de Souza afirmou que Woodson trabalhava no administrativo da empresa, e somente cuidava da parte de segurança, manutenção, limpeza.
No aspecto tratado neste ponto (corrupção ativa), os fatos exigem dois planos de exame: um exame contextual e um exame pontual, analítico.
Quanto ao contexto, nota-se uma relação bastante próxima (talvez demasiadamente próxima) entre o empresário Marco Camino e o Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, Marco Aurélio Soares Alba, político encarregado de setor da administração especialmente vinculado à atividade da empresa do primeiro.
A relação de Marco Antônio também alcança pessoas vinculadas à CORSAN, especialmente Carlos Júlio Garcia Martinez, Diretor Administrativo e Financeiro. Não só ressalta a acessibilidade telefônica entre os referidos, como a disponibilidade para encontros informais ("no mesmo lugar de sempre"), ou seja: não são encontros constantes de agendas, em salas institucionais e com pauta pública. É relevantíssimo notar que os fatos se passam em momento em que se preparam e processam inúmeros certames administrativos que interessam sobremodo às empresas especializadas em obras de saneamento, o que o caso da MAC Engenharia. Posto esse contexto, há que se analisar as falas interceptadas, bem como as explicações de defesa sobre seus conteúdos.
O primeiro aspecto que ressalta é a reticência que as caracteriza. São sucintas; não parecem esclarecer tudo o que contêm; parecem pressupor muito, porque já sabido pelos interlocutores. Tal aspecto evidencia que os detalhes claros já haviam sido fixados em encontros pessoais, em conversas presenciais. Essa reticência, é claro, levanta a suspeita de que não interessa aos interlocutores expressar telefonicamente o objeto ou o objetivo da fala. Exemplo nítido é: "pegar metade daquele negócio lá." Qual negócio? A defesa alega que seria algo vinculado às PPPs. Mas não se diz o que é. Não poderia ser a metade do CD, posteriormente invocado como justificativa. O segundo aspecto é a desconexão entre eventos verbais. Juvir Costella liga a Camino afirmando que Marco Alba pediu que buscasse um CD, ao que Camino o remete para Woodson. Uma hora após, Woodson pergunta a Camino se seriam "cinquenta quilos de costela". É claro que imaginar que um CD, em uma hora, tenha se tornado cinquenta quilos de costela é um exercício cerebrino quase irresponsável. Porém, considerado o contexto das relações e dos interesses, considerada a reticência das expressões telefônicas e considerado todo o "trabalho" desenvolvido especialmente por Marco Camino e Odilon Menezes em relação às concorrências públicas em questão, é possível concluir que os indicativos de corrupção são relevantes. A tese de que seriam realmente "cinquenta quilos de costela" para um evento na empresa não se sustenta. Não surge referência ao chope, não surge referência aos convidados, nem à preparação do ambiente, nem à contratação de assador, de garçon, et coetera. Só se tratou da costela. E sucintamente. Não surgiram fotos do alegado evento, que teria sido memorável. 50 kg de costela implica mais uns 20 kg de picanha, outros tantos de maminha, uns 30 kg de salsichão, etc. Num evento tão grandioso, não é de se supor que o fornecedor tenha sido desdenhado (Woodson não soube dizer de que açougue veio a costela). Enfim, a versão não é crível. Por último, o exame da vantagem obtida com a corrupção reforça a convicção de ocorrência desta.
O favorecimento obtido por Marco Camino está flagrante na maior parte das interceptações telefônicas que dão base à denúncia. A acesso direto e livre ao administrador público, a obtenção de informações antecipadas e privilegiadas (diálogos com Carlos Martinez, nomeado por Marco Alba, escancaram isso), o canal aberto (escancarado) para pressões sobre os editais e aspectos indicativos de restritividade destes enfatiza a desigualação entre, de um lado, os "concorrentes" aliados de Marco Camino e, de outro, as demais empresas que pudessem concorrer (efetivamente).
Esse tratamento, que certamente Marco Alba não dedicou a outras empresas (e não deveria, pois não deveria dedicar a qualquer empresa), consiste por si só (e não é pouco) infração de dever funcional.
O tratamento isonômico dos eventuais concorrentes a certame público é dever do administrador licitante. Dever esse descumprido pelo então Secretário Estadual e pelo Diretor Administrativo e Financeiro da Corsan Carlos Júlio Garcia Martinez. (O exame da conduta deste, abaixo, relativamente à acusação de quadrilha, é expressiva no confirmar o favorecimento obtido por Marco Camino.)
Consigne-se, ainda, que o uso de linguagem cifrada por Woodson ("cinquenta quilos de costela"), assim como a sua compreensão sobre a linguagem reticente de Camino ("a metade daquele negócio lá"), indicam que possuía ciência sobre a ilicitude do que fazia. Entretanto, o momento em que Woodson teria ingressado no iter criminis (entrega da vantagem), quanto ao crime examinado (corrupção ativa) já é fase de exaurimento.
Não há prova (e não está na própria descrição fática da denúncia) de que tenha participado de fase em que houvesse a oferta da vantagem. Conclui-se, portanto, que, em relação a Marco Camino, não só houve o oferecimento de vantagem indevida, como houve a efetiva entrega dessa vantagem.
O móbil da conduta corrupta era justamente obter todos os benefícios já referidos: acesso às instâncias decisórias do serviço público para influenciar nas suas decisões, restritividade dos editais (efetivamente verificada), informações privilegiadas e antecipadas, etc.
Entretanto quanto a Woodson Martins da Silva, não se pode concluir que tenha participado da fase de realização do tipo penal. Sua conduta se insere já no momento da entrega da vantagem a Marco Alba (através de Juvir Costella), o que configura já exaurimento do crime.
Assim, Woodson não contribuiu para a conduta tipificada em lei. Assim, o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO praticou o fato previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal. Já WOODSON MARTINS DA SILVA deve ser absolvido do delito previsto no artigo 333 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP (não haver prova da concorrência do réu para o crime).
A sentença não merece reparos quanto ao delito de corrupção ativa.
Como já profundamente esmiuçado em outros casos julgados neste Tribunal, inclusive no âmbito da Operação Lava-Jato, o tipo penal em questão não exige, para sua configuração, a concretização de qualquer ato de ofício pelo funcionário público.
No julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, o voto do Ministro Relator consignou que "'o ato de ofício' deve ser representado no sentido comum, como o representam os leigos, e não em sentido técnico-jurídico", concluindo assim, citando precedente daquela Corte (AP 307, Rel. Ilmar Galvão), que "basta, para os fins dos tipos penais dos artigos 317 e 333 do Código Penal que o "ato subornado caiba no âmbito dos poderes de fato inerentes ao exercício do cargo do agente" (RTJ 162, n. 1, p. 46/47)" (STF, AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, D Je 22/04/2013).
Depreende-se, assim, que o STF consolidou o entendimento de que, para a configuração dos delitos de corrupção, não se exige que o oferecimento da vantagem indevida guarde relação com as atividades formais do agente público, bastando que esteja relacionado com seus poderes de fato.
Tal entendimento está consubstanciado nos seguintes julgados desta Corte: TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 5023121-47.2015.404.7000, 4ª Seção, Des. Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/12/2017; TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5023135-31.2015.404.7000, 8ª Turma, Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 24/10/2017.
No caso dos autos, esse poder de fato se verifica na potencial capacidade do servidor de, por exemplo, atrasar, facilitar ou agilizar os procedimentos atinentes às licitações de saneamento, conforme isso viesse a atender interesses dos envolvidos.
Em relação a Marco Camino, ficou comprovado que houve, sim, oferta de vantagem indevida aos funcionários públicos para que houvesse benefícios a sua empresa - MAC Engenharia - no direcionamento dos editais da CORSAN.
Em 19/02/2008, no meio da tarde, Marco Alba, então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, entrou em contato com Marco Camino para avisar que Juvir Costella ("meu líder", "meu político"), à época chefe de Gabinete da Secretaria, passaria na MAC Engenharia. Marco Camino respondeu que, caso ele próprio não estivesse na empresa, Juvir Costella deveria se dirigir a Woodson. Mais ao fim daquela tarde, Marco Camino avisou Woodson que Juvir Costella passaria “para pegar a metade daquele negócio lá”.
Em 28/05/2008, Juvir Costella conversou com Marco Camino e disse que seu chefe, Marco Alba, havia pedido para que buscasse um "CD". Marco Camino então respondeu que isso fosse resolvido com Woodson, funcionário da MAC. Por sua vez, Woodson telefonou a Marco Camino, uma hora depois, para indagar "é cinquenta quilos de costela né?", obtendo resposta positiva. No mesmo dia, 28 de maio de 2008, foi assinado o contrato relativo à Concorrência nº 428/08, entre a MAC e a CORSAN.
O MPF sustenta que as conversas telefônicas revelaram pagamento de propina por Marco Camino aos funcionários públicos, com intuito de favorecer sua empresa. Diz ainda que os "50kg" de costela são, na verdade, 50 mil reais para Juvir Costella.
Em juízo, Marco Camino disse que os 50 quilos de costela foram comprados para uma festa de aniversário de 22 anos da empresa. Explicou que Woodson cuidava da parte burocrática da MAC e organizava essas comemorações, então, havia solicitado a ele que comprasse 50kg de costela para o churrasco da festa de aniversário da empresa. Quanto ao pedido feito por Marco Alba para que Juvir Costella buscasse um "CD", Marco Camino explicou que o pessoal de São Paulo lhe havia mandado um CD sobre PPP em Campo Grande ("Águas de Gabiroba") para ser encaminhado ao Governo do Estado do RS (evento 1068)
Também em juízo, Woodson confirmou que Juvir Costella esteve na empresa pegando um CD, no qual estava escrito "PPP, Participação Público Privado", em pincel preto na capa. Quanto aos 50 quilos de costela, Woodson afirmou que era costela bovina para confraternização de aniversário da MAC, da qual participaram cerca de 100 pessoas e ocorreu na sede da empresa. Não soube dizer de qual açougue foi comprada a carne, mas que fez o pedido por telefone e ele quem pagou (evento 1069).
Como bem contextualizado pelo magistrado a quo, chama a atenção a proximidade do então Secretário Estadual Marco Alba e de "seu líder político" Juvir Costella com o empresário Marco Camino. Foram vários os telefonemas, evidenciando livre acesso e constante comunicação entre eles a ponto de marcarem reuniões "no mesmo lugar" de sempre, lugar este que obviamente não era repartição pública. Nem esses encontros constavam de agenda ou de pauta publicizada.
No que se refere às interceptações telefônicas em si, os diálogos são sintéticos, quase lacônicos, quando o seu teor levantaria os mais simples questionamentos. Mas não são feitas outras perguntas, justamente porque o conteúdo não deve ser dito por telefone. Por exemplo, quando Marco Camino avisou Woodson que Juvir Costella passaria “para pegar a metade daquele negócio lá”: nada além disso é dito, o que não impediu Woodson de compreender o assunto. Por óbvio, não pode ser metade de um CD sobre parcerias público-privadas.
Recapitulando a sequência dos acontecimentos flagrados nas interceptações, Juvir Costella ligou para Marco Camino afirmando que Marco Alba pediu que buscasse um CD. Marco Camino encaminhou para Woodson. Depois de aproximadamente uma hora, Woodson questionou Marco Camino se seriam "cinquenta quilos de costela". Ou seja, Juvir Costella queria um CD, mas o que Woodson providenciou no mesmo dia foram "50kg de costela".
Ora, não é minimamente crível que a conversa entre Woodson e Marco Camino fosse sobre a compra de quilos de costela bovina. Não há menção a nenhum outro item necessário para um churrasco comemorativo: bebidas, outras carnes, funcionários, convidados, nada disso é tratado. Numa conversa curta e sucinta, apenas se fala em 50 quilos de costela. E não há foto, cópia do convite, absolutamente nenhum registro desse evento, que, segundo os réus, contou com a presença de 100 pessoas e comemorava o aniversário da empresa. E o réu Woodson sequer lembrava de onde foi ou poderia ter sido comprada a costela.
Ademais, as conversas curtas com o assunto real subentendido, o uso de linguagem em código e os termos cifrados - por exemplo, os "cinquenta quilos de costela", "a metade daquele negócio lá" - são típicas de quem trata de algo ilícito, com a preocupação nítida de não alongar o diálogo, evitando, assim, que se fale expressamente algo incriminatório.
E a vantagem indevida paga por Marco Camino se coaduna com o favorecimento obtido no direcionamento das licitações da CORSAN, mais especificamente a Concorrência nº 428/2008.
As interceptações telefônicas tornaram evidente que Marco Camino tinha livre acesso e canal direto com alguns funcionários públicos, o que era feito por meio de encontros, telefonemas, reuniões "no mesmo lugar" de sempre, tudo com o intuito de exercer pressão para proteger os seus interesses empresariais.
No que se refere à culpa de Woodson, contudo, a situação é diversa, devendo ser mantida a absolvição.
Pelo que se viu, o réu era um funcionário da empresa MAC, inclusive consultando Marco Camino sobre como proceder. Aliás, Marco Camino encaminhou Juvir Costella a Woodson para resolver a questão do "CD" e logo em seguida Woodson telefonou para Marco Camino para confirmar o que deveria fazer quanto ao pagamento daquilo que se concluiu ser R$ 50 mil reais ("50kg de costela").
Tudo leva a crer que Woodson apenas cumpria ordens. Não há elementos concretos de que tenha aderido à conduta ilícita de Marco Camino, até porque não lhe beneficiava diretamente. Pode se cogitar que Woodson tinha ciência das ilegalidades ou que delas desconfiava, mas, por outro lado, é bem possível que tenha cumprido as determinações de Marco Camino para preservar seu cargo.
Além disso, do ponto de vista do tipo penal em comento - art. 333 do CP - a oferta de vantagem indevida já havia ocorrido por Marco Camino, ou seja, a entrega da vantagem, ainda que essencial para a concretização do esquema criminoso como um todo, configura exaurimento do crime de corrupção ativa.
Por fim, cabe registrar que e a absolvição do Secretário Marco Alba nos autos nº 2009.04.00.025279-0, sob o fundamento da insuficiência de provas, não têm impacto direto na responsabilidade dos demais acusados. Primeiro, porque a bilateralidade não é requisito indispensável da corrupção. Para a caracterização da corrupção ativa, não é imprescindível a existência da infração prevista no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), embora, conforme as circunstâncias do caso, possam verificar-se ao mesmo tempo as duas figuras delituosas. Segundo, porque a valoração dos fatos e provas destes autos, percucientemente analisados na sentença, autorizam a condenação
De todo modo, registre-se que Marco Alba foi absolvido na ação originária que tramitou nesta Corte por insuficiência de provas, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, por ter se entendido, naquela ocasião, que não se comprovou de forma segura ("com contornos precisos") o envolvimento do acusado nas fraudes apuradas na Operação Solidária. Em nenhum momento, contudo, se negou categoricamente a autoria, o que reforça a independência dos julgamentos. Repita-se, o crime de corrupção ativa pelo particular, aqui, está claramente demonstrado.
Portanto, deve ser mantida a condenação de MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO pela prática do delito previsto art. 333 do CP, e também mantida a absolvição de WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do mesmo crime, com base no art. 386, V, do CPP.
(...)
3. DOSIMETRIA
De início, consigno que a lei não estabelece critério matemático para a dosagem da pena, de tal modo que não está o magistrado obrigado a pautar-se em cálculos precisos para a sua fixação, mas sim nos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia.
(...)
Com efeito, não há nenhuma vinculação a critérios puramente matemáticos - como, por exemplo, os de 1/8 (um oitavo) ou 1/6 (um sexto) por vezes sugeridos pela doutrina -, mas os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia exigem que o Julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre: (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos parecidos. (AgRg no R Esp 1817386/PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020). Vale dizer, a preocupação central da individualização da pena não é a de precisamente fatiar e classificar cartesianamente a realidade entre as oito circunstâncias judiciais, mas sagrar o seu predomínio buscando encontrar, entre o mínimo e o máximo de pena previstos pelo legislador, e sem se desviar do comando legal quanto aos fatores a observar, a dose adequada àquela particular ocorrência. Passo, então, à análise das reprimendas na mesma sequência da sentença de primeiro grau.
(...)
3.3. Réu Marco Antônio de Souza Camino
3.3.1. Crimes do art. 90 da Lei nº 8.666/93 (art. 337-F do CP)
As penas do réu Marco Camino para os crimes de licitação foram assim fixadas em primeiro grau:
III.3 - MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO
III.3.1 - Delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 (três vezes)
O réu fraudou três licitações nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, cometendo três delitos em continuidade delitiva, na forma do artigo 71 do CP.
A dosimetria das penas será feita conjuntamente.
A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 é de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de detenção, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM5 e 6), constata-se que o réu é tecnicamente primário e tem bons antecedentes, em atenção à Súmula 444 do STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 02 (dois) anos de detenção, para cada um dos três delitos. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade, ainda em caráter provisório, fica estabelecida em 02 (dois) anos de detenção para cada um dos três delitos. Aplicando-se a continuidade delitiva entre os três delitos, nos termos do artigo 71 do CP, com o aumento de 1/6, a pena definitiva fica estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção. O regime inicial para o cumprimento de pena será definido após a aplicação do concurso material de crimes. Quanto à multa, em se tratando de crime previsto na Lei n.º 8.666/93, deve ser observado o disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2.º: Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Em atenção ao disposto acima e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa de 2% do valor adjudicado pela empresa MAC Engenharia na licitação na qual foi vencedora (CN n.º 428/08). Para a CN n.º 428/08 o valor adjudicado foi de R$ 35.462.971,91, correspondendo a multa a R$ 709.259,43 (setecentos e nove mil duzentos e cinquenta e nove reais e quarenta e três centavos). Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aumentando o valor da multa na fração de 1/6 (um sexto), arbitro o montante de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos). O valor deverá ser corrigido monetariamente a partir da data da adjudicação do objeto da Concorrência (14/05/2008) e será revertido em favor da União.
Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu o sócio e proprietário da empresa MAC, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente, com livre trânsito e influência entre as pessoas do alto escalão do serviço público, tendo atuado como intenso articulador do esquema, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação.
Reitere-se que segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível na dosimetria da pena valorar a culpabilidade mais intensamente fundamentada no fato do condenado ter atuado mediante iter criminis complexo, ter alta escolaridade; posição profissional e condição financeira favorável (AgRg no R Esp n. 1.774.165/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 19/4/2022, D Je de 10/5/2022).
As circunstâncias do crime são muito graves.
Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública.
Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto.
Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto.
As demais vetoriais também são neutras.
Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de detenção.
Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes.
Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição.
Quanto à continuidade delitiva, assiste parcial razão ao MPF ao requerer elevação da pena em maior patamar, já que, em se tratando de três infrações, a fração de aumento adequada, de acordo com a jurisprudência, deve ser de 1/5, o que resulta na pena de 3 anos de detenção, a qual torno definitiva.
No que se refere à multa, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplica-se o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, conforme já detalhado no item 2.1 deste voto.
Portanto, fixo a multa em 185 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então.
A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto.
3.3.2. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior)
As penas do crime de quadrilha quanto ao réu Marco Camino foram assim fixadas em primeiro grau:
II.3.2 - Delito do artigo 288 do Código Penal A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 288, com a redação anterior à Lei n.º 12.850/2013 é de 01 (um) a 03 (três) anos de reclusão, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM3 e 4), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então.
Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu o sócio e proprietário da empresa MAC, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente, com livre trânsito e influência entre as pessoas do alto escalão do serviço público, tendo atuado como intenso articulador do esquema, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação.
As circunstâncias do crime são muito graves.
Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que a quadrilha/associação criminosa se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública.
Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto.
Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto.
As demais vetoriais também são neutras.
Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão.
Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes.
Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição, pelo que torno definitiva a pena de 1 ano e 4 meses de reclusão.
O art. 288 do CP não prevê multa, pelo que deve ser afastada de ofício a pena pecuniária fixada em primeiro grau.
3.3.3. Crime de corrupção ativa - art. 333 do CP.
As penas para o réu Marco Camino quanto ao crime de corrupção ativa foram assim fixadas em primeiro grau:
III.3.3 - Delito do artigo 333, §único, do Código Penal
A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 333 do CP é de reclusão de dois a doze anos, e multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM3 e 4), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade o u conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN, devendo-se supor o prejuízo decorrente da redução de competitividade no certame, o que, porém, já é objeto de condenação por crime licitatório. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de dois anos de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, tendo havido a infração de dever funcional, incide o parágrafo único do art. 333 do CP, devendo as penas serem aumentadas em um terço, resultando em dois (2) anos e oito (8) meses de reclusão e treze vírgula três (13,3) dias multa à razão de cinco salários mínimos cada. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em dois anos e oito meses de reclusão, e a pena de multa fica definitivamente estabelecida em treze vírgula três dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então.
Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu o sócio e proprietário da empresa MAC, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente, com livre trânsito e influência entre as pessoas do alto escalão do serviço público, tendo atuado como intenso articulador do esquema, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação.
As circunstâncias do crime são muito graves.
Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes, incluído aí o delito de corrupção, em obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto.
Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto.
As demais vetoriais também são neutras.
Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 3 anos de reclusão.
Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes.
Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no art. 333, parágrafo único, porquanto o ato de corrupção do réu efetivamente causou infração de dever funcional de funcionário público, majorando-se a pena em 1/3, o que resulta em 4 anos reclusão, a qual torno definitiva.
Quanto à multa proporcional, assiste razão ao MPF para elevação, já que a sanção deve ser proporcional à privativa de liberdade fixada. Logo, estabeleço a multa em 91 dias-multa, mantido o valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então.
A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto.
3.3.4. Prescrição pela pena aplicada.
Levando-se em conta as penas aplicadas ao delito do art. 288 do CP (1 ano e 4 meses), o crime prescreve em 4 anos. Assim, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do réu Marco Camino pela prescrição quanto ao crime do art. 288 do CP, nos termos do art. 107, IV, c/c art. 109, IV e art. 110 (redação anterior), todos do Código Penal, pois transcorridos mais de 4 anos entre as datas dos fatos (maio de 2008) e o recebimento da denúncia (26/11/2015 - evento 139) e também entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (20/01/2020 - evento 1154)
3.3.5. Concurso de crimes.
Operando-se a regra do art. 69 do CP (concurso material) devem ser somadas as penas relativas aos crimes de licitação e de corrupção passiva, o que totaliza em 7 anos de pena privativa de liberdade - sendo 3 anos de detenção e 4 anos reclusão - além de 276 dias-multa no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes na data dos fatos. O regime é o semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do CP. Incabível a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, pois não preenchidos os requisitos do art. 44 do CP." (fls. 17971/18035)
Em complemento, extrai-se do julgamento dos aclaratórios opostos da sentença condenatória os seguintes fundamentos:
"II.1 - Embargos declaratórios de Marco Antônio de Souza Camino
a) A defesa alegou que em seus memoriais finais, no concernente às interceptações telefônicas e telemáticas, em preliminar, suscitou a nulidade das provas produzidas a partir da quebra de sigilo telefônico e telemático”, “a ausência de fundamentação das decisões judiciais proferidas” e “a ilicitude dos elementos probatórios decorrentes das decisões nulas por ausência de fundamentação”.
Porém, a sentença atribuiu somente a Woodson Martins da Silva tais alegações.
Com efeito, quanto às interceptações telefônicas e telemáticas, a defesa de Marco Antônio de Souza Camino, além da defesa de Woodson Martins da Silva, também suscitou preliminar em seus memoriais finais alegando a nulidade das provas produzidas a partir da quebra de sigilo telefônico e telemático”, “a ausência de fundamentação das decisões judiciais proferidas” e “a ilicitude dos elementos probatórios decorrentes das decisões nulas por ausência de fundamentação”.
Assiste razão ao embargante neste ponto, devendo constar que referida questão preliminar também foi suscitada por sua defesa nos memoriais.
Mantenho, no mais, a fundamentação do item II.1.2 da sentença, que afastou essa preliminar de nulidade das provas e das decisões judiciais.
b) Sustenta a defesa que a sentença não indicou, pontualmente, quais seriam os “indícios razoáveis” e o “justo motivo” descritos nas decisões judiciais datadas de 14 e 19 de dezembro de 2007, incorrendo em omissão.
No entanto, a decisão do evento 957, à qual reportou-se a sentença, é clara ao considerar a legalidade das decisões de 14 e 19 de dezembro de 2007, sendo o justo motivo para o deferimento da interceptação os indícios razoáveis da existência de crime consubstanciados em todas as provas então produzidas na investigação (depoimentos, interceptações e laudos periciais), não havendo qualquer omissão em sua fundamentação:
Examinando a decisão judicial que deferiu a interceptação telefônica contra o terminal 51.9985.1061 (Vivo), nada há a reparar, visto que correta tanto em seus aspectos formais, quanto materiais.
Veja-se que a decisão levou em conta uma suspeita de prática de crime contra a administração pública (indicíos razoáveis), e não mera liberação de recursos públicos, cujo alvo interceptado, embora inicialmente não tenha sido identificado, possuía séria conexão com o principal investigado em âmbito da "Operação Solidária", a saber, Francisco José de Oliveira Fraga ou "Chico Fraga". Assim, ao contrário do que requer a Defesa, havia sim justo motivo para o deferimento da medida extrema de interceptação telefônica, o que foi realizado com a devida fundamentação. Mas não só.
As prorrogações das interceptações telefônicas que se sucederam em relação ao alvo proprietário do terminal 51.9985.1061 (Vivo) tiveram suas razões idênticas a do pedido original, não havendo nisso qualquer ilegalidade, na medida em que se tratava de um caso complexo, sendo o monitoramento telefônico, à época, prova indispensável para o aprofundamento das investigações, mormente, da relação travada entre Chico Fraga e o citado alvo, o qual adiante foi identificado como sendo Marco Antonio Camino. Por tais razões, não havendo mácula de qualquer ordem nas referidas decisões, indefiro o requerimento.
Não tendo sido reconhecida a nulidade ou a falta de fundamentação das decisões judiciais supracitadas, não há qualquer ilicitude dos elementos probatórios dela decorrentes.
Não há omissão na sentença.
c) Quanto à alegação de que a sentença não teria se manifestado quanto à petição do evento 893, no sentido de que fosse franqueado o seu acesso à totalidade da prova originária da quebra de sigilo telefônico e telemático produzida no âmbito da “Operação Solidária” e extraída a partir do Sistema Guardião, cumpre referir que sobre essa petição já houve manifestação no evento 957, e nos autos já houve decisão (evento 459) dispondo a respeito da efetiva disponibilização das mídias nas quais constam todos os diálogos interceptados, dando condições às defesas de apresentaram suas impugnações.
Não cabe ao Magistrado manifestar-se novamente, na sentença, sobre todas as petições juntadas aos autos e que já foram apreciadas no momento próprio."
Vê-se dos excertos transcritos que não há omissão. Todas as controvérsias foram solucionadas pelas instâncias ordinárias, embora de modo contrário à pretensão da defesa. Foram apontados os motivos concretos para afastar as apontadas nulidades e manter a condenação do recorrente pelos delitos dos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e 333, parágrafo único do Código Penal, dada a prescrição reconhecida para o crime do art. 288, caput, do Código Penal.
Ressalta-se que omissão no julgado e entendimento contrário ao interesse da parte não se confundem. No sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS DOS DECLARATÓRIOS NÃO DEMONSTRADOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. MULTA.
1. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material eventualmente existentes no julgado.
2. Não há espaço para aplicação do Tema n. 1.011/STF, visto que a embargante distorce a realidade dos fatos para fazer com que os autos retrocedam a fase que nem sequer lhe assiste, suscitando tese (competência da Justiça Federal ante a necessidade de a CEF integrar o polo passivo da ação) que não foi objeto de debate na origem, o que por si só inviabilizaria eventual análise da questão pela falta de prequestionamento (incidência da Súmula n. 211/STJ).
3. A competência da justiça estadual não foi objeto de análise por entender que tal questão já se encontrava acobertada pelo manto da coisa julgada ["A competência da Justiça estadual para conhecimento da lide foi definida no julgamento do agravo de instrumento n. 2193670-42.2018.8.26.0000 (relator Desembargador Maurício Campos da Silva Velho), transitando em julgado"], bem como em razão da efetiva demonstração nos autos de que a apólice regente do seguro é do ramo privado ("a apólice de seguro habitacional foi averbada no ramo 68"), o que afasta a incidência do referido Tema n. 1.011/STF à hipótese dos autos.
4. A parte embargante, inconformada, busca, com a oposição destes embargos declaratórios, ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Contudo, entendimento contrário ao interesse da parte não se confunde com omissão.
5. A alteração da verdade dos fatos dos autos para obter incidência de precedente (Tema n. 1.011/STF) do qual é sabedor que não tem nenhuma aplicação à hipótese autoriza a condenação por litigância de má-fé. Precedentes.
Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa.
(EDcl no AgInt no REsp n. 1.932.086/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.)
PRELIMINAR.
1. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO E PRORROGAÇÕES.
Quanto ao ponto, esclareceu-se que a interceptação telefônica foi inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelando contatos de Francisco Fraga (alvo) com o recorrente, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes.
A decisão levou em conta a suspeita da prática de crime contra a administração pública (indícios razoáveis).
Como consignado no julgamento dos aclaratórios, a decisão do evento 957 foi clara ao considerar a legalidade das decisões de 14 e 19 de dezembro de 2007, sendo o justo motivo para o deferimento da interceptação os indícios razoáveis da existência de crime, consubstanciados em todas as provas então produzidas na investigação (depoimentos, interceptações e laudos periciais).
Na hipótese, tendo as instâncias ordinárias concluído, de forma fundamentada, pela imprescindibilidade das medidas de interceptação telefônica para a obtenção dos indícios de autoria e materialidade delitiva para fins de deflagração da persecução penal, nada há de ser alterado.
Conforme constou nos autos, "em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas."
Reforço que a análise sobre a imprescindibilidade das interceptações telefônicas ou a existência de outros meios de obtenção da prova implica revolvimento fático-probatório dos autos, procedimento vedado, em recurso especial, pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ.
As prorrogações das interceptações telefônicas que se sucederam tiveram suas razões idênticas às do pedido original, não havendo ilegalidade, na medida em que se tratava de um caso complexo, sendo o monitoramento telefônico, à época, prova indispensável para o aprofundamento das investigações, mormente, da relação travada entre Chico Fraga e o citado alvo, o qual adiante foi identificado como sendo o recorrente.
Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. No sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE DELITOS GRAVES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "Esta Corte Superior, pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. [...] O deferimento do mandado de busca e apreensão, deve conter fundamentação concreta, com demonstração da existência dos requisitos necessários para a decretação" (AgRg no RHC n. 144.641/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1º/12/2022).
2. No caso em tela, está demonstrada à exaustão a necessidade de diligências mais graves, como a quebra do sigilo telemático e a decretação de busca e apreensão, pelo fato de que há investigações em andamento para averiguar um possível esquema criminoso de desvio de recursos de obras públicas na Prefeitura de Presidente Kennedy.
Os investigados, supostamente, utilizam a empresa SHARK NEGÓCIOS E EMPREENDIMENTOS LTDA. para participar de licitações, com um "laranja" à frente como proprietário. Esses atos ilícitos exigem provas sólidas que demonstrem materialidade, como documentos, provas escritas e comunicações que conectem efetivamente o grupo investigado, pois denúncias anônimas ou meramente testemunhais não são suficientes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 204.099/ES, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.)
A propósito, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça encontra-se estabelecida no sentido de que, para a prorrogação da medida que autoriza a interceptação telefônica, é possível adotar-se a fundamentação per relationem, sem que tal proceder implique nulidade (HC n. 616.950/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 30/8/2022).
Em relação à incompetência da autoridade que decretou as interceptações, como dito no aresto, a tese já foi enfrentada no âmbito da Operação Solidária, onde se concluiu que, tendo o envolvimento de parlamentar federal ocorrido fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, não há nulidade a ser reconhecida, principalmente quando os autos são remetidos ao STF assim que constatada a participação dos réus com prerrogativa de foro, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos, tal como se deu no presente feito.
De fato, não tendo sido as investigações dirigidas aos parlamentares federais com prerrogativas de foro, a simples captação de conversas dos alvos investigados com aquelas autoridades não acarreta, por si só, nulidade da prova. No sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 90 DA LEI N. 8.666/93, CORRUPÇÃO PASSIVA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ACUSADO COM PRERROGATIVA DE FORO. INTERCEPTAÇÕES DETERMINADAS POR JUÍZO INCOMPETENTE. INOCORRÊNCIA. PACIENTE QUE NÃO ERA ALVO DA INVESTIGAÇÃO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA NO MOMENTO QUE SURGIRAM INDÍCIOS CONCRETOS DO ENVOLVIMENTO DE ACUSADOS COM FORO PRIVILEGIADO. MODIFICAÇÃO DA CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE REVISÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. WRIT DENEGADO.
1. O habeas corpus não é a sede adequada para desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias sobre em que momento passaram a existir elementos concretos da participação do paciente na prática dos ilícitos investigados, tendo em vista que a referida análise implica no reexame aprofundado do conjunto fático-probatório colhido ao longo das investigações, providência incompatível com os estreitos limites da via eleita, que é caracteriza pelo seu rito célere e cognição sumária.
2. Inobstante a existência de menções esporádicas ao nome do paciente nos relatórios parciais juntados aos autos, tratava-se de transcrições relativas aos agentes investigados pela autoridade policial e que eventualmente mantinham contato com o paciente.
Constata-se que a autoridade policial buscava com os relatórios parciais a renovação das escutas telefônicas dos acusados que não possuíam prerrogativa de foro.
O paciente, que não era alvo das investigações ao tempo dos pedidos de quebra do sigilo das comunicações, sendo que somente após o aprofundamento das investigações é que vieram a surgir indícios da participação de acusados com foro privilegiado no esquema criminoso, ocasião em que houve o declínio da competência pelo Juízo de primeiro grau.
3. A existência de "meros rumores, boatos, da participação de parlamentar em fatos investigados no primeiro grau de jurisdição não constituiria fundamento suficiente para deslocar o processo para o Supremo Tribunal Federal. Noutras palavras: enquanto não existam indícios concretos que confirmem os "rumores" de suposta participação de detentor de prerrogativa de foro nos delitos investigados, e autorizem a instauração de Inquérito contra ele, não há motivo idôneo para a declinação da competência" (Min. Luiz Fux, voto no Inq. 3305/STF, DJe 01-10-2014).
Habeas Corpus denegado.
(HC n. 315.670/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 15/10/2018.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. COMPOSIÇÃO DA TURMA. NÃO OCORRÊNCIA. JUÍZES CONVOCADOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PROVAS ILÍCITAS. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIZAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DA DENÚNCIA ANÔNIMA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. RECORRENTE QUE NÃO POSSUI PRERROGATIVA DE FORO. ALEGAÇÃO DE PERÍODO DE INTERCEPTAÇÃO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.
I - O recurso especial interposto com fulcro no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal exige o atendimento dos requisitos contidos no art. 1028, § 1º do Código de Processo Civil, e no art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, para a devida demonstração do alegado dissídio jurisprudencial, pois, além da transcrição de acórdãos para a comprovação da divergência, é necessário o cotejo analítico entre o aresto recorrido e o paradigma, com a constatação da identidade das situações fáticas e a interpretação diversa emprestada ao mesmo dispositivo de legislação infraconstitucional, situação que não ocorreu, in casu. Precedentes.
II - Não há se falar em ofensa ao princípio do juiz natural. Isto porque, esta eg. Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm entendimento pacificado quanto ao tema, no sentido de que "Não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto por juízes convocados, nos termos da lei" (AgR no RE n. 741.939/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 17/12/2013). Precedentes.
III - Ao contrário do alegado pela defesa, as interceptações telefônicas que culminaram com o processamento e condenação do ora recorrente não foram decorrentes, diretamente, de denúncia anônima, tendo o eg. Tribunal a quo esclarecido que a denúncia anônima veio a somar à percepção dos primeiros indícios de prática criminosa levantados com os depoimentos obtidos em setembro de 2007, antes mesmo da denúncia anônima, em outubro do mesmo ano. E consoante entendimento desta Corte: "a denúncia anônima pode dar início à investigação, desde que corroborada por elementos informativos prévios que denotem a verossimilhança da comunicação" (RHC n. 59.542/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/11/2016).
IV - Os argumentos apresentados pela Corte de origem, justificando a necessidade das interceptações telefônicas em razão da complexidade das investigações, bem como da possibilidade de diversas prorrogações, desde que fundamentadas, como ocorreu in casu, estão de acordo com a jurisprudência firmada pelos Tribunais Superiores.
Precedentes do STF e do STJ.
V - As instâncias originárias, soberanas na análise do acervo fático-probatório dos autos, consignaram que não houve períodos em que a interceptação telefônica teria perdurado sem a devida autorização judicial. Concluir de forma contrária demandaria o necessário revolvimento fático-probatório, procedimento vedado na presente via recursal, nos termos da Súmula n. 7/STJ.
VI - A competência firmada por prerrogativa de função (ratione muneris) é fixada em virtude do cargo ou da função exercida pelo agente, o que importa dizer, o fato de ter o Supremo Tribunal Federal decidido pelo arquivamento de inquérito contra deputado federal, em razão da não observância da prerrogativa de função do investigado, que não é parte na presente ação penal, não implica na obrigatoriedade do reconhecimento de nulidade das provas também para o ora recorrente, que não possui a prerrogativa de função.
Precedentes.
VII - Ademais, as alegações acerca da ilicitude das provas aviadas nesse recurso especial foram objeto de exame no RHC n. 29.658/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 8/2/2012, oriunda da mesma operação policial, tendo o e. Ministro Relator consignado que "No que concerne à alegada nulidade das escutas, o fato de que estas alcançaram a comunicação de vários parlamentares federais, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, não possui o condão de invalidar as provas colhidas. Ora, as conversas interceptadas envolvendo os parlamentares ocorreram em razão da efetivação da medida em relação aos interlocutores que não possuem prerrogativa de foro".
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 988.527/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/9/2018, DJe de 28/9/2018.)
2. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA. ATO DE OFÍCIO. ATIPICIDADE. CAUSA DE AUMENTO.
O Tribunal Regional aponta que o tema foi esmiuçado, inclusive no âmbito da Operação Lava-Jato, tendo-se concluído que o crime de corrupção ativa não exige, para sua configuração, a concretização de qualquer ato de ofício pelo funcionário público. De fato, tal entendimento não destoa da jurisprudência desta Corte. Cito precedentes:
PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAVA JATO. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 619 E 620, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS E A DISPOSITIVOS DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA, AINDA QUE PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. NULIDADE. PRAZO COMUM. ALEGAÇÃO TARDIA. PRECLUSÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A ACUSAÇÃO E A SENTENÇA. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INOVAÇÃO RECURSAL. PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM. CONTINUIDADE DELITIVA. AFASTAMENTO. REVOLVIMENTO DE ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. CORRUPÇÃO PASSIVA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE DE VINCULAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DE OFÍCIO PARA CARACTERIZAR O CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE ATIVOS. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO EXPONTÂNEA. INOVAÇÃO RECURSAL. RECONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DE CRIME ÚNICO. PROVIDÊNCIAS QUE IMPLICAM NO REEXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE INFRAÇÕES PRATICADAS. FRAÇÃO DE AUMENTO PROPORCIONAL. REPARAÇÃO DO DANO. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 33, 4º, DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE. PETIÇÃO. PREJUDICADO O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. DECISÃO MANTIDA.
I - O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos.
II - Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os Embargos de Declaração objetivam extirpar da decisão reprochada eventual ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Os Aclaratórios não constituem, segundo a iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores, via adequada para a veiculação de mero inconformismo com os fundamentos de decidir.
III - Referente à tese de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o feito, nota-se que não foram infirmados os fundamentos do acórdão, que, por si só, sustentam o decisum impugnado, razão pela qual, o recurso não pode ser conhecido, nos termos em que aduz a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles".
IV - Não compete a este eg. Superior Tribunal se manifestar sobre violação a princípios ou a dispositivos de extração constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Pretório STF. Precedente.
V - Nos termos da jurisprudência desta Corte: Mesmo as nulidades absolutas devem ser suscitadas em momento oportuno, sujeitando-se à preclusão temporal, em observância aos princípios da segurança jurídica e da lealdade processual (AgRg nos EDcl no HC n. 668.662/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 17/12/2021).
VI - O reconhecimento da nulidade de ato processual, de acordo com o princípio pas de nullité sans grief e nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, exige a demonstração do prejuízo sofrido - o que não ocorreu no presente caso. Precedentes.
VII - De fato, o efeito devolutivo da Apelação encontra limites nas razões expostas pelo recorrente (tantum devolutum quantum appellatum), em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos previstos no âmbito do processo penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte detentora dos interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à clausula constitucional do devido processo legal.
VIII - A reforma do v. acórdão recorrido, para rever seus fundamentos e concluir pela absolvição do réu, demanda inegável necessidade de reexame do acervo fático-probatório dos autos, soberanamente delineado perante as instâncias ordinárias, já que tal providência, como se sabe, é inviável pela estreita via do Recurso Especial, cujo escopo se limita ao debate de matérias de natureza eminentemente jurídica, nos termos do enunciado n. 7 da Súmula desta Corte, segundo a qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
IX Com efeito: Para a configuração do crime de corrupção passiva, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção ativa, não se exige a comprovação de que a vantagem indevida solicitada, recebida ou aceita pelo funcionário público, esteja causalmente vinculada à prática, omissão ou retardamento de "ato de ofício". Inclusive, nem mesmo há a exigência de que o "ato de ofício" seja da competência funcional do agente corrupto (REsp 1745410/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 2/10/2018, DJe 23/10/2018 - Grifo Nosso) (AgRg no AREsp n. 1.650.032/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 01/09/2020).
X - "Para este Superior Tribunal de Justiça acolher como certa a tese de ausência de ocultação ou de dissimulação, caracterizadoras do crime de lavagem de dinheiro, teria de proceder à nova esmerilação do acervo probatório constante dos autos, providência terminantemente vedada pelo óbice absoluto da Súmula n. 7/STJ" (AgRg no AREsp n. 1.546.188/DF, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 19/10/2020).
XI - As circunstâncias judiciais encontram-se devidamente fundamentadas, não se podendo extrair dos argumentos deduzidos pelo c. Tribunal de origem, a ocorrência de eventual bis in idem, e, tampouco, a adoção de circunstâncias inerentes ao tipo penal para exasperação da pena-base.
XII - Representa indevida inovação recursal a questão deduzida na Corte a quo nos embargos de declaração opostos após o julgamento da apelação, e enseja indevida supressão de instância o seu exame pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não apreciada pelas instâncias ordinárias (AgRg no HC n. 699.698/SP, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 24/02/2022).
XIII - Rever o entendimento assentado para reconhecer que houve crime único, demandaria necessariamente, amplo reexame do acervo fático-probatório, procedimento incompatível com via eleita. (Súmula 7/STJ).
XIV - Este e. Superior Tribunal de Justiça tem adotado o seguinte critério para determinar o aumento pela pela continuidade delitiva:
1/6 para 2 infrações, 1/5 quando forem 3, 1/4 para 4, 1/3 para 5, 1/2 para 6 e 2/3 quando forem 7 ou mais. Precedentes.
XV - "É firme a dicção do Excelso Pretório em reconhecer a constitucionalidade do art. 33, § 4º, do Código Penal, o qual condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a administração pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito". (AgRg no REsp 1786891/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 23/09/2020)" (AgRg no HC n. 686.334/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 20/09/2021).
Agravo Regimental desprovido e pedido prejudicado.
(AgRg no REsp n. 1.883.830/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022.)
DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAVA JATO. CORRUPÇÃO ATIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE FRAUDE A LICITAÇÃO E CARTEL. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. NULIDADE INOCORRÊNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PRÁTICA DE QUALQUER DOS VERBOS NUCLEARES DO TIPO. PRÉ-QUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 356 DO STF. CORRUPÇÃO ATIVA. ATO DE OFÍCIO. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. LAVAGEM DE DINHEIRO. MEIO DE CONSUMAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. FRAUDE A LICITAÇÃO. CRIME ANTECEDENTE PARA OS FINS DO ART. 1º DA LEI 9.613/1998. POSSIBILIDADE. PENA-BASE. ILEGALIDADE PATENTE. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. ART. 61, II, "B", DO CP. LAVAGEM DE DINHEIRO. COMPATIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. EXTENSÃO DO RECONHECIMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO. FUNDAMENTO RECURSAL NÃO VENTILADO PERANTE AS INSTÂNCIAS INFERIORES. SÚMULA 282/STF. AGRAVO DESPROVIDO.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos.
II - Os crimes de formação de cartel e de fraude a licitação constituem infrações penais de natureza formal. A comprovação da prática dessas modalidades delitivas, portanto, pode ser aferida pela intensão de se associarem os agentes com o propósito de frustrar a concorrência, evidenciada por comportamentos lineares dos participantes do cartel, independentemente da ocorrência de prejuízo econômico alheio ou de benefício próprio imediato.
III - A suposta atipicidade da conduta, sob o enfoque específico do pagamento sem prévio oferecimento ou promessa vantagem ilícita, não foi objeto de debates pela eg. Corte de Apelação e muito menos explorado em sede de Embargos de Declaração (fls. 22.269-22.281), o que faz incidir o comando da Súmula 356 do STF: "O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento."
IV - O crime de corrupção ativa, diversamente do delito funcional previsto no art. 317 do CP, se consuma independe da prática de qualquer ato de ofício pelo agente público peitado. Mesmo que assim não fosse, o Tribunal de origem reconheceu que o crime de corrupção passiva perpetrados pelos corréus funcionários públicos consistiu na omissão do dever funcional de fiscalização e zelo pela coisa pública, o que acarretou a manutenção, por longos anos, de cartel entre as empreiteiras contratadas pela Petrobrás S/A.
V - O crime descrito no art. 90 da Lei 8.666/1993 se enquadra na redação originária do art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1997, vigente à época dos fatos, mesmo que perpetrado no âmbito da Petrobrás S/A.
VI - Se a origem ilícita dos recursos ilegalmente reciclados decorreu da prática dos crimes previstos nos arts. 4º, I, da Lei 8.137/1990 e 90 da Lei 8.666/1993, utilizados paralelamente para a prática de outra espécie delitiva, no caso, a corrupção ativa, não existe bis in idem na aplicação da agravante descrita no art. 61, II, "b", do CP com relação ao delito do art. 1º da Lei 9.613/1998.
VII - O acolhimento do pleito de mitigação da pena-base, por meio da alteração de critérios utilizados pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise do conjunto fático-probatório, é providência que somente pode ser alvitrada em sede de Recurso Especial quando a ilegalidade resta demonstrada primo ictu oculi.
VIII - A forma de cometimento do crime de corrupção, evidenciada na moldura fática estampada no acórdão guerreado, impede que o alcance do instituto da continuidade delitiva seja determinado sob o âmbito estritamente jurídico, próprio dos recursos de direito estrito, porquanto exige o profundo revolvimento do conjunto probatório.
Aplicação da súmula 7 deste eg. Superior Tribunal de Justiça.
IX - Não havendo as instâncias inferiores se debruçado sobre a aplicação do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, sob o enfoque que agora pretende o agravante, o conhecimento da tese defensiva encontra óbice na aplicação analógica da súmula 282 do Excelso Pretório, no sentido de que "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada."
Agravado regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.774.165/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 10/5/2022.)
Quanto à ausência de prova de oferta ou promessa de vantagem por parte do recorrente, o Tribunal a quo discorda da tese defensiva, porquanto aduz que "em relação a Marco Camino, ficou comprovado que houve, sim, oferta de vantagem indevida aos funcionários públicos para que houvesse benefícios a sua empresa - MAC Engenharia - no direcionamento dos editais da CORSAN".
O delito de corrupção ativa é delito formal, que se consuma no momento do oferecimento da vantagem indevida, tal como se deu na hipótese. No sentido:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 333, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ART. 2º, § 3º E § 4º, II, DA LEI N. 12.850/13. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. 1) INTIMAÇÃO PARA SESSÃO DE JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. DESCABIDA. 2) VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. SÚMULA N. 568 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. INOCORRÊNCIA. EVENTUAL VÍCIO SANÁVEL COM JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 3) PLEITO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. AUSENTE PREVISÃO LEGAL OU REGIMENTAL. 4) VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 41 E 315, § 2º, II, III, IV E V, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP, E AO ART. 1º, § 1º E § 2º, DA LEI N. 12.850/13. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO NÃO CONSTATADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CONSTATADA. 5) VIOLAÇÃO AO ART. 395, III, DO CPP, BEM COMO AO ART. 1º, § 1º E § 2º, DA LEI N. 12.850/13. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 6) VIOLAÇÃO AOS ARTS. 69 E 333, CAPUT, AMBOS DO CP. TRÊS ATOS. CRIME FORMAL. 7) VIOLAÇÃO AOS ARTS. 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E, 315, § 2º, E 564, III, "D", TODOS DO CPP. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. 8) VIOLAÇÃO AO ART. 157 DO CPP, BEM COMO AO ART. 8º-A, § 4º, DA LEI N. 9.296/96. PROVA LÍCITA. 8.1) VIGÊNCIA APÓS RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 8.2) VIGÊNCIA ANTERIOR AO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. JUSTA CAUSA MANTIDA. 9) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A apresentação em mesa do agravo regimental (recurso interno em matéria penal) para julgamento independe de inclusão em pauta, afastando-se a necessidade de intimação, consoante jurisprudência pacífica nesta Corte.
2. A decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão, como ocorre na espécie, permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante (AgRg no HC 485.393/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 28/3/2019).
3. Tratando-se de agravo em recurso especial protocolado nesta Corte e de decisão agravada que dele conheceu para negar provimento ao recurso especial, descabida a sustentação oral na sessão de julgamento do agravo regimental, em razão da ausência de previsão legal ou regimental.
4. O Tribunal de Justiça apresentou suficientes razões de decidir para o recebimento da denúncia quanto ao crime de organização criminosa, havendo por parte do agravante discordância em relação aos fundamentos e ao resultado, o que não importa em vício do julgado. 4.1. Quanto ao art. 41 do CPP, em se tratando de organização criminosa, crime cometido por pluralidade de agentes, não se exige a descrição pormenorizada dos fatos, bastando que a denúncia implique os acusados em fatos criminosos delimitados de modo a permitir a ampla defesa e o contraditório, ficando as nuances para apuração no decorrer da instrução criminal. 4.2. Nesse sentido, a denúncia inaugura a descrição do crime de organização criminosa sem precisar exatamente o início dela, mas a delimita ao início da legislatura, em razão da posse do recorrente na condição de Prefeito.
5. Ante as razões postas no acórdão do Tribunal de Justiça diante dos elementos já produzidos, o pleito de constatação de ausência de justa causa esbarra no óbice da Súmula n. 7 desta Corte.
6. Embora para o mesmo fim, foram narrados três atos de corrupção, o que justifica a denúncia por três condutas, pois o delito de corrupção ativa prescinde de resultado naturalístico, sendo crime formal que se consuma no momento do oferecimento da vantagem indevida.
7. O Tribunal de Justiça apresentou suficiente fundamentação para rechaçar vício por quebra na cadeia de custódia, eis que não demonstrado prejuízo na forma em que manipulado o material, razão pela qual prescindível a abordagem de todos os aspectos levantados pela Defesa.
8. O art. 10-A, § 1º, da Lei n. 9.296/96, inserido pela Lei n. 13.964/19, registra que a captação realizada por um dos interlocutores para investigação ou instrução criminal sem exigível autorização judicial não é crime. Por seu turno, o art. 8º-A, § 4º, da Lei n. 9.296/96, em uma interpretação literal, permite "A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação", ou seja, tem como uma das condições o uso em matéria de defesa. 8.1. A Lei n. 13.964/19 também inseriu o art. 8º-A, § 4º, na Lei n. 9.296/96, que após vetado pelo Presidente da República teve vigência iniciada em 30/5/2021 (30 dias após a publicação da promulgação das partes vetadas), em atenção ao disposto no art. 20 da Lei n. 13.964/19. Quando do recebimento da denúncia, a referida restrição ao uso da captação ambiental não estava em vigor no mundo jurídico, razão pela qual mantém-se inalterado o conteúdo do acórdão que recebeu a denúncia. 8.2. Por seu turno, quando do julgamento dos embargos de declaração em face do acórdão que recebeu a denúncia já vigorava o art. 8º-A, § 4º, na Lei n. 9.296/96, e o Tribunal de Justiça não reconheceu seus efeitos. De todo modo, não há prejuízo no tocante ao recebimento da denúncia, ante a presença de justa causa com base também no depoimento do vereador que fez a captação ambiental.
9. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.027.796/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 13/12/2022.)
Por outro lado, no que pertine à causa de aumento prevista no art. 333, parágrafo único, do CP, a tese do recorrente guarda procedência.
Primeiramente se faz necessário indicar o prequestionamento ficto quanto ao ponto, porque, embora a defesa tenha sustentado nos embargos declaratórios que foi aplicada a causa de aumento de pena do art. 333, parágrafo único do Código Penal sem a indicação do ato de ofício praticado com infringência do dever funcional, no respectivo julgamento a Corte Regional restou omissa e, tendo sido indicada nas razões do recurso a violação ao art. 619 do CPP, passo à análise.
Embora o TRF tenha dito no julgamento da apelação que o ato de corrupção efetivamente causou infração de dever funcional de funcionário público, não esclareceu qual teria sido este.
Destarte, sem pontuar em que consiste o ato de ofício do funcionário público que teria infringido o dever funcional, deve ser decotada a causa de aumento da pena.
3. PENA-BASE. AUMENTO INADEQUADO. REFERÊNCIA GENÉRICA E ABSTRATA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA.
As penas-base de Marco Antônio relativas aos delitos do art. 90 da Lei de Licitações, e arts. 333 e 288, caput, do CP, foram majoradas em decorrência da negativação do vetor "culpabilidade", tendo em vista sua formação superior, livre trânsito e influência no serviço público, além de intensa articulação do esquema. E do vetor "circunstâncias", já que o crime licitatório visou obras do saneamento básico, área de infraestrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública.
Primeiramente, não se vê descrição dos elementos do delito de associação criminosa para fins do aumento das penas, pois o fato de ser o articulador do esquema o coloca em posição de destaque.
Os fundamentos ter formação superior, livre trânsito, influência no serviço público e crime com reflexos na saúde pública não são inerentes aos tipos criminosos e são idôneos para o recrudescimento das penas, denotando maior reprovabilidade às condutas. Cito precedentes desta Corte em casos semelhantes:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME LICITATÓRIO. REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente, na primeira etapa da dosimetria da pena, pela sofisticação no modo de execução do delito, considerando o quantitativo de elementos fraudulentos praticados, quais sejam, "elaborar um edital sem especificação da quilometragem a ser percorrida pelos licitantes, indicação de turno e quantidade de alunos transportados, ausência de parâmetro de fixação de preços e aceitação de propostas sem prévia descrição qualitativa dos veículos que iriam transportar os alunos", o que atrai o maior desvalor da conduta, não havendo, portanto, falar-se em bis in idem.
2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, "no sentido do não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vistas ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP" (HC 206.847/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016).
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.384.761/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 5/12/2023.)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 90 DA LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE OMISSÃO PELA CORTE DE ORIGEM. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa.
2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação.
3. As circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi.
Constata-se, assim, a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi delitivo e que não se afiguram inerentes ao próprio tipo penal, a justificar a majoração da pena, uma vez que os acusados, durante o período da prática delitiva, usavam da prefeitura de Caculé/BA como uma extensão patrimonial particular para auferir valores em detrimento dos cofres públicos, o que demonstra uma reprovabilidade superior àquela ínsita ao tipo penal, a merecer uma maior resposta do Estado. Salienta-se, no ponto, que o período em que praticado o delito foi apontado como argumento de forma supletiva na avaliação negativa das circunstâncias do crime, não podendo se falar em bis in idem com a continuidade delitiva. Ainda, é perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha e a continuidade delitiva no delito do artigo 90 da Lei nº 8.666/93, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos.
4. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, tendo em vista que as condutas geraram efeitos indiscutivelmente nefastos e que transcendem as consequências naturais do crime, uma vez que foram desviados recursos do escasso Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que auxilia na alimentação escolar dos alunos do ensino municipal, que, muitas vezes, têm na merenda escolar sua principal ou única refeição do dia, aumentando a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.162.629/BA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, REPDJe de 28/10/2024, DJe de 14/10/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 90, 96, I E V, DA LEI 8.666/93. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. ELEVAÇÃO ARBITRÁRIA DE PREÇO. ART. 312, § 1º. DO CP. PECULATO. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MULTA. EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL DE VALOR MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.No que se refere ao pedido de absolvição dos crimes previstos nos artigos 90 e 96, I e V, da Lei 8.666/93 e 312, § 1º do CP, denota-se que a condenação decorreu da análise dos elementos de provas constantes nos autos. A desconstituição desse entendimento, para concluir pela absolvição demandaria, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto probatório, providência incompatível com o rito do recurso especial, conforme se extrai do óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. A tese de de prescrição da pretensão punitiva não comporta acolhimento. A contagem do prazo prescricional para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1996 se inicia com a assinatura do contrato administrativo. O Tribunal de origem destacou que a assinatura do instrumento contratual ocorreu há menos de oito anos do recebimento da denúncia, de modo que não há que se falar em prescrição nos termos postulados.
3. A instância antecedente reconheceu a existência de desígnios autônomos para aplicar o concurso material entre os delitos previstos na Lei de Licitações e o crime de peculato desvio do que se denota que a modificação dessa conclusão enseja necessário revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ.
4. O fato de a fraude no procedimento licitatório ter afetado setor agropecuário, o qual necessita de recursos públicos de forma premente para melhoria das condições de vida dos agricultores envolvidos no cultivo de tomate em pequeno munícipio do Estado do Rio de Janeiro, desborda do tipo penal do art. 90, da Lei 8.666/93 a autorizar o incremento da pena-base a título de circunstâncias do crime
5. Observa-se que a multa, da forma como fixada, não vulnerou o art. 99 da Lei n. 8.666/1993, mas antes lhe deu efetiva aplicação, em observância ao índice percentual mínimo trazido no § 1º do referido dispositivo legal, que é de 2% sobre o valor do contrato licitado.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 2.139.686/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 16/6/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ACRÉSCIMO DE 6 (SEIS) MESES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. QUANTUM DE AUMENTO. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO MATEMÁTICO FIXO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Ausência de enfrentamento no acórdão recorrido da matéria impugnada objeto do recurso impede o acesso à instância especial por faltar o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência, por analogia, das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a valoração negativa da culpabilidade pode ser fundamentada na relevância do cargo exercido pelo condenado pelo crime de corrupção, especialmente quando este possui atribuições especiais de fiscalização ou vigilância, uma vez que esse fator eleva o grau de reprovabilidade da conduta. Precedente.
3. A condição de Policial Rodoviário Federal do agravante, embora seja servidor público, como exige o tipo penal da corrupção passiva, reveste-se de especial especificidade, pois se trata de agente que tem o dever específico de fiscalizar e fazer cumprir a lei nas rodovias federais.
4. Conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, não existe um critério matemático fixo para o aumento da pena-base em razão de circunstâncias judiciais desfavoráveis, sendo possível a adoção de frações diversas dentro da discricionariedade vinculada do magistrado, desde que devidamente fundamentada. Precedente.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 2.074.512/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.)
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/1990. DOLO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA PROPORCIONAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que conheceu em parte do recurso especial e, nesta extensão, negou-lhe provimento. O agravante sustenta que não se aplica ao caso o óbice previsto na Súmula 7/STJ e que houve erro na valoração das circunstâncias judiciais que aumentaram a pena-base. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) Definir se a condenação do recorrente por crime contra a ordem tributária (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) se baseou em provas suficientes para demonstrar o dolo na sua conduta. (ii) Estabelecer se a exasperação da pena-base, fundamentada na culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências do crime, observou os parâmetros legais e jurisprudenciais. (iii) Verificar a proporcionalidade da pena de multa e a regularidade das medidas patrimoniais aplicadas, diante da alegação de excesso. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O Tribunal de origem analisou detalhadamente o conjunto fático-probatório e concluiu que o recorrente participou ativamente de um esquema de fraude fiscal e contábil, recebendo rendimentos não declarados e adotando artifícios para ocultar os valores da fiscalização, caracterizando o dolo exigido para a configuração do crime.
4. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias quanto à caracterização do dolo, seria necessário o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada pelo enunciado da Súmula 7/STJ.
5. A exasperação da pena-base foi devidamente fundamentada, considerando-se: (i) A culpabilidade do recorrente, que possuía formação superior em Ciências Contábeis e especialização em Finanças, demonstrando conhecimento técnico aprofundado sobre a ilicitude de sua conduta. (ii) As circunstâncias do crime, que envolveram a utilização de familiares para dissimulação dos valores recebidos, movimentação de contas bancárias de terceiros e uso de estrutura empresarial fictícia para ocultação de rendimentos (iii) As consequências do crime, com prejuízo aos cofres públicos em valor expressivo que justifica a majoração da pena, conforme precedentes do STJ em casos de sonegação fiscal.
6. O quantum de aumento da pena-base observou critérios proporcionais. A pena de multa aplicada manteve proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade, não tendo o recorrente demonstrado concretamente qualquer excesso.
7. Quanto ao valor da prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, o recurso não indicou os dispositivos de lei federal supostamente violados pelo acórdão recorrido, configurando deficiência na fundamentação recursal, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: O reconhecimento do dolo no crime contra a ordem tributária, quando baseado em elementos concretos analisados pelas instâncias ordinárias, não pode ser afastado em recurso especial, sob pena de reexame fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ. A exasperação da pena-base, com fundamento na culpabilidade do agente e nas consequências do crime, é legítima quando devidamente motivada, especialmente em casos de fraude fiscal sofisticada e prejuízo expressivo ao erário. A fixação da pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, sendo ônus do recorrente demonstrar eventual excesso. A ausência de indicação específica dos dispositivos de lei federal supostamente violados impede o conhecimento do recurso especial quanto à prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, conforme a Súmula 284/STF.
Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59 e 68; Lei nº 8.137/90, art. 1º, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.171.488/SP, rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. 4/6/2024, DJe 6/6/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.376.588/RJ, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j.
15/10/2019, DJe 22/10/2019. STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 2.092.749/SE, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 8/4/2024, DJe 11/4/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.778.761/PB, rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 4/10/2022. STF, Súmula 284.
(AgRg no AREsp n. 2.548.333/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 18/2/2025.)
4. PENA DE MULTA. DESPROPORCIONALIDADE E AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE A SITUAÇÃO ECONÔMICA.
No aspecto, a pena pecuniária do crime licitatório foi alterada pelo Tribunal a quo, porque, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplicar-se-ia o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, tendo sido determinada em 185 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente.
Ressaltou-se terem sido sopesadas as condições econômicas do recorrente, além do caráter pedagógico e ressocializante da medida, nos termos do art. 99, caput, e seus §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.666/93.
Vejamos como as penas de multa tinham sido dispostas pelo sentenciante:
"Quanto à multa, em se tratando de crime previsto na Lei n.º 8.666/93, deve ser observado o disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2.º:
Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.
Em atenção ao disposto acima e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa de 2% do valor adjudicado pela empresa MAC Engenharia na licitação na qual foi vencedora (CN n.º 428/08). Para a CN n.º 428/08 o valor adjudicado foi de R$ 35.462.971,91, correspondendo a multa a R$ 709.259,43 (setecentos e nove mil duzentos e cinquenta e nove reais e quarenta e três centavos).
Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aumentando o valor da multa na fração de 1/6 (um sexto), arbitro o montante de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos).
O valor deverá ser corrigido monetariamente a partir da data da adjudicação do objeto da Concorrência (14/05/2008) e será revertido em favor da União.
(...)
III.3.3 - Delito do artigo 333, §único, do Código Penal
Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em dois anos e oito meses de reclusão, e a pena de multa fica definitivamente estabelecida em treze vírgula três dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então.
(...)
III.3.3 - Do concurso material
As multas aplicadas também devem ser somadas, resultando em R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e vinte e três vírgula três (23,3) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base.
Vê-se, nos termos do decisório, que a pena de multa do crime licitatório realmente observou os critérios dispostos na lei, levando em conta a situação socioeconômica do réu e o prejuízo causado, já que os valores estão atrelados às licitações na qual sua empresa restou vencedora. Assim, não há como alterar as premissas adotadas pela Corte Regional de que tem o réu condições financeiras para suportar o ônus monetário imposto, sob pena de incursão fático-probatória - Súmula n. 7/STJ. No sentido:
PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8137/90. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE ENTREGA DE DCTF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ABSOLVIÇÃO. RESPONSABILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MAJORANTE DO ART. 12, I, DA LEI N. 8.137/90. INCIDÊNCIA. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. PENA DE MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. As questões acerca da inconstitucionalidade da exigência de entrega de DCTF não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento. Incide ao caso a Súmula n. 282/STF.
2. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação do acusado pelo crime do artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição do acusado, tendo em vista a ausência de prova concreta para a condenação, sendo caso de responsabilidade penal objetiva, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ.
3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação.
4. Quanto ao desvalor da culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.322.083/MT, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023). No presente caso, a intenção do envolvido ao cometer o crime contra a ordem tributária foi apenas a alteração da sua situação fiscal para, com isso, obter certidão negativa de débitos para a sua empresa poder participar de licitação, o que justifica a consideração desfavorável da aludida circunstância.
5. A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade, devendo o julgador pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça.
6. Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência passaram a reconhecer como critérios ideais para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador, ou de 1/6, a incidir sobre a pena mínima (AgRg no HC n. 800.983/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 22/5/2023).
Precedentes.
7. Na hipótese em análise, houve a exasperação da reprimenda inicial em 6 meses, o que representa 1/4 da pena mínima, o que se encontra devidamente fundamentado, estando tal aumento razoável e proporcional, não merecendo reforma.
8. Nos termos da jurisprudência desta Corte, para aplicação da causa especial de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/1990, deve ser considerado o dano no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para tributos federais, aferido diante do seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa (ut, AgRg nos EDcl no REsp n. 1.997.086/PE, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe de 16/6/2023). Na hipótese, perfeitamente aplicada a referida causa de aumento, considerando que o crédito tributário decorrente dos tributos sonegados totalizou R$ 906.080,70 (novecentos e seis mil e oitenta reais e setenta centavos), descontados juros e multa (e-STJ fl. 1374), o que nos leva a crer que, incluídos juros e multa, tal valor ultrapassa R$ 1.000.000,00. Ademais, perquirir se o importe sonegado ensejou grave dano à coletividade implica o necessário revolvimento do conteúdo probatório dos autos, providência que, como cediço, encontra óbice na Súmula n. 7/STJ.
9. Sobre a pena de multa, segundo a Corte originária, o valor unitário do dia-multa (1/4 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos) foi determinado de maneira condizente à situação socioeconômica do réu, tendo consignado que ele se trata de empresário, com defensor constituído. Assim, não há como alterar as premissas adotadas pela Corte Regional de que tem o réu condições financeiras para suportar o ônus monetário imposto, sob pena de incursão fático-probatória - Súmula n. 7/STJ.
10. No tocante à prestação pecuniária, fixada fundamentadamente pelo Tribunal de origem a prestação pecuniária, levando em conta as peculiaridades do caso e a renda mensal declarada pelo réu, o acolhimento do pleito de revisão da proporcionalidade da prestação pecuniária demandaria imprescindível reexame de matéria fático-probatória, inviável em recurso especial, ante o óbice da Súmula n. 7/STJ (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.686.679/PR, Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 13/8/2020) (AgRg no REsp n. 1.862.237/PR, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023.).
11. Salienta-se que é cabível a comprovação de impossibilidade de pagamento da prestação pecuniária perante o Juízo da execução criminal, que poderá até mesmo autorizar o parcelamento do valor de forma a permitir o pagamento pela acusada sem a privação do necessário à sua subsistência. Precedentes" (AgRg no REsp n. 1.866.787/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 5/5/2020) (AgRg no HC n. 764.125/SC, relator Ministro MESSOD AZULAY NETO, Quinta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 2/6/2023.)
12. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.215.868/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, DJe de 1/10/2024.)
Ademais, é viável utilizar como base de cálculo para aplicação da multa o valor total dos contratos em que o réu saiu vitorioso ante a prática do crime licitatório (AgRg no REsp n. 2.040.788/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 25/4/2025).
Já no que toca ao crime de corrupção ativa, foi imposta em 91 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente. Ela deve ser modificada, notadamente em vista do decote da causa de aumento.
Passo ao refazimento da dosimetria.
Pena do delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93 mantida em 3 anos de detenção e 185 dias-multa.
Fica mantido também o reconhecimento da prescrição para o delito de associação criminosa.
Corrupção ativa.
Pena-base: 3 anos de reclusão, a qual torno definitiva em razão da ausência de intercorrências nas demais fases.
A pena de multa segue o critério de proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade. Fixo-a, portanto, em 25 dias-multa.
Concurso de crimes.
Somadas as penas, totaliza-se 6 anos de pena privativa de liberdade - sendo 3 anos de detenção e 3 anos de reclusão - além dos 210 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigente na data dos fatos. Ficam mantidas as demais determinações legais.
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, dou-lhe parcial provimento para reduzir a pena imposta ao recorrente nos termos supramencionados.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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