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Resultados para "PROCEDIMENTO ESPECIAL DOS CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE" – Página 7 de 142
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José Alexandre Ximenes Arag…
OAB/CE 14.456
JOSÉ ALEXANDRE XIMENES ARAGÃO consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 330895828
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0007118-59.2014.4.03.6000
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Advogados:
CAMILA CORREA ANTUNES PEREIRA
OAB/MS XXXXXX
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THAÍS VASCONCELLOS DE SOUZA
OAB/SP XXXXXX
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CRISTIANO MEDINA DA ROCHA
OAB/SP XXXXXX
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CARLOS OLIMPIO DE OLIVEIRA NETO
OAB/MS XXXXXX
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TADEU HENRIQUE OLIVEIRA CAMPOS
OAB/SP XXXXXX
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MARIANNE CARVALHO GARCIA
OAB/MS XXXXXX
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MARCOS IVAN SILVA
OAB/MS XXXXXX
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VINICIUS MACHADO LEMOS FOCHI
OAB/SP XXXXXX
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LUCIE ANTABI
OAB/SP XXXXXX
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DIEGO HENRIQUE
OAB/SP XXXXXX
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MAYRA MALLOFRE RIBEIRO CARRILLO
OAB/SP XXXXXX
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ANDRE GUSTAVO SALES DAMIANI
OAB/SP XXXXXX
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DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
AREsp 2360905/MS (2023/0156723-4)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
O J T
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
AGRAVANTE
:
O S C
ADVOGADOS
:
ANDRE GUSTAVO SALES DAMIANI - SP154782
MAYRA…
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1. Weslley Machado Gomes Bento (Agravante) e outros x 4. Ministério Público Do Estado De São Paulo (Agravado)
ID: 327417415
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 1501784-79.2023.8.26.0050
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Advogados:
AREsp 2940141/SP (2025/0180274-2)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
WESLLEY MACHADO GOMES BENTO
AGRAVANTE
:
GABRIEL VIANA LOURENCO
AGRAVANTE
:
ARMANDO PEREIRA LYRA
ADVOGADO
:
DEFENSO…
AREsp 2940141/SP (2025/0180274-2)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
WESLLEY MACHADO GOMES BENTO
AGRAVANTE
:
GABRIEL VIANA LOURENCO
AGRAVANTE
:
ARMANDO PEREIRA LYRA
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORRÉU
:
JEFERSON DOS SANTOS CARLOS
CORRÉU
:
WEMERSON DA CUNHA DOS SANTOS
CORRÉU
:
NICOLAS GABRIEL CAVALCANTE SUNIGA
CORRÉU
:
PEDRO PHILIPPE LOPES MARONKA
CORRÉU
:
EDJAN CARLOS DA SILVA
DECISÃO
Cuida-se de agravo de ARMANDO PEREIRA LYRA contra decisão proferida no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO que inadmitiu o recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 1501784-79.2023.8.26.0050 .
Consta dos autos que o agravante foi condenado pela prática dos delitos tipificados nos arts. 157, §2º, II e VII, e 158, §§ 1º e 3º e 288, c/c 69, todos do Código Penal às penas de17 anos e 5 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 28 dias multa, calculados em valor unitário mínimo legal (fl. 1378).
Recursos de apelação interpostos pela defesa e acusação foram parcialmente providos para condenar o agravante nas penas do art.288 do CP e reduzir a reprimenda quanto aos demais delitos (fl. 1378). O acórdão ficou assim ementado:
DIREITO PENAL. APELAÇÕES (MP E DEFESA). ROUBO. EXTORSÃO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Apelantes Armando, Edjan, Weslley, Jeferson, Nicolas e Pedro condenados como incursos no art. 157, § 2º, II e V, e art. 158, §§ 1º e 3º, c/c art. 69, caput, todos do CP, por terem subtraído para si, agindo em concurso de agentes e restrição de liberdade do ofendido, bens e valores da vítima M. B., e por terem constrangido a vítima M. B. para obtenção de vantagem econômica. 2. Apelados Armando e Jeferson absolvidos do delito do art. 288 do CP. 3. Apelado Gabriel absolvido dos delitos do art. 157, § 2º, II e V, e art. 158, §§ 1º e 3º, c/c art. 69, caput, todos do CP. 3. Recurso do Ministério Público: (i) condenação de Gabriel pelos delitos que lhe foram imputados, (ii) condenação de Armando e Jeferson também pela prática do crime do art. 288 do CP. 4. Recursos defensivos: (i) nulidade do reconhecimento fotográfico, (ii) absolvição, negando a autoria delitiva, (iii) redução da pena, (iv) reconhecimento da participação de menor importância, (v) reconhecimento de crime único, (vi) reconhecimento do concurso formal ou crime continuado, (vii) redução da fração de aumento pelas causas de aumento, (vii) atipicidade do crime de roubo, (viii) concessão da Justiça gratuita, (ix) abrandamento do regime prisional, (x) concessão do direito de recorrer em liberdade. 5. Os procedimentos de reconhecimentos fotográficos seguiram todas as formalidades previstas em lei, anotando-se, porém, que a eventual inobservância do procedimento previsto no art. 226 do CPP não acarretaria nulidade alguma, pois o reconhecimento foi corroborado pelas demais provas dos autos (RT 838/605). 6. A materialidade e autoria dos crimes foram suficientemente demonstradas pelo conjunto fático- probatório, inclusive em relação à associação criminosa. 7. A palavra da vítima de crimes patrimoniais reveste-se de importante valor probatório, consoante entendimento da jurisprudência pátria (AgRg no AR Esp nº 1.250.627/SC). 8. Os agentes que se utilizaram de atos de violência e ameaças para subtraírem bens e valores pertencentes à vítima e constrangê-la à entrega de suas senhas bancárias praticam os crimes de roubo e extorsão, em concurso material (STJ. AgRg no AR Esp nº 1.930.118/TO). 9. O tempo em que a vítima permaneceu subjugada pelos apelantes e seus comparsas excedeu aquele estritamente necessário à prática do crime, revelando-se juridicamente relevante e, consequentemente, exigindo a incidência da majorante prevista no art. 157, § 2º, V; e da qualificadora prevista no art. 158, § 3º, CP. 10. Não configurado o crime único. 11. Pena e regime prisional fixados com equilíbrio e justiça. Discricionariedade, razoabilidade e proporcionalidade observadas. 12. Elementos do conjunto probatório são suficientes a demonstrar a participação dos apelados Gabriel, Armando e Jeferson nos delitos que lhe foram imputados, impondo suas condenações. 13. A aferição da hipossuficiência econômica do réu e a eventual isenção das custas processuais é matéria que deve ser analisada pelo Juízo das Execuções Criminais. (AgRg no AR Esp 1192968/SP). 14. Concessão do direito de recorrer em liberdade. Prejudicado. 15. Recursos parcialmente providos
Em sede de recurso especial (fls.1421/1444 ), a defesa apontou violação aos arts.226 e 157 do CPP, 157,II e V, §2º e 288 do CP.
Sustentou que a condenação foi embasada em reconhecimento fotográfico viciado, que não observou os artigos de regência, estando dissociado de outras provas a ensejar condenação segura.
Outrossim, o agravante alega a violação ao art.288 do CP, pois o TJ condenou pela conduta de associação criminosa, a despeito da ausência das elementares do crime.
Por fim, alega a desproporcionalidade da exasperação da fração de 3/8 em função das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos II e V do § 2º do artigo 157 do Código Penal.
Requereu a absolvição, ou subsidiariamente, seja aplicada a fração mínima legal para majoração da pena em função das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos II e V do § 2º do artigo 157 do Código Penal
Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (fls.1446/1447 ).
O recurso especial foi inadmitido no TJ em razão de: a) óbice da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça (fls.1464/1466 ).
Em agravo em recurso especial, a defesa impugnou os referidos óbices (fls.1473/1482 ).
Contraminuta do Ministério Público (fls.1486/1489).
Os autos vieram a esta Corte, sendo protocolados e distribuídos. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls.).
É o relatório.
Decido.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo em recurso especial, passo à análise do recurso especial.
Sobre a alegada violação ao art.226 do CPP, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO manteve a condenação do agravante, afastando a nulidade quanto ao reconhecimento realizado nos seguintes termos do voto do relator:
"Ao contrário do argumentado pelas Defesas, os procedimentos de reconhecimentos fotográficos observaram todas as formalidades previstas em lei, já que a vítima Marcel, como é possível se verificar em autos próprios (fls. 15, 18, 21, 24, 27, 30, 32, 36), não só descreveu os sinais característicos dos participantes, mas, também, a participação de cada qual no cenário fático.
[...]
A vítima Marcel Belin (fls. 8/11, 39/40 e 641/642) declarou, na fase policial, ter se interessado por um perfil feminino, de nome “Nicole”, na rede social Inner Circle e, depois de conversas por WhattsApp, por intermédio de mensagem de áudio, foi agendado um encontro e, na data e local marcados, aguardava por “Nicole”, quando foi abordado por dois indivíduos que ocupavam um veículo Peugeot 206, o qual soube, posteriormente, ser de propriedade de uma vítima de sequestro relâmpago, identificada como Nelson, que teria, inclusive, permanecido no mesmo cativeiro.
Descreveu os desconhecidos indivíduos como: um negro, alto, que usava boné preto, aparentando 24 anos de idade e outro, o motorista, jovem, negro de estatura mediana. Foi rendido pelo indivíduo que ocupava o banco do passageiro do referido Peugeot, o qual empunhava um revólver, sendo por ele conduzido para o banco traseiro do carro, onde também permaneceu em sua contenção, enquanto o motorista seguia para o cativeiro.
No percurso, os indivíduos apossaram-se de seu aparelho celular, um “I Phone 13 Pro”, sendo obrigado a desbloqueá-lo, para a desativação da função “localização”. Depois de cerca de dez minutos chegaram ao cativeiro, tratando-se de uma casa de alvenaria, com dois cômodos, sem acabamento. Ali foi revistado por um dos indivíduos, que se apossou de seus cartões bancários e aparelho celular.
Sob grave ameaça e com o emprego de arma de fogo, os indivíduos exigiram que fornecesse suas senhas de acesso aos aplicativos bancários existentes em seu aparelho celular, assim como as do cartão de crédito e débito, visando realizar transações indevidas. Eles exigiam, ainda, as senhas de desbloqueio do seu aparelho celular e a do iCloud para que pudessem formatar o “iPhone”, atendendo a todas as exigências, pois temia por sua integridade física
No cativeiro, observou a presença de outros dois indivíduos que realizavam a vigilância e auxiliavam os demais, sendo estes também jovens e magros, um negro e o outro de pele mais clara. Foi determinado, ainda, que permanecesse sempre com a cabeça abaixada, tendo observado que eles se tratavam por nomes e apelidos, como “Daniel”, “Bigode”, “Bonito” e “Peixe”, não sabendo informar quais o arrebataram ou quais estavam no cativeiro.
Permaneceu ao lado da outra vítima, Nelson, proprietário Peugeot utilizado quando de seu arrebatamento. Algumas horas depois, os indivíduos chegaram ao cativeiro com outra vítima do sexo masculino, desta feita, Odilon. Foram realizadas transações bancárias indevidas, a saber(...)
[...]
Permaneceu por várias horas em poder dos ladrões, sendo libertado por volta das 12h00 do dia seguinte, ou seja, 29 de julho de 2022, juntamente com as outras duas vítimas, quando foram conduzidos no veículo Toyota/Corola, preto, de propriedade de Odilon, tendo observado que o motorista e passageiro que ocupava o banco da frente aparentavam ter cerca de quarenta anos e cabelos grisalhos, e o indivíduo que permanecera no banco traseiro, aparentava ter cerca de vinte anos de idade, magro e negro
Posteriormente, assistiu a uma reportagem relacionada a sequestros relâmpagos, ocasião em que reconheceu nas imagens o imóvel onde foi mantido em cativeiro.
Em Juízo, Marcel reconheceu Nicolas, Pedro, Gabriel, Armando, Edjan e Jeferson, demonstrando dúvidas acerca do reconhecimento de Gabriel em fase extrajudicial, esclarecendo não ter sido induzido ao reconhecimento de ninguém de forma indevida, afirmando que a reportagem exibiu apenas o cativeiro, não tendo visto as fotografias dos envolvidos. Na fase investigatória, Wemerson e Edjan eram foragidos.
Ao longo da instrução do processo nº 1538118-49.2022.8.26.0050 foi ouvido Odilon de Sousa Piropo Sobrinho, também vítima de caso análogo ao ora apurado, tendo declarado que, por intermédio do aplicativo de relacionamentos denominado “Inner” passou a manter contato com o perfil feminino “Rafaella Mendes”, resultando em agendamento de um encontro, em data, horário e local por ela determinados. Quando dos fatos, no local combinado, não encontrou “Rafaela” e, saindo dali, foi por ela contatado, informando que o aguardava no portão do condomínio, para onde retornou, ocasião em que foi rendido por quatro indivíduos
[...]
Reconheceu o cativeiro e os autores na televisão. Na Delegacia, realizou o reconhecimento fotográfico por intermédio de álbuns aleatórios, tendo conseguido individualizar a conduta de cada um dos reconhecidos. As outras vítimas não tinham as cabeças cobertas, de modo que acredita que também teriam condições de visualizar os criminosos e reconhecê-los, pois permaneceram num espaço pequeno e bem iluminado. Reconheceu, nestes autos, Nicolas, Weslley, Armando e Edjan, confirmando a presença do primeiro desde seu arrebatamento até o cativeiro. Especificou Weslley no cativeiro.
[...]
A análise dos depoimentos colhidos conduz à conclusão de que os apelantes/apelados realmente praticaram todos os crimes que lhes foram imputados na denúncia, notadamente o de associação criminosa, não havendo cogitar-se de fragilidade probatória, o que impede a aplicação do princípio in dubio pro reo, como requerido pelas Defesas de Jeferson, Nicolas, Edjan e Pedro.
[...]
As negativas de autoria apresentada pelos apelantes/apelados demonstraram-se extremamente genéricas, não merecendo prosperar diante do robusto conjunto probatório reunido em seu desfavor.
Com efeito, verifica-se dos autos que o ofendido apresentou a descrição do cenário fático, afirmando que, acreditando que conheceria pessoalmente pessoa com quem se comunicava por aplicativo da rede social, encaminhou- se ao local combinado e ali foi surpreendido, rendido e mantido sob o poder de indivíduos que o conduziram a um imóvel, utilizado como cativeiro, onde foi mantido sob a vigilância de diversos outros, além daqueles que o arrebataram.
Sob grave ameaça foi forçado a entregar seus bens e senhas, possibilitando a realização de transações bancárias e desbloqueio de seu aparelho celular.
Certo é que o grupo criminoso, agindo com modus operandi semelhante, manteve duas outras vítimas no mesmo cativeiro e, de igual forma, delas subtraíram valores e bens, inclusive veículos. Somente no dia seguinte é que as vítimas foram embarcadas em um dos automóveis dos quais desfrutavam o ilícito domínio, abandonando-as em via pública da Capital Paulista. Anote-se que a palavra de vítimas de crimes patrimoniais é dotada de importante valor probatório para a busca da verdade real. No caso dos autos, não se verifica desarmonia entre os depoimentos do ofendido Marcel com os demais elementos de provas produzidos.
[...]
Como bem apontado na r. sentença de primeiro grau, a vítima, de forma séria, consciente e boa-fé, reconheceu as pessoas que lhe foram apresentadas como aquelas que efetivamente participaramde sua rendição e manutenção em cárcere até sua libertação, tendo apresentado descrições de suas características e pormenores das funções desempenhadas quando do episódio, sendo afirmado pelo reconhecedor não haver dúvidas quanto as responsabilidades penais dos indicados, não se vislumbrando defeitos ou precariedades.
[...]
A despeito das argumentações das Defesas de Nicolas e de Edjan, o crime de roubo qualificado restou suficientemente configurado, tratando-se, na realidade, de conduta típica, tanto formal, quanto material, uma vez que Marcel não hesitou em afirmar ter sido arrebatado por dois indivíduos e, em cativeiro, já com sua liberdade cerceada, viu-se mantido sob a vigilância de diversas outras pessoas, de forma que, indiscutivelmente, a superioridade numérica de agentes impossibilitava qualquer reação defensiva.
A sentença, por sua vez, trouxe a seguinte fundamentação:
"Quanto à arguição de nulidade dos reconhecimentos, formuladas em alegações finais pelos defensores, verifica-se que de modo algum houve induzimento para que a vítima apontasse aqueles que foram exibidos inicialmente em delegacia mediante análise aleatória de álbuns fotográficos e também dispostos pessoalmente em delegacia juntamente com outros, pois, conforme acima relatado, a reportagem que levou a vítima a procurar a delegacia, até então não mostrava imagens dos suspeitos, e desde então, a autoridade policial que presidiu a investigação observou criteriosamente as formalidades previstas nos artigos 226 do Código de Processo Penal, o que foi reiteradamente respondido pela vítima em audiência, com a confirmação da exibição de várias pessoas além dos suspeitos, sendo em seguida detalhada a conduta de cada um, sempre demonstrando a vítima sua plena convicção.
Prosseguindo para audiência, os reconhecimentos pessoais foram confirmados, e de acordo com recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o procedimento para reconhecimento pessoal previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal remete-se à fase extrajudicial, não vincula a instrução processual, sendo meramente recomendável, a depender da análise pontual em cada situação concreta".
Extrai-se dos trechos acima que as instâncias ordinárias afastaram a alegada nulidade quanto ao reconhecimento realizado pela vítima, diante da observância do disposto no art.226 do CPP.
De acordo com o depoimento da vítima Marcel, no bojo do inquérito e devidamente ratificado por ocasião da audiência de instrução e julgamento, no dia dos fatos, após marcar um encontro com uma mulher ne nome Nicole que conhecera em um site de relacionamento, foi até o endereço fornecido por ela.no local.
Ao chegar no local e na espera da pessoa, veio até sua direção um veículo “Peugeot 206”, de cor cinza, ocupado por dois indivíduos (o motorista e carona, que estava ao seu lado, no banco da frente). Segundo relato da vítima, o carona desceu do carro portando uma arma, tipo revólver, o rendeu e ordenou que sentasse no banco traseiro do veículo. A vítima descreveu que a pessoa que o rendeu era negro, alto, magro e usava um boné preto, aparentando 24 anos de idade. Já o motorista era jovem, negro de estatura mediana.
Marcel, prosseguiu com seu relato a respeito da dinâmica delitiva asseverando que durante o percurso até o cativeiro, os dois indivíduos ordenaram que seu aparelho celular fosse desbloqueado, desativando a função de localização. Ao chegar ao cativeiro, outros indivíduos o revistaram e subtraíram seus demais pertences, entre os quais cartões bancários, mediante o emprego de arma de fogo.
No local feito de cativeiro, havia outra vítima de crime idêntico ( que depois veio a saber tratar-se do proprietário do veículo Pegeaut), além de mais dois outros criminosos responsáveis pela vigilância e auxilio na empreitada criminosa. Descreveu suas fisionomias, sendo ambos jovens, um deles negro e outro de pele mais clara.
Os criminosos mandavam que a vítima ficasse sempre de cabeça baixa, porém a vítima ouvia que eles se tratavam, no interior do cativeiro, por nomes e apelidos de "DANIEL, BIGODE, BONITO e PEIXE", não sabendo a vítima identificar qual deles foram os que lhe arrebataram ou quais estavam no cativeiro.
Poucas horas depois, os criminosos chegaram trazendo outra vítima (Odilon de Souza, testemunha também ouvida em juízo)
Prosseguiu narrando ter ficado sob o poder do grupo criminoso por várias horas, sendo libertado por volta do meio-dia do dia seguinte, juntamente com as outras duas vítimas. Durante a libertação, os criminosos conduziram as vítimas em um Corola preto (pertencente à vítima Odilon) até o local em que foram deixados.
Quanto ao reconhecimento, a vítima narrou que, dias após o crime, através de notícia divulgada pela imprensa, soube da prisão de várias pessoas em razão de crime de "sequestro relâmpago" de uma das vítimas que estavam com ela no mesmo local. Por identificar o local mostrado durante a reportagem, a vítima foi até a Delegacia e lá, em primeiro momento realizou o reconhecimento fotográfico.
Importante observar, neste ponto que, conforme destacado pelo acórdão recorrido, o reconhecimento fotográfico foi feito em observância ao art.226 do CPP, aplicado por analogia.
Nada obstante, a vítima, por conta das prisões de alguns dos criminosos, logrou êxito em reconhecer pessoalmente o agravante Armando e seu comparsa Weslley.
Novamente, as instâncias ordinárias confirmaram que o reconhecimento se deu mediante o cumprimento da norma prevista no art.226 do CPP, pois, a vítima, após descrever as características físicas da pessoa a ser reconhecida, apontou o respectivo suspeito, entre outras pessoas semelhantes.
O reconhecimento, ademais, foi ratificado judicialmente não só pela vítima, como pela testemunha também vítima em outro processo e que estava no mesmo local do sequestro.
Observe-se que a Terceira Seção, em recente decisão por ocasião do julgamento do REsp 1953602/SP, em sede de procedimento de recursos repetitivos, delimitando a controvérsia quanto ao alcance da norma do art.226 do CPP, firmou a Tese seguinte (Tema 1258)
"1 - As regras postas no art. 226 do CPP são de observância obrigatória tanto em sede inquisitorial quanto em juízo, sob pena de invalidade da prova destinada a demonstrar a autoria delitiva, em alinhamento com as normas do Conselho Nacional de Justiça sobre o tema. O reconhecimento fotográfico e/ou pessoal inválido não poderá servir de lastro nem a condenação nem a decisões que exijam menor rigor quanto ao standard probatório, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia ou a pronúncia.
2 - Deverão ser alinhadas pessoas semelhantes ao lado do suspeito para a realização do reconhecimento pessoal. Ainda que a regra do inciso II do art. 226 do CPP admita a mitigação da semelhança entre os suspeitos alinhados quando, justificadamente, não puderem ser encontradas pessoas com o mesmo fenótipo, eventual discrepância acentuada entre as pessoas comparadas poderá esvaziar a confiabilidade probatória do reconhecimento feito nessas condições.
3 - O reconhecimento de pessoas é prova irrepetível, na medida em que um reconhecimento inicialmente falho ou viciado tem o potencial de contaminar a memória do reconhecedor, esvaziando de certeza o procedimento realizado posteriormente com o intuito de demonstrar a autoria delitiva, ainda que o novo procedimento atenda os ditames do art. 226 do CPP.
4 - Poderá o magistrado se convencer da autoria delitiva a partir do exame de provas ou evidências independentes que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento.
5 - Mesmo o reconhecimento pessoal válido deve guardar congruência com as demais provas existentes nos autos.
6 - Desnecessário realizar o procedimento formal de reconhecimento de pessoas, previsto no art. 226 do CPP, quando não se tratar de apontamento de indivíduo desconhecido com base na memória visual de suas características físicas percebidas no momento do crime, mas, sim, de mera identificação de pessoa que o depoente já conhecia anteriormente".
Do que se depreende do caso em análise e tese fixada pela Corte, inexiste a nulidade apontada pelo agravante quanto ao reconhecimento fotográfico e pessoal.
Conforme sublinhado pelo acórdão, a vítima procedeu ao reconhecimento fotográfico a partir das descrições das características físicas a foto colocada ao lado de outras pessoas semelhantes.
Outrossim, o mesmo procedimento se deu quando do reconhecimento pessoal pela Autoridade Policial
Ademais, a vítima, não só reconheceu o agravante e seu comparsa como individualizou as respectivas condutas durante a empreitada criminosa. Pontuou a sentença que o ofendido reconheceu o agravante, "tendo apresentado descrições de suas características e pormenores das funções desempenhadas quando do episódio, sendo afirmado pelo reconhecedor não haver dúvidas quanto as responsabilidades penais dos indicados, não se vislumbrando defeitos ou precariedades" (fl. 1392)
No mais, para desconstituir o entendimento das instâncias ordinárias, tal como pretendido pelo recorrente, seria necessária a incursão no acervo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via eleita a rigor da Súmula n. 7 do STJ.
No mesmo sentido, citam-se precedentes (grifos nossos):
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE. RECONHECIMENTO PESSOAL. AUTORIA CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS INDEPENDENTES. DOSIMETRIA DA PENA. FRAÇÃO MÍNIMA DECORRENTE DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. MOTIVAÇÃO ADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência pacífica desta Corte estabelece que a nulidade do reconhecimento pessoal não implica absolvição se houver outras provas independentes que comprovem a autoria e a materialidade do delito, como na presente situação.
2. No caso, as instâncias de origem reconheceram a nulidade decorrente da inobservância das formalidades estabelecidas no art. 226 do CPP, na fase investigativa, ponderando, no entanto, a existência de outras provas autônomas para respaldar a condenação, em especial o fato de que "os réus foram presos em flagrante, no mesmo modelo e cor de carro indicado pelas vítimas como utilizado pelos roubadores, portando simulacro de arma de fogo e de posse dos bens subtraídos das vítimas", além da confissão judicial dos outros 2 corréus.
3. Assim, o pleito de absolvição demandaria imprescindível reexame dos elementos fático-probatórios constantes dos autos, o que é defeso em recurso especial, em virtude do que preceitua a Súmula n. 7 desta Corte.
[...]
6. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no AREsp n. 2.803.566/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 28/3/2025.)
"DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ROUBO MAJORADO. DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS CORROBORADOS PELOS DOS POLICIAIS. SÚMULA N. 7 DO STJ. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO E PERÍCIA DA ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE CUMULAÇÃO DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que manteve o acórdão que confirmou a condenação do agravante pela prática do delito do art. 157, § 2º, I e II, do CP.
2. A decisão agravada afastou os pedidos de absolvição por insuficiência de provas e de desclassificação delitiva, aplicando a Súmula n. 7 do STJ, e rejeitou as alegações de necessidade de apreensão e perícia da arma de fogo para aplicação da majorante e de cumulatividade indevida entre causas de aumento de pena.
[...]
5. Embora o reconhecimento pessoal do agravante possa ter se dado em delegacia e mediante análise fotográfica, tal fato não acarreta em nulidade processual para ensejar sua absolvição do acusado, pois a condenação está embasada em outras provas independentes, especialmente nos depoimentos judiciais das vítimas, foram pormenorizados e harmônicos entre si, com destaque para o celular de uma vítima ter sido encontrado na residência do agravante, o qual já vinha fazendo uso pessoal do referido aparelho.
[...]
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.517.258/RN, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 26/3/2025.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DO ART. 226 DO CPP. AUTORIA DELITIVA CORROBORADA POR OUTRA OUTRAS PROVAS COLHIDAS EM JUÍZO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Sexta Turma desta Corte, no julgamento do HC n. 712.781/RJ, avançando em relação à compreensão anteriormente externada no HC n. 598.886/SC, decidiu, à unanimidade, que "mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica" (AgRg no HC n. 676.375/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 2/5/2024).
2. É possível que o julgador, destinatário das provas, convença-se da autoria delitiva a partir de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato do reconhecimento falho, porquanto, sem prejuízo da nova orientação, não se pode olvidar que vigora no nosso sistema probatório o princípio do livre convencimento motivado.
3. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "diante da existência de outros elementos de prova, acerca da autoria do delito, não é possível declarar a ilicitude de todo o conjunto probatório, devendo o magistrado de origem analisar o nexo de causalidade e eventual existência de fonte independente, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal" (HC 588.135/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 8/9/2020, DJe de 14/9/2020).
4. Na hipótese dos autos, a autoria delitiva não teve como único elemento de prova o reconhecimento fotográfico feito pela vítima na delegacia, o qual foi ratificado em juízo, mas também os depoimentos do ofendido e das testemunhas policiais.
5. É firme a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a palavra da vítima tem especial valor probatório, especialmente quando descreve, com firmeza e riqueza de detalhes, o fato delituoso" (AgRg no HC n. 771.598/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Sexta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 21/9/2023).
6. Ainda, "a palavra dos policiais, conforme entendimento jurisprudencial, é apta a alicerçar o decreto condenatório, mormente diante da inexistência de elementos concretos que ponham em dúvida as declarações, em cotejo com os demais elementos de prova" (AgRg no AREsp n. 2.482.572/PI, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 19/8/2024).
7. A modificação da conclusão da Corte Estadual, soberana para a análise dos fatos e das provas, pela existência de elementos probatórios idôneos e suficientes acerca da autoria delitiva, como requer a defesa, demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado na via estreita do recurso especial, pelo óbice da Súmula n. 7 do STJ. Precedentes.
8. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp n. 2.720.537/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 19/2/2025.)
Quanto a violação ao art.288 do CP, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO condenou o agravante nos seguintes termos do voto do relator:
"Passo, então, à análise do recurso interposto pelo Ministério Público.
[...]
No que se refere ao crime de associação criminosa, assiste razão ao Ministério Público, pois possível verificar dos autos que os crimes praticados pelo grupo criminoso do qual Armando e Jeferson eram integrantes, em desfavor da vítima Marcel, não se tratou de ações avulsas nem mero concurso de pessoas, mas, considerando todos os fatos apurados, possível concluir-se que todos estavam mancomunados, eram organizados e com disposição para atuações ilícitas diversas, de forma que tais circunstâncias bem configuram habitualidade e estabilidade. Certo é que, como bem apontado pelo Procurador de Justiça, Dr. Vilson Baumgartner, somente os apelados Armando e Jeferson figuraram como denunciados neste processo em razão dos demais já terem sido elencados nos autos nº 1538118-49.2022.8.26.0050, que tratava de crime análogo ao ora apurado, praticado contra a vítima Odilon, com o mesmo modus operandi, devendo ser eles condenados também pelo crime previsto no artigo 288 do Código Penal, pois claramente associados para o fim específico de cometer delitos diversos. Importante frisar o fato de ter sido afastado, pela r. sentença de primeiro grau, o emprego de arma de fogo, não havendo insurgência da Acusação.
Diante de todo o exposto, impõe-se a condenação dos apelados Armando e Jeferson como incursos no artigo 288, do Código Penal, conforme requerido pelo Ministério Público" (fls.1406/1408).
Extrai-se do trecho acima que o Tribunal a quo, através dos elementos de prova coligidos em juízo, concluiu pela tipicidade da conduta praticada e, consequentemente, diante da ausência de causas excludentes de ilicitude, condenou o agravante pelo delito de associação criminosa.
De acordo com a fundamentação do acórdão, a partir das provas carreadas aos autos, os crimes praticados pelo grupo criminoso cujo agravante integrava, foram conjuntamente delineados e praticados em similitude. consoante entendimento exposto na decisão recorrida, ficou evidenciado o conluio e disposição conjunta para a prática delitiva a confirmar a habitualidade e estabilidade.
O Tribunal a quo, dentro do livre convencimento motivado, entendeu pela existência de elementos probatórios suficientes para a condenação do agravante e, para se concluir de modo diverso, tal como pretendido pelo agravante, seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Colacionam-se precedentes no mesmo sentido (grifos nossos):
"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. ABSOLVIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE. VERIFICAÇÃO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
[...]
4. A condenação pelo crime de associação criminosa é mantida com base na análise das provas coligidas, incluindo depoimentos das vítimas e policiais, corroborados por imagens de câmeras de segurança, que demonstram a atuação coordenada, estável e permanente entre os réus para a prática de crimes patrimoniais, configurando o animus associativo exigido pelo tipo penal do art. 288 do Código Penal.
5. O pleito de reconhecimento da continuidade delitiva entre os roubos foi rejeitado pelas instâncias ordinárias com base na teoria mista (objetivo-subjetiva), ao considerar que, embora os crimes sejam da mesma espécie e apresentem semelhanças de tempo, lugar e modo de execução, não há unidade de desígnios ou plano preconcebido que unifique as condutas, caracterizando-se reiteração criminosa.
6. A análise das pretensões recursais demanda reexame de matéria fática, o que é vedado no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
7. Prejudicada a análise do pedido de alteração do regime prisional, em razão da manutenção da condenação e da não aplicação do instituto da continuidade delitiva.
IV. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO".
(REsp n. 2.113.713/PR, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FURTO QUALIFICADO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO NO DELITO DO ART. 288, CAPUT, DO CP. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO DO FURTO MEDIANTE FRAUDE PARA ESTELIONATO. AUSÊNCIA DE VONTADE DE DESPOJAMENTO DO BEM. SÚMULA 7/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. INAPLICABILIDADE. HABITUALIDADE E REITERAÇÃO EM CRIMES PATRIMONIAIS. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A prolação de decisão monocrática está autorizada pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, bem como pelo Código de Processo Civil, em seu art. 932. Além disso, a decisão sempre poderá ser levada a julgamento do Colegiado, por meio da interposição de agravo regimental, o que afasta qualquer vício suscitado pelo agravante.
2. É firme o entendimento desta Corte Superior de que, para caracterização do delito do art. 288, caput, do Código Penal, é necessário, além da reunião de três ou mais pessoas, que haja um vínculo associativo estável e permanente para a prática de crimes.
No caso, o Tribunal de origem, com base em extenso acervo fático-probatório, demonstrou o vínculo associativo entre os agentes para cometer crimes patrimoniais, de forma que desconstituir esse entendimento demandaria ampla incursão nos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
3. A Corte de origem concluiu que as vítimas não tinham intenção de se despojarem definitivamente de seus bens, pois acreditavam que seus cartões seriam devolvidos às esferas de seus patrimônios.
Destarte, ocorreu uma efetiva subtração, estando configurado o furto mediante fraude. Reformar a conclusão alcançada pela instância ordinária demandaria necessário revolvimento fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
4. A posição adotada pelo Tribunal a quo se coaduna com a pacífica jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido de que a habitualidade e a reiteração delitivas impedem o reconhecimento do crime continuado.
5. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no AREsp n. 2.429.606/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 26/8/2024.)
Quanto a violação ao parágrafo segundo do artigo 157 do CP, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO manteve a fração de 3/8 para a causa especial de aumento de pena nos seguintes termos do voto do relator:
"Na derradeira fase da dosimetria penal, o MM. Juiz acertadamente exasperou as penas em fração de 3/8 (três oitavos), em observância à incidência cumulativa de duas causas de aumento de pena, correspondentes ao concurso de agentes e restrição de liberdade da vítima(...)
[..]
Importante mencionar que a jurisprudência deste Tribunal é pacífica em admitir a necessidade de se verificar um cálculo de progressão de aumento de pena, decorrente do número de causas de aumento que incidirem no fato em julgamento.
[..]
Com isso, procura-se evitar que situações semelhantes sejam tratadas de maneira desigual, uma vez que as causas de aumento de pena possuem natureza objetiva. Caso contrário, ao se permitir, nesta fase, uma análise subjetiva das causas de aumento de pena, correr-se-ia o risco de considerar novamente fatores que, possivelmente, já foram utilizados, como fundamento para a elevação da pena-base" ( fl.1399).
A sentença, em igual sentido, trouxe a seguinte fundamentação
"Para o crime de roubo, o concurso de duas ou mais pessoas na execução do crime de roubo, dada a maior periculosidade dos agentes que praticam crime previamente articulados, dificultando a defesa da vítima, bem como, para a restrição de liberdade da vítima, que aumenta o tempo de exposição das vítima e consequentemente revela maior gravidade da conduta.
A multiplicidade de causas de aumento revela maior periculosidade do agente, maior risco as vítimas e maior dificuldade no exercício da eventual defesa, sendo inadmissível fixação de pena mínima como postulado pela defesa, impondo-se a majoração da pena em função das duas causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos II e V do § 2º do Código Penal, com acréscimo de 3/8.
Conforme jurisprudência majoritária: “Em face da Lei 9426/96, que acrescentou uma causa de aumento ao dispositivo, que hoje descreve cinco circunstâncias, recomenda-se alteração do sistema de aplicação da pena, dividindo-se o acréscimo de 1/3 até a metade por cinco, sob a ótica progressiva: uma circunstância, 1/3; duas, 3/8; três, 5/12; quatro, 7/16, reservando-se o acréscimo de ½ se presentes as cinco causas especiais de aumento” - TA CrimSP, 14ª. C Crim., Apelação nº 1.175.749, Rel. Juiz França Carvalho, j.07/12/1999, RJTA CrimSP, 46.237)" (fls.948/949).
Denota-se do trecho acima que o TJ manteve a fração encontrada pelo juízo sentenciante, diante da configuração de duas causas de aumento, a saber, concurso de agentes e restrição de liberdade da vítima, confirmando a proporcionalidade na fixação de percentual de acordo com o número de causas de aumento previstas no dispositivo.
Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência desta Corte, pois o número de agentes, quando superior ao mínimo para a configuração do concurso de agentes, além da longa duração da restrição da liberdade da vítima, servem como fundamento apto a manter a incidência cumulativa das causas de aumento referentes à comparsaria e à restrição da liberdade da vítima. No mesmo sentido, citam-se precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTOS CONCRETOS. QUANTUM PROPORCIONAL. CONSTR ANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 157, §2º-A, INCISO I, DO CP. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO E PERÍCIA DA ARMA DE FOGO. OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. CÚMULO DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. PLEITO DE APLICAÇÃO APENAS DA MAJORANTE DE MAIOR VALOR. IMPROCEDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO CORRETA DO ART. 68, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS DUAS CAUSAS DE AUMENTO, MEDIANTE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena, quando não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e houver flagrante ilegalidade.
III - As instâncias ordinárias, no cálculo da pena-base, aferiram negativamente a premeditação do delito pelo agravante, o que denota conduta mais censurável e autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal, consoante jurisprudência firmada nesta Corte.
IV - O entendimento do STJ é no sentido de que o art. 68, parágrafo único, do CP não exige que o juiz aplique uma única causa de aumento referente à parte especial do CP quando estiver diante de concurso de majorantes, devendo sempre justificar a escolha da fração imposta.
V - No caso, as instâncias antecedentes apresentaram fundamentos concretos para corretamente aplicar sucessiva e cumulativamente as frações de aumento de 2/5 (concurso de agentes e da restrição de liberdade da vítima) e de 2/3 (emprego de arma de fogo), considerando a elevada gravidade do delito, praticado com multiplicidade de agentes (ao menos 6 indivíduos), emprego de arma de fogo e a restrição de liberdade da vítima - que ocorreu durante extenso lapso de tempo (cerca de 4 a 5 horas) e em diversos locais, chegando a ser colocada em outro veículo e até mesmo levada a um cativeiro empreitada criminosa complexa, envolvendo grande número de agentes e diversos meios visando a concretizar a restrição da liberdade da vítima (outro veículo, além de um local para cativeiro) enquanto se buscava assegurar o destino do caminhão roubado.
Agravo regimental desprovido".
(AgRg no HC n. 731.544/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 2/3/2023.)
"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ROUBO TRIPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO. CÚMULO DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 68 DO CP NÃO CARACTERIZADA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência da Supremo Tribunal Federal e desta Corte é no sentido de que o art. 68, parágrafo único, do Código Penal, não exige que o juiz aplique uma única causa de aumento referente à parte especial do Código Penal, quando estiver diante de concurso de majorantes, mas que sempre justifique a escolha da fração imposta.
2. No caso, o Magistrado processante apresentou fundamento concreto para a adoção das frações de aumento de forma cumulada, destacando que o crime foi praticado com a participação de quatro agentes.
3. O número agentes, quando superior ao mínimo para a configuração do concurso de agentes, assim como a longa duração da restrição da liberdade da vítima, servem como fundamento para que o aumento da pena se dê em fração superior à mínima prevista na lei, sendo, portanto, fundamento apto a manter a incidência cumulativa das causas de aumento referentes à comparsaria, ao emprego de arma de fogo e à restrição da liberdade da vítima. Nesse contexto, não resta evidenciada flagrante ilegalidade na aplicação cumulativa das causas de aumento previstas no art. 157, § 2º, II eV, e § 2º-A, I, do Código Penal.
4. Agravo regimental desprovido".
(AgRg nos EDcl no HC n. 618.507/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 26/2/2021.)
Ante o exposto, conheço do agravo para conhecer do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, negar-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. J W (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado De São Paulo (Recorrido)
ID: 332686749
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ORDINáRIO EM HABEAS CORPUS
Nº Processo: 2143182-73.2024.8.26.0000
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IVAN GAIOLLI BERTI JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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JOÃO MARCOS VILELA LEITE
OAB/SP XXXXXX
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RHC 210555/SP (2025/0023088-2)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE
:
J W
ADVOGADOS
:
JOÃO MARCOS VILELA LEITE - SP374125
IVAN GAIOLLI BERTI JUNIOR - SP384169
RECORRIDO
:
MINISTÉR…
RHC 210555/SP (2025/0023088-2)
RELATOR
:
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE
:
J W
ADVOGADOS
:
JOÃO MARCOS VILELA LEITE - SP374125
IVAN GAIOLLI BERTI JUNIOR - SP384169
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
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DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por J. W. contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que denegou a ordem postulada no HC n. 2143182-73.2024.8.26.0000 (e-STJ fls. 618/629).
Consta dos autos que, em decorrência da Operação Nian, o recorrente foi denunciado como incurso nos arts. 1º, § 1º, e 2º, caput e § 2º, da Lei n. 12.850/2013 e 1º, §§ 1º, II, e 4º, da Lei n. 9.613/1998.
A denúncia foi recebida em 14/12/2024, nos autos da Ação Penal n. 1017167-57.2023.8.26.0050, pelo Juízo de Direito da 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital/SP.
Em suas razões (e-STJ fls. 634/662), a defesa sustenta a nulidade de todos os atos investigatórios realizados na Operação Nian, em razão da ausência de atribuição do Departamento de Polícia Federal para a investigação.
Afirma que não haveria indícios de atuação de suposta associação criminosa em mais de um estado da Federação, o que autorizaria a atuação da Polícia Federal, nos termos do art. 1º da Lei n. 10.446/2002.
Alega que a notícia-crime que ensejou a deflagração do procedimento investigatório teria deixado claro que as supostas operações financeiras fraudulentas teriam ocorrido a partir de clientes correntistas situados no Brás, região central da cidade de São Paulo/SP.
Argumenta que, à luz dos arts. 144, § 1º, IV, da Constituição Federal, 2º, I, da Lei n. 12.830/2013 e 1º, IV, da Lei n. 10.446/2002, seria ilegal a investigação de crimes comuns estaduais pela Polícia Federal.
Enfatiza que os delitos indicados como antecedentes ao de lavagem de capitais imputado ao recorrente não estariam previstos no rol do art. 1º da Lei n. 10.446/2002.
Requer, liminarmente, o sobrestamento da Ação Penal n. 1017167- 57.2023.8.26.0050 e, no mérito, pugna pelo provimento do recurso para que seja declarada a nulidade ab initio da Operação Nian, trancando-se o referido processo, assim como o Inquérito Policial n. 2023.0036626 e todos os procedimentos criminais conexos.
Em 31/1/2025, o pedido liminar foi indeferido pela Presidência desta Corte Superior (e-STJ fls. 848/849).
As informações foram prestadas pelo Juízo de primeiro grau (e-STJ fls. 857/862), segundo o qual, ao menos até o dia 14/2/2025, o feito aguarda a citação dos réus e a apresentação de respostas à acusação pelas defesas.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso ordinário, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 864):
Recurso em habeas corpus. Estelionato (fraude eletrônica), lavagem de capitais e organização criminosa. Alegação de incompetência da justiça estadual e ausência de atribuição da polícia federal. Não ocorrência. Investigação inicialmente conduzida pela polícia federal. Posterior declínio de competência para a justiça estadual. Possibilidade de aproveitamento dos atos investigatórios. Ausência de prejuízo. Questões não debatidas na origem. Supressão de instância. Precedentes do STJ. Parecer pelo não provimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Busca-se, no presente recurso ordinário, o trancamento da Ação Penal n. 1017167-57.2023.8.26.0050, do Inquérito Policial n. 2023.0036626 e de todos os procedimentos criminais conexos, bem como a declaração de nulidade das investigações ou, subsidiariamente, a remessa dos autos à Polícia Civil de São Paulo, sob o argumento de nulidade das investigações conduzidas pela Polícia Federal (DELEPAT - SRSP - DFP), por ausência de atribuição, e da incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito.
Como é de conhecimento, o encerramento prematuro da ação penal é medida excepcional, admitido apenas quando ficar demonstrada, de forma inequívoca e sem necessidade de incursão no acervo probatório, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, ou a existência de causa extintiva da punibilidade.
Nesse viés, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014).
Rememorando o caso dos autos, verifica-se que o recorrente foi denunciado, juntamente com outros corréus, pela suposta prática dos crimes de estelionato (fraude eletrônica), lavagem de capitais e organização criminosa, em razão de fatos apurados na denominada Operação Nian, compreendida, hoje, na Ação Penal n. 1017167- 57.2023.8.26.0050, tendo como investigados pessoas possivelmente vinculadas à Máfia Chinesa.
Por sua vez, a Corte local, no julgamento do writ originário, não acolheu o pleito de nulidade das investigações, e de todos os atos posteriores, por falta de atribuição da Polícia Federal, sob a seguinte fundamentação (e-STJ fls. 620/629):
[...]
É o relatório.
Consta dos autos que a Delegacia de Repressão a Crimes contra o Patrimônio e ao Tráfico de Armas, Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Policial Federal, deflagrou a “Operação Nian”, instaurando o inquérito policial nº 2023.0036626 com base em notícia-crime proveniente da empresa “Stone Instituição de Pagamento S. A.”, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 16.501.555/0001-57, encaminhada pelo GAECO / SP para investigar a existência de suposta organização criminosa interestadual, sediada na cidade de São Paulo, voltada a prática de crimes patrimoniais, dentre eles o de estelionato na modalidade fraude eletrônica (art. 171, § 2º-A, do Código Penal), contando inclusive com um complexo esquema de lavagem de capitais, vitimando pessoas de diversos Estados do Brasil.
Noticiou-se a informação de que a citada empresa “Stone Instituição de Pagamento S. A.” (“Instituição de Pagamento autorizada a funcionar pelo Banco Central nos termos da Lei Federal nº 12.865/2013 e Circular nº 3.885/2018, atuante como credenciadora e emissora de moeda eletrônica”), por intermédio do seu “Departamento de Análise de Risco”, “(...) identificou um padrão de comportamento transacional atípico em onze contas de pagamento titularizadas por pessoas físicas, as quais acolheram milhões entre abril e junho do ano de 2022, ou seja, em apenas dois meses. Aliado a esse fato, recebeu diversas denúncias e Boletins de Ocorrências de pessoas que transferiram dinheiro via “PIX” para essas contas em razão de terem sido vítimas de estelionatos. Dessa forma, a STONE concluiu que tais contas foram utilizadas apenas para a prática de ilícitos penais e, com base no que dispõe o inciso IV, do parágrafo §3º, do artigo 1º, da Lei Complementar 105/2001, enviou a notícia-crime às autoridades competentes. A análise verticalizada da notícia-crime revelou a atuação de uma Organização Criminosa, possivelmente vinculada à Máfia Chinesa, voltada à prática de Crimes Patrimoniais, Lavagem de Capitais e ao Comércio Ilegal de Munição ou Arma de Fogo. O complexo esquema criminoso se iniciou com a prática de estelionatos e o aliciamento de pessoas (“laranjas”) na região do bairro do Brás, na cidade de São Paulo/SP, as quais serviram como titulares das contas de pagamento que acolheram as vantagens ilícitas (fls. 16-18). Com isso, a Organização Criminosa criou uma espécie de “banco paralelo” para acolher o dinheiro espúrio, sendo que entre abril e junho do ano de 2022, ou seja, em apenas dois meses, as onze contas de pagamento movimentaram, aproximadamente, R$ 4.000.000,00 e depois passaram a completa inatividade” (fls. 422/423), ou seja, essas onze contas serviram apenas de passagem, dada a correspondência entre créditos e débitos (fl. 439/442).
O equivalente a R$ 2.432.570,00 do citado montante (R$ 4.000.000,00) teria sido transferido para outras instituições financeiras em contas correntes de empresas, cuja análise do quadro societário revelou que algumas delas são ou foram administradas por chineses ([L. X], [W. D], Zhifeng Jin), a saber: “Crisprex Transportes de Cargas Eirelli” (CNPJ 42.183.986/0001-22), montante recebido R$ 964.290,00; “J K L Comércio de Roupas Ltda.” (CNPJ 37.819.013/0001-05), montante recebido R$ 149.500,00; “M. J. comércio de Vestuários Ltda.” (CNPJ 43.967.329/0001-39), montante recebido R$ 230.080,00; “Ouro Preto Roupas e Acessórios Ltda.” (CNPJ 37.819.774/0001-01), montante recebido R$ 250.000,00; “Player-X Enchange Intermediações Serviços Ltda.” (CNPJ 44.005.201/0001-57), montante recebido R$ 207.800,00; e “Zethak Comércio Importação e Exportação” (CNPJ 40.952.702/0001-90), montante recebido R$ 621.900,00.
A análise dos quadros societários das citadas empresas possibilitou traçar uma linha investigativa, haja vista que chineses também aparecem nas fotografias das faces (“selfies”) enviadas por alguns correntistas à STONE no momento de abertura da conta (fl. 591).
Nesse sentido, [L. X], (CPF 237.028.808.60), sócio da pessoa jurídica OURO PRETO ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA, CNPJ 37.819.775/0001-01, e ex-sócio da J K L COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA, CNPJ 37.819.013/0001-05, foi o primeiro a ser alçado à condição de investigado, pois essas empresas jurídicas receberam dinheiro de contas de pagamentos comunicadas pela STONE, foram constituídas e tiveram alteração contratual nas mesmas datas, transacionaram o montante de R 5.124.999,95 entre si no período compreendido entre 1/1/2022 e 7/6/2023, possuem o mesmo contador, Elizeu de Barros Cavalcanti – CRC 22477, e estão sediadas no Brás, na cidade de São Paulo, onde os “laranjas” foram aliciados por chineses (fl. 592).
O vínculo entre as mencionadas empresas foi identificado por intermédio de [W. D] (CPF 233.996.648-50), sócia da J K L COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA, em virtude de ela ter um filho (Jie Ke Jin, nascido em 2014) com Zhifeng Jin (CPF 235.082.338.55), ex-sócio da OURO PRETO ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA (fl. 592). Com base nesse vínculo e nas alterações dos contratos sociais das citadas empresas ficou claro que houve uma espécie de triangulação societária conforme o gráfico de fl. 593.
A análise das operações fraudulentas revelou que [L. X] usou a L A S ROUPAS E CONFECÇÕES LTDA, CNPJ 32.576.579/0001-21 para lavar capitais. Tal pessoa jurídica, além de ter acolhido dinheiro das contas de pagamento comunicadas pela STONE (fl. 26 – Apenso), recebeu a quantia de R$ 130.000,00 da empresa OURO PRETO ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA, cujo sócio é o próprio [L. X], no período compreendido entre 1/1/2022 e 7/6/2023.
Os diagramas de fls. 427/428 e de fl. 434 ilustram o vínculo entre as mencionadas empresas, seus sócios administradores e contador, bem como suas operações fraudulentas.
Dentre as inúmeras transações financeiras levantadas no inquérito policial, relevante mencionar a remessa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) que [L. X] fez para a empresa “UZI COMÉRCIO DE ARMAS e MUNIÇÕES LTDA.”, CNPJ 40.379.132/0001-90, no período compreendido entre 1/1/2022 a 7/6/2023 (lapso temporal que coincide com a notícia-crime), sem aparente justa causa, pois ainda que possua registro na Polícia Federal (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), ele não tem registro na Polícia Federal (SINARM) e no Exército Brasileiro (SIGMA), bem como não consta da relação de pessoas que compraram armas e munições (produtos controlados pelo Exército Brasileiro) da citada empresa acima.
As investigações dão ainda conta de que a empresa “UZI COMÉRCIO DE ARAMS E MUNIÇÕES LTDA.” recebeu R$ 679.000,00 (seiscentos e setenta e nove mil reais) da empresa “[J.W] EPP”, no período compreendido entre 5/5/2022 e 5/11/2022 sem aparente causa, pois o “CNAE principal dessa empresa é “Comércio atacadista de artigos do vestuário e acessórios, exceto profissionais e de segurança”, e [J.W] (paciente), único sócio, não é Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC); não possui arma de fogo registrada no Exército Brasileiro (SIGMA) tampouco na Polícia Federal (SINARM); e não consta na relação das pessoas que compraram armas e munições (produtos controlados pelo Exército Brasileiro) da empresa UZI COMERCIO DE ARMAS E MUNICOES LTDA” (grifos nossos) – fl. 475
A empresa do paciente, “[J.W] EPP”, também “remeteu R$ 607.499,99 para a L A S ROUPAS E CONFECÇÕES LTDA (fl. 487), no período compreendido entre 05/05/2022 e 05/11/2022, pessoa jurídica que, além de ter acolhido dinheiro das contas de pagamento comunicadas pela STONE (fl. 26 - Apenso), recebeu R$ 130.000,00 da OURO PRETO ROUPAS E ACESSÓRIOS LTDA, cujo sócio é [L. X], no período compreendido entre 01/01/2022 e 07/06/2023 (fl. 457”) – fls. 475/476.
O teor da comunicação ao COAF relacionada à empresa do paciente, “[J.W] EPP”, por parte do Banco Itaú Unibanco S. A. (ID 42200516), agência 8179, conta corrente nº 124394, no período compreendido entre 5/5/2022 e 5/11/2022, indica o envolvimento do agora paciente com a lavagem de capitais, constando do documento que “chama a atenção vários depósitos em espécies efetuados em terminais de autoatendimento no período de cinco dias úteis, sendo indícios de tentativa de burla para evitar a identificação do depositante. O faturamento R$ 3.3258.575 não ampara a movimentação, visto que a conta acolheu o montante a crédito no valor de R$ 5.782.043,41 no período analisado. Suspeita-se que a incompatibilidade seja motivada pela utilização da conta corrente para transação de parte dos recursos de forma não declarada, ademais, observamos ainda, parte das entradas de recursos, via transferências de contrapartes de ramo de atividade distintos sem aparente relação ou vínculo com cliente. Chama atenção os recursos transacionados em espécie, ainda que essa forma de recebimento seja comum para empresas do ramo comerciário, a maneira que esses recursos ingressam em conta, (de forma fragmentada), dificulta a rastreabilidade da origem/destino, uma vez que não se faz necessário o preenchimento do controle de transações em espécie” (fls. 476/477).
As investigações relatam de forma minuciosa os maiores remetentes de recursos, os maiores destinatários de recursos, e a relação financeira entre os investigados, dentre eles o paciente (fls. 503/557).
Em 18/10/2023, o r. Juízo a quo deferiu a representação policial, determinando o sequestro de valores em nomes dos investigados, a suspensão das atividades econômicas ou financeiras das pessoas jurídicas, dentre elas a empresa do paciente, a “[J.W] EPP”, e a proibição de os investigados se ausentarem do país nos termos da r. decisão de fls. 329/343.
Em 9 de fevereiro de 2024, o r. Juízo da origem indeferiu o pedido de revogação da suspensão das atividades econômicas da empresa do paciente bem como o levantamento do sequestro de seus bens e ativos (fls. 355/356).
Da análise dos autos, não se verifica o constrangimento ilegal apontado, não procedendo o inconformismo do impetrante, o qual se insurge contra o fato de a investigação acontecer sob a presidência do Delegado da Polícia Federal e não da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Ficou demonstrado nos autos que em 30/3/2023 o Ministério Público do Estado de São Paulo, após ter tomado conhecimento de suposta “atuação de uma organização criminosa interestadual, sediada na cidade de São Paulo, voltada à pratica de crimes patrimoniais, que conta com um complexo esquema de lavagem de capitais”, oficiou a UADIP/DELEPAT para elaborar uma “Informação de Polícia Judiciária”, “concatenando as informações da notícia-crime” (fls. 603). A representação prosseguiu com a apresentação de “endereços, nomes, contas etc. indicando o mecanismo da fraude e solicitando ao MPSP a apuração dos fatos, o que vem sendo feito por meio de força tarefa entre o GAECO – Capital (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e a Polícia Federal (por meio do mencionado Inquérito Policial) (fls. 605).
Em regra, a Polícia Federal é responsável pela investigação de crimes que são de competência da Justiça Federal, o que decorre da sua atribuição “apurar infrações penais contra a ordem pública e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas” (CF, art. 144, § 1º, inciso I).
Entretanto, de acordo com o citado dispositivo constitucional, a Polícia Federal também é responsável por algumas investigações alheias à competência da Justiça Federal, possuindo a atribuição para investigar “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei”, sendo crível admitir que as atribuições de tal Instituição Policial não se restringem à investigação de infrações em detrimento de serviços e interesses da União, podendo ela também investigar infrações em prol da Justiça Estadual.
A propósito, precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça é nesse sentido: RHC nº 50011. PE 2014/0170879-8, Sexta Turma, Relator Ministro Sebastião Reis Junior, Data de julgamento 25/11/2014, DJe 16/12/2014”.
Conclui-se que a atribuição investigativa e a competência jurisdicional não se confundem, sendo aquela mais ampla do que esta, de modo que uma não deve necessariamente seguir a outra.
Oportuno ressaltar que o art. 1º da Lei nº 10446/2002 apresenta um rol de crimes que se amolda ao conceito “repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme” exemplificativo, ou seja, outros crimes poderão ser investigados na esfera da Polícia Federal, mas continuarão sob a competência da Justiça Estadual.
Não procede, pois, o argumento deduzido na petição inicial no sentido de ser nulo do inquérito policial nº 2023.0036626, pois na fase investigativa não há impedimentos para que a Polícia Federal, inclusive em força tarefa com o GAECO / SP, possa investigar os delitos em apreço (competência material), haja vista que a “Operação Nian” apura crimes de estelionato na modalidade de fraude eletrônica, organização criminosa, lavagem de dinheiro, que possuem impacto interestadual, já que suas práticas, raramente, se restringem a um único Estado da Federação.
Não é demais anotar que “a análise das informações relacionadas às operações fraudulentas comunicadas pela STONE revelou a prática de diversos estelionatos, na modalidade “fraude eletrônica”, vitimando pessoas em diversos Estados do Brasil”, a saber (i) Leonardo Carlos Ferreira Rodrigues registrou B. O. nº 0001375138/2022 (PC – SP); (ii) Aurélio Soares da Silva registrou boletim de ocorrência nº 931-102826/2022 (PC – CE); (iii) Bruno Ribeiro Guimarães Pedra registrou boletim de ocorrência nº 078-01897/2022 (PC – RJ) – fls. 435/439.
Como se vê, não há dúvida de que a investigação em apreço possui repercussão interestadual e exige repressão uniforme, ainda que tais infrações penais sejam de competência da Justiça Estadual (competência territorial).
Assim, considerados os lindes estreitos de cognição do writ e o fato de que o inconformismo do impetrante esposado no presente writ não foi submetido, salvo engano, ao r. Juízo de Primeiro Grau, incabível reconhecer a nulidade ab initio da “Operação Nian”.
Aliás, a Polícia Civil Estadual e a Polícia Federal têm atribuições distintas não para dificultar a investigação de crimes, principalmente os complexos tais como dos autos, com repercussões internas e externas, mas para especializar cada atuação, com maior eficiência no resultado. Ambas trabalham em prol de um bem maior, qual seja, a segurança pública, coibindo-se o avanço da criminalidade. Não se pode conceber que haja limites rigorosos na atuação de uma e de outra, sob pena de tornar inócuo o combate ao cometimento de infrações penais.
Ainda que assim não fosse, em consulta realizada no processo da origem nº 1017167-57.2023.8.26.0050, constatou-se que houve a finalização do inquérito policial nº 2023.0036626 (fl. 4.046 – pasta digital), sendo oferecida denúncia contra vinte e duas pessoas (fls. fls. 3.551/3.771 – pasta digital), dentre elas o paciente, que está sendo acusado por suposta prática do crime previsto no art. 1º, § 1º, c. c. o art. 2º, caput, da Lei nº 12.850/2013, em concurso material com o art. 1º, caput, c. c. § 1º, inciso II, c. c. § 4º, da Lei nº 9.613/2013 (fl. 3.706 – pasta digital).
Com o oferecimento da denúncia denota-se a aptidão da prévia investigação policial para inaugurar a ação penal, implementando-se a ampla defesa e o contraditório no curso da instrução processual, oportunidade em que todas as alegações deduzidas nas razões de inconformismo do presente writ poderão ser debatidas e analisadas de forma ampla perante o juiz natural da causa, sendo certo que eventuais irregularidades ocorridas na fase investigativa, cuja natureza é inquisitiva, não contaminam necessariamente o processo criminal, onde as provas poderão ser renovadas.
Nesse momento, com o recebimento da denúncia, não se trata mais de atribuição, mas de um pressuposto processual, competência, medida da Jurisdição, que pode, ou não, ser questionado.
Ante o exposto, denega-se a ordem. - negritei.
Como se vê, a investigação teve início a partir de notícia-crime apresentada pela empresa Stone, que identificou movimentações financeiras suspeitas em contas de pagamento de seus clientes, indicando a prática de estelionatos e lavagem de dinheiro, bem como a utilização de "laranjas" para o cometimento das infrações, o que pode indicar a existência de uma organização criminosa, com atuação, em tese, interestadual.
A Polícia Federal iniciou as investigações com base nos elementos apresentados, em razão da possível repercussão interestadual dos delitos, conforme autoriza o artigo 144, § 1º, I, da Constituição Federal e o artigo 1º, IV, da Lei nº 10.446/2002, in verbis:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;”
“Art. 1º Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: [...]” - negritei.
Nessa linha de intelecção, esta Corte Superior consignou que: As atribuições da Polícia Federal não se vinculam necessariamente ao âmbito de competência da Justiça Comum Federal, malgrado a evidente intersecção quanto aos crimes eminentemente federais. Contudo, o plexo de atribuições da Polícia Federal, delineada no rol numerus clausus da Lei 10.446/2002, caso dotadas de interestadualidade, abrangem, pois, infrações de competência penal residual da Justiça Comum Estadual. Nessas hipóteses, há concorrência de atribuições investigatórias entre Polícia Federal e a Polícia Civil, portanto, não há falar em avocação das atribuições da Polícia Judiciária da União (RHC n. 57.487/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/6/2016, DJe de 17/6/2016).
Com efeito, a participação da Polícia Federal nas investigações - inclusive por meio de força tarefa com o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público do Estado de São Paulo, conforme noticiado pela Procuradoria de Justiça (e-STJ fls. 603/605) - não tem o condão de macular a ação penal decorrente.
Em semelhantes hipóteses, destaco os seguintes precedentes desta Corte Superior:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DOS ARTS. 12 E 16 DA LEI 10.826/03. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA CF/88. COMPETÊNCIA DO STF. OFENSA AO ART. 315, § 2º, DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DE PREVENÇÃO. INQUÉRITO POLICIAL QUE DEU ORIGEM À AÇÃO PENAL CONDUZIDO PELA POLÍCIA FEDERAL. NULIDADE NÃO VERIFICADA. ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDEM COM A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA. VIOLAÇÃO AO ART. 7º, XIV, DA LEI Nº 8.906/94 E AO ART. 400, § 1º, DO CPP. INEXISTÊNCIA. CONTRARIEDADE AO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU DESPROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DETRAÇÃO. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS. CABIMENTO, DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. ABATIMENTO DO PERÍODO DE RECOLHIMENTO NOTURNO. POSSIBILIDADE, CONSOANTE O ATUAL ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO, APENAS PARA DEFERIR A DETRAÇÃO DO PERÍODO DE RECOLHIMENTO NOTURNO.
1. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça o enfrentamento de suposta ofensa a dispositivos constitucionais, ainda que para efeito de prequestionamento da matéria, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
2. Não há falar em ofensa ao art. 315, § 2º, do CPP, pois o julgador não está obrigado responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.
3. Não se verifica a alegada ofensa ao art. 83 do CPP, pois o acórdão recorrido foi proferido em sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é firme no sentido de que a competência em razão da matéria é absoluta, motivo pelo qual essa prevalece sobre a competência estabelecida por eventual prevenção 4. Embora a competência para julgamento dos crimes em apuração seja da Justiça Estadual, não se verifica a apontada ilegalidade na instauração do inquérito policial pela Polícia Federal, uma vez que, no início da investigação, as informações eram da prática de crime interestadual e que envolviam delitos de lavagem de dinheiro e contra a ordem tributária. De acordo com o entendimento desta Corte Superior, ainda que os elementos de convicção tenham sido colhidos por autoridade policial desprovida de atribuição, tal vício não tem o condão de macular as provas nele obtidas.
5. A parte não comprovou a alegada negativa de acesso ao procedimento cautelar probatório de busca e apreensão, de modo que a alteração do referido entendimento demandaria, necessariamente, a incursão nos elementos fáticos e probatórios dos autos, o que não é possível nesta instância especial, em razão do óbice da Súmula 7/STJ.
6. Relativamente à alegação no sentido de que, a despeito da oposição dos pertinentes embargos de declaração, o TJRS se recusou a corrigir erro material acerca do lugar onde foi cometido o crime, verifica-se que o tema foi exaustivamente examinado pelo acórdão recorrido, o qual destacou que "está evidente que o local da apreensão do material bélico ocorreu em um galpão do haras de propriedade de MAURÍCIO DAL AGNOL", inexistindo, portanto, violação ao art. 619 do Código de Processo Penal.
7. No caso dos autos, não obstante tenha havido a reclassificação das munições calibre .22 como de "uso permitido", a fixação da pena-base 1 (um) ano acima do mínimo legal, por infração ao art. 16 da Lei 10.826/2003, encontra-se fundamentada em dados concretos, notadamente a grande quantidade de munição e armas de fogo de uso restrito apreendidas, além daquelas, de modo que o aumento de pena levado a efeito pela instância ordinária não se apresenta desproporcional ou desarrazoado.
8. No que tange à pretensão defensiva de que seja reconhecida a prática de crime único em relação às condutas tipificadas nos artigos 12 e 16, caput, do Estatuto do Desarmamento, esta Corte Superior de Justiça interpreta que os tipos penais estabelecidos nos referidos dispositivos legais tutelam bens jurídicos diversos, o que inviabiliza o pleito.
9. Considerando que o período de prisão preventiva não repercute na pena fixada, que a prisão preventiva do recorrente foi decretada em dois processos e que não há qualquer informação a respeito de eventual condenação ou absolvição no outro processo, ratifico o parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República, segundo o qual "agiu com prudência o Tribunal a quo ao remeter a questão ao Juízo das execuções, a quem competirá decidir acerca de eventual detração penal, inexistindo qualquer ilegalidade a ser sanada" (e-STJ, fl. 2918).
10. Conforme o mais recente entendimento da Terceira Seção desta Corte Superior, a soma de horas em que o réu cumpriu a medida cautelar de recolhimento noturno deve ser convertida em dias (desprezando-se as frações inferiores a 24 horas) para fins de abatimento da pena privativa de liberdade a ser cumprida. Resta superado, portanto, o entendimento contido na decisão agravada.
11. Agravo regimental provido em parte, para deferir a detração do período de recolhimento noturno.
(AgRg no REsp n. 1.919.330/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 28/6/2021.) - negritei.
RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E CONCUSSÃO. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA, CONSUBSTANCIADA NO ARGUMENTO DE QUE O INQUÉRITO POLICIAL QUE DEU ORIGEM À AÇÃO PENAL FOI CONDUZIDO PELA POLÍCIA FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA. ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDEM COM A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSIBILIDADE DE A POLÍCIA FEDERAL APURAR CRIMES COM REPERCUSSÃO INTERESTADUAL. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO MEDIANTE A NOTÍCIA DA OCORRÊNCIA DOS CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E CONCUSSÃO, ATÉ PARA APURAR A EXTENSÃO E COMPLEXIDADE DA ASSOCIAÇÃO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE NULIDADES DO INQUÉRITO POLICIAL CONTAMINAREM A AÇÃO PENAL. ALEGAÇÕES DE NULIDADES DECORRENTES DE A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA TER SIDO AUTORIZADA PELA JUSTIÇA FEDERAL E DE UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA NÃO RELACIONADA ÀS MESMAS PARTES. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. ADMISSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA.
1. O trancamento de ação penal pela via eleita é cabível apenas quando manifesta a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria.
2. As atribuições da Polícia Federal e a competência da Justiça Federal, ambas previstas na Constituição da República (arts. 108, 109 e 144, § 1º), não se confundem, razão pela qual não há falar que a investigação que deu origem à ação penal foi realizada por autoridade absolutamente incompetente.
3. As atribuições da Polícia Federal não se restringem a apurar infrações em detrimento de bens, serviços e interesses da União, sendo possível a apuração de infrações em prol da Justiça estadual.
Precedente.
4. No caso, não há ilegalidade na instauração do inquérito policial pela Polícia Federal, realizada com o fim de investigar a prática dos crimes de concussão e associação criminosa pela recorrente e os corréus, até porque, naquela ocasião, apenas se tinham indícios da ocorrência dos crimes apurados, não se sabendo, ao certo, a extensão da associação criminosa ou a complexidade das infrações, elementos que foram apurados justamente com a instauração da investigação em que a recorrente e alguns corréus foram indiciados.
5. É cediço neste Superior Tribunal que, não sendo o inquérito policial indispensável à propositura da ação penal e dada sua natureza informativa, eventuais nulidades ocorridas na fase extrajudicial não têm o condão de macular a ação penal.
Precedentes.
6. Não prosperam as alegações de que é nula a interceptação telefônica realizada no inquérito policial originário, autorizada pela Justiça Federal, e de que se cuida da utilização de prova emprestada não relacionada às mesmas partes, pois se trata do fenômeno do encontro fortuito de provas, que consiste na descoberta imprevista de delitos que não são objeto da investigação, admitida pela jurisprudência deste Superior Tribunal.
7. Recurso em habeas corpus improvido.
(RHC n. 50.011/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 25/11/2014, DJe de 16/12/2014.) - negritei.
Somado a isso, conforme bem anotado pelo representante do Ministério Público Federal, A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a incompetência do Juízo, via de regra, não tem o condão de macular os atos investigatórios já realizados (AgRg no HC n. 826.464/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, D Je de 19/6/2023).
Inclusive, cumpre ressaltar que, nos moldes do pacífico entendimento jurisprudencial do STJ, o inquérito policial não é peça obrigatória para a formação da opinio delicti, razão pela qual eventual irregularidade ocorrida na fase pré-processual não tem o condão de contaminar a ação penal.
Nesse viés, ao final do voto condutor do acórdão impugnado, a Corte local, acertadamente, apontou que: Com o oferecimento da denúncia denota-se a aptidão da prévia investigação policial para inaugurar a ação penal, implementando-se a ampla defesa e o contraditório no curso da instrução processual, oportunidade em que todas as alegações deduzidas nas razões de inconformismo do presente writ poderão ser debatidas e analisadas de forma ampla perante o juiz natural da causa, sendo certo que eventuais irregularidades ocorridas na fase investigativa, cuja natureza é inquisitiva, não contaminam necessariamente o processo criminal, onde as provas poderão ser renovadas. Nesse momento, com o recebimento da denúncia, não se trata mais de atribuição, mas de um pressuposto processual, competência, medida da Jurisdição, que pode, ou não, ser questionado.
Nesse panorama, não há falar na configuração de flagrante ilegalidade apta a ensejar o trancamento da ação penal, nos moldes pretendidos pela combativa defesa.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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1. Tales Gabriel Nardin Costa (Agravante) x 2. Ministério Público Do Estado De São Paulo (Agravado)
ID: 329029169
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 1500576-41.2024.8.26.0530
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SARA CAMARGOS BARBOSA MACHADO
OAB/SP XXXXXX
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AREsp 2899764/SP (2025/0115639-2)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
AGRAVANTE
:
TALES GABRIEL NARDIN COSTA
ADVOGADO
:
SARA CAMARGOS BARBOSA MACHADO - SP382382…
AREsp 2899764/SP (2025/0115639-2)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
AGRAVANTE
:
TALES GABRIEL NARDIN COSTA
ADVOGADO
:
SARA CAMARGOS BARBOSA MACHADO - SP382382
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de agravo em recurso especial interposto por Tales Gabriel Nardin Costa contra a decisão de fls. 391/393, que inadmitiu o recurso especial com fundamento na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça e pela ausência de comprovação do dissídio jurisprudencial.
Consta dos autos que o recorrente foi condenado à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 500 dias-multa pelo crime de tráfico de drogas, bem como à pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa pelo crime de posse ilegal de munição (fls. 162/175).
Houve interposição de recurso de apelação defensivo, o qual foi parcialmente provido, para absolver o acusado do delito de posse de munição e aplicar o redutor do tráfico privilegiado, resultando na pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de 166 dias-multa, ficando o acórdão assim ementado (fl. 241):
APELAÇÃO. Tráfico de drogas e porte ilegal de munição. Recurso defensivo. Insuficiência de provas. Inocorrência. Materialidade e autoria bem demonstradas pelo laudo toxicológico e pelos firmes e coerentes depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação. Condenação mantida. Crime de posse irregular de munição de uso permitido. Reconhecimento, de ofício, da atipicidade da conduta. Ausência de lesividade. Apreensão de apenas duas munições de arma de fogo que não apresenta relevância jurídica. Jurisprudência do E. STF. Absolvição parcial que se impõe. Dosimetria. Apelante primário, preso com quantidade de droga não excessiva, sem demonstração de que se dedique a atividades ilícitas ou que pertença a organização criminosa. Circunstâncias favoráveis. Prática de ato infracional que não pode ser valorada negativamente. Possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do artigo 33, da Lei de Drogas, em seu grau máximo, com fixação de regime inicial aberto e substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Recurso parcialmente provido.
No presente recurso especial, a defesa, além do dissídio jurisprudencial, alega que a houve violação ao art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, sustentando que a condenação foi mantida sem provas suficientes da autoria delitiva, em afronta ao princípio do in dubio pro reo. Assevera que "a narrativa apresentada pela acusação, apoiada essencialmente nos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão, não é acompanhada de evidências materiais ou testemunhais que reforcem de maneira inequívoca a autoria do delito" (fl. 265).
Requer-se, pois, o conhecimento e provimento do recurso especial para reformar o acórdão, a fim de absolver o recorrente das acusações imputadas, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por ausência de provas suficientes para sustentar a autoria delitiva.
Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 388).
Inadmitiu-se o recurso especial na origem (fls. 391/393), advindo o presente agravo (fls. 396/403), contraminutado às fls. 408/418.
O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo não provimento do agravo, com a seguinte ementa (fl. 438):
ARESP. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. DEMANDA PELA ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E DE PROVAS. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7 DO STJ.
- A impugnação da defesa não merece acolhida, em face da aplicação da decisão que deixou de admitir o recurso especial.
- Parecer pelo DESPROVIMENTO do agravo em recurso especial.
É o relatório.
Decido.
O agravo é tempestivo e estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual passo à análise do recurso especial.
O Tribunal de origem assim decidiu a questão controvertida, referente à alegação de insuficiência de provas para a condenação (fls. 242/246):
[...] O apelante foi denunciado porque, no dia 13 de fevereiro de 2024, por volta das 10h45, na Rua Salvador Aprile, n. 01, na cidade de Sertãozinho, trazia consigo, para fins de tráfico, 43 invólucros plásticos contendo maconha, com massa líquida de 57,65g e 100 eppendorfs, contendo cocaína, com massa líquida de 23,41g, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Também foi denunciado porque portava 02 munições íntegras, do calibre nominal 38” SPL, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Segundo consta da denúncia, no dia dos fatos, policiais militares estavam em patrulhamento de rotina em local conhecido como “ponto” de tráfico de drogas, quando avistaram o acusado conversando com terceiro não identificado e colocando algo em sua cintura. Ao perceber a presença da viatura policial, o acusado empreendeu fuga com sua bicicleta, arremessando, no trajeto, uma sacola ao solo. Ato contínuo, ele se jogou em um córrego para se esconder dos policiais, mas foi alcançado e detido. Em revista pessoal, os policiais localizaram a quantia de R$30,00, bem como dois cartuchos íntegros, calibre nominal 38”. Na sacola arremessada foram localizados 100 porções de cocaína e 43 porções de maconha.
A materialidade do tráfico de drogas restou demonstrada por meio do auto de prisão em flagrante (fls. 02), do auto de exibição e apreensão (fls. 08/09), do auto de constatação preliminar (fls. 16/17), das fotografias dos itens apreendidos (fls. 20/21), dos exames químico-toxicológicos (fls. 59/61 e 62/64), bem como pela prova oral produzida.
A autoria delitiva, do mesmo modo, é inconteste.
O apelante negou a prática do tráfico, nas duas oportunidades em que foi ouvido. Disse que não estava na posse das drogas encontradas pelos policiais militares, alegando ter fugido ao notar a presença da viatura porque tem trauma da polícia, já que todas as vezes em que foi abordado, foi agredido fisicamente (mídia digital).
O policial militar Nilton Soares Martines Júnior, ouvido em juízo, confirmou os fatos narrados na denúncia. Disse que estava em patrulhamento de rotina quando visualizou o acusado em cima de uma bicicleta, conversando com um segundo indivíduo e colocando algo que recebeu dele na cintura. Com a aproximação policial, Tales passou a empreender fuga, não obedecendo às ordens de parada. Em determinado momento ele ingressou em uma área de mata e, próximo a um córrego, abandonou a bicicleta e arremessou algo, na direção da água. Desembarcou da viatura e prosseguiu a pé, encontrando o acusado tentando se esconder. Com o apoio de uma segunda viatura foi realizada uma busca e no mato onde ele havia dispensado algo os policiais localizaram a sacola contendo drogas e munição. Em revista pessoal, foi encontrado dinheiro no bolso dele (mídia digital).
No mesmo sentido foi o depoimento de seu colega de farda, Igor Fernandes Lopes. A testemunha relatou que viu o réu em uma bicicleta, passando ou entregando algo a alguém, bem como que ele se evadiu ao notar a presença da viatura. Disse, também, que Tales dispensou uma sacola durante a fuga, a qual foi recuperada, constatando-se que continha drogas (mídia digital).
Em que pesem as alegações da combativa Defesa, os depoimentos dos policiais militares foram harmônicos e coerentes entre si, não apresentando contradições. Com efeito, conforme se infere dos sobreditos depoimentos, é certo que o apelante foi flagrado em efetiva prática de traficância, restando, portanto, indubitável a sua responsabilidade criminal pelos fatos narrados na denúncia.
Ressalte-se que não há razão para que seja colocada em dúvida a versão a respeito dos fatos fornecida em uníssono pelos agentes públicos. Nada há nos autos no sentido de que eles tivessem a intenção deliberada de prejudicar o réu, de tal modo que não viriam em juízo incriminá-lo por meio de provas forjadas.
Sobre a credibilidade que deve ser conferida pelos policiais civis e militares, este é o firme entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:
[...]
Destarte, analisado o arcabouço probatório, era mesmo de rigor a condenação do apelante pelo crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, não se podendo cogitar de absolvição por este delito, conforme pretendido pela Defesa.
Como se pode observar, as instâncias ordinárias, após análise acurada do acervo probatório dos autos, concluíram pela suficiência de provas de autoria e materialidade, aptas a embasar o édito condenatório em desfavor do acusado pela prática do delito de tráfico de drogas, considerando a prova oral e as circunstâncias do flagrante.
Extrai-se do julgado que o recorrente foi surpreendido por policiais militares em região sabidamente utilizada para o tráfico de entorpecentes, portando consigo relevante quantidade de substâncias ilícitas — 43 porções de maconha (57,65g) e 100 eppendorfs contendo cocaína (23,41g) —, além de duas munições intactas de calibre .38, sem qualquer autorização legal. Ainda segundo o acórdão, os policiais prestaram depoimentos firmes, coerentes entre si e em conformidade com os demais elementos probatórios coligidos.
Nesse contexto, a pretensão que visa desconstituir o julgado, buscando uma absolvição da conduta criminosa analisada na origem, não encontra amparo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento de análise exclusivo das instâncias ordinárias e vedado ao Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, ante o óbice sumular n. 7/STJ.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO E LATROCÍNIO. ABSOLVIÇÃO E DESCLASSIFICAÇÃO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. CONTINUIDADE DELITIVA INAPLICÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. No caso dos autos, a Corte de origem, após a análise acurada dos elementos probatórios, entendeu comprovada a autoria dos agentes e a materialidade do delito.
2. Alterar a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias e decidir pela desclassificação do delito ou absolvição dos agravantes demandaria revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
3. No que diz respeito ao crime continuado, vale salientar que, no caso dos crimes de roubo majorado e latrocínio, sequer é necessário avaliar o requisito subjetivo ou o lapso temporal entre os crimes, porquanto não há atendimento do requisito objetivo da pluralidade de crimes da mesma espécie.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.002.341/TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 27/4/2022).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO E ROUBO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. EXAME DE CORPO DE DELITO. PRESCINDIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A revisão do entendimento firmado pelo Tribunal de origem a fim de absolver o agravante demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada pela Súmula n. 7/STJ.
2. O depoimento da vítima, em crimes sexuais e patrimoniais, caso dos autos, possui valor relevante para apuração da autoria e materialidade delitivas, constituindo fundamentação idônea para embasar a condenação.
3. [...]
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 1.784.212/PR, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, Julgado em 15/6/2021, DJe em 22/6/2021)
Ante o exposto, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
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1. Joicilane Esteves De Matos (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De Minas Gerais (Impetrado)
ID: 331582547
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0229259-28.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
JOICILANE ESTEVES DE MATOS
OAB/MG XXXXXX
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HC 1013839/MG (2025/0229259-2)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
JOICILANE ESTEVES DE MATOS
ADVOGADO
:
JOICILANE ESTEVES DE MATOS - MG176071
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTAD…
HC 1013839/MG (2025/0229259-2)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
JOICILANE ESTEVES DE MATOS
ADVOGADO
:
JOICILANE ESTEVES DE MATOS - MG176071
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE
:
NATANAEL MOURA DE SOUZA
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de NATANAEL MOURA DE SOUZA, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 1.0000.25.050398-4/0000.
Extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante no dia 22/1/2025, custódia convertida em preventiva, e denunciado pela suposta prática dos crimes tipificados no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, c/c o art. 16, § 1º, IV, da Lei n. 10.826/06, na forma do art. 69 do Código Penal.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que conheceu parcialmente do pedido e, nessa extensão, denegou a ordem nos termos do acórdão assim ementado (fl. 167).
"EMENTA: HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – TESES DE NULIDADE DAS PROVAS E ABUSO DE AUTORIDADE – INVIABILIDADE DE EXAME – RISCO DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – SUPOSTA ILEGALIDADE DA PRISÃO POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO – INOCORRÊNCIA – CRIME PERMANENTE – ALEGAÇÕES PERTINENTES AO MÉRITO – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE – REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – INVIABILIDADE – PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP NITIDAMENTE PRESENTES – NECESSIDADE DE SE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA E A PAZ SOCIAL – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS – INSUFICIÊNCIA. Para que se analise as teses de abuso de autoridade e nulidade das provas nesta instância revisora, é necessário que haja prévia manifestação do juízo a quo sobre a matéria, sob pena de supressão de instância. A situação de flagrância excepciona a regra de inviolabilidade do domicílio, tal como previsto no art. 5º, XI, da CF. Em se tratando de crime permanente que, portanto, se enquadra na hipótese do art. 302, I, do CPP, dispensa-se a apresentação de mandado judicial para uma eventual ação policial interventiva. Não é possível, na via estrita do habeas corpus, o confronto das provas para se aferir a inocência/tipicidade da conduta do paciente, posto tratar-se de matéria de mérito que deve ser enfrentada na sentença, após regular instrução do processo. Sendo o tráfico de drogas, hodiernamente, o crime de maior preocupação das políticas de segurança pública, existindo nos autos fortes indícios de autoria e estando comprovada a materialidade delitiva, a prisão preventiva, medida de exceção, se faz necessária para garantia da ordem e da saúde pública, sobretudo por se tratar de réu reincidente, cuja permanência na vida criminosa deve ser evitada. Demonstrada a necessidade da prisão preventiva, verifica-se que as medidas cautelares não se mostram suficientes para garantir a efetividade do processo. Os atributos pessoais da paciente não podem prevalecer sobre a garantia da ordem pública."
No presente writ, a impetrante aduz nulidade na segregação cautelar do paciente, a qual estaria baseada em ação policial que violou o art. 5º, XI, da Constituição Federal, pois os agentes públicos ingressaram na residência sem mandado judicial, consentimento válido, flagrante delito ou justificativa legal.
Pondera que não estão presentes os requisitos estabelecidos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP para a decretação da prisão preventiva.
Ressalta as condições pessoais favoráveis do acusado e a possibilidade de aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.
Requer, em liminar e no mérito, a concessão da ordem para que seja expedido alvará de soltura.
Indeferido o pedido liminar (fls. 247/249) e prestadas as informações pela autoridade coatora (fls. 252/266 e 270/284), o Ministério Público Federal – MPF opinou pela denegação da ordem (fls. 286/295).
É o relatório.
Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus, substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que autorize a concessão da ordem de ofício.
A irresignação da defesa foi examinada na Corte estadual, com estes fundamentos:
“Ao que verifico, a ação policial e, por conseguinte, a prisão do paciente, deram-se de forma absolutamente regular, mormente tratando-se de crimes permanentes, o que coloca o agente em constante estado de flagrância e, consequentemente, afasta a necessidade de mandado judicial para uma eventual ação policial interventiva, nos termos do art. 302, I, do CPP.
Nesse ponto, vale lembrar que dentre as exceções à garantia de inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, da CF) está a hipótese de flagrante, situação em que o paciente foi preso, oportunidade em que foi apreendida em sua posse relevante quantidade de entorpecentes destinados à comercialização, além de arma de fogo de uso permitido, estando configurada a hipótese do art. 302, I, do CPP.
A propósito, sobre a dinâmica dos fatos, extrai-se do depoimento do condutor do flagrante:
“QUE durante patrulhamento pela Rua MANOEL FERREIRA DOS SANTOS, foi avistado um indivíduo caminhando em direção a um veículo que estava estacionado. QUE ao visualizar a equipe policial, voltou em sentido contrário ao que se deslocava e entrou em uma casa onde os moradores são conhecidos no meio policial pela prática da traficância. QUE de imediato, a equipe desembarcou, sendo que o SGT ELICLER e o CB LUCAS DANTAS foram para a porta da residência, enquanto o SR CAP ARNAPABLO deu a volta para os fundos da casa. QUE foi solicitado apoio via rede rádio, chegando ao local as equipes TÁTICO MÓVEL e a viatura do CPU. QUE foi feito um cerco na residência pelas equipes em campo. QUE foi realizado um chamado aos moradores da residência pelo CB LUCAS DANTAS no portão da casa, onde vieram atender os indivíduos NATANAEL MOURA DE SOUZA e ADSON GUSMÃO GUIMARÃES. QUE em conversa com o SR ADSON, este alegou que trabalha na loja MULTI CARNES e que, na data de ontem, efetuou a venda de 2,060kg de linguiça no valor de R$ 61,49 para o NATANAEL e que, na data de hoje, foi até o local para receber. QUE disse ainda que não viu a viatura deslocando em sua direção e que realmente forçou o portão da residência para adentrar no imóvel. QUE foi pedida autorização ao NATANAEL para que a polícia pudesse entrar em sua residência devido à suspeição, porém foi negado. QUE, nesse momento, as equipes que estavam nos fundos perceberam que alguém jogou uma arma e alguns objetos pelos fundos da casa. QUE o SGT SIMÃO localizou uma pistola 9mm, marca BERSA, com numeração suprimida, que fora lançada, e, com o impacto no chão, esta veio a soltar a tampa do carregador, espalhando as munições no terreno, sendo recolhidas 06 munições intactas do calibre 9mm. QUE diante do flagrante delito, as equipes adentraram na residência, sendo feita uma busca minuciosa em todos os cômodos. QUE foi encontrado, pelo CB JADSON, dentro de uma maleta de manicure que se encontrava em cima do sofá da sala, 55 (cinquenta e cinco) pinos de substância esbranquiçada semelhante a cocaína, 49 (quarenta e nove) munições intactas no calibre .38 e uma balança de precisão. QUE dentro do imóvel, estava a SRA GISELE MARIA DA SILVA e suas filhas EMILLY NICOLLY DA SILVA SOUZA e MIKAELLY DA SILVA. QUE foi perguntado quem jogou os objetos pelos fundos da residência e de quem eram os proprietários das drogas e munições encontrados, sendo que ninguém assumiu autoria dos objetos ilícitos. (...) QUE diante do exposto e da falta de autoria dos objetos encontrados, todos os envolvidos foram encaminhados para a DEPOL para serem apresentados à autoridade policial. QUE durante o registro do REDS, compareceu o SR GUSTAVO FARIAS AZEVEDO, OAB MG203816, o qual se apresentou como advogado do NATANAEL, acompanhando toda a ocorrência. QUE salienta-se também que a câmera de vigilância que estava na casa foi apreendida, visto que esta poderá conter toda a ação policial, além da suspeição de estar sendo utilizada para monitoramento das ações policiais, como ocorrera em data pretérita. (...)” (fls. 32/33)
Destarte, em face das fundadas razões (justa causa) – comportamento suspeito de um indivíduo que caminhava em via pública e, ao visualizar os policiais militares, “voltou em sentido contrário ao que se deslocava” e entrou na residência do paciente, imóvel cujos “moradores são conhecidos no meio policial pela prática da traficância” –, devidamente justificadas, que indicavam a ocorrência de situação de flagrante delito no local, legítima se afigura a ação dos policiais militares, conforme já decidiram os Tribunais Superiores:
[...]
De igual modo, o argumento de que a decisão combatida carece de fundamentação idônea, estando ausentes os requisitos do art. 312 do CPP, não merece prosperar.
[...]
Ora, o crime de tráfico possui extrema gravidade, embora não tenha vítima determinada. Seu poder de disseminação facilita o uso de substâncias geradoras de dependência ou entorpecentes e acaba favorecendo a prática de outros crimes.
Sendo o tráfico de drogas, hodiernamente, o crime de maior preocupação das políticas de segurança pública, existindo nos autos fortes indícios de autoria e estando comprovada a materialidade delitiva, a segregação preventiva, medida de exceção, faz-se necessária para garantia da ordem e da saúde públicas, mormente diante das circunstâncias em que se deu a ocorrência, com a apreensão de considerável quantidade de droga (80,66g de cocaína), além de arma de fogo de uso restrito (calibre 9mm), 6 cartuchos intactos calibre 9mm, 49 munições calibre 38 e balança de precisão, evidenciando-se, pois, a elevada gravidade da conduta.
Ademais, conforme se extrai da CAC de fls. 121/124, Natanael é reincidente e possuidor de maus antecedentes, registrando condenações definitivas pelos crimes de associação para o tráfico e furto qualificado, e estava em cumprimento de pena quando foi novamente preso em flagrante, o que releva, pois, sua periculosidade e descaso com a justiça e paz social.
Ora, sendo o acusado contumaz na vida criminosa, há fortes indícios de que, se solto, poderá voltar a delinquir, sendo necessário mantê-lo segregado para resguardar a segurança e a ordem públicas." (fls. 170/175, sem destaque no original)
No que diz respeito à entrada dos agentes públicos na residência do paciente, o STF definiu, em repercussão geral (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, a indicar estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito. O acórdão está assim ementado:
"Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral.
2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo.
3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia.
4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal.
5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida.
6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados.
7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso."
(RE 603616, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-093 Divulg 9/5/2016 Public 10/5/2016.)
Assim, "nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio" (AgRg no HC 653.943/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 14/6/2021).
In casu, o voto condutor no acórdão recorrido destacou que havia fundadas suspeitas para motivar a abordagem do paciente, que mudou de direção ao ver a guarnição policial e entrou em uma casa conhecida como ponto de tráfico, oportunidade em que fora lançada para fora, pelos fundos do imóvel, arma de fogo com numeração suprimida.
Diante do contexto delineado na origem, para se acolher a tese da defesa e concluir pela nulidade apontada ou desconstituir os fundamentos adotados pelas instâncias ordinárias, seria necessário o reexame de todo o conjunto probatório, providência vedada em habeas corpus, procedimento de cognição sumária e rito célere. Ilustrativamente:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. MATERIALIDADE DELITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADAS SUSPEITAS. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Caso em que se busca o reconhecimento da nulidade das provas que levaram à condenação do paciente pelo crime de tráfico de drogas, em razão da violação da garantia constitucional de proteção do domicílio, por ocasião da prisão em flagrante.
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616, apreciando o tema 280 da repercussão geral, fixou a tese de que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados".
4. Segundo registrado nas decisões anteriores, após denúncia de que no local indicado estaria ocorrendo o comércio de drogas, os policiais montaram um ponto de observação, momento em que viram o paciente, um conhecido do meio policial pelo envolvimento com o tráfico e integrante da organização "Comando Vermelho", colocar um pote pequeno com a inscrição "CV" no tronco de uma árvore. Diante das suspeitas adicionais, abordaram o paciente fora da residência e, indagado, afirmou que havia mais drogas na casa. Após autorizar o ingresso, os agentes localizaram pedaços de maconha, além do material ilícito encontrado na árvore do quintal. A abordagem policial não foi arbitrária, mas decorreu de coleta progressiva de elementos que levaram, de forma válida, à conclusão segura de ocorrência de crime permanente no local, justificando a incursão para a realização da prisão em flagrante. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 729.860/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 30/5/2022.)
Noutro enfoque, o STJ firmou posicionamento segundo o qual, considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do CPP.
Convém, ainda, ressaltar que, considerando os princípios da presunção da inocência e a excepcionalidade da prisão antecipada, a custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP.
In casu, verifica-se que a prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo sido demonstrada na origem, com base em elementos extraídos dos autos, a gravidade concreta da conduta e a periculosidade do paciente, evidenciadas pela natureza e quantidade da droga apreendida, bem como a apreensão de uma pistola calibre 9mm (arma de uso restrito) com numeração suprimida, diversas munições e balança de precisão. Ademais, foi ressaltado que Natanael é reincidente e possui maus antecedentes, com condenações anteriores por associação para o tráfico e furto qualificado. O fato dele estar em cumprimento de pena quando foi preso novamente em flagrante demonstra o seu maior envolvimento com o narcotráfico e risco ao meio social.
É certo que "a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente ostentar maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade" (RHC 107.238/GO, Rel. Ministro ANTÔNIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, DJe de 12/3/2019).
Nesse contexto, forçoso concluir que a prisão processual do paciente está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública e na aplicação da lei penal, não havendo falar, portanto, em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar sua revogação.
A propósito, vejam-se os seguintes precedentes:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
2. A prisão cautelar está fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, haja vista a gravidade concreta dos fatos, pois há indícios de que o agravante integra organização criminosa - da qual ele seria, em tese, grande distribuidor de entorpecentes - voltada à prática do tráfico de drogas, utilizando-se, inclusive, de armas de fogo.
3. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que "a custódia cautelar visando a garantia da ordem pública legitima-se quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa" (RHC 122.182, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/8/ 2014).
4. Ademais, foram apreendidas diversas porções de entorpecentes, balança de precisão, quantia em dinheiro e petrechos destinados à prática do delito, armas e munições; noutro giro, o agravante é reincidente específico e ainda responde a ação penal pela prática de delito da mesma natureza.
5. Esta Corte possui entendimento reiterado de que a quantidade e a diversidade dos entorpecentes encontrados com o agente, quando evidenciarem a maior reprovabilidade do fato, podem servir de fundamento para a prisão preventiva.
6. Ainda, segundo jurisprudência desta Corte, "a persistência do agente na prática criminosa justifica, a priori, a interferência estatal com a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, porquanto esse comportamento revela uma periculosidade social e compromete a ordem pública" (RHC 118.027/AL, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 8/10/2019, DJe 14/10/2019).
7 . Não há falar em ausência de contemporaneidade como justificativa hábil a infirmar a necessidade de manutenção da prisão preventiva, notadamente pela gravidade concreta do delito que obstaculiza o esgotamento do periculum libertatis pelo simples decurso do tempo.
8. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC n. 193.763/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 12/4/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
2. Na hipótese, o Juízo singular apontou a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial a necessidade de garantia da ordem pública, evidenciada pela gravidade concreta da conduta delitiva, ao destacar a expressiva quantidade de droga apreendida - 98kg de maconha -, bem como o fato de haverem sido encontrados munição de diversos calibres e apetrechos comumente usados no tráfico de drogas.
3. A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar que, nas hipóteses em que a quantidade e/ou a natureza das drogas apreendidas e outras circunstâncias do caso revelem a maior reprovabilidade da conduta investigada, tais dados são bastantes para demonstrar a gravidade concreta do delito e, por conseguinte, justificar a custódia cautelar para a garantia da ordem pública.
4. Por idênticos fundamentos, a adoção de medidas cautelares diversas não se prestaria a evitar o cometimento de novas infrações penais.
5 . Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC n. 190.550/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024.)
O entendimento deste STJ é no sentido de ser inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para manutenção da ordem pública.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE DE DROGA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal.
2. Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam que a liberdade do agravante acarretaria risco à ordem pública, notadamente se considerada a reincidência específica e o histórico de envolvimento com o tráfico de drogas, "havendo indicativos de que a mercancia de drogas atribuída à associação criminosa da qual, em tese, faz parte, não é de pequena monta, envolvendo grande quantidade de substância e expressivos valores" - na espécie, foram apreendidos seis tijolos e meio de maconha -, circunstâncias indicativas de um maior desvalor da conduta em tese perpetrada, bem como da periculosidade concreta do agente, a revelar a indispensabilidade da imposição da medida extrema na hipótese.
3. A presença de circunstâncias pessoais favoráveis, tais como ocupação lícita e residência fixa, não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
4. É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 769.380/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, DJe de 27/4/2023.)
Nesse contexto, não verifico a presença de constrangimento ilegal capaz de justificar a revogação da custódia cautelar do paciente.
Ante o exposto, nos termos do art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do presente habeas corpus.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Defensoria Pública Do Estado De São Paulo (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo (Impetrado)
ID: 329185327
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0208866-82.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Advogados:
HC 1009747/SP (2025/0208866-7)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
IMPETRANTE
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTAD…
HC 1009747/SP (2025/0208866-7)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
IMPETRANTE
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE
:
TIAGO APARECIDO GORRERA
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de TIAGO APARECIDO GORRERA, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, cujo acórdão está assim ementado (fl. 15):
DIREITO PENAL. APELAÇÃO. ROUBO. RECONHECIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME PRISIONAL. PROVIMENTO NEGADO.
I. Caso em Exame
O apelante foi condenado por roubo, com pena de 5 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão em regime fechado. A defesa alegou insuficiência probatória e irregularidade no reconhecimento, pleiteando redução da pena e regime mais brando.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste na validade do reconhecimento do réu e na análise da dosimetria da pena, incluindo a possibilidade de alteração do regime prisional.
III. Razões de Decidir
3. A prova oral, especialmente o depoimento da vítima, confirma a autoria do roubo, sendo válida para embasar a condenação.
4. O reconhecimento do réu, ainda que não tenha seguido estritamente o artigo 226 do CPP, é válido, pois a vítima identificou o autor sem riscos de falha.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso negado, mantendo-se a condenação e o regime fechado.
Tese de julgamento: 1. A palavra da vítima é suficiente para a condenação em crimes de roubo. 2. O reconhecimento do réu é válido mesmo sem observância estrita do artigo 226 do CPP.
Legislação Citada: Código Penal, art. 157, caput. Código de Processo Penal, art. 156, art. 226, art. 33, §3º, art. 59.
Consta nos autos que o paciente foi condenado pelo delito de roubo à pena de 5 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão em regime inicialemte fechado.
A defesa alega que o reconhecimento realizado foi antinormativo e que a condenação embasou-se exclusivamente nessas identificações, o que acarreta a absolvição, já que foi o único elemento empregado para embasar a suposta autoria delitiva.
Sustenta que o reconhecimento equivocado figura entre as causas de erro judiciário e que, por se tratar de prova dependente da memória, não se reveste da segurança necessária para, isoladamente, embasar decisão de natureza penal.
Afirma que a inobservância do procedimento descrito no art. 226 do CPP torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo.
Questiona a dosimetria da pena, alegando que o magistrado a quo exasperou a pena-base em 1/6 com base na personalidade “desajustada” do paciente, sem produção probatória suficiente.
Postula pela readequação do regime inicial para o intermediário, argumentando que a simples reincidência não deve fazer incidir o regime fechado.
Requer a concessão da ordem para absolver o paciente ou, ainda, reformar a sentença no que tange à pena e ao regime aplicado.
A liminar foi indeferida (fls. 81-82).
As informações foram devidamente prestadas (fls. 88-124).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo denegação da ordem, nos termos da seguinte ementa (fl. 129):
HABEAS CORPUS. ROUBO. RECONHECIMENTO PESSOAL VÁLIDO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA E REGIME INICIAL. MANUTENÇÃO. PELA DENEGAÇÃO.
É o relatório.
Decido.
A Constituição da República assegura, no artigo 5º, caput, inciso LXVII, que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que o habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, salvo em casos de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia (AgRg no HC n. 972.937/MT, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 26/3/2025; AgRg no HC n. 985.793/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025; AgRg no HC n. 908.616/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 24/3/2025).
A concessão de ofício da ordem, nos termos dos arts. 647-A e 654, § 2º, do Código de Processo Penal, depende da existência de flagrante ilegalidade.
Na análise de ofício, este egrégio Superior Tribunal de Justiça estabelece que o reconhecimento feito em desacordo com o procedimento legal estabelecido no art. 226 do Código de Processo Penal corroborado com outras provas produzidas no processo, desde que independentes, é suficiente para sustentar a condenação.
Nesse sentido, anoto:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. FORMALIDADES LEGAIS. PROVAS SUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso especial, mantendo a condenação dos agravantes pelo crime de roubo, previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal.
2. A controvérsia envolve a legalidade do reconhecimento pessoal realizado em inquérito policial e a suficiência probatória para a condenação dos agravantes.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se o reconhecimento fotográfico realizado na fase do inquérito policial, sem observância das formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal, pode ser utilizado como prova para condenação, quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial.
III. Razões de decidir
4. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, é válido para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal e corroborado por outras provas colhidas na fase judicial.
5. No caso concreto, a condenação dos agravantes não se baseou exclusivamente no reconhecimento fotográfico, mas também em depoimentos prestados em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que confirmaram a autoria delitiva.
6. A decisão agravada foi mantida, pois o Tribunal de origem concluiu pela existência de provas independentes e suficientes para a condenação, em conformidade com o entendimento desta Corte Superior.
IV. Dispositivo e tese
7. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. O reconhecimento de pessoa, realizado na fase do inquérito policial, deve observar as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal e ser corroborado por outras provas colhidas na fase judicial. 2. A condenação pode ser mantida quando houver provas independentes e suficientes, ainda que o reconhecimento fotográfico esteja em desacordo com o procedimento legal".
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 226; CPP, art. 155; CPP, art. 386, V e VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 652.284/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 03/05/2021; STJ, AgRg no HC 860.053/PE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 07/03/2024.
(AgRg no AREsp n. 2.702.018/PA, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 28/4/2025.)
Consigno o exposto na sentença do juízo de primeiro grau (fls . 48-49):
Rubens de Freitas, vítima, assinalou que o réu chegou pela manhã no estabelecimento comercia e pediu um copo de água. Quando foi devolver o copo, ele puxou uma arma anunciando o roubo e ordenou que o obedecesse para não ser ferido. Era um mercadinho. Ele pegou dinheiro da gaveta, uma caixinha de som, uma maquininha e um celular do seu sobrinho que estava carregando. Colocou tudo na mochila que ele carregava. Conseguiu recuperar seus pertences. Acionou a Polícia Militar que demorou uns dez a quinze minutos. Ele foi detido fora do seu estabelecimento. Na Delegacia de Polícia fez reconhecimento pessoal do réu em sala de reconhecimento. Em juízo o reconheceu sem sombra de dúvidas.
Rodrigo Alessandro de Freitas, vítima, relatou que tinha saído para fazer uma entrega de pães e, pelo monitoramento de câmeras que tem no celular, viu que havia algo estranho e correu para o mercadinho. Quando lá chegou o réu estava com a arma simulacro apontando para o seu tio. Gritou e ele saiu correndo. Foi no encalço do réu que fugiu a pé, até que ele entrou em uma área de mata e desistiu da perseguição. Acionou a Polícia Militar que efetivou a prisão dele. Na Delegacia reconheceu os bens subtraídos, bem como reconheceu o réu. Os bens subtraídos pertenciam a ele. Em juízo o reconheceu sem sombra de dúvidas.
As palavras das vítimas em solo policial, aliadas à prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório, são fundamentais para a prolação de édito condenatório.
O acervo probatório é robustecido pela prisão em flagrante do paciente no dia dos fatos (fl. 47), havendo, portanto, provas independentes do reconhecimento realizado na delegacia e em juízo. Desse modo, não há nulidade no processo.
Superado o ponto, passo a análise da dosimetria da pena. Nesse contexto, faço constar o acórdão do Tribunal a quo (fls. 27-36):
Na primeira fase a pena foi aumentada em um sexto em razão da personalidade de modo vago. Contudo, verifico que o acusado invadiu estabelecimento e de modo dissimulado pediu água para, em seguida anunciar o roubo. Tais fatos demonstram mais reprovabilidade e justificam a mantença do aumento em um sexto e a pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias- multa. [...]
Na segunda fase dada a reincidência, mantenho o aumento de um sexto e a pena de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 12 (doze) dias-multa.
No presente caso, veja-se que a pena-base foi exasperada em razão da valoração negativa da culpabilidade, visto o modo dissimulado em que foi praticado o crime - o paciente pediu água, abusou da confiança do comerciante e, em seguida, anunciou o roubo.
O egrégio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento que a valoração negativa da culpabilidade está dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada do magistrado, não havendo, no presente caso, qualquer ilegalidade a ser reparada
Anoto:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. CONCURSO DE AGENTES, EMPREGO DE ARMA DE FOGO E RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DAS VÍTIMAS. AUTORIA E MATERIALIDADE RECONHECIDAS NA ORIGEM. RECONHECIMENTO SEGURO DA VÍTIMA EM SEDE JUDICIAL. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. PROVIDÊNCIA VEDADA PELA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO NEGATIVA DOS VETORES CULPABILIDADE E CIRCUSNTÂNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. AGRAVO NÃO
PROVIDO.1. O acusado não pode ser condenado com base, apenas, em eventual reconhecimento pessoal falho, ou seja, sem o cumprimento das formalidades previstas no art. 226, do Código de Processo Penal, as quais constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um delito.2. É possível que o julgador, destinatário das provas, convença-se da autoria delitiva a partir de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato do reconhecimento pessoal falho, porquanto, sem prejuízo da nova orientação, não se pode olvidar que vigora no sistema probatório brasileiro o princípio do livre convencimento motivado, desde que existam provas produzidas em contraditório judicial.
3. No caso dos autos, as instâncias ordinárias afirmaram que a condenação não está amparada apenas no reconhecimento fotográfico, destacando as firmes declarações das vítimas que em sede judicial apontaram com certeza a autoria delitiva, os depoimentos dos policiais que atuaram na fase inquisitiva e o fato de que diversos bens subtraídos foram localizados na residência do acusado.
4. A pretensão de infirmar o pronunciamento das instâncias ordinárias que concluíram pela comprovação da autoria e materialidade, com respaldo nas provas obtidas a partir da instrução criminal, sob o pálio do devido processo legal e com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, demandaria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, providência vedada pelo óbice da Súmula 7/STJ.
5. A Corte estadual manteve a exasperação da pena-base em 1 (um) ano acima do mínimo legal, tendo em vista a negativação de 2 (duas) circunstancias judiciais, destacando a presença de elementos concretos que, de fato, extrapolam os típicos do delito de roubo, o que justifica o aumento.
6. Fixada a pena-base acima do patamar mínimo, em virtude da valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do delito, com fundamentação concreta e dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada, não há como proceder a qualquer reparo em sede de recurso especial.
7. Agravo em recurso especial a que se nega provimento.
(AREsp n. 2.811.223/PA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 26/3/2025.)
Por fim, no que tange ao regime prisional, registra-se o decidido no juízo de primeiro grau (fl. 51):
De outra parte, anoto que o réu iniciará o desconto da reprimenda corporal em regime fechado, mais apropriado aos praticantes da criminalidade violenta, como o roubo, não se coadunando o crime praticado com o regime aberto, ou semi-aberto, pois a repressão ao ato de violência seria muito branda a quem comete crimes mediante violência física ou moral atentando não só contra o patrimônio, mas, também, contra a vida e dignidade humana da vítima. Ademais, é reincidente.
E o exposto no acórdão de origem (fl. 37):
O regime fechado impõe-se. O apelante demonstrou culpabilidade acima do normal, com alta periculosidade, praticando o delito após invadir estabelecimento comercial e agir de modo dissimulado. Possui maus antecedentes e reincidência. Demonstrou ousadia, reprovabilidade e periculosidade acima do normal, sendo o regime fechado o único adequado no caso em exame, nos termos do artigo 33, §3º, c. c. artigo 59, ambos do Código Penal. Ademais, o regime menos gravoso, em face da maior reprovabilidade não terá o condão de desestimular a prática de novos crimes, o que por si só já autoriza o regime fechado.
O regime prisional mais gravoso foi justificado com base em cincurstâncias concretas do crime, tendo o Tribunal a quo demonstrado a culpabilidade acima do normal e a reincidência para justificar a imposição do regime mais gravoso ao paciente, não havendo qualquer reparo a ser feito.
Nesse contexto:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. AGRAVO IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus, no qual se buscava a absolvição do agravante, condenado por crime de receptação, ou a fixação de regime menos severo para cumprimento da pena.
2. O agravante foi preso em flagrante conduzindo veículo de origem ilícita, sem habilitação, e com declarações contraditórias sobre a posse do bem. A defesa alega ausência de tipicidade subjetiva, pois o registro de roubo do veículo foi posterior à abordagem.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se a ausência de registro formal de roubo no momento da abordagem policial inviabiliza a configuração do dolo necessário para o crime de receptação.
4. Outra questão é se a condenação por receptação pode ser mantida com base em depoimentos policiais e outros elementos probatórios, sem que a defesa tenha comprovado a origem lícita do bem.
III. Razões de decidir
5. O entendimento consolidado é que, no crime de receptação, cabe à defesa apresentar prova acerca da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, conforme o art. 156 do Código de Processo Penal, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova.
6. A ausência de registro formal de roubo no momento da abordagem não impede a configuração do crime de receptação, desde que existam indícios suficientes da origem ilícita do bem e do conhecimento do agente.
7. Os depoimentos dos policiais, revestidos de fé pública, constituem prova suficiente para a condenação, especialmente quando corroborados por outros elementos do conjunto probatório.
8. A fixação do regime inicial fechado é justificada pela reincidência do agravante e pela análise das circunstâncias judiciais, conforme o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
IV. Dispositivo e tese
9. Agravo improvido.
Tese de julgamento: "1. No crime de receptação, cabe à defesa apresentar prova acerca da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa. 2. A ausência de registro formal de roubo no momento da abordagem não impede a configuração do crime de receptação. 3. Os depoimentos dos policiais, quando coerentes e compatíveis com as demais provas, têm valor probante suficiente para a condenação".
Dispositivos relevantes citados: CP, art. 180; CPP, art. 156.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 953.457/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025;
STJ, AgRg no HC 944.894/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025.
(AgRg no HC n. 984.097/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/5/2025, DJEN de 12/5/2025.)
Dessa forma, entendo que a fundamentação utilizada pela instância de origem foi plenamente adequada e exaustiva. Não há qualquer ilegalidade ou teratologia nas palavras utilizadas e, tendo sido respeitados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, assim como a jurisprudência desta colenda Corte Superior, descaracteriza-se situação propicia à ordem de ofício.
Pelo exposto, não conheço do habeas corpus substitutivo e, na análise de ofício, não visualizo elementos capazes de caracterizar flagrante ilegalidade.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
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1. Marcio Rodrigo Cantoni (Agravante) x 2. Ministério Público Do Estado Do Paraná (Agravado)
ID: 318710042
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0073838-54.2016.8.16.0014
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABIO AUGUSTUS COLAUTO GREGORIO
OAB/PR XXXXXX
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AgRg no AREsp 2636593/PR (2024/0171874-9)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
MARCIO RODRIGO CANTONI
ADVOGADO
:
FABIO AUGUSTUS COLAUTO GREGORIO - PR053579
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO…
AgRg no AREsp 2636593/PR (2024/0171874-9)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
MARCIO RODRIGO CANTONI
ADVOGADO
:
FABIO AUGUSTUS COLAUTO GREGORIO - PR053579
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
DECISÃO
Trata-se de agravo regimental interposto em favor de MARCIO RODRIGO CANTONI contra decisão proferida pela Presidência desta Corte às fls. 9166/9167 que, com base no art. 21-E, V, c/c o art. 253, parágrafo único, inciso I, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, não conheceu do seu agravo em recurso especial, eis que incidente a Súmula n. 182 do Superior Tribunal de Justiça - STJ.
No presente regimental (fls. 9172/9178), a defesa alega que, no Agravo em Recurso Especial, impugnou especificamente o verbete da Súmula 83-STJ, trazendo precedentes no sentido da tese recursal.
Pugnou, dessarte, pelo provimento do presente agravo regimental a fim de que o seu recurso seja conhecido e provido.
O Ministério Público Federal - MPF apresentou parecer pelo conhecimento do agravo e desprovimento do recurso especial (fls. 9193/9209).
É o relatório.
Decido.
A decisão agravada não conheceu do agravo em recurso especial ao argumento de que o agravante teria deixado de impugnar especificamente o fundamento da incidência do Enunciado n. 83 do STJ (fls. 9166/9167).
De fato, na petição de agravo em recurso especial (fls. 9134/9145), verifica-se que o agravante impugnou de forma suficiente o óbice invocado.
Assim, com estas considerações, reconsidero a decisão agravada, com fundamento no art. 258, § 3º, do RISTJ, para conhecer do agravo em recurso especial, eis que também atendidos os demais pressupostos de admissibilidade.
Passo à análise do recurso especial.
Consta dos autos que o recorrente foi condenado pela prática dos crimes capitulados no art. 168, §1º, III, c/c art. 69, ambos do CP (segundo, terceiro, quarto, sexto, sétimo e nono fatos da denúncia), a uma pena de 11 (onze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 132 (cento e trinta e dois) dias-multa, ao valor unitário mínimo legal, tendo, na mesma oportunidade, sido absolvido dos crimes de apropriação indébita descritos como quinto e oitavo fatos da denúncia, de associação criminosa descrito como primeiro fato da denúncia, de estelionato por duas vezes, descritos como décimo e décimo primeiro fatos da denúncia, e de posse irregular de arma de fogo descrito como décimo segundo fato da denúncia, nos termos do art. 386, II, III e VII, do CPP.
Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso de Márcio, absolvendo-o do delito de apropriação indébita descrito como sexto fato da denúncia, e deu parcial provimento ao recurso do parquet, para condená-lo pelo crime de apropriação indébita referente ao oitavo fato, aumentando a pena fixada ao patamar de 17 anos de reclusão, em regime fechado, e 222 dias-multa, ao valor unitário mínimo legal.
Embargos declaratórios defensivos foram rejeitados (fls. 9038/9041).
No recurso especial, o recorrente sustenta violação aos arts. 619 e 315, §2º, IV, todos do CPP; (b) error in judicando evidente na valoração da materialidade do crime de apropriação indébita – posse da res, substituindo prova documental / técnica de transação financeira por interrogatório de corréu (arts. 155, 156, 158, 158-A, 167 do CPP); (c) desproporcionalidade e contrariedade ao art. 59 do CP; (d) negativa de vigência ao art. 71 do CP, frente à continuidade delitiva flagrante.
Alega omissão em relação aos seguintes questionamentos: caracterização do delito de apropriação indébita, a partir da (a) rotina de levantamento de alvará após o ano de 2008 praticado pelos advogados e a destinação do saldo ao cliente ou ao escritório GRUPO CANTONI; (b) a necessária prestação de contas dos advogados ao setor correspondente (de prestação de contas), que exigia-se o comprovante de pagamento do que direito ao cliente e o repasse dos honorários (contratuais e sucumbenciais) os escritório GRUPO CANTONI, além da prestação de informação no sistema CPPRO do escritório; (c) a prova oral produzida, cunhada no depoimento de advogados (não denunciados) e funcionários que demonstraram e corroboraram a rotina do escritório na fase de levantamento de alvarás, cuja a orientação era o pagamento ao cliente e repasse unicamente dos honorários ao escritório; (d) a ausência incontroversa de comprovantes de transferência dos alvarás levantados pelos advogados e os supostos repasses integrais ao escritório GRUPO CANTONI; (e) a indevida utilização da presunção para concluir como provada suposta transferência bancária inexistente; (f) entre outras matérias. Paralelamente à isto, trouxe igual vício de contradição e/ou ambiguidade em relação ao fato 8 descrito na denúncia, que anteriormente a sentença de primeiro grau havia absolvido o Recorrente, mas, por outro lado, o acórdão recorrido o condenou.
Afirma que a valoração da prova foi equivocada, estando incontroverso que os advogados/corréus levantaram os alvarás dos clientes, vítimas da denúncia, sendo a apropriação indébita crime de mão própria. Salienta que não há comprovante de transação bancária ou documental do repasse dos alvarás sacados pelos advogados e não se pode valorar o interrogatório do corréu como prova testemunhal em substituição à prova material. No caso, por se tratar de transação financeira, era facilmente possível ao órgão acusatório requerer ao magistrado a quebra do sigilo bancário do escritório e do recorrente, ou seja, era possível o exame de corpo de delito, pois haviam os supostos vestígios narrados na denúncia. Aduz que, historicamente, o interrogatório de corréu somente é admitido como valor probatório de testemunha na hipótese de colaborador, em sede de delação premiada, que não é o caso dos autos. Além disso, o interrogatório dos corréus Rafael e Robson são isolados nos autos, não podendo ser fundamento para reconhecimento de transação financeira e motivo para comprovação da materialidade do delito, como foi. Assegura não ser possível o Poder Judiciário valorar o exercício natural de gestão numa empresa/escritório como prova para suprir a prova técnica financeira de transferência bancária, como visto acima.
Em relação ao fato 8 da denúncia, sustenta que a denúncia narra apropriação indébita em alvará levantado pelo advogado e corréu ROBSON em 21 de janeiro de 2015, período em que ele não estava no GRUPO CANTONI. Sobre este prisma, a sentença de primeiro grau absolveu o Recorrente pelo óbvio. Contudo, o acórdão recorrido, volta-se a dizer, sob o raciocínio de que todos os alvarás levantados pelos advogados eram repassados integralmente ao escritório GRUPO CANTONI, mesmo sem qualquer prova técnica financeira – comprovantes ou quebra do sigilo bancário -, entendeu que o corréu ROBSON, mesmo o cliente sob sua exclusiva responsabilidade, repassou o saldo integral do alvará ao escritório, sem, inclusive, precisar a data, como também visto acima. Logo, somado com os argumentos da seção 6 supra, há flagrante error do acórdão recorrido.
Em relação à dosimetria, quanto à premeditação, alega que se aproveitar de situações não se subsumi àquele conceito e, ainda na culpabilidade, o grau de estudo e o fato de ser empresário não influencia ou caracteriza um plus capaz de exacerbar a conduta. Na terceira fase, a mesma condição de empresário foi utilizada para fazer incidir a causa de aumento de pena, caracterizando o bis in idem.
Pondera que não tinha conhecimento se o cliente/vítima era vulnerável ou não, mostrando-se injusto e ilegal o incremento da pena-base em razão das circunstâncias do crime. Assegura serem ínfimos os prejuízos às vítimas, o que não extrapola do tipo penal de apropriação indébita.
Aduz que não se pode concluir que fazia do crime seu meio de vida, sendo de rigor a aplicação do art. 71 do CP, pois os crimes se deram com o mesmo modus operandi e nas mesmas condições de lugar e tempo.
Requer a anulação do acórdão que rejeitou os embargos, com determinação de novo julgamento ou absolvição em relação à prática do crime previsto no art. 168 do CP; subsidiariamente, a redução da pena imposta.
Sobre as omissões, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA rejeitou os embargos declaratórios defensivos, sustentando o seguinte:
"a) a rotina de levantamento de alvarás praticada pelos advogados e a destinação do saldo ao cliente ou ao escritório Grupo Cantoni – matérias essenciais indicadas pelo embargante no petitório de mov. 1.1 – foram devidamente consideradas como tal e amplamente examinadas no acórdão embargado, tendo havido minuciosa análise de toda a prova oral coligida (inclusive as expressamente indicadas pelo embargante); b) dessa monta, e diferentemente do assinalado pela defesa, concluiu-se que, em que pese houvesse uma forma de atuação lícita para a maior parte das áreas de atuação e para a maior parte das filiais do Grupo Cantoni, em relação aos fatos da denúncia, exclusivos da matéria DPVAT e das empresas sediadas em Londrina/PR, constatou-se o desenvolvimento do descrito na denúncia e modus operandi devidamente comprovado nos autos; c) todos os e-mails colacionados nos autos foram analisados e confrontados com a prova oral e documental produzida, tendo sido destacado no acórdão a matéria pertinente para a formação de convencimento do Colegiado; d) demonstrou-se que em que pese houvesse uma forma lícita de atuar da empresa (em vários segmentos e em várias unidades, inclusive em Londrina/PR), havia exceções e o embargante se aproveitava dessas situações para obter a vantagem patrimonial ilícita; e) diferentemente do asseverado pela defesa, consoante teor da ata de mov. 975.1, a depoente Cylmara foi ouvida na condição de testemunha, sendo certo que o fato de ela ter, posteriormente, constituído uma sociedade advocatícia com os corréus Rafael e Robson não revela, por si só, sua parcialidade; f) consoante exegese sistêmica dos artigos 158 e 167, ambos do CPP, a materialidade dos crimes que deixam vestígios pode ser comprovada por outras provas que a documental/pericial, como ocorreu na hipótese vertente; g) a não indicação precisa do período em que o corréu Robson permaneceu agindo a mando do ora embargante, após a desconstituição da sociedade GSKC, não afeta a conclusão condenatória, dado que pelas provas angariadas é possível concluir que a relação entre as supramencionadas partes perdurou até 2016, o que engloba a época em que perpetrado o ilícito descrito como oitavo fato da denúncia (janeiro de 2015) e h) em tendo restado comprovadas todas as elementares do crime de apropriação indébita, inclusive o dolo, não há que se falar em mera incidência do direito civil na espécie." (fl. 9040).
Vejamos como as matérias foram definidas no julgamento da apelação:
"II – Dos crimes de apropriação indébita
Como se viu da síntese dos fatos, no que tange aos crimes de apropriação indébita, insurgem-se todos os apelantes: (i) o réu Márcio pugnando por sua absolvição por todos os ilícitos que restou condenado (fatos 02, 03, 04, 06, 07 e 09 descritos na denúncia); o réu Robson requerendo a sua absolvição pelo crime que restou condenado (fato 08 descrito na denúncia) e o Ministério Público pleiteando a condenação do réu Márcio pelo ilícito descrito como oitavo fato da denúncia, do réu Robson pelos crimes descritos como segundo, terceiro, quarto, sexto, sétimo e nono fatos da denúncia e do réu Rafael pelos delitos descritos como segundo, terceiro, quarto, sexto, sétimo, oitavo e nono fatos da denúncia.
Pois bem.
Da análise minuciosa de todas as provas angariadas, e em que pese o posicionamento parcialmente distinto da douta Procuradoria Geral de Justiça, entendo ser o caso de (i) dar parcial provimento ao apelo do réu Márcio, para o fim de lhe absolver pelo crime de apropriação indébita descrito como sexto fato da denúncia, nos termos do art. 386, VII, do CPP; (ii) dar provimento ao recurso do réu Robson, para o fim de lhe absolver pelo delito de apropriação indébita descrito como oitavo fato da denúncia, nos termos do art. 386, VII, do CPP e (iii) dar parcial provimento à apelação ministerial, para o fim de condenar o réu Márcio pelo ilícito de apropriação indébita descrito como oitavo fato da denúncia.
Com efeito. De início, no que tange ao sexto fato da denúncia, importa registrar que, a meu ver, inexistem provas suficientes nos autos a comprovar a autoria delitiva.
Dessa monta, constata-se que a vítima Mauro somente foi ouvida na fase extrajudicial (mov. 75.7), tendo-se em conta seu falecimento antes da data da audiência de instrução e julgamento (mov. 576.2), não tendo havido a produção de qualquer elemento de prova judicial a roborar o alegado pelo ofendido na fase inquisitorial, isto é, de que dois rapazes (sem saber identificar seus nomes ou características físicas) teriam lhe procurado informando que tinha direito a receber um resíduo do valor de indenização do seguro DPVAT, tendo três meses depois, um terceiro indivíduo, de nome Orlando, lhe procurado para que assinasse alguns documentos para que fosse possível formular o pleito judicial, sendo que após tais ocasiões, que ocorreram no ano de 2006, não recebeu qualquer outra informação sobre a ação judicial, não tendo recebido qualquer montante, mesmo tendo descoberto, através de outro advogado, que seu processo teria sido julgado procedente e o valor já teria sido levantado.
Saliente-se que, em juízo, nenhuma testemunha foi capaz de expor detalhes acerca do que efetivamente aconteceu com o ofendido Mauro, isto é, quem teria abordado a vítima inicialmente, quais documentos efetivamente teriam sido fornecidos e assinados pelo ofendido (rememorando-se que a própria vítima indicou que lhe foi informado que, para além do seguro DPVAT, teria direito a receber valores referentes aos expurgos inflacionários – o que também era objeto de ações judiciais do Grupo Cantoni), e se efetivamente houve a contratação de serviços advocatícios dos inculpados, afinal, a vítima indicou que foi até um escritório situado na Rua Santa Catarina, endereço esse que não corresponde a quaisquer dos endereços do supramencionado grupo (Rua Nevada, Avenida Higienópolis e Rua Minas Gerais).
Por tal razão, denota-se que a oitiva da vítima em juízo seria essencial para o deslinde do caso, notadamente para atender o disposto no art. 155 do CPP, que veda ao juiz fundamentar sua decisão exclusivamente em elementos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Tal necessidade só se agrava ao considerar, como bem pontuado pela defesa do réu Márcio, que, em todos os processos a que os apelados respondem, diversos clientes tidos como vítimas, quando ouvidos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, elucidaram melhor os fatos e muitas vezes divergiram de seus relatos extrajudiciais.
A título ilustrativo, pode-se citar o fato 05 destes autos, em que o suposto ofendido (Adriano – mov. 75.7 e 971.3) relatou em juízo que havia recebido o que lhe era de direito, culminando na absolvição já em primeiro grau (mov. 1757.7 a 1757.11). Situação parecida ocorreu quanto ao fato 05 dos autos de nº 0029211-28.2017.8.16.0014 e os fatos 04 e 07 dos autos de nº 0016376-[5] 08.2017.8.16.0014
Dessa forma, nos presentes autos, nada garante que a suposta vítima Mauro, se ouvida durante a instrução processual, também não viesse a alterar sua versão ou apresentar elementos novos não expostos anteriormente, afastando ou colocando em dúvida a responsabilidade penal do ora apelante.
Assim, e nos termos do art. 386, VII, do CPP, imperiosa a absolvição do réu Márcio pelo crime de apropriação indébita descrito como sexto fato da denúncia, consoante o seguinte entendimento:
(...)
Atente-se que pelas mesmas razões, entendo impossível acolher o pedido do Ministério Público de condenação dos réus Robson e Rafael no que diz respeito ao crime de apropriação indébita descrito como sexto fato da denúncia.
No que tange aos demais delitos pelos quais o réu Márcio pugna por sua absolvição (fatos 02, 03, 04, 07 e 09), assim como o Ministério Público pugna pela condenação dos apelados Rafael e Robson, entendo que não assiste razão à defesa e ao Ministério Público.
Isso porque, consoante todas as provas documentais e orais angariadas, resta evidente que a[7] negativa de autoria apresentada pelo inculpado Márcio (mov. 1552.3) se encontra isolada nos autos, sendo que, quanto aos réus Robson e Rafael, não há provas cabais da sua participação nos atos delitos realizados.
Nesse sentido, me valendo, uma vez mais, de legítima fundamentação per relationem, transcrevo, no que pertine, novo excerto do parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, :in verbis:
(...) Quanto aos fatos 2, 3, 4, (...), 7, e 9 (apropriações indébitas), a materialidade delitiva fora comprovada pelos seguintes documentos: a) Boletim de Ocorrência (mov. 75.2); b) Relatórios da Autoridade Policial (movs. 75.6, 75.23, 75.154, 75.156, 75.161, 75.189, 75.209/75.212); c) Laudos Periciais (movs. 75.128, 75. 172); d) documentos inerentes às ações buscando o recebimento de valores referentes ao DPVAT (movs. 75.8, 75.10, 75.11, 75.12 a 75.18, 75.24 a 75.44, 75.48 a 75.90, 75.138, 75.157, 75.162/75.164, 75.176/75.177, 75.199, 75.202/75.206); e) mandado de busca e apreensão (mov. 75.98 a 75.122) e; f) auto de exibição e apreensão (mov. 75.152)
A autoria, do mesmo modo, restou comprovada pelos depoimentos obtidos tanto em sede de investigação criminal como em juízo, nesse sob o crivo da ampla defesa e do contraditório, a qual recai sobre Márcio.
Para que seja configurado o delito de apropriação indébita é necessário que o agente possua ou detenha a posse do bem alheio de modo legítimo, bem como que ele possa dispor livremente da coisa, exercendo sobre ela uma liberdade desvigiada.
Segundo ensinamento de Bento de Faria: "a preexistência da posse do sujeito ativo e é uma condição que constitui o pressuposto de fato do delito de apropriação indébita. A coisa deve se achar com o agente, legalmente, antes da apropriação, isto é, sem subtração, fraude ou violência, pois se houvesse de recorrer a esses meios para obtê-la, ou a sua disponibilidade, praticaria delito diverso ”[8] (...).
In casu, conforme se observa da análise das provas, o apelante Márcio exercia a posse dos valores, provenientes dos processos administrativos e judiciais postulados pelos advogados, uma vez que os causídicos repassavam integralmente o dinheiro e os cheques levantados pelos alvarás à empresa “Cantoni Revisões”, pertencente ao apelante, que exercia um rígido controle sobre as questões financeiras, bem como usufruía do quantum arrecadado.
Em seu interrogatório judicial (mov. 160.16), Márcio Rodrigo Cantoni negou a prática dos crimes e narrou que os advogados repassavam integralmente os alvarás para que ele realizasse o pagamento para as vítimas, bem como que realizou o pagamento conforme os advogados repassavam os alvarás. Que quando os clientes não eram encontrados, entravam em contato. Outrossim, que tentou localizar os clientes.
Ao serem ouvidos em juízo, Robson e Rafael confirmaram que os valores referentes ao levantamento dos alvarás eram repassados para Márcio, os quais eram depositados em contas da empresa, indicadas pelo setor financeiro. Ainda, ambos ratificaram que Márcio insistia que os valores deveriam ser repassados diretamente para ele, pois o contrato era entre Márcio e o cliente. Outrossim, Rafael declarou que “Márcio usou o dinheiro das ações como se fosse dele”.
Oportuno consignar que diversas testemunhas que trabalharam na empresa “Cantoni Revisões”, de propriedade de Márcio, confirmaram que os valores dos alvarás deveriam, por orientação deste, ser depositados integralmente na conta da empresa de Márcio, devendo a referida sociedade repassar o dinheiro aos clientes. Neste sentido foram os depoimentos de Gabriella Barbosa, Thiago Marques, Marcelo Ângelo e Denis Okamura.
Além disso, observa-se das provas que Márcio exercia um rígido controle sobre os repasses, conforme se observa dos e-mails que enviou aos advogados (movs. 1627.40 e 1627.33), vejamos:
“Robson, não recebi a prestação de contas do caso em anexo, aguardo com urgência, processo arquivado no mês fevereiro desse ano. Márcio R. Cantoni Diretor Geral/Londrina/PR
Neste contexto, como bem expôs a Juíza sentenciante (mov. 1757.7, fl. 10): “(...) consoante destacado alhures, embora os advogados fossem responsáveis pelo levantamento dos alvarás e pelo recebimento dos cheques relativos às indenizações pelo seguro DPVAT, estes faziam, mensalmente, uma prestação de contas ao administrador Márcio. (...)(...).
Logo, observa-se que a orientação por parte da empresa “Cantoni Revisões”, de propriedade de Márcio, era que os valores dos processos deveriam ser depositados diretamente para a empresa, e esta, posteriormente, deveria repassá-los aos clientes. Todavia, o repasse não ocorria, ficando Márcio com o dinheiro dos clientes, restando evidente que o apelante apropriou-se de coisa alheia móvel (dinheiro), de que tinha a posse.
Além disso, embora Márcio tenha alegado que procurava as vítimas para realizar os pagamentos, tal tese é isolada e dissonante do lastro probatório, pois os ofendidos foram contundentes no sentido de que não foram procurados e que não mudaram de endereço. Outrossim, algumas das vítimas, inclusive, alegaram que chegaram a entrar em contato com a empresa, mas não receberam os pagamentos. Vejamos:
A vítima do fato 2, Júnior Barbosa da Mota, ao ser ouvida em juízo, narrou que foi procurado no mesmo endereço que reside, pelos representantes da “Cantoni”, para entrarem com a ação. Que procurou outro escritório e tomou ciência que o valor já havia sido sacado, mas não recebeu o dinheiro . Portanto, teve um prejuízo de R$ 612,34 (seiscentos e doze reais e trinta e quatro centavos), consoante o alvará juntado ao mov. 176.4.
Por sua vez, , asseverou que trabalhava na roça, a vítima do fato 3, João Fernandes da Silva quando lá esteve um rapaz da “Cantoni” e pegou os seus documentos, informando que logo sairia o seu . Assim, teve um prejuízo de R$ 16.500,00 (dezesseis mil edinheiro. Porém, nunca recebeu os valores quinhentos reais), conforme os documentos juntados ao mov. 176.7.
Ao ser ouvida perante a autoridade judicial, ,a vítima do fato 4, Edilson Caixes da Silva declarou que foi até a empresa “Cantoni”. Que explicaram que ele teria direito de receber uma quantia em dinheiro em decorrência do acidente que havia sofrido, motivo pelo qual concordou em entrar com o requerimento. Todavia, não ficou sabendo do resultado positivo da ação, tendo tido um prejuízo de R$ 10.702,74 (dez mil, setecentos e dois reais e setenta e quatro centavos, conforme acordo juntado ao mov. 176.11. (...)
Por sua vez, , consignou em juízo que em 2006 fora a vítima do fato 7, Noel Florêncio Dias procurado por uma pessoa oferecendo-lhe serviços jurídicos para obtenção de indenização do seguro obrigatório DPVAT. Que procurou o escritório e o advogado Luís o informou ter sido feito um acordo em seu nome. Porém, nunca foi informado sobre a existência do acordo e não recebeu tais valores, tendo tido um prejuízo de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), conforme documentos colacionados no mov. 176.21.
A vítima do fato 8, Danilo Reale, narrou que sofreu um acidente e procurou a empresa “Cantoni” para receber a indenização do DPVAT. Que entrou em contato algumas vezes e sempre era comunicado que a ação estava em andamento, que nunca falaram que já haviam recebido os valores Assim, teve um prejuízo de R$5.999,67correspondentes, bem como que nunca recebeu dinheiro algum. (cinco mil novecentos e noventa e nove reais e sessenta e sete centavos), consoante o alvará juntado ao mov. 176.4, conforme os documentos juntados no mov. 176.23.
Por seu turno, ao ser ouvida perante a autoridade judicial, o sobrinho da vítima do fato 9 (já declarou que tem conhecimento da ação do DPVAT, pois se lembra de ter levado a vítima falecida), (...) no escritório, mas nunca comentaram sobre a indenização do seguro DPVAT; que a vítima não recebeu Desta maneira ,o valor, pois seria o depoente quem, provavelmente, a levaria para receber o dinheiro. a ofendida teve um prejuízo de R$ 4.083,75 (quatro mil e oitenta e três reais e setenta e cinco centavos), nos termos do acordo juntado ao mov. 176.29. (...)
Logo, restou demonstrado que Márcio, dolosamente e previamente determinado, consciente da ilicitude e censurabilidade de sua conduta, apropriou-se do dinheiro das vítimas dos fatos 2, 3, 4, (...) 7 e 9, de que tinha posse, na condição de dono e gestor da empresa “Cantoni Revisões”.
Isto posto, ante o sólido acervo probatório, resta imperiosa a manutenção do decreto condenatório, pois a autoria de Márcio Rodrigo Cantoni quanto aos crimes descritos nos fatos 2, 3, 4, (...) 7 e 9 (todos de apropriação indébita) foi comprovada de maneira indubitável. (...)”(sem destaque no original).
Acrescente-se, quanto à necessidade de manutenção da condenação do réu Márcio, por relevante, que: a) a palavra da vítima, em crimes contra o patrimônio, normalmente perpetrados na clandestinidade, ganha especial relevância e pode, quando harmônica e coerente em todas as fases processuais, ensejar, por si só, a condenação, ainda mais quando em total dissonância com o disposto no art. 156 do CPP, não trouxe a defesa qualquer elemento de prova a demonstrar que estivessem os ofendidos falseando a verdade, por interesse direto na causa ou animosidade prévia ao flagrante ;[9] b) diferentemente do asseverado pela defesa, as narrativas dos ofendidos restaram integralmente corroboradas pelos documentos colhidos nos autos (mov. 75 e 176) e depoimentos da corré absolvida Thaísa, do informante Denis e da testemunha Cylmara (advogados do Grupo Cantoni à época),[10] da testemunha Luís Gustavo (responsável pelo setor financeiro), dos réus absolvidos nos autos de nº 0029211-28.2017.8.16.0014 e 0016376-08.2017.8.16.0014, Gabriella e Marcelo (advogados nas filiais de São José dos Campos/SP e Ubatuba/SP e também responsáveis pelo ingresso de ações relativas ao seguro DPVAT) e da testemunha Solange (que trabalhou no Grupo Cantoni na época de parte dos fatos), não havendo que se falar em contradições em seus relatos; c) diferentemente do aduzido pelo réu Márcio, no sentido de que era apenas ocupante da posição de gestor das empresas, seus funcionários relataram, em juízo, que o inculpado efetivamente orientava sobre como deveria ser a conduta dos seus funcionários, e, para além disso, era bastante controlador, a ponto de exigir prestações de contas de todos os advogados que trabalhavam para si acerca de todos os processos que eram de incumbência do Grupo Cantoni; d) no mais, e apesar da inexistência de comprovantes de que os valores levantados em nome dos ofendidos Junior (fato 02), João (fato 03), Edilson (fato 04), Noel (fato 07) e Lourdes (fato 09) foram efetivamente depositados em alguma conta de Márcio, de suas empresas ou de outros denunciados, também deve-se reconhecer que o acervo probatório dos autos, como já assinalado linhas acima, demonstra que os valores manuseados pelos advogados após levantamento de alvarás e recebimento de cheques eram, sim, destinados diretamente a Márcio, até certo momento (nos idos de 2008 ), e posteriormente passaram a ser depositados em alguma[11] conta das empresas, sob responsabilidade do departamento financeiro e sempre sob a supervisão do acusado ; e) aliás, de acordo com o depoimento judicial de Luís Gustavo (mov. 1355.2), que[12] atuou como encarregado financeiro do “Grupo Cantoni”, os cheques nominais eram depositados em conta indicada por Márcio, em seus valores integrais, ao passo que os valores oriundos de alvarás ora eram repassados pelo advogado já descontados os honorários contratuais e sucumbenciais, ora eram encaminhados integralmente ; f) nesse aspecto, e de acordo com a supramencionada testemunha,[13] o pagamento poderia deixar de ser realizado, ao menos momentaneamente, no caso de a empresa estar com algum problema relativo ao fluxo de caixa, o que indica a possibilidade de utilização do dinheiro pertencente aos clientes para fins diversos, já que as própria vítimas indicaram que não receberam os valores que lhes eram devidos; g) diferentemente do asseverado pela defesa, a consumação do crime não depende da procura, por parte da vítima, do escritório de advocacia para receber seus valores, sendo evidente que a conduta do inculpado de, em alguns casos, sequer efetuar qualquer diligência efetiva a fim de que fossem localizados os clientes e procedido o repasse, demonstra, sem sombra de dúvidas, o dolo da apropriação e h) ainda, tenho para mim que o dolo resta comprovado em vista das condutas do apenado (demonstradas por diversas das testemunhas ouvidas no feito) de atuar como se o dinheiro dos clientes fosse de sua propriedade, não realizando a consignação em pagamento quando da não localização das pessoas que faziam jus às quantias obtidas ou, ainda, não efetuando o depósito dos referidos montantes em contas bancárias distintas da do fluxo financeiro da empresa.
(...)
Assim, estando a materialidade e a autoria delitivas devidamente comprovadas, como restou consignado em sentença, mantenho a condenação do réu Márcio como incurso no art. 168, §1º, III, do CP referente ao segundo, terceiro, quarto, sétimo e nono fatos descritos na denúncia. No mais, impossível condenar os réus Robson e Rafael pelos crimes de apropriação indébita descritos como segundo, terceiro, quarto, sétimo e nono fatos da denúncia, como postulado pelo Ministério Público. Nesse viés, realmente existem alguns indícios de suas contribuições dolosas para o cometimento de fraudes no âmbito do “Grupo Cantoni”, como os fatos de (i) terem constituído a sociedade advocatícia “GSKC” ao lado de outros dois advogados, a pedido do corréu Márcio ,[14] após a “Revisões Cantoni” sofrer fiscalização da Ordem dos Advogados do Brasil, demonstrando ser pessoas de confiança do réu Márcio; (ii) terem permanecido vinculados a alguns processos da empresa mesmo após a desconstituição da sociedade GSKC por volta do ano de 2014, sob o pretexto de garantir um “acerto” e pagar os clientes (cf. seus próprios relatos ); (iii) terem noticiado à autoridade policial as possíveis fraudes do “Grupo Cantoni” somente em 2016, mesmo alegando terem conhecimento desde 2012 de que clientes não recebiam os valores devidos (cf. seus próprios relatos) e (iv) terem, consoante as provas orais coligidas nos autos, acesso integral ao sistema CP- Pro, em que havia a indicação de todas as ações ajuizadas pelo Grupo, com informações expressas sobre levantamento e repasse dos valores dos alvarás. Apesar disso, quanto aos casos em exame, entendo que alguns contrapontos devem ser realizados.
Primeiro, impende consignar, uma vez mais, que o simples fato de Robson e Rafael figurarem como sócios da sociedade de advogados constituída a mando do corréu Márcio não constitui elemento suficiente a atribuir-lhes culpa por atos cometidos no âmbito da pessoa jurídica, sob pena de configuração de responsabilidade objetiva, o que é vedado no âmbito do Direito Penal. Aliás, como visto, outros dois advogados figuraram como sócios da referida sociedade, de sorte que eventual responsabilidade penal não poderia recair sobre os acusados Robson e Rafael somente pelo fato de terem sido responsáveis pelos levantamentos dos alvarás nos processos cíveis ajuizados em nome das vítimas Junior, João, Edilson, Noel e Lourdes. Até porque, conforme relatou o inculpado Rafael, os referidos advogados foram escolhidos por Márcio para serem sócios da GSKC em virtude de estarem há mais tempo na empresa, sem qualquer predileção individual entre eles ou por razão mais específica de confiança. Segundo, conforme amplamente fundamentado acima, as provas orais colhidas no feito indicam que, em geral, os advogados eram orientados a encaminhar os valores levantados nos processos judiciais diretamente ao setor financeiro do “Grupo Cantoni”, a quem caberia, sob a supervisão do réu Márcio, o repasse dos valores aos clientes.
Além disso, também evidenciam que, em regra, as documentações eram obtidas pelos “captadores” externos e internos e já chegavam prontas para os advogados ajuizarem as ações. Terceiro, tendo-se em conta que o fato de Rafael e Lucas terem acesso integral ao sistema CP- Pro - como todos os demais advogados, os funcionários ligados ao sistema financeiro e o gestor da empresa, o corréu Márcio - não autoriza a conclusão cabal de que deveriam saber que os valores não foram repassados às vítimas, uma vez que seguiam a orientação expressa do referido gestor ao encaminhar os valores para as contas bancárias indicadas pelo corréu, tendo ciência que, nem sempre, as vítimas eram rapidamente localizadas, razão pela qual a “baixa” no sistema poderia demorar a ocorrer. Aliás, expressamente o inculpado Rafael indicou que “(...) em virtude da quantidade de processos que atuava, era impossível controlar pessoalmente se todos os clientes recebiam os (...)” [sic], sendo que “(...) valores a que faziam jus a empresa tinha um telefone de atendimento ao público, portanto, raramente recebia ligações de clientes ()
Desse modo, tendo como base o que efetivamente restou comprovado nos autos, nada há que indique que os réus Rafael e Robson tinham conhecimento ou participavam dos procedimentos de captação ou que tivessem algum controle sobre o repasse de valores aos clientes; em outras palavras, inexistem provas seguras de que eles possuíam domínio do fato relativamente às imputações lhe direcionadas, não sendo possível presumi-lo somente com base nas posições que os acusados ocupavam no grupo empresarial em comento.
De mais a mais, o fato de os réus terem permanecido vinculados a processos relacionados ao grupo empresarial mesmo após seus desligamentos da sociedade GSKC, bem como de ter noticiado a autoridade policial sobre possíveis fraudes somente no ano de 2016, em que pese constituam indícios de responsabilidade penal, evidentemente não comprovam, por si sós, o dolo e o efetivo cometimento de crimes de apropriação indébita no âmbito da empresa. Assim, e nos termos do art. 386, VII, do CPP, mantenho a absolvição dos réus Rafael e Robson pelos crimes de apropriação indébita descritas como segundo, terceiro, quarto, sétimo e nono fatos da denúncia.
Atente-se, especificamente quanto ao oitavo fato da denúncia - e com base em tudo que já foi exposto até aqui -, que, a meu ver, é o caso de manter a absolvição do réu Rafael (em relação ao qual nenhuma outra consideração deve ser realizada), nos termos do art. 386, VII, do CPP; absolver o apenado Robson, também com base no princípio , e condenar o inculpado Márcio. in dubio pro reo
Dessa monta, e diferentemente do que entendeu o Juízo singular, as provas revelam que a desconstituição da sociedade GSKC, no ano de 2014, não extinguiu, de imediato, o vínculo empregatício existente entre Robson e Márcio, tendo o primeiro continuado a agir, ainda que por mais um período , a mando do segundo, efetuando-lhe os repasses dos alvarás levantados.[16]
Nesse sentido, importa salientar que: a) o réu Márcio, em seu interrogatório, indicou que até a operação do GAECO, ocorrida em 2016, “(...) (...)” [sic] de Rafael e Robson, nunca teve uma saída pontuando que “(...) quando eles trabalhavam perto de mim, havia um maior respeito, havia um maior é um maior laço, depois que montaram o escritório na Higienópolis desvincularam um pouco já o laço, mas ainda tinha (...) os réus Robson e Rafael, após saírem da empresa, continuaram atuando em processo de DPVAT da “Cantoni” o inculpado Robson, em que pese tenha sustentado que manteve em sua posse alguns dos processos do “Grupo Cantoni” como forma de garantir um “acerto”, expressamente, quando questionado acerca da vítima do oitavo fato, Danilo, pormenorizou que “(...) não localizou a vítima Danilo Reale para apagamento e, pressionado pelo corréu Márcio, aceitou entregar a quantia levantada aos cofres da Cantoni (...)” [sic]; c) aliás, quanto aos processos retidos como forma de garantir um“ Revisões” “acerto” , tanto Robson como Rafael indicaram que começaram a receber ameaças advindas do[17] corréu Márcio quando deixaram de efetuar os repasses, assinalando que isso somente se deu em maio /junho de 2016, quando então procuraram as autoridades; d) o corréu Márcio, por sua vez, confirmou o fato de Robson e Rafael terem parado de efetuar repasses ao Grupo Cantoni, porém não soube[18] indicar exatamente quando isso aconteceu, sendo que nenhuma outra testemunha tampouco pode fornecer maiores detalhes acerca desse fato e e) o alvará referente ao processo judicial movido em favor da vítima Danilo foi levantado por Robson em 21 de janeiro de 2015 (mov. 176.26), isto é, pouco tempo depois da dissolução da sociedade GSKC, a qual se deu em 19 de março de 2014 (mov. 75.22), tendo-se em conta a data da procura das autoridades por parte de Robson e Rafael (11 de agosto de 2016).
Assim, quanto a Robson, evidente que deve preponderar o mesmo entendimento exarado quando das apropriações indébitas descritas como segundo, terceiro, quarto, sétimo e nono fatos da denúncia, impondo-se a sua absolvição pelo crime de apropriação indébita descrito como oitavo fato da denúncia, nos termos do art. 386, VII, do CPP.
Já quanto ao réu Márcio, e se baseando na mesma lógica dos supramencionados fatos - de que o apenado era mais do que o simples gestor das empresas, exercendo o controle de todos os procedimentos adotados por seus colaboradores e recebendo as vantagens financeiras dos atos praticados -, entendo que há provas suficientes acerca da materialidade e autoria delitivas, consoante se extrai, notadamente, do boletim de ocorrência de nº 2016/923124 (mov. 75.2), documentos acostados às movs. 75.176 a 75.180 e 75.201 a 75.206, cópia da ação cível de mov. 176.23 a 176.26 e provas orais coligidas no feito.
Assim, imperiosa se afigura a condenação do réu Márcio pelo crime de apropriação indébita descrito como oitavo fato da denúncia" (fls. 8974/8984).
Vê-se dos excertos que não há omissão por parte da Corte Estadual e sim inconformismo com o resultado do julgamento. Em resumo, foram sanadas as dúvidas acerca de possível ocorrência de error in judicando a partir das provas dos autos; afirmada a existência de prova testemunhal, corroborada por prova material, que supriria a ausência de prova documental acerca da transferência de valores, além da comprovação de relação entre os réus até o ano de 2016. A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DE LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI 8.666/1993). COMPROVAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO E DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. DESNECESSIDADE. CRIME FORMAL. SÚMULA 645 DO STJ. PARTICIPAÇÃO DO AGENTE PARA FRUSTRAR O CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO DEMONSTRADA. ALTERAÇÃO DA PREMISSA FÁTICA DO ACÓRDÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 84, § 2º, DA LEI N. 8.66/1993. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE CORRESPONDÊNCIA NA LEGISLAÇÃO VIGENTE. NOVA LEI MAIS BENÉFICA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A Sexta Turma firmou a compreensão de que a transgressão aos princípios da moralidade e da probidade, que amparam todo e qualquer procedimento licitatório, bem como seu caráter concorrencial congênito, acarreta a prática delitiva prevista no dito art. 90 da Lei de Licitações, independentemente de se demonstrar dolo específico ou prejuízo ao erário, diferentemente do que se dá em relação ao delito positivado no art. 89 da aludida lei. Nesse sentido é o enunciado sumular n. 645 do STJ: "O crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da comprovação do prejuízo ou da obtenção de vantagem". Precedentes.
2. No caso, embora haja absolvido o réu sob a premissa equivocada de que o delito descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico e do prejuízo aos cofres públicos, caso contrário se estaria diante de infração administrativa, o Tribunal de origem debateu e constatou a configuração do dolo genérico que tipifica o crime.
3. Devidamente firmada a conclusão de que as provas dos autos demonstram que houve dolo genérico de frustrar o caráter competitivo da licitação, o acórdão de origem, corretamente, em novo julgamento determinado por esta Corte, nos embargos de declaração, manteve a condenação e limitou-se a analisar a dosimetria da pena.
4. Alterar a inferência firmada na origem, de que os acusados frustraram o caráter competitivo da licitação, a fim de absolvê-los por ausência de dolo, demandaria reexame de fatos e provas, o que não é admitido em recurso especial, por força da Súmula n. 7 do STJ.
5. O acórdão recorrido, integrado em embargos de declaração, enfrentou todas as questões essenciais à resolução da controvérsia.
O reconhecimento de violação do art. 619 do CPP pressupõe a ocorrência de omissão, ambiguidade, contradição ou obscuridade. A assertiva, no entanto, não pode ser confundida com o mero inconformismo da parte com a conclusão alcançada pelo julgador que, apesar das teses propostas, lança mão de fundamentação idônea e suficiente para a formação do seu convencimento. Assim, fica afastada a ilegalidade indicada.
6. Quanto à aplicação do art. 84, § 2º, da Lei n. 8.666/1993, reforma-se a decisão agravada. Isso porque a Lei n. 14.133/2021, ao revogar a Lei n. 8.666/1993 integralmente e não ter uma previsão de correspondência na legislação vigente em relação à causa de aumento de pena disposta no art. 84, § 2º, desse diploma legal, configura-se como nova lei mais benéfica neste ponto. Assim, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, a lei em vigor deve retroagir para impedir que a majorante seja aplicada no cálculo da pena do ora agravante.
7. Agravo regimental parcialmente provido, a fim de afastar a aplicação da majorante descrita no art. 84, § 2º, da Lei n. 8.666/1993 e alterar a pena definitiva do agravante Mário Sérgio Leiras Teixeira para 2 anos de detenção e 10 dias-multa.
(AgRg no AREsp n. 2.786.212/RO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 16/6/2025.)
A tese de mal valoração da prova, que incorreria no error in judicando, implica primeiro consignar que tanto o juízo primevo como o colegiado entenderam suficientes as provas da materialidade e da autoria delitivas referentes aos fatos 02, 03, 04, 07 e 09. Isso não só com base na prova oral colhida dos corréus absolvidos Robson e Rafael, como quer fazer crer a defesa, como também das testemunhas, além das palavras das vítimas, para as quais se deu especial relevância, tudo a corroborar que os valores referentes ao levantamento dos alvarás eram repassados ao recorrente e depositados em contas da empresa.
Concluiu aquela Corte que, apesar da inexistência de comprovantes de que os valores levantados em nome dos ofendidos Junior (fato 02), João (fato 03), Edilson (fato 04), Noel (fato 07) e Lourdes (fato 09) foram efetivamente depositados em alguma conta de Márcio, de suas empresas ou de outros denunciados, também deve-se reconhecer que o acervo probatório dos autos, como já assinalado nas linhas acima, demonstra que os valores manuseados pelos advogados após levantamento de alvarás e recebimento de cheques eram, sim, destinados diretamente a Márcio, até certo momento (nos idos de 2008), e posteriormente passaram a ser depositados em alguma conta das empresas, sob responsabilidade do departamento financeiro e sempre sob a supervisão do acusado.
Destarte, não se pode, quanto a estes fatos, revolver matéria fático-probatória, sob pena de incidência da Súmula n. 7/STJ.
Embora o crime de apropriação indébita seja material, necessitando da ocorrência de resultado naturalístico para a sua configuração, esta Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal pacificaram o entendimento de que para a comprovação da disponibilidade da coisa alheira móvel pelo possuidor e detentor como se proprietário fosse é desnecessária a realização de perícia, notadamente nos casos em que a infração não deixa vestígios (RHC n. 49.497/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/10/2014, DJe de 14/10/2014).
E ainda que se cogite vestígios, no caso dos autos, foi produzida farta documentação probatória a fundamentar a imputação tal como formulada, tornando a perícia dispensável. No sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA. INDEFERIMENTO DE PROVA DEVIDAMENTE MOTIVADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REVERSÃO DO JULGADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DAS SÚMULAS N. 7/STJ E 279/STF. ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DOSIMETRIA. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. FRAÇÃO DE AUMENTO ADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A Corte originária reconheceu a existência de elementos de prova suficientes para embasar o decreto condenatório pela prática do crime de apropriação indébita majorada. Assim, a mudança da conclusão alcançada no acórdão impugnado, de modo a absolver a acusada, exigiria o reexame das provas, o que é vedado nesta instância extraordinária, uma vez que o Tribunal a quo é soberano na análise do acervo fático-probatório dos autos (Súmulas n. 7/STJ e 279/STF).
2. Na hipótese, o magistrado indeferiu, de forma motivada, o pedido de perícia contábil, destacando, ainda, que a materialidade estava extensamente amparada em outras provas. Assim sendo, fica claro que reverter tal entendimento, no intuito de concluir pela necessidade ou não de produção da prova, demandaria o necessário revolvimento do arcabouço fático-probatório, o que não se coaduna com a via eleita.
3. A arguida inobservância da cadeia de custódia não foi objeto de análise pelo acórdão recorrido, inexistindo o requisito do prequestionamento, motivo pelo qual não pode ser analisada, ante o que preceituam as Súmulas n. 282 e 356/STF.
4. Não se verifica ilegalidade quanto ao patamar máximo de aumento decorrente da continuidade delitiva, pois, apesar da impossibilidade de estabelecer o número exato de infrações perpetradas, considerou a instância estadual que certamente foram superiores a sete, já "que a ação da apelante perdurou durante cinco anos, praticando, por inúmeras vezes, o delito a ela imputado".
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.302.743/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024.)
Quanto ao fato 08, apesar da sentença absolutória ter sido alterada, o foi porque as provas revelaram que a desconstituição da sociedade GSKC, no ano de 2014, não extinguiu, de imediato, o vínculo empregatício existente entre Robson e Márcio, tendo o primeiro continuado a agir, ainda que por mais um período, a mando do segundo, efetuando-lhe os repasses dos alvarás levantados.
Sendo assim, aqui não se trata de revaloração da prova, mas de revolvimento, pois o aresto combatido concluiu pela existência de prova ignorada pelo sentenciante, não se podendo também alterar o decisório para fins absolutórios, a teor da Súmula n. 7/STJ. No sentido:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA. ART. 168, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL - CP. ABSOLVIÇÃO, AUSÊNCIA DE DOLO OU ATIPICIDADE DA CONDUTA. INCURSÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. FRAÇÃO DE AUMENTO PELA AGRAVANTE EM 1/6. RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. PRECEDENTES. PENA DE MULTA. SISTEMA TRIFÁSICO. SÚMULA N. 83/STJ. PENA PECUNIÁRIA. CONDIÇÕES FINANCEIRAS. ALTERAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. ÓBIDE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. NÃO CONHECIMENTO PELA ALÍNEA "C" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. No que tange à pretendida absolvição por falta de provas, ausência de dolo ou atipicidade de conduta, inafastável a incidência da Súmula n. 7/STJ, pois tendo o Tribunal a quo, no exame do conjunto probatório, entendido que restou demonstrada a autoria e materialidade delitivas, estando evidenciado o dolo da agente, para se concluir de modo diverso, pela absolvição, seria necessário o revolvimento fático-probatório, o que não se viabiliza em recurso especial.
2. Sobre o aumento pela incidência da agravante do art. 61, II, h, do CP, o aresto decidiu de acordo com o entendimento desta Corte, pois na hipótese dos autos o aumento foi de 1/6, não havendo qualquer desproporcionalidade. Registre-se, ainda, que é conferida autonomia ao julgador para utilizar fração diversa, sob condição de apresentar fundamentação concreta.
3. Quanto à pena de multa, foi observado o sistema trifásico, não existindo confronto entre o aresto estadual e a jurisprudência desta Corte, razão porque aplicado o Enunciado n. 83 da Súmula desta Corte, fundamento suficiente para o não conhecimento do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional. A ausência de cotejo analítico é apenas argumento subsidiário.
4. O acórdão considerou a situação financeira do réu para estabelecer o quantum da pena pecuniária, a desconstituição das premissas fáticas do acórdão para apurar a situação econômica do réu implicaria revolvimento fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ.
5. A recorrente não se desincumbiu de demonstrar a divergência de forma adequada, nos termos do art. 1.029, § 1º, do Código de Processo Civil - CPC e do art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, não merecendo ser conhecido o recurso com fundamento no dissídio pretoriano 6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.165.441/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 23/2/2024.)
Em relação à dosimetria, quanto à culpabilidade, foram dois os fatores para a desvaloração do vetor - premeditação e grau de estudo - o que não caracteriza qualquer ilegalidade. São elementos extrínsecos ao tipo criminoso, permitindo que a pena-base seja aumentada pelos referidos critérios. Cito:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTOS CONCRETOS. NEGATIVA DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. FUGA DO DISTRITO DA CULPA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
2. No tocante à aplicação da sanção, cumpre registrar que a dosimetria da pena está inserida no âmbito de discricionariedade do julgador, estando atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas dos agentes, elementos que somente podem ser revistos por esta Corte em situações excepcionais, quando malferida alguma regra de direito.
3. No que se refere à culpabilidade, as instâncias de origem apreciaram concretamente a intensidade da reprovabilidade da conduta, assentando que "A culpabilidade, não está somente relacionada à premeditação, mas, especificamente ao grau de reprovabilidade da conduta, de maneira que, por ser o réu Advogado, o fato merece ser censurado com maior intensidade.", fatores que apontam maior censura na conduta e justificam a exasperação da pena-base.
4. Em relação à conduta social, extrai-se que "o réu tem como profissão a advocacia, tendo sido anexadas na fase de inquérito diversas declarações de ex-clientes do acusado que declararam que ele teria se utilizado da profissão para apropriar-se de valores dos seus clientes, alguns destes clientes foram intimados para prestar depoimento em juízo e, embora nada soubessem acerca dos fatos, confirmaram que o Réu apresentou conduta social reprovável em relação a eles" circunstâncias que justificam a utilização de patamar superior.", o que constitui fundamentação válida extrapolando, assim, o tipo penal.
5. No que se refere às circunstâncias do delito, extrai-se que "o Réu se utilizou dos poderes que lhe foram outorgados por meio de instrumento de Mandato e da confiança decorrente do seu papel na sociedade, para, ao invés de atuar em benefício do seu cliente, tirar proveito da sua vulnerabilidade perante ele e dos poderes outorgados na Procuração para subtrair tudo o que lhe era devido.".
No caso, verifica-se que o abuso de confiança, decorrente do vínculo profissional, denota maior reprovabilidade da conduta, resultando em fundamento válido a exasperar a pena-base.
6. Por fim, sobre o desvalor das consequências do crime, também houve justificativa concreta, as quais excederam os limites do tipo penal violado, uma vez que "a vítima foi gravemente prejudicada, tendo acompanhado ansiosamente o andamento do seu Processo desde o ano de 2011 e, quando, no ano de 2016 tinha a expectativa de finalmente receber os valores depositados, no montante de R$ 3.563, 02 (três mil, quinhentos e sessenta e três reais e dois centavos), foi surpreendida com a apropriação dos valores pelo acusado, que não lhe devolveu qualquer quantia, mesmo ultrapassados mais de 6 (seis) anos.".
7. No que se refere ao direito de recorrer em liberdade, inferiu-se que "o Réu permaneceu durante toda a instrução processual sem localização definida, tendo sido citado por edital, apresentando posteriormente, por meio de seus advogados, diversos endereços onde ele não residia nem se encontrava, conforme certificado por Oficiais de Justiça.".
8. Assim, a fuga do distrito da culpa é fundamento válido à prisão cautelar, a fim de assegurar a aplicação da lei penal.
9. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 843.794/BA, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.)
Não há incompatibilidade entre a premeditação e o conceito de "se aproveitar de situações", pois o réu pode muito bem se organizar para o cometimento do delito e aguardar a melhor situação para agir.
Em relação às circunstâncias do crime, o fato de cometer o delito em detrimento de pessoas extremamente vulneráveis - hipossuficientes financeiros - e que sofreram acidentes de trânsito, revela sim maior reprovabilidade da conduta. No mesmo sentido, cito:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CONCUSSÃO PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967). DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental interposto por ex-prefeito municipal condenado pela prática do crime de concussão (CP, art. 316, caput) e crime de responsabilidade (DL 201/67, art. 1º, I), em concurso material de infrações, cuja pena foi fixada em 4 anos e 9 meses de reclusão, em regime semiaberto, além de multa. O recurso especial interposto pela defesa foi inadmitido, levando à interposição de agravo em recurso especial, também não conhecido por ausência de impugnação específica e inexistência de flagrante ilegalidade. No agravo regimental, o agravante pleiteia a revisão da dosimetria da pena, inclusive de ofício, por suposta violação dos arts. 59 e 44 do Código Penal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a pena-base foi fixada com base em fundamentos idôneos ou se houve bis in idem na exasperação da pena; (ii) estabelecer se seria cabível a revisão de ofício da dosimetria da pena pelo STJ, ante alegada flagrante ilegalidade. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O Superior Tribunal de Justiça entende que a revisão da dosimetria da pena só é possível em hipóteses excepcionais de flagrante ilegalidade ou teratologia, o que não se verifica no caso concreto.
4. A pena-base foi fixada acima do mínimo legal com base em fundamentação idônea, especialmente pela maior reprovabilidade da conduta do réu, que praticou o crime no exercício do mandato de prefeito, e pelas circunstâncias do crime, que envolvem ameaças a estudantes em situação de vulnerabilidade.
5. O fato de o delito de concussão ter sido praticado por um agente político (prefeito), a quem o eleitor depositou confiança, esperando, assim, a lisura de sua atuação, demonstra especial reprovabilidade da conduta, a justificar o incremento da pena pela acentuada culpabilidade. Consigne-se que a condição de Prefeito Municipal foi valorada exclusivamente na dosimetria da pena pelo crime de concussão, e não na dosimetria da pena do crime de responsabilidade.
6. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente na dosimetria das penas devido às ameaças contra estudantes vulneráveis, extrapolando os limites do tipo. No crime de concussão, o verbo "exigir" configura-se pelo temor à autoridade, mesmo sem ameaça expressa, demonstrando que tal ameaça não integra o tipo penal de concussão nem o crime de responsabilidade.
7. A negativação das circunstâncias judiciais está amparada em elementos concretos que extrapolam os ínsitos ao tipo penal, afastando a alegação de bis in idem.
8. A substituição da pena privativa de liberdade ou a concessão do sursis foram corretamente afastadas, pois a pena ultrapassa 4 anos e há circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, arts. 44, I e III; 77, caput).
9. O agravo em recurso especial não foi conhecido por ausência de impugnação específica, conforme exigência do RISTJ, art. 253, parágrafo único, I, e da Súmula 182/STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Agravo regimental desprovido.
Teses de julgamento: (i) A exasperação da pena-base com fundamento na maior reprovabilidade da conduta de agente político é legítima quando baseada em elementos concretos do caso que extrapolam o tipo penal. (ii) A revisão da dosimetria da pena em sede de recurso especial só é cabível diante de flagrante ilegalidade ou arbitrariedade, o que não ocorre quando há fundamentação concreta das instâncias ordinárias. (iii) Não cabe substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quando a pena ultrapassa 4 anos e há circunstâncias judiciais negativas.
(AgRg no AREsp n. 2.745.866/RS, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 16/6/2025.)
Neste aspecto, não se está a falar na agravante do art. 61, do CP, mas em aumento da pena-base, e ainda que assim fosse, não demandaria demonstração de que o agente tivesse ciência dessa condição de vulnerabilidade. A propósito:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO. VIOLAÇÃO DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA H, DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PLEITO DE DECOTE DA AGRAVANTE. INVIABILIDADE. NATUREZA OBJETIVA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. FRAÇÃO PROPORCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A violação dos artigos 18 e 61, inciso II, alínea "h", do CP, da forma como apresentada pela defesa, não foi objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento. Incidem ao caso a Súmula n. 282/STF.
2. Mesmo que superado tal óbice, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a incidência da agravante prevista no art. 61, II, h, do CP não demanda demonstração de que o agente se aproveitou da vulnerabilidade decorrente da idade da vítima, tendo em vista se tratar de agravante de natureza objetiva, sendo, inclusive, desnecessária a ciência do agente sobre essa condição.
(AgRg no REsp n. 2.133.007/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 4/11/2024, DJe de 6/11/2024.).
As consequências dos delitos também foram negativas, pois o prejuízo financeiro causado às vítimas trouxe maior gravidade, tendo em vista a hipossuficiência econômica por elas vivida e isto não se pode revalorar em sede especial. O fundamento é válido e corroborado pela jurisprudência desta Corte:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA. COMPETÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. NÃO COMPROVAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO PROFERIDO NA ORIGEM. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu parcialmente de recurso especial e, nesta extensão, deu-lhe parcial provimento para afastar a valoração negativa da vetorial culpabilidade na primeira fase da dosimetria da pena, readequando a pena definitiva para 2 anos de reclusão e 20 dias-multa.
II. Questão em discussão
2. As questões em discussão consistem em saber se: a) há de ser reconhecida a incompetência do Juízo de primeira instância, sobretudo pela ofensa ao princípio do juiz natural; b) restou configurado o cerceamento de defesa pelo indeferimento do pleito de adiamento do interrogatório, pela utilização de prova emprestada e pela negativa de oitiva de pessoa referida pela vítima; c) não há elementos para embasar o decreto condenatório; d) as omissões e contradições aventadas pela defesa não foram devidamente sanadas pela Corte de origem; e) deve ser readequada a dosimetria da pena; f) há dissídio jurisprudencial em relação ao critério para aplicação da pena de multa; e g) a reprimenda corporal deve ser substituída por penas restritivas de direitos.
III. Razões de decidir
3. A competência territorial foi corretamente fixada na comarca onde ocorreu o maior número de infrações, em conformidade com o art. 78, II, "b", do CPP, e com a jurisprudência do STJ.
4. Não houve cerceamento de defesa, pois a prova emprestada foi juntada aos autos antes das alegações finais, garantindo o contraditório e a ampla defesa, e a testemunha referida era conhecida da acusada, que deveria tê-la arrolado oportunamente.
Assim, além de não ter sido demonstrado o efetivo prejuízo, foram observados o contraditório e a ampla defesa, de modo que não há de se reconhecer qualquer nulidade na espécie.
5. A ausência de demonstração de prejuízo concreto inviabiliza a declaração de nulidade processual, conforme o princípio do pas de nullité sans grief previsto no art. 563 do CPP. Ademais, a análise da tese defensiva, no sentido de que restou configurado o cerceamento de defesa, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório, incidindo, portanto, o óbice da Súmula n. 7 do STJ.
6. O Tribunal de origem reputou comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, bem como o dolo da acusada em apropriar-se indevidamente de dinheiro de propriedade da vítima, notadamente pela prova oral e documental produzida em contraditório judicial. Nessa medida, para reformar o acórdão no ponto seria necessária análise dos fatos e do conjunto probatório que instrui os autos, aplicando-se, novamente, o óbice da Súmula n. 7 do STJ.
7. Há de ser mantida a valoração negativa dos antecedentes da ré, pois a Corte local considerou crimes praticados anteriormente ao delito sub judice, mas com trânsito em julgado posterior, hipótese que autoriza a análise desfavorável da referida vetorial.
8. As circunstâncias fáticas analisadas pela Corte local extrapolam os elementos inerentes aos tipos penais e, por consequência, justificam a análise desfavorável das circunstâncias e das consequências do crime, notadamente pela apropriação indevida de elevada quantia monetária e pelo considerável prejuízo financeiro ocasionado à vítima ante a não recuperação do montante que lhe pertencia.
9. No tocante à atenuante capitulada no art. 65, III, "d", do CP, verifica-se que o Tribunal de origem consignou expressamente que a ré não admitiu a prática delitiva na espécie, sobretudo por ter negado a autoria dos fatos no seu interrogatório. Além disso, a Corte a quo rechaçou o pleito de reconhecimento da participação de menor importância da acusada, uma vez que esta figura na posição de autora do delito tipificado no art. 168, § 1º, III, do CP, inviabilizando, assim, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, § 1º, do CP. Destarte, para divergir de tais conclusões seria necessário reexaminar os fatos e os elementos probatórios que instruem a presente ação penal, providência vedada na via eleita, consoante o enunciado da Súmula n. 7 do STJ.
10. Não há de se falar na substituição da reprimenda corporal por penas restritivas de direitos diante da presença de circunstâncias judiciais valoradas negativamente na primeira fase da dosimetria, nos termos do art. 44, III, do CP.
11. As teses recursais não devem ser conhecidas pela alínea "c" do permissivo constitucional ante a não comprovação do dissídio jurisprudencial, porquanto a defesa não realizou o indispensável cotejo analítico entre o decisum recorrido e os acórdãos indicados como paradigma.
12. A Corte local expôs, ainda que suscintamente, mas de forma suficiente, as razões pelas quais manteve a condenação da ora agravante e as penas impostas pelo Juízo de primeira instância, razão pela qual não se vislumbra omissão ou contradição nos acórdãos proferidos na origem.
IV. Dispositivo e tese
13. Agravo conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: "1. A competência territorial para julgamento de crimes de mesma espécie deve ser fixada na comarca onde ocorreu o maior número de infrações. 2. A ausência de demonstração de prejuízo concreto inviabiliza a declaração de nulidade processual. 3. A utilização de prova emprestada não configura cerceamento de defesa quando garantido o contraditório e a ampla defesa. 4. Para divergir da conclusão do Tribunal de origem, notadamente quanto à existência de provas para fundamentar a condenação e ao não reconhecimento da confissão e da participação de menor importância, seria necessário o revolvimento do acervo fático-probatório que instrui a presente ação penal, providência vedada na via eleita, consoante o enunciado da Súmula n. 7 do STJ. 5. A existência de crimes praticados anteriormente ao delito sub judice, mas com trânsito em julgado posterior, autoriza a análise desfavorável dos antecedentes da ré. 6. A apropriação indevida de elevada quantia monetária e o considerável prejuízo financeiro ocasionado à vítima justificam a valoração negativa das vetoriais circunstâncias e consequências do crime, porquanto tal proceder extrapola os elementos inerentes ao delito tipificado no art. 168, § 1º, III, do CP. 7. A não realização do cotejo analítico entre o decisum recorrido e os acórdãos indicados como paradigma impede o conhecimento das teses recursais pela alínea "c" do permissivo constitucional, sobretudo pela não comprovação do dissídio jurisprudencial. 8. A exposição suscinta, mas de forma suficiente, das razões que embasaram a condenação e as penas impostas à ré afasta a tese de deficiência na fundamentação dos acórdão proferidos na origem".
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 78, II, "b"; CPP, art. 563; CP, 29, § 1º; CP, art. 65, III, "d"; CP, art. 168, § 1º, III;
CP, art. 44, III. Jurisprudência relevante citada: STJ, CC n. 161.881/CE, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 13/3/2019, DJe de 25/3/2019; STJ, AgRg no HC n. 695.257/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 24/8/2023; STJ, HC n. 446.296/ES, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 30/4/2019; STJ, HC n. 215.687/SC, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 6/2/2014, DJe de 26/2/2014; STJ, AgRg no REsp n. 2.029.363/PB, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023; STJ, AgRg no AREsp n. 2.280.488/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 23/5/2023; STJ, AgRg no HC n. 813.741/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 5/10/2023; STJ, AgRg no AREsp n. 1.849.541/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 30/8/2022; STJ, AgRg nos EAREsp n. 2.249.220/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 27/9/2023, DJe de 29/9/2023; STJ, AgRg no AREsp n. 2.198.261/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/5/2023, DJe de 5/6/2023; STJ, AgRg no AREsp n. 1.093.927/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 30/8/2022; STJ, AgRg no AREsp n. 2.392.830/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023.
(AgRg no REsp n. 2.048.658/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 14/4/2025.)
Na terceira fase, o Tribunal manteve a majorante do art. 168, §1º, III, do CP, pois o recorrente se valeu do seu ofício, emprego ou profissão (gestão das empresas do “Grupo Cantoni”) para apropriar-se dos valores pertencentes às vítimas, sendo irrelevante o fato de não ser advogado.
O recorrente traz a tese de bis in idem entre a referida majorante e argumento utilizado na primeira fase da dosimetria. Ocorre que tal matéria não restou solvida pelas instâncias ordinárias e nem foi objeto dos aclaratórios opostos, caso em que incidem os óbices das Súmulas n. 282 e 356 do STF.
Por fim, em relação à continuidade delitiva do art. 71 do CP, o TJ entendeu não estarem preenchidos os requisitos do dispositivo legal, razão porque esta Corte não pode se imiscuir nas provas dos autos para concluir de modo contrário, também sob pena de incidência do óbice sumular n. 7 do STJ. Confira-se, a contrario sensu:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA AO MANDATO. INTIMAÇÃO DA PARTE PARA REGULARIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. COMPROVAÇÃO DA CIÊNCIA DO MANDANTE PELO CAUSÍDICO. NULIDADE INEXISTENTE.
Nos termos da jurisprudência deste Sodalício, comprovada a ciência da parte quanto à renúncia ao mandato pelo advogado, não há que se falar em nulidade por ausência de intimação para constituição de novo patrono. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. DESCONFORMIDADE COM O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. FALTA DE
INTERESSE DE AGIR. Carecem de interesse de agir os agravantes quanto à apontada inépcia da denúncia, tendo em vista que a Corte regional, ao analisar o apelo defensivo, excluiu da condenação as notificações fiscais não relacionadas aos fatos configuradores do crime previsto no art. 168-A do Código Penal. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE VALORES DESCONTADOS A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE DELITIVA. COMPROVAÇÃO. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE.
Esta Corte Superior de Justiça entende que, para a comprovação da materialidade delitiva nos crimes de apropriação indébita previdenciária, é desnecessária a realização do exame pericial, notadamente quando se tratar de denúncia amparada em procedimento administrativo ou fiscal. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. FALTA DE INTERESSE. Não há interesse de agir do sentenciado quanto à apontada afronta ao art. 59 do CP, tendo em vista que as instâncias de origem, ao estabelecerem a reprimenda básica, consideraram favoráveis todas as circunstâncias judiciais, não havendo que se falar em redução da sanção na primeira fase da dosimetria. AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. NECESSIDADE DE NOVO E APROFUNDADO EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ.
1. Evidenciando o contexto probatório invocado pelo Tribunal regional que as apropriações indébitas de contribuições devidas à previdência social se deram nas mesmas condições de tempo, lugar e modus operandi, entre os anos de 1997 e 2000, viável o reconhecimento da continuidade delitiva, nos termos do art. 71, caput, do Código Penal.
2. A desconstituição do julgado por suposta violação à lei federal, no intuito de abrigar o pleito defensivo de afastamento da continuidade delitiva, não encontra espaço na via eleita, porquanto seria necessário a este Sodalício aprofundado revolvimento dos elementos de prova carreados no caderno processual, providência vedada no âmbito de recurso especial, em razão do óbice da Súmula nº 7 desta Corte Superior de Justiça. PERDÃO (ART. 168-A, § 3º, INCISO II DO CP). PREQUESTIONAMENTO. INDISPENSABILIDADE.
Constatando-se que o tema recursal não foi objeto de debate e deliberação perante a Corte ordinária, mostra-se inviável sua análise nesta via especial, ante o óbice do Enunciado n. 282 da Súmula do STF, que impede o conhecimento, por este Sodalício, de questões não prequestionadas. ATIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA AO PRIMEIRO AGRAVANTE. MATÉRIA NÃO SUSCITADA NO RECURSO ESPECIAL. DISCUSSÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. INVIABILIDADE. INOVAÇÃO INDEVIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1.
Não é possível a análise do pleito no sentido de aplicar o princípio da insignificância ao delito praticado pelo primeiro agravante, porquanto tal pretensão somente foi trazida à discussão em sede de agravo regimental, providência vedada pela jurisprudência deste Tribunal Superior, por revelar nítida inovação recursal.
Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp n. 584.842/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 20/2/2018, DJe de 2/3/2018.)
Ante o exposto, dou provimento ao agravo regimental e, com fundamento na Súmula n. 568/STJ, reconsidero a decisão agravada para conhecer do agravo, em parte do recurso especial, negando-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Jefferson Francisco Santana De Farias (Agravante) x 2. Ministério Público Do Estado De São Paulo (Agravado)
ID: 326942329
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0006584-14.2016.8.26.0361
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
AREsp 2900694/SP (2025/0117611-0)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
JEFFERSON FRANCISCO SANTANA DE FARIAS
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLIC…
AREsp 2900694/SP (2025/0117611-0)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
JEFFERSON FRANCISCO SANTANA DE FARIAS
ADVOGADO
:
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
DECISÃO
Trata-se de agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso especial interposto por JEFFERSON FRANCISCO SANTANA DE FARIAS, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, em oposição a acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, assim ementado (fls. 413-427):
"APELAÇAO CRIMINAL - ESTELIONATO (ART. 171, "CAPUT", DO CÓDIGO PENAL) - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO - INOCORRÉNCIA - AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA - VERSÃO DA DEFESA ISOLADA NOS AUTOS - IMPORTÂNCIA DA PALAVRA DA VITIMA EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - DOLO DO APELANTE - COMPROVAÇÃO - CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO IMPRORIDO"
Os embargos de declaração opostos pela defesa foram acolhidos em efeitos infringentes (fls. 552-578).
Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta violação dos arts. 6º, 158 e 226 do CPP. Aduz para tanto, em síntese, que a condenação foi fundamentada unicamente no reconhecimento fotográfico realizado durante a fase de inquérito policial, sem a observância das formalidades previstas no art. 226 do CPP. Alega, ainda, que o reconhecimento fotográfico, por si só, não possui força probatória suficiente para fundamentar a condenação. Ademais, aponta a ausência de perícia grafotécnica capaz de comprovar que a assinatura aposta no contrato de locação pertence à parte recorrente.
Com contrarrazões (fls. 488-496 e 661), o recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 665-666), ao que se seguiu a interposição de agravo.
Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo não provimento do agravo (fls. 726-734).
É o relatório.
Decido.
O agravo impugna adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecido. Passo, portanto, ao exame do recurso especial propriamente dito.
No caso, o recorrente foi condenado pela prática do delito de estelionato (art. 171 do CP), porque, em conluio com uma mulher não identificada, teria induzido a vítima José Carlos da Silva a erro para obter vantagem ilícita de R$ 2.400,00. Segundo o aresto recorrido, a mulher, se passando por cliente, contratou o aluguel de mesas e cadeiras, indicando um condomínio como local de entrega. No endereço, o recorrente se apresentou com identidade falsa, recebeu os objetos e assinou um contrato usando dados fornecidos pela suposta "mãe", desaparecendo em seguida sem devolver o material. A vítima só descobriu a fraude ao retornar para buscar os itens, momento em que verificou que o apartamento estava vazio. O recorrente foi reconhecido por meio de fotografia apresentada na delegacia (fl. 8). Não houve reconhecimento pessoal em juízo. Confiram-se, a propósito, os seguintes trechos do acórdão (fls. 561-572):
"Ao contrário do que sustenta a defesa, a prática do delito capitulado no art.171, caput, do CP, pelo acusado restou amplamente comprovada nos autos.
[...]
Com efeito, delineados os contornos do arcabouço probatório, é de se observar que a condenação pelo delito em comento deve ser mantida, haja vista que, ao contrário do alegado pela Defesa, a autoria e a materialidade ficaram devidamente comprovada. Com efeito, a vítima José Carlos, de forma coesa, harmônica e segura, disse que o contrato foi feito por telefone celular com a mãe do réu. Ela pediu para entregar as vinte cadeiras e vinte mesas. O acusado falou os dados após conversar com a mãe e assinou o contrato. Foi retirar as mesas e as cadeiras e não as localizou. Tentou falar no telefone, mas não conseguiu contato. Sofreu prejuízo de R$2.400,00. Reconheceu o réu em delegacia por fotografias.
[...]
Ainda, a vítima reconheceu em solo policial por meio fotográfico o acusado sem sombra de dúvidas, como sendo a pessoa que recebera os objetos locados e não efetuou a devolução (fls. 08).
Destaque-se que não se desconhece o novel entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à causa de nulidade caso não seja aplicado de forma adequada o disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal, consoante o paradigma exarado pela Sexta Turma, ao julgar o HC n. 598.886/SC (Relator Ministro Rogério Schietti Cruz) em 27 de outubro de 2020: “1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Contudo, do exame dos documentos carreados aos autos, observa-se que, mesmo em se tratando de reconhecimento fotográfico, não houve qualquer irregularidade que justifique a nulidade no reconhecimento do acusado.
Isto porque, das provas produzidas na fase inquisitorial e confirmadas em juízo, é possível extrair todo o procedimento adotado pelo policial civil, durante a investigação, para se chegar à inevitável conclusão de que o acusado é o autor do autor do delito.
Assim sendo, inicialmente observa-se que a vítima foi clara ao narrar a contratação da locação de 20 (vinte) mesas e 80 (oitenta) cadeiras plásticas para entrega no Condomínio Jundiapeba V, ao morador do bloco 13, apartamento 11, cujo contato inicial se deu por telefone, com uma mulher. Explicou que, posteriormente, no momento da entrega, encontrou-se com o apelante, responsável por receber tais objetos e o reconheceu em solo policial por meio fotográfico o acusado sem sombra de dúvidas, como sendo a pessoa que recebera os objetos locados e não efetuou a devolução (fls. 08).
O policial na delegacia apresentou álbum de fotografias e reconheceu o réu como Pedro Enrique, a pessoa que recebeu as mesas e as cadeiras. Na época dos fatos, havia outra investigação por estelionato com a mesma forma de execução, envolvendo a mãe do réu.
O reconhecimento fotográfico é considerado como prova válida para a condenação, desde que atenda no que for possível os requisitos do artigo 226 do Código de Processo Penal e seja corroborado por outras provas judicializadas, consoante novel entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
[...]
Assim sendo, conclui-se que, mesmo que, por hipótese, discuta-se a validade do reconhecimento fotográfico realizado na delegacia, verifica-se que há particularidades no caso concreto que tomam válida a condenação do acusado.
Apenas a título de argumentação, impedir que a vítima realize reconhecimento fotográfico, para elucidar os fatos, em sede policial, estaria também impedindo a investigação policial para alcançar a verdade real. Ou seja, a impunidade estaria de certa forma instalada.
E necessário pontuar que no caso em tela, não há nenhum elemento indicativo de que a vítima tivesse interesse em incriminar injustamente o acusado ou mesmo de que tenha faltado com a verdade.
Registre-se que, em crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima possui especial força probatória, mormente quando corroborada por outros elementos de prova, como na espécie, tornando-se hábil para o decreto condenatório:
[...]
Na hipótese dos autos, não se constata a referida perda de uma chance probatória, porquanto a condenação do réu está fundada nos depoimentos judiciais prestado pela vítima e pelos policiais responsáveis pela investigação; no reconhecimento fotográfico realizado, não se tratando, portanto, de depoimentos indiretos.
Assim, a prova acusatória alcançou juízo de certeza quanto à autoridade delitiva, sendo o reconhecimento judicial do acusado dispensável para respaldar a condenação.
A conduta praticada pelo réu é típica e, à míngua de quaisquer causas excludentes ou exculpantes, antijurídica e culpável. Não há espaço para a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Não há falar em nulidade da ação penal ou ausência de provas da materialidade delitiva ante a ausência do original da cópia de contrato e a não submissão a exame pericial, uma vez que a realização deste é irrelevante para o deslinde do feito, já que devidamente comprovado que o acusado diante conversa enganosa, induziu a vítima, mediante utilização de dados falsos, a lhe alugar mesas e cadeiras para suposta festa, desaparecendo em posse dos bens logo em seguida, assim induzindo em erro José, Carlos, de modo a obter vantagem patrimonial indevida em seu próprio benefício."
Como se colhe do acórdão impugnado, a única prova que embasa a condenação é o reconhecimento fotográfico feito no inquérito policial.
Sobre o tema, esta Corte Superior inicialmente entendia que "a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório" (AgRg no HC n. 629.864/SC, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 5/3/2021).
Todavia, em julgados recentes, ambas as Turmas que compõe a 3ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa" (HC n. 652.284/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/2021, DJe de 3/5/2021). Na mesma linha:
"HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que referido o artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: 1.1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 1.2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;
1.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 1.4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
2. Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão n. 4 do mencionado julgado. Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como "etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal", mas apenas como uma possibilidade de, entre outras diligências investigatórias, apurar a autoria delitiva. Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada, mas, se for produzida, deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal. Segundo a doutrina especializada, o reconhecimento pessoal, feito na fase pré-processual ou em juízo, após o reconhecimento fotográfico (ou mesmo após um reconhecimento pessoal anterior), como uma espécie de ratificação, encontra sérias e consistentes dificuldades epistemológicas.
3. Se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica.
Se, todavia, tal prova for produzida em desacordo com o disposto no art. 226 do CPP, deverá ser considerada inválida, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar. Mais do que isso, inválido o reconhecimento, não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.
4. Em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n. 206.846/SP (Rel.
Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Reportando-se ao decidido no julgamento do referido HC n. 598.886/SC, no STJ, foram fixadas três teses: 4.1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa; 4.2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo.
Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas; 4.3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.
5. Na espécie, a leitura da sentença condenatória e do acórdão impugnado, além da análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias, permitem inferir que o paciente foi condenado, exclusivamente, com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima e sem que nenhuma outra prova (apreensão de bens em seu poder, confissão, relatos indiretos etc.) autorizasse o juízo condenatório.
6. Mais ainda, a autoridade policial induziu a vítima a realizar o reconhecimento - tornando-o viciado - ao submeter-lhe uma foto do paciente e do comparsa (adolescente), de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo. Tal comportamento, por óbvio, acabou por comprometer a mínima aproveitabilidade desse reconhecimento.
7. Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto.
8. Em verdade, o resultado do reconhecimento formal depende tanto da capacidade de memorização do reconhecedor quanto de diversos aspectos externos que podem influenciá-lo, como o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao agressor (tempo de duração do evento criminoso), a gravidade do fato, as condições ambientais (tais como visibilidade do local no momento dos fatos, aspectos geográficos etc.), a natureza do crime (com ou sem violência física, grau de violência psicológica), o tempo decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento etc.
9. Sob um processo penal de cariz garantista (é dizer, conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais), busca-se uma verdade processualmente válida, em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional.
10. Adotada, assim, a premissa de que a busca da verdade, no processo penal, se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas, que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas, é de se refutar que essa prova tão importante seja produzida de forma totalmente viciada. Se outros fins, que não a simples apuração da verdade, são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado, algum sacrifício epistêmico, como alerta Jordi Ferrer-Beltrán, pode ocorrer, especialmente quando o processo penal busca, também, a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias.
11. Impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve dar-se em respeito às instituições, às leis e aos direitos fundamentais. Ou seja, quando se fala de segurança pública, esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade; deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e, antes disso, de suspeito.
12. Sob tal perspectiva, devem as agências estatais de investigação e persecução penal envidar esforços para rever hábitos e acomodações funcionais, de sorte a "utilizar instrumentos para maximizar as probabilidades de acerto na decisão probatória, em particular aqueles que visam a promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível, quantitativa e qualitativamente" (Ferrer-Beltrán).
13. Convém, ainda, lembrar que as prescrições legais relativas às provas cumprem não apenas uma função epistêmica, i. e., de conferir fiabilidade e segurança ao conteúdo da prova produzida, mas também uma função de controlar o exercício do poder dos órgãos encarregados de obter a prova para uso em processo criminal, vis-à-vis os direitos inerentes à condição de suspeito, investigado ou acusado.
Nesse sentido, é sempre oportuna a lição de Perfécto Ibañez, que divisa, na exigência de cumprimento das prescrições legais relativas à prova, uma função implícita, a saber, a de induzir os agentes estatais à observância dessas normas, o que se perfaz com a declaração de nulidade dos atos praticados de forma ilegal.
14. O zelo com que se houver a autoridade policial ao conduzir as investigações determinará não apenas a validade da prova obtida - "sem bons ingredientes não haverá forma de fazer um bom prato" (como metaforicamente lembra Jordi Ferrer-Beltrán) -, mas a própria legitimidade da atuação policial e sua conformidade ao modelo legal e constitucional. Sem embargo, conquanto as instituições policiais figurem no centro das críticas, não são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os integrantes do sistema de justiça criminal se apropriem de técnicas pautadas nos avanços científicos para interromper e reverter essa preocupante realidade quanto ao reconhecimento pessoal de suspeitos. Práticas como a evidenciada no processo objeto deste writ só se perpetuam porque eventualmente encontram respaldo e chancela tanto do Ministério Público - a quem, como fiscal do direito (custos iuris), compromissado com a verdade e com a objetividade de atuação, cabe velar pela higidez e pela fidelidade da investigação dos fatos sob apuração, ao propósito de evitar acusações infundadas - quanto do próprio Poder Judiciário, ao validar e acatar medidas ilegais perpetradas pelas agências de segurança pública.
15. Sob tais premissas e condições, não é possível ratificar a condenação do acusado, visto que apoiada em prova absolutamente desconforme ao modelo legal, sem a observância das regras probatórias próprias e sem o apoio de qualquer outra evidência produzida nos autos.
16. Ordem concedida, para absolver o paciente em relação à prática dos delitos de roubo e de corrupção de menores objetos do Processo n. 0014552-59.2019.8.19.0014, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes - RJ, ratificada a liminar anteriormente deferida, a fim de determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso".
(HC n. 712.781/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 22/3/2022.)
Ausentes outras provas de autoria independentes do reconhecimento fotográfico realizado durante o inquérito policial, a absolvição é a medida necessária.
Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "c", do RISTJ, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver o recorrente, com fundamento no art. 386, V, do CPP.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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1. Alex Viana De Melo (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado De Mato Grosso Do Sul (Impetrado)
ID: 324906327
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0251930-45.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
ALEX VIANA DE MELO
OAB/MS XXXXXX
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HC 1017969/MS (2025/0251930-2)
RELATOR
:
MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
IMPETRANTE
:
ALEX VIANA DE MELO
ADVOGADO
:
ALEX VIANA DE MELO - MS015889
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO …
HC 1017969/MS (2025/0251930-2)
RELATOR
:
MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
IMPETRANTE
:
ALEX VIANA DE MELO
ADVOGADO
:
ALEX VIANA DE MELO - MS015889
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PACIENTE
:
THIAGO CRUZ CASSIANO DA SILVA
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
DECISÃO
Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado em favor de THIAGO CRUZ CASSIANO DA SILVA, no qual se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.
Consta dos autos que, em 20/5/2025, foi decretada a prisão preventiva do paciente, em decorrência de procedimento investigatório instaurado para apurar suposta organização criminosa constituída por servidores públicos do Município de Coxim/MS e particulares que, com o propósito de obter vantagem indevida, estariam praticando os crimes de corrupção ativa e passiva, inserção de dados falsos em sistema de informação, falsidade ideológica e lavagem de capitais, por meio de atos administrativos objetivando a transferência ilegal de imóveis urbanos de seus legítimos proprietários para terceiros.
O impetrante sustenta que o paciente está custodiado desde 27/5/2025, por força de decisão que não observou os requisitos dos §§ 3º e 6º do art. 282 do Código de Processo Penal, violando o contraditório prévio e a motivação acerca da imprescindibilidade da prisão.
Afirma que o paciente é primário, possui bons antecedentes, tem trabalho e residência fixa na comarca e está em condição degradante e desumana no EPM/Coxim/MS, correndo risco de vida, conforme laudo médico apresentado.
Alega que a prisão preventiva foi decretada sem fundamentação concreta e individualizada sobre a insubsistência das medidas cautelares anteriormente impostas, configurando grave ilegalidade.
Salienta que há identidade fático-processual entre o paciente e outros corréus que permanecem em liberdade mediante medidas cautelares, impondo-se, portanto, a aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal.
Requer, liminarmente, a concessão de prisão domiciliar e, no mérito, o relaxamento da prisão preventiva ou, subsidiariamente, a substituição da custódia por medidas alternativas não prisionais.
É o relatório.
Decido.
De pronto, constata-se que as matérias de fundo não foram apreciadas no acórdão impugnado, o que impede o seu conhecimento por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância. Nesse sentido: AgRg no HC n. 913.307/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 1º/7/2024, DJe de 3/7/2024.
Ante o exposto, com fundamento no art. 21, XIII, c, c/c o art. 210 do RISTJ, indefiro liminarmente este Habeas Corpus.
Cientifique-se o Ministério Público Federal.
Publique-se.
Intimem-se.
Vice-Presidente, no exercício da Presidência
LUIS FELIPE SALOMÃO
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1. Thiago Silva (Agravante) e outros x 3. Ministério Público Do Estado De Mato Grosso Do Sul (Agravado)
ID: 326941742
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0004217-41.2021.8.12.0002
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Advogados:
FELIPE VILHALBA ALENCAR
OAB/MS XXXXXX
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ANDRE LUIS SOUZA PEREIRA
OAB/MS XXXXXX
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AREsp 2925190/MS (2024/0462075-2)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
THIAGO SILVA
ADVOGADO
:
ANDRE LUIS SOUZA PEREIRA - MS016291
AGRAVANTE
:
CARLOS QUENDI KOGA TOKO JUNIOR
ADVOGADO
:
FELIP…
AREsp 2925190/MS (2024/0462075-2)
RELATOR
:
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE
:
THIAGO SILVA
ADVOGADO
:
ANDRE LUIS SOUZA PEREIRA - MS016291
AGRAVANTE
:
CARLOS QUENDI KOGA TOKO JUNIOR
ADVOGADO
:
FELIPE VILHALBA ALENCAR - MS024536
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
CORRÉU
:
ALLYSON RICARDO NANTES LOPES
CORRÉU
:
ANDRESSA BIANCA DA SILVA
CORRÉU
:
CLAUDINEI FRANCO AQUINO
CORRÉU
:
JOAO MARCELO INACIO CICERELLI
CORRÉU
:
RODRIGO REIS AGUIAR
CORRÉU
:
TERUO TOKO NETO
CORRÉU
:
UANDERSON LEMES COSTA
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por CARLOS QUENDI KOGA TOKO JUNIOR contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que não admitiu o recurso especial manejado com apoio no artigo 105, III, “a”, da Constituição da República.
Nas razões recursais, aduz a defesa violação dos artigos 5º, XI da Constituição da República; 2º, inciso II da Lei 9.296/1996; 159 e 210 da Lei nº 11.690/2008; 304 da Lei nº 11.113/2005; 158, 302, 564, IV e V da Lei nº 3.689/1941; e 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E, 158-F, 159, 283 da Lei nº 13.964/2019 (e-STJ, fl. 3184).
Alega, em suma, que houve violação de domicílio, nulidade da quebra de sigilo telefônico, nulidade dos depoimentos dos policiais, nulidade da extração dos dados celulares e quebra da cadeia de custódia.
Argumenta que a entrada forçada em domicílio pelos policiais foi realizada sem fundadas razões, tampouco em situação legítima de flagrante delito, pois não havia elementos suficientes que justificassem o ingresso sem mandado judicial.
Assevera que a quebra de sigilo telefônico foi autorizada sem a devida fundamentação. Afirma que os depoimentos dos policiais foram idênticos, e, além disso, sustenta que houve manipulação indevida dos dados extraídos do celular, sem a devida cadeia de custódia.
Aduz não haver fundamentação adequada na decisão judicial que autorizou a interceptação telefônica, e defende a nulidade do auto de prisão em flagrante com base nos arts. 210 e 304 do Código de Processo Penal, argumentando que as testemunhas policiais prestaram depoimentos em conjunto ou previamente combinados, em afronta ao procedimento legal de ouvida isolada e individual.
Afirma que não foi observado o procedimento de preservação, acondicionamento, lacração e rastreamento dos vestígios apreendidos, o que compromete a higidez da prova técnica produzida a partir das mídias extraídas dos aparelhos telefônicos.
Alega, ainda, que houve violação ao art. 564, IV, do CPP, pela omissão de formalidades essenciais para garantir a autenticidade dos elementos de prova obtidos.
Requer o provimento do recurso para que seja reconhecida a nulidade das provas obtidas, e a consequente absolvição do recorrente em relação aos crimes previstos nos artigos 33, e 35, Lei nº 11.343/06.
Contrarrazões às fls. 3234-3237 (e-STJ).
O recurso foi inadmitido (e-STJ, fls. 3239-3250). Daí este agravo (e-STJ, fls. 3259-3278).
O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso (e-STJ, fls. 3405-3406).
É o relatório.
Decido.
De início, ressalta-se a inviabilidade do debate acerca da contrariedade ao dispositivo constitucional mencionado nas razões recursais, ainda que por via reflexa, uma vez que não compete a esta Corte Superior o seu enfrentamento, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
Ilustrativamente:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS E DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESCABIMENTO DE ANÁLISE POR ESTA CORTE. COMPETÊNCIA DO STF. CONDENAÇÃO CRIMINAL COM TRÂNSITO EM JULGADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. PRECEDENTES. ROUBO. CONSUMAÇÃO. DESNECESSIDADE DE POSSE MANSA E PACÍFICA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Compete ao Supremo Tribunal Federal analisar eventual existência de ofensa a princípios ou dispositivos constitucionais, não cabendo a esta Corte se pronunciar acerca de eventual violação à Constituição Federal sob pena de usurpação da competência.
[...]
4. Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp 1.668.004/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, j. 26/9/2017, DJe 2/10/2017).
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÃO POR PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ASSERTIVA DE OMISSÃO DA SENTENÇA EM RELAÇÃO À PRELIMINAR. NULIDADE DO FEITO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
2. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça se manifestar explicitamente acerca de dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação de competência reservada ao Supremo Tribunal Federal.
Agravo regimental desprovido." (AgRg nos EDcl no AREsp 905.964/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, j. 8/8/2017, DJe 18/8/2017).
Seguindo, quanto às suscitadas nulidades - violação de domicílio, nulidade da interceptação telefônica e dos depoimentos dos policiais - verifica-se que tais questões já foram submetidas à apreciação desta Corte Superior, no julgamento do RHC 162.817/MS, o qual restou improvido, mediante a seguinte fundamentação:
"Pretende o recorrente o reconhecimento de nulidades processuais referentes à busca e apreensão domiciliar sem mandado e sem autorização do morador/proprietário; nulidade pela quebra de sigilo telefônico de corréu; nulidade pela semelhança dos depoimentos dos policiais; e a revogação da prisão preventiva.
Inicialmente, no que tange à nulidade pela busca domiciliar sem mandado e sem autorização do morador/proprietário, reproduzo o que afirmou o acórdão impugnado:
[...]
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no exame do RE n. 603.616 (Tema 280/STF), reconhecido como de repercussão geral, assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro GILMAR MENDES, julgado em 05/11/2015).
[...]
Ou seja, as buscas domiciliares sem autorização judicial dependem, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões de que naquela localidade esteja ocorrendo um delito. No caso dos autos, os policiais, após verificação por meio de campanas em que visualizaram, inclusive, descarregamento de drogas no domicílio vigiado, decidiram pelo ingresso não autorizado, pois já não remanescia dúvida de que o crime de tráfico ali ocorria. Assim, constata-se a existência de fundadas razões para o ingresso não autorizado em domicílio.
Cito precedentes desta Corte:
[...]
Argui, ainda, o recorrente, nulidade da interceptação telefônica decretada em face de corréu. Assim se posicionou o acórdão vergastado:
[...]
Não procedem as alegações do recorrente quanto à possibilidade de obtenção de provas por outros meios, uma vez que o requerimento foi precedido de investigação em campo. Ora, se em campanas logrou-se êxito em se visualizar o descarregamento de drogas no domicílio investigado, evidente a sofisticação e a organização para a prática do ilícito que detinham os integrantes da associação, de modo que a interceptação telefônica, evidentemente, era indispensável.
Outrossim, ante a demonstração, pelas investigações preliminares, da imprescindibilidade das interceptações, as medidas se mostraram definitivas para o desbaratamento da organização criminosa, não havendo se falar em vício de origem ou de continuidade no uso do instrumento excepcional.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é vasta quanto ao tema e acolhe o que decidido pelas instâncias ordinárias. Cito precedente:
[...]
No que se refere à alegada semelhança dos depoimentos prestados pelos policiais, o posicionamento do acórdão recorrido foi preciso:
[...] O juízo da qualidade e do valor dos depoimentos prestados pelos policiais é das instâncias ordinárias, no âmbito da ação penal, oportunidade em que, à luz do contraditório e da ampla defesa, as partes poderão influir no deslinde do processo." (grifou-se).
Como se vê, as questões ora aduzidas já foram exaustivamente debatidas e afastadas pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RHC 162.817/MS, cujo acórdão que desproveu o agravo regimental interposto pela defesa transitou em julgado aos 7/10/2022.
Por sua vez, o Tribunal de origem, ao negar provimento ao recurso manejado pela defesa, quanto às suscitadas nulidades, apenas reforça o entendimento já adotado por esta Corte no referido julgamento, como se verifica dos seguintes excertos do acórdão, que ora transcrevo:
"Extrai-se que a arguição [nulidade da busca pessoal e domiciliar pela alegação de ilegal violação de domicílio] não se sustenta, pois além de a casa não ser habitada, ou seja, havia sido alugada somente para depósito dos entorpecentes, os policiais civis já vinham investigando o local por estar sendo utilizado por uma associação para o tráfico, liderada por Teruo Toko Neto, para armazenar drogas; assim, receberam informações de que, na véspera dos fatos, de madrugada, havia chegado uma camionete carregada de entorpecente ali, visualizando-a estacionada na frente do imóvel e, na data dos fatos, 11/05/21, além dela, também estava estacionado na frente um veículo Parati, razão pela qual, ao avistarem o ora corréu Claudinei, saindo do imóvel, resolveram realizar a abordagem, localizando no interior do imóvel mais de 03 toneladas de maconha e 214,9 Kg de Skunk, além de inúmeros petrechos (03 balanças, uma delas para pesar 150 Kg e outra para pesar 40 Kg; forma para prensar maconha; embaladora a vácuo; uma folha contendo etiquetas com inscrição “420”; 04 latas contendo gás utilizado no preparo da maconha; dinheiro em espécie (R$ 500,00 – quinhentos reais); 03 cadernos contendo diversas anotações sobre tráfico de drogas; contrato particular de arrendamento de veículo para transporte de carga; contrato de locação de imóvel; 05 cópias de documentos do corréu Allyson Ricardo – RG, CPF, CNH, NIS, título eleitoral, além de uma Carteira de Trabalho – autos de exibição e apreensão - fls. 53-66 e 257 e fotografias – fls. 94-228).
Desta forma, verifica-se o estado de manifesta flagrância do corréu Claudinei, sendo, por conseguinte, desnecessário que os policiais estivessem de posse do competente mandado de busca e apreensão, tendo em vista se tratar de crime permanente - estado de flagrância que se protrai no tempo - não restando dúvidas de que não houve violação do domicílio.
Saliento que, o Supremo Tribunal Federal, em decisão com repercussão geral, já firmou entendimento de que a entrada forçada em domicílio pelos policiais, sem mandado judicial, é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados." (e-STJ, fls. 3009-3010).
"2- Da nulidade dos depoimentos dos policiais no Boletim de Ocorrência, por alegação de serem idênticos.
O apelante Carlos pede, ainda, a nulidade dos depoimentos dos policiais no boletim de ocorrência por alegação de serem idênticos (auto de prisão em flagrante) que culminou com a prisão do corréu Claudinei.
No entanto, essa questão restou superada, já que em audiência judicial (fl. 1.236), sob o crivo do contraditório, as testemunhas policiais que efetuaram a prisão em flagrante de Claudinei, ou seja, Cézar, Nei e Rodrigo descreveram de forma detalhada e individualizada a conduta de cada réu, tratando-se de provas válidas, em atendimento ao art. 155 do Código de Processo Penal.
A respeito, bem fundamentou o d. Magistrado de origem na sentença, in verbis (fls. 2.191-2.192):
“(...) Apenas para que não pairem dúvidas, esclareço que, ainda que os policiais tenham dado depoimentos iguais no boletim de ocorrência/APF da lavratura da prisão em flagrante de Claudinei Franco Aquino, ao serem ouvidos em Juízo narraram de forma individualizada na medida de cada participação. Assim, por terem sido corroborados em Juízo, seus relatos são provas hábeis a somar o conjunto probatório em direção à condenação, isso conforme dicção do art. 155, caput, do Código de Processo Penal, inexistindo qualquer nulidade decorrente da mera irregularidade material que, como já dito, foi sanada sob o crivo do contraditório. (...).”
Ademais, eventuais nulidades presentes no inquérito policial não maculam a ação penal, visto que aquele é mera peça instrutória1. Por tais razões, rejeito a preliminar arguida." (e-STJ, fl. 3012)
"3. Da nulidade pela quebra da cadeia de custódia, violação das mídias e extração dos dados telefônicos.
Os apelantes Carlos e Teruo, em preliminar, pedem a nulidade do feito ante a quebra da cadeia de custódia do suposto aparelho celular apreendido com o corréu Claudinei, por ocasião do flagrante, eis que inobservados os procedimentos previstos nos artigos 158-A e seguintes do Código de Processo Penal.
O apelante Carlos arguiu também a nulidade dos áudios atribuídos a si, ante a violação das mídias extraídas na quebra do sigilo telefônico de Claudinei e a ilicitude de tais provas, que teriam sido manipuladas e adulteradas pela polícia, bem como a nulidade da extração dos dados telefônicos.
As preliminares devem ser afastadas.
[...]
Infere-se dos autos que o telefone celular do corréu Claudinei foi apreendido na data do flagrante (11/05/21) e, após autorização judicial permitindo a realização de perícia no mesmo, no dia 12/05/21 (audiência de custódia – fls. 31-33), o Delegado de Polícia solicitou que fosse autorizada a análise por parte dos Investigadores do DEFRON - Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Fronteira e o compartilhamento dos dados extraídos com a Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas-SEOPI do Ministério da Justiça e Secretaria Pública-MJSP, com utilização do software Cellebrite cedido pela União (fls. 44-47). No dia 27/05/21 foi deferida a quebra do sigilo telefônico e estipulado que “Ante a inaplicabildade da Resolução nº 59/208 do CNJ, deverá a própria autoridade policial, por meio dos investigadores a si subordinados, proceder o aceso aos dados e às comunicações existentes nos telefones aprendidos.” (fls. 48-49) (auto de prisão em flagrante – 0003442-26.2021.8.12.0002).
Posteriormente foi juntado o relatório de análise de dados (fls. 356-541). Destarte, não trouxeram os apelantes elementos que demonstrem qualquer prejuízo ou mesmo indício de que há vício que comprometa a materialidade delitiva, de modo que eventual falha na cadeia de custódia não é o suficiente para invalidar a prova, em consonância com o Princípio do pas de nullité sans grief.
[...]
Também não há prova de nenhuma violação, manipulação ou adulteração das mídias extraídas na quebra do sigilo telefônico de Claudinei, não passando de meras suposições defensivas, muito menos de que os áudios atribuídos ao apelante Carlos pertençam a terceiros, conforme bem analisou o d. Magistrado de origem na sentença, in verbis (fls. 2.193-2.194 e 2.207-2.208):
[...]" (e-STJ, fls. 3012-3016).
"3. Da nulidade da quebra de sigilo telefônico do aparelho celular.
Por fim, o apelante Carlos levanta a nulidade da decisão da quebra de sigilo telefônico do aparelho celular apreendido com o corréu Claudinei.
Não é o que se verifica dos autos.
Conforme se extrai da decisão combatida, o Magistrado de origem, ao autorizar a quebra do sigilo telefônico do investigado Claudinei, o fez de forma motivada, discorrendo sobre os fundamentos legais em que estas medidas seriam judicialmente autorizadas, conforme arts. 1º a 4° da Lei n.º 9.296/96.
As medidas foram solicitadas pelo Delegado de Polícia e consideradas indispensáveis pelo Magistrado de origem, sendo deferidas, diante de indícios razoáveis de autoria e para a completa elucidação dos fatos criminosos (modus operandi da conduta criminosa e identificar os envolvidos na prática delituosa), com a finalidade de instruir procedimento de investigação criminal e para instrução processual penal, visando apurar a prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, apenados com reclusão, razão pela qual, mitigou-se a garantia constitucional do sigilo dos dados telefônicos em conformidade com o art. 5º, XII, da Constituição Federal.
Ao contrário do alegado pela defesa, inexistiu nulidade na interceptação telefônica, já que obedecida à exigência descrita no art. 2°, II (“a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;”), da Lei n.º 9.296/96, visto que justificado na decisão proferida nos autos n.º 0003442-26.2021 (fls. 31-33) que, diante da dificuldade encontrada pelas autoridades em investigar crimes desta natureza, não existiam, naquele momento, outros meios disponíveis que fossem eficazes para colheita das provas necessárias à elucidação dos fatos.
Plenamente respeitado também o art. 5° da Lei n.º 9.296/96, pois a decisão encontra-se devidamente fundamentada, proferida em atendimento ao art. 93, IX, da Constituição Federal.
Na sentença, referida preliminar também foi rechaçada pelo Magistrado de origem [...]" (e-STJ, fl. 3018).
Acerca da alegada quebra da cadeia custódia, convém pontuar que o art. 158-A, do Código de Processo Penal, dispõe que: "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
Veja-se que houve uma preocupação do legislador na regularidade dos procedimentos de colheita, armazenamento e perícia da prova, de modo a assegurar a sua idoneidade para fins de utilização no processo criminal.
A principal finalidade da cadeia de custódia, enquanto decorrência lógica do conceito de corpo de delito (art. 158 do Código de Processo Penal), é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. Isto é: busca-se assegurar que os vestígios são os mesmos, sem nenhum tipo de adulteração ocorrida durante o período em que permaneceram sob a custódia do Estado.
Acerca da temática, esta Corte já decidiu que o instituto da quebra da cadeia de custódia refere-se à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, e uma vez ocorrida qualquer interferência durante o trâmite processual, esta pode implicar, mas não necessariamente, a sua imprestabilidade (AgRg no RHC n. 147.885/SP, Rel Ministro Olindo Menezes -Desembargador Convocado do TRF 1ª Região, Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021).
Necessário pontuar, igualmente, que a quebra da cadeia de custódia, para ensejar a nulidade da prova, exige demonstração concreta de prejuízo para o acusado, conforme o princípio do pas de nullité sans grief (art. 563 do CPP) (REsp n. 2.031.916/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJe de 23/12/2024).
No caso, sobre o pedido de nulidade por suposta quebra da cadeia de custódia, violação das mídias e extração de dados telefônicos, restou consignado no acórdão recorrido que o celular do corréu foi apreendido no momento do flagrante e, no dia seguinte, houve decisão judicial permitindo a perícia no aparelho. Depois, o Delegado de Polícia pediu autorização para que os investigadores da Delegacia Especializada (DEFRON) fizessem a análise dos dados com o apoio de um programa específico (Cellebrite) cedido pelo Governo Federal. Essa análise foi autorizada e, assim, os investigadores puderam acessar as informações do celular de forma regular.
Destacou-se, ademais, que a defesa não apontou nenhum elemento concreto capaz de desacreditar a preservação das provas produzidas. Desse modo, superar tal conclusão, no contexto dos presentes autos, implicaria em necessidade de revolvimento fático-probatório, o que se mostra inviável diante do óbice da Súmula 7 do STJ.
No mesmo sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO OCORRÊNCIA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. ASSEGURADO À DEFESA ACESSO À INTEGRALIDADE DOS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. CONDENAÇÃO BASEADA EM ELEMENTOS INFORMATIVOS DA FASE INQUISITIVA CONFIRMADOS EM JUÍZO. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais. No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas.
2. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, "a cadeia de custódia consiste no caminho idôneo a ser percorrido pela prova até sua análise pelo expert, de modo que a ocorrência de qualquer interferência indevida durante sua tramitação probatória pode resultar em sua imprestabilidade para o processo de referência" (AgRg no HC n. 829.138/RN, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024).
3. A vigilância sobre a prova digital traz peculiaridades não previstas na ultrapassada legislação de regência, o que exige o cuidado do Judiciário na análise da situação concreta.
4. Não se verifica irregularidade na guarda da prova dos autos, pois as informações extraídas do celular foram ratificadas, em juízo, pela vítima e pelo réu, em seu interrogatório. Ainda que não realizada a perícia do aparelho, o conteúdo do material fornecido pela agredida e por sua genitora sempre esteve à disposição da defesa para o exercício do contraditório, de modo que não é possível afirmar que houve quebra da cadeia de custódia. Para tanto, era necessário a defesa indicar pontualmente os trechos dos diálogos adulterados e apresentar o espelho com as conversas verdadeiras, o que não fez. Ademais, não se pode pressupor, sem prova, eventual má-fé dos agentes públicos no manuseio dos elementos probatórios por eles recebidos.
5. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está fixada no sentido de que, conquanto seja dispensável a transcrição integral dos diálogos interceptados, deve ser assegurado à Defesa o acesso à mídia que contém a gravação da integralidade daqueles" (REsp n. 1.800.516/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 25/6/2021).
6. No caso, foi assegurado à defesa o acesso às mídias que continham as gravações da integralidade dos diálogos, o que afasta a nulidade sustentada.
7. Segundo o entendimento deste Superior Tribunal, "não se admite a nulidade do édito condenatório sob alegação de estar fundado exclusivamente em prova inquisitorial, quando baseado também em outros elementos de provas levados ao crivo do contraditório e da ampla defesa" (HC n. 155.226/SP, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 26/6/2012, DJe de 1/8/2012).
8. Com base nos elementos informativos da fase inquisitiva - diálogos extraídos do aparelho celular da agredida - e nas provas judiciais - depoimentos da vítima e de sua genitora -, o Tribunal local concluiu que o acusado praticou o crime de estupro de vulnerável contra a ofendida J. M. N., segundo a qual, em certa ocasião, estava na chácara do réu, entrou no dormitório dele, onde ele, desnudo, introduziu os dedos em sua vagina e tentou introduzir seu pênis, mas não conseguiu.
9. Alterar a conclusão do Colegiado estadual, a respeito da idoneidade e harmonia do conjunto probatório, com o intuito de absolver o ora recorrente, demandaria reexame de fatos, providência inadmissível em recurso especial, por força da Súmula n. 7 do STJ.
10. Agravo regimental não provido."
(AgRg no AREsp n. 2.832.345/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.)
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DA DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL NA ORIGEM. INOVAÇÃO RECURSAL. NULIDADE DAS PROVAS POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. DUPLO CONTROLE. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, "no âmbito do agravo regimental não se admite que a parte, pretendendo a análise de teses anteriormente omitidas, amplie objetivamente as causas de pedir formuladas na petição inicial ou no recurso" (AgRg no HC n. 943.502/CE, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025, DJEN de 24/2/2025). Assim, inviável o exame da alegação de nulidade da decisão que inadmitiu o recurso especial na origem, porquanto não ventilada no agravo em recurso especial, constituindo inovação recursal.
2. As instâncias ordinárias concluíram que não houve mácula na cadeia de custódia dos vestígios arrecadados pelos policiais militares no ensejo da prisão em flagrante e que não há indício algum de que tenha ocorrido manipulação indevida, adulteração ou alteração da prova.
3. Para refutar a conclusão da jurisdição ordinária sobre a higidez da prova, seria imprescindível o revolvimento do acervo fático-probatório, providência vedada em sede de recurso especial, conforme Súmula n. 7 do STJ.
4. O juízo de admissibilidade do recurso especial se sujeita a duplo controle, "não estando esta Corte Superior vinculada às manifestações do Tribunal a quo acerca dos pressupostos recursais, já que se trata de juízo provisório, pertencendo a esta Corte o juízo definitivo quanto aos requisitos de admissibilidade e em relação ao mérito" (AgInt no AREsp n. 2.533.832/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 18/11/2024, DJe de 22/11/2024).
5. Diante da incidência do óbice da Súmula n. 7 do STJ, é descabido o exame dos argumentos recursais (matéria de mérito), na medida que o recurso especial não ultrapassou o juízo de admissibilidade.
6. A concessão de habeas corpus de ofício é de iniciativa exclusiva do julgador, quando se depara com flagrante ilegalidade, o que não se verifica no caso.
7. Agravo regimental conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.
Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 158-A, 158-B, 158-D;
CPC, art. 932, III.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 943.502/CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025;
STJ, AgRg no AREsp 1.141.996/DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 20/6/2023."
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.674.130/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 29/4/2025.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "a", do Regimento Interno do STJ, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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