Processo nº 7000157-65.2024.7.05.0005
ID: 338074305
Tribunal: STM
Órgão: Auditoria da 5ª CJM
Classe: AçãO PENAL MILITAR - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 7000157-65.2024.7.05.0005
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROBERTO CARLOS DE FREITAS
OAB/SC XXXXXX
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Ação Penal Militar - Procedimento Ordinário Nº 7000157-65.2024.7.05.0005/PR
ACUSADO
: JESSÉ JORGE SILVA
ADVOGADO(A)
: ROBERTO CARLOS DE FREITAS (OAB SC008656)
SENTENÇA
O Ilustre Representante do Min…
Ação Penal Militar - Procedimento Ordinário Nº 7000157-65.2024.7.05.0005/PR
ACUSADO
: JESSÉ JORGE SILVA
ADVOGADO(A)
: ROBERTO CARLOS DE FREITAS (OAB SC008656)
SENTENÇA
O Ilustre Representante do Ministério Público Militar, usando das suas atribuições legais, ofereceu
Denúncia
, em 10.09.2024, em desfavor de
JESSÉ JORGE SILVA
, brasileiro, casado, civil, portador da cédula de identidade nº 3.537.749 SSP/SC, inscrito no CPF sob o nº 005.244.679-43, filho de Rodney Felix Silva e Elisabeth Mara Silva, nascido em 04 de dezembro de 1982, natural de Criciúma/SC, residindo na Rua Alfredo Bez Fontana, nº 90, Bairro Centro, Cidade Treze de Maio/SC ou Rua Vinte de Maio, 175, Bairro Centro, Morro da Fumaça/SC , telefone celular (48) 99962-2523, por ter, em tese, cometido, por 05 (cinco) vezes, a conduta tipificada no artigo 251,
caput
do Código Penal Militar.
A exordial acusatória aduz
in verbis
:
1. Conforme o apurado nos presentes autos de Inquérito Policial Militar (IPM), a Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA (CPF nº 506.265.589- 72) era titular de Pensão Militar junto ao Exército Brasileiro (Ev. 1, ANEXO2, fls. 15/16) e recebia proventos, a título de Pensão Militar, no seguinte estabelecimento bancário: Caixa Econômica Federal, agência 17884, conta-corrente nº 0001000002140 (Ev. 23, INQ5, p. 3 e 14), e foi óbito em 02 de abril de 2023 (Ev. 1, anexo 4, p. 7 e Ev. 23, INQ4, fls.3/4).
2. Entretanto, o falecimento da Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, ocorrido em 02 de abril de 2023 (Ev. 1, anexo 4, p. 7 e Ev. 23, INQ4, fls.3/4), foi omitido da Administração Militar, pelo ora denunciado, que era neto e curador da falecida pensionista (conforme Termo de Curador em Ação de Interdição, Ev. 1, Anexo 4, fl.09). Assim, a Administração Militar somente tomou ciência de tal falecimento em agosto de 2023, quando a aludida Pensionista não se apresentou à Seção de Veteranos e Pensionistas do 28º Grupo de Artilharia de Campanha (28º GAC), sediado em Criciúma-SC, para a prova anual de vida, na data agendada para o seu comparecimento (Ev. 1, ANEXO2, p. 12).
3. Verificada a ausência da citada Pensionista, em 12 de setembro de 2023, integrantes da Seção de Veteranos e Pensionistas do 28º GAC entraram em contato, por meio do aplicativo do WhatsApp, com o número de telefone constante na Ficha de Apresentação da referida pensionista, para solicitar sua regularização cadastral e, por intermédio dessa diligência, a Administração Militar teve ciência do falecimento da Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, ocorrido em 02 de abril de 2023 (Ev. 1, ANEXO2, p. 12).
4. Devido à omissão do óbito da pensionista ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, os depósitos referentes à pensão militar continuaram a ser creditados, pela Administração Militar, em sua Conta-corrente até agosto de 2023. (Ev. 1, ANEXO2, p. 12).
5. No período entre abril, maio, junho, julho e agosto de 2023 foram creditados, pela Administração Militar (Exército Brasileiro) na conta bancária da falecida pensionista, Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, o valor total de R$ 45.008,16 (quarenta e cinco mil, oito reais e dezesseis centavos), que foram sacados indevidamente pelo denunciado JESSE JORGE SILVA.
6. O ora denunciado, JESSE JORGE SILVA, confirmou, em seu depoimento no IPM, que era neto e curador (Ev. 23, INQ2, fl.13) da Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, bem como que, após o seu falecimento, sacou indevidamente o benefício dos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2023 e utilizou os valores com despesas particulares, tais como aluguel, água, energia, cuidadores, farmácia, combustível, alimentação, manutenção do carro, despesas de funeral e para ajudar a filha da beneficiária (Ev.1, Anexo3, fls. 15/16 e Ev.23, INQ1, fls.13/14).
7. Foi realizada a atualização monetária dos valores sacados indevidamente da conta bancária da falecida pensionista, Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, após o seu falecimento, até dia 13 de maio de 2024, e apurou-se que o prejuízo causado, pelo ora denunciado, ao erário e ao patrimônio sob administração militar, foi no montante de R$ 47.030,98 (quarenta e sete mil, trinta reais e noventa e oito centavos) (Ev.23, INQ5, fls. 09).
8. Do acima narrado, verifica-se que ora denunciado,
JESSÉ JORGE SILVA
, de forma livre, consciente e voluntária, manteve a Administração Militar em erro, silenciando maliciosamente o óbito de sua avó, a pensionista militar Sra. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, da qual era o seu curador, e realizou movimentações da conta bancária da dita pensionista, sacando e utilizando os valores depositados, que eram destinados ao pagamento de proventos de Pensão Militar, pela Administração Militar (Exército Brasileiro), indevidamente, após a morte da beneficiária, obtendo vantagem financeira ilícita em prejuízo do Patrimônio sob Administração Militar.
9. Assim procedendo, o ora denunciado incorreu na violação da Lei Substantiva Castrense, estando incurso nas sanções do artigo 251 “caput” (estelionato), c/c artigo 9º, inciso III, “a”, ambos do Código Penal Militar (CPM), por 05 (cinco) vezes, no período de 02 de abril de 2023 a 31 de agosto de 2023, aplicando-se, “in casu”, a regra do artigo 80 (continuidade delitiva), também do Código Penal Militar (CPM).
10. Diante do exposto, o Ministério Público Militar requer que seja recebida e autuada a presente
DENÚNCIA
e o ora denunciado citado para ser processado e julgado perante essa Justiça Especializada, sob pena de revelia, seguindo-se com os demais atos e procedimentos processuais até final condenação (...).
11. o Ministério Público Militar requer, ainda, em caso de condenação, que seja fixado na sentença o valor de R$ 47.030,98 (quarenta e sete mil, trinta reais e noventa e oito centavos), a ser devidamente corrigido, para reparação dos danos causados pela infração (artigo 387, IV, do CPP c/c artigo 3º, “a” do CPPM).” (evento 1, item 1).
Com base na apuração efetuada no bojo do
Inquérito Policial Militar nº 7000026-90.2024.7.05.0005
, a inicial acusatória foi protocolada neste Juízo em 10 de setembro de 2024, recebida por
Decisão
do dia 16 daquele mesmo mês e ano (evento 1, item 2).
Em observância aos ditames da Lei Adjetiva Castrense, o acusado foi devidamente citado (evento 7).
Em cumprimento ao quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no bojo do
RHC nº 142.608/SP
, a Nobre Defesa Constituída apresentou
Resposta à Acusação
ao evento 13. Considerando que as alegações defensivas diziam respeito ao mérito da causa, elas deixaram de ser apreciadas naquele momento, sendo designada data para a instrução processual (evento 16).
Na data aprazada, foram inquiridas as seguintes testemunhas numerárias: Cap. RENAN LOUREIRO LENTZ, 2º Sgt. DIORGENES PATRIQUE SANTOS MACHADO e 2º Ten. ÁLEF DA SILVA GUTTERRES (evento 37, itens 1/3). Na mesma ocasião, foi o acusado qualificado e interrogado sob assistência do Exmº. Sr. Dr. ROBERTO CARLOS DE FREITAS (
OAB/SC 8656
) (evento 37, item 4 e Ata da Sessão – evento 38).
Na forma do artigo 427 do CPPM, o Douto Promotor de Justiça Militar requereu diligências (evento 41), as quais foram acostadas aos eventos 51, 54 e 58 destes autos. O Douto Advogado Constituído, por sua vez, deixou o prazo transcorrer
in albis
(eventos 42/44).
Na fase estatuída no art. 428 do CPPM, em sede de
Alegações Escritas
, o Ministério Público Militar, pelo Exmº. Sr. Dr. DIMORVAN GONÇALVES LEITE, asseverando que o réu, imputável, apropriou-se indevidamente dos valores depositados em conta corrente após o falecimento da Srª. ALEXANDRINA THERIZINA SILVA, pugnou pela condenação do acusado como incurso no delito capitulado no art. 251,
caput
, do Código Penal Militar, por 05 (cinco) vezes, aplicando-se a regra da continuidade delitiva descrita no art. 80 do mesmo
Codex
(evento 67).
A Defesa Constituída, por sua vez, apresentando
Alegações Escritas
de forma tempestiva (evento 86), requereu a absolvição do réu argumentando a ausência de dolo na sua conduta, uma vez que acreditou não ter cometido qualquer crime ao utilizar o valor depositado para o pagamento das dívidas deixadas pela pensionista falecida. Sua Excelência ainda postulou a absolvição pela ausência de provas quanto à fraude, por entender que restou demonstrado que o acusado não se utilizou de meios fraudulentos para permanecer recebendo a pensão devida à Srª ALEXANDRINA THERIZINA SILVA. Por fim, em caso de eventual condenação, pleiteou a aplicação da sanção penal no seu mínimo legal, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Constam dos autos
do IPM nº
7000026-90.2024.7.05.0005
, dentre outros, os seguintes documentos:
Cópia de Sindicância (evento 1, itens 2, 3 e 4; evento 23, item 1, pgs. 16/20, itens 3/4); Declaração de Óbito (evento 1, item 2, pgs. 06/07; evento 23, item 2, pgs.1/2);Recibo de prestação de serviços funerários (evento 1, item 2, pg. 8); Cópia de Decisão proferida em Ação de Inventário (evento 1, item 2, pgs. 10/11);Comunicação de não apresentação de pensionista (evento 1, item 2, pgs. 12/13); Ficha de Apresentação de Pensionista Militar (evento 1, item2, p. 15); Ficha Financeira (evento 1, item 2 pg. 16); Termo de Curador Provisório (evento 1, item 2, pg.18); Título de Pensão Militar( evento 1, item 2, pg.19); Apostila de Transferência de Cota-parte (evento 1, item 2, pg. 20); Declarações do Sindicado (evento 1, item 3, pgs. 15/16); Recibos de Prestação de Serviço (evento 1, item 2, pgs. 18/20 e item 4, pgs 01/06); Certidão de Óbito (evento 1, item 4, pg. 07); Termo de Curador (evento 1, item 4, pg. 09); Faturas de consumo de água (evento 1, item 4, pgs. 11/12); Relatório de Sindicância (evento 1, item 4, pgs. 15/16); Solução de Sindicância (evento 1, item 4, pgs. 19/21); Interrogatório do Indiciado (evento 23, item 1, pgs. 13/14); Atualização do Débito (evento 23, item 5, pgs. 10/11); Relatório do IPM (evento 23, item 5, pgs. 12/14); Solução do IPM (evento 23, item 5, pg. 18).
Aos presentes autos foram acostados os seguintes documentos:
Procuração (evento 13, item 1); Declaração de Pobreza (evento 13, item 3); Cópia de documentos referentes à Ação de Ressarcimento da AGU em desfavor do acusado (evento 54); Informação da quitação de 02 (duas) parcelas de um total de 60 (sessenta) acordadas (evento 58).
As Certidões de Antecedentes Criminais do acusado encontram-se aos eventos 03, 04, 05 e 51.
Considerando o advento da
Lei nº 13.774/2018
e a desnecessidade da realização de
Sessão de Julgamento
quando se tratar de acusado civil, os autos vieram conclusos para
Sentença
.
É O RELATÓRIO.
Rogando vênias ao Órgão Ministerial Castrense, entendo que a
Denúncia
não merece prosperar.
Com efeito, consta dos presentes autos que a Srª. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, pensionista do ST R/1 ANGELO SOARES FERREIRA, veio a óbito no dia 02.04.2023, conforme se observa da
Declaração de Óbito
constante do evento 23, item 2, pgs. 01/02, do
IPM 7000026-90.2024.7.05.0005
.
No entanto, o conhecimento do óbito pela Organização Militar ocorreu em 12 de setembro de 2023, em razão da não apresentação da pensionista para a prova de vida que deveria ter ocorrido no mês de aniversário da mesma, qual seja, agosto daquele ano.
Muito embora tenha havido uma ampla divulgação do falecimento da referida pensionista, por ser ex-primeira dama do
Município de Morro da Fumaça/SC
[1]
, em decorrência da não emissão e entrega da respectiva
Certidão de Óbito
junto à
Seção de Veteranos e Pensionistas do 28º Grupo de Campanha
, foram depositados na
Conta 0001000002140
,
Agência 17884
, da
Caixa Econômica Federal (CEF)
, em nome da mencionada
de cujus,
os valores referentes aos meses de maio, junho, julho e agosto de 2023, perfazendo um total atualizado de R$ 47.030,98 (
quarenta e sete mil, trinta reais e noventa e oito centavos
)
[2]
de prejuízo ao Erário, na medida em que tal valor não foi revertido pela referida instituição bancária por ausência de saldo.
Somente no dia 08.11.2023 ocorreu a emissão da respectiva
Certidão de Óbito
, conforme se verifica no documento acostado ao evento 23, item 4, pg. 03, do
IPM 7000026-90.2024.7.05.0005
.
Pois bem, a materialidade delitiva restou comprovada por meio de diversos documentos acostados aos autos, em especial pela
Ficha Financeira
de evento 23, item 2, pg. 11 e item 5, pg. 3, do
IPM 7000026-90.2024.7.05.0005
. Deve-se ainda levar em consideração a atualização do débito constante do evento 23, item 5, pgs.09/11, daqueles autos.
No tocante à autoria, igualmente não remanesce qualquer controvérsia nos autos, na medida em que o acusado, Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
, neto nomeado curador
[3]
da Srª. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA, confirmou ser dependente financeiro da avó e responsável pelas movimentações bancárias na conta-corrente da pensionista, ocorrida após a óbito da mesma:
“
Perguntado se
era curador da
Sra ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA respondeu que
sim.
Perguntado se
realizou o saque do benefício da
Sra ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA
após o seu óbito, e se sim, referente a qual(is) mês(es)
respondeu que
sim, realizou o saque dos meses de maio, junho, julho e talvez agosto.
Perguntado
qual o destino do benefício sacado
respondeu que
foi utilizado para pagar despesas como aluguel, água, energia, cuidadores auxiliares nos finais de semana, farmácia, despesas de combustível, alimentação, manutenção do carro (que era utilizado para transportar a Sra ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA), despesas de funeral e ajuda financeira para a filha da Sr ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA (ROSANA THEREZINHA LINO
” (evento 23, item 3, pgs. 11/12).
Por ocasião do seu depoimento em Juízo, o
JESSÉ JORGE SILVA
afirmou ter acreditado que algum parente iria avisar sobre o falecimento da pensionista, pois teria ficado muito doente ao contrair o vírus
H1N1
, da gripe (evento 37, vídeo 4 – minuto 05:16). Disse ainda que nos últimos seis ou sete anos acabava levando diversos documentos à
Seção de Inativos e Pensionistas
, visto que a sua avó estava acamada e não podia comparecer presencialmente (minuto 06:57).
Por fim, asseverou não se recordar se havia sido ou não advertido de que tinha o dever de comunicar o falecimento da pensionista à Administração Militar, mas apenas de que deveria levar alguns documentos como a
Certidão de Casamento
atualizada e assinar (evento 37, vídeo 4, minutos 08:20 e 8:03, respectivamente).
Diante das aludidas declarações prestadas em Juízo de uma forma bem natural e espontânea pelo acusado, rogo vênias ao Nobre Procurador de Justiça Militar para entender que não restou cabalmente demonstrada os autos a efetiva vontade livre e consciente do Sr. JESSÉ em obter vantagem indevida para si, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, em prejuízo da Administração Militar.
Com efeito, não consta dos autos absolutamente nenhum tipo de documento em que conste alguma forma de advertência por parte da Administração Militar, ainda que de uma maneira informal, no sentido de que o Sr. JESSÉ deveria comunicar de imediato o falecimento da Srª. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA.
Ressalte-se que o Cap. RENAN LENTZ, muito embora tenha tomado conhecimento dos fatos narrados na peça vestibular por ouvir dizer (pois já havia sido transferido da OM quando da ocorrência do óbito), afirmou em Juízo que não se recordava se a
Seção de Inativos e Pensionistas do 28º Grupo de Campanha
fazia algum tipo de orientação ou de advertência por escrito para que o acompanhante da pensionista comunicasse imediatamente o falecimento àquela
Seção
(evento 37, vídeo 1, minuto 07:52)
Já o 2º Sgt DIORGENES PATRIQUE SANTOS MACHADO, desempenhando a função de Auxiliar na mencionada
SIP do 28º GAP
, declarou em Juízo que no presente caso concreto não foi feita nenhuma advertência ao Sr
JESSÉ JORGE SILVA
de que o mesmo deveria comunicar de imediato o óbito da Srª. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA (evento 37, vídeo 2, entre os minutos 23:52 e 24:47). O referido Graduado esclareceu, por fim, que o acusado firmou um
Acordo de Reconhecimento e Parcelamento da Dívida
com a Advocacia Geral da União (evento 37, vídeo 2, minuto 11:35).
Por sua vez, o 1º Ten. ALEF DA SILVA GUTERRES, Sindicante, limitou-se a confirmar que o acusado declarou ter utilizado o dinheiro indevidamente depositado para custear despesas deixadas pela pensionista e que pretendia devolver o valor se fosse necessário (evento 37, vídeo 3).
Portanto, observa-se das aludidas inquirições que não era adotada qualquer transmissão, por escrito, de algum tipo de advertência de que o óbito deveria ser comunicado à
Seção de Inativos e Pensionistas do 28º GAC
, constando destes autos somente uma declaração testemunhal no sentido de que eram realizadas comunicações verbais, informais.
Quero deixar bem claro que eu não estou aqui afirmando, de modo algum, que os militares pertencentes àquela mencionada
Seção
estão faltando com a verdade. Longe disso. No entanto, as suas afirmações tiveram um caráter genérico. Destarte, não há como ter a plena certeza de que o Sr
JESSÉ JORGE SILVA
foi efetivamente advertido de forma verbal, inclusive porque, conforme anteriormente consignado, o mesmo afirmou não se recordar de tal acontecimento.
Muito embora eu tenha o pleno conhecimento de que o crime descrito na exordial acusatória não se perfaz com o simples fato de não ter sido comunicado o óbito da pensionista à Administração Militar (até porque não há qualquer determinação legal neste sentido), a inexistência de uma formal advertência acerca da necessidade daquela comunicação acaba por gerar dúvidas a respeito da efetiva consciência, por parte do agente, da ilicitude da conduta descrita na
Denúncia
ofertada pelo
Parquet Miliciens
.
Em outras palavras, a ausência de uma advertência formal, clara, direta, não me permite afirmar cabalmente, de maneira indene de dúvidas, que o Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
, por não ter tomado a iniciativa de informar o falecimento da sua avó ao
28º Grupo de Artilharia de Campanha
, estava efetivamente imbuído da vontade livre e consciente de manter a Administração Militar em erro para, valendo-se do chamado “
silêncio malicioso
”, obter vantagem financeira que claramente sabia indevida.
Vejamos o entendimento esposado pela Suprema Corte Pátria a respeito do elemento subjetivo no delito de ‘
Estelionato’
:
“
EMENTA: Habeas Corpus. 2. Crimes de estelionato e extorsão. 3. Pedido de trancamento da ação penal. 4. Denúncia inepta. Imputação genérica ou abstrata, impassível de comprovar a materialidade dos supostos delitos. 5. Em se tratando de crime de estelionato, o dolo de obtenção de vantagem, mediante indução ou manutenção da vítima em erro, deve ser inicial.
O intento lesivo deve coexistir com o início da execução, não se caracterizando o delito do art. 171 do Código Penal quando, como no caso concreto, a teórica intenção lesiva tenha nascido a posteriori, na busca de proveito indevido antes não visado, situação que se caracterizaria como mero inadimplemento contratual
. 6. Para que se perfaça o delito de extorsão, é indispensável o uso de violência ou grave ameaça por parte do agente, circunstâncias sequer aventadas na denúncia, não se podendo, de outro lado, tomar a teórica exigência de quantia em dinheiro, condicionando a entrega de cópia do contrato, como indicativo de vis compulsiva. 7. Condutas atípicas. 8. Ordem deferida para determinar o trancamento, em definitivo, da ação penal nº 001.2002.016375-5.
”
[4]
Ora, considerando que não se pode obviamente presumir má-fé por parte de quem quer que seja, o Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
está a merecer ao menos o benefício da dúvida, ainda mais se for levado em consideração o fato de que o mesmo já reconheceu a dívida e firmou acordo com a
Advocacia-Geral da União
para o pagamento parcelado, à guisa de ressarcimento, do montante atualizado que havia sido depositado indevidamente na conta da Srª. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA
[5]
.
Analisando os elementos subjetivos do delito em questão, insculpido no art.171,
caput
, do Código Penal Brasileiro (
com redação idêntica ao art. 251 do Estatuto Repressivo Castrense
), o saudoso mestre Damásio de Jesus assim discorreu:
“
O primeiro é o dolo, que consiste na
vontade de enganar a vítima
, dela obtendo vantagem ilícita, em prejuízo alheio, empregando artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Deve ser anterior ao resultad
o: JTACrimSP, 73:370; RT, 419:290.
É necessário que o sujeito tenha a plena consciência da ilicitude da vantagem que obtém da vítima
. O tipo requer um segundo elemento subjetivo, contido na expressão 'para si ou para outrem'.
O estelionato só pode ser punido a título de dolo. A denominada fraude culposa constitui fato atípico
”
[6]
Por sua vez, Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini asseveraram o seguinte a respeito do dolo no crime em comento:
“
No estelionato, o dolo é a vontade de praticar a conduta, iludindo a vítima, exigindo-se o elemento subjetivo do injusto que é a vontade de obter vantagem ilícita para si ou para outrem. Deve anteceder o recebimento da coisa; se for posterior, pode ocorrer outro crime
. Já se tem feito distinção, porém, entre o dolo penal e o dolo civil, configurando-se nesse caso mero ilícito civil
”
[7]
Como dito acima, não é possível extrair dos presentes autos a necessária certeza de que o acusado agiu movido pela vontade livre e consciente de manter a Administração Militar em erro com o intuito de obter vantagem ilícita, seja para si, seja para outrem.
Conforme amplamente cediço, não se presume o dolo, devendo este restar cabalmente comprovado nos autos para que possa amparar uma sentença penal de índole condenatória.
Não é diverso o posicionamento do Colendo Superior Tribunal Militar a respeito da matéria em comento:
“
APELAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. ESTELIONATO. REFORMA DA SENTENÇA. DOLO. NÃO COMPROVAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. PENSÃO FUNDAMENTADA NA LEI Nº 3.373/58. ESTADO CIVIL. Não se caracteriza em fraude a declaração prestada a Administração Militar, por ocasião de recadastramento de beneficiária de pensão fundamentada na Lei nº 3.373/58, de que possui estado civil de solteira, apesar de conviver em união estável, por ser verídica a afirmação, haja vista que a união estável não é considerada, constitucionalmente, como casamento, e não altera o estado civil da pessoa perante o Registro de Pessoas Civis. Também, não se configura o dolo do agente para manter a Administração Militar em erro a não inserção da informação de convivente em união estável no formulário de recadastramento de pensionista que não contém a referida indagação, por não se demonstrar o animus em enganar.
Não existindo a comprovação dos elementos objetivos e subjetivos, os quais são exigidos para a configuração do crime previsto no art. 251 do CPM, não há como subsumir o fato ao tipo, uma vez que é necessário o preenchimento de todos os elementos essenciais para a configuração do crime e por não haver, para esse delito, a previsão da modalidade culposa
. Apelo desprovido. Por unanimidade.
”
[8]
No presente caso concreto, entendo que não houve tal comprovação,
data máxima vênia
.
Destarte, creio revelar-se perfeitamente aplicável o vetusto brocardo ‘
in dubio pro reo
’, no que diz respeito especificamente ao dolo por parte do acusado em cometer o delito capitulado no art.251,
caput
, do Código Penal Militar, visto que não restou cabalmente comprovado nos autos que o Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
agiu movido pelo
animus fraudandi
.
Acerca do referido princípio, assim discorreram Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger:
“
Havendo dúvidas sobre qual legislação aplicar,
optar-se-á pela mais favorável ao réu
. É o posicionamento mais moderno, contrariando a limitação outrora existente de que este princípio deveria ser considerado apenas no momento da apreciação das provas;
tal amplitude, oriunda principalmente do direito alemão, permite que se aplique o referido princípio não só nos elementos constitutivos do crime, mas também nos impeditivos da ocorrência do crime (excludentes de antijuricidade), extintivos (prescrição, anistia etc.), mitigadores de pena (atenuantes de pena, crime continuado etc.), pressupostos processuais (competência, tempestividade dos recursos etc.), independentemente do ônus da prova
; compartilha desse entendimento a jurisprudência pátria, inclusive o Superior Tribunal Militar.
”
[9]
Como observado pelos referidos autores, a Colenda Corte Superior Castrense compartilha do entendimento doutrinário acima transcrito:
“
EMENTA: APELAÇÃO. ESTELIONATO. PENSÃO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CUMULATIVIDADE. POSSIBILIDADE. PRELIMINAR DE REVOGAÇÃO DO § 2º DO ART. 1º DA LEI Nº 3.738, DE 1960 REJEITADA. DOLO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO.
- À vista dos fatos narrados a comprometerem a certeza do animus delicti, tem-se que não restou razoavelmente demonstrado o dolo da acusada em aplicar fraude com o intuito de receber vantagem ilícita e lesionar a Administração Militar.
- Corroborando, ademais, as razões exaustivamente expostas, o brocardo in dubio pro reo é medida que se coaduna com a espécie.
-
Esta Corte Castrense firmou orientação no sentido de não havendo prova suficiente de que o agente cometeu dolosamente atos que importem em fraude e impliquem na configuração do delito de estelionato, impõe-se a absolvição.
PRELIMINAR REJEITADA. DECISÃO MAJORITÁRIA. APELO NEGADO. DECISÃO UNÂNIME.
”
[10]
Na esteira de tal pensamento, entendo que o Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
deve ser absolvido por não ter sido possível extrair dos presentes autos a necessária certeza de que o mesmo agiu imbuído da vontade livre e consciente de cometer o crime de
'Estelionato'
, capitulado no art. 251,
caput
, do Código Penal Militar.
Feitas tais considerações, ressalto que não se pode confundir as responsabilidades nas searas criminal e cível. Com efeito, o fato do Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
ser absolvido no âmbito penal não interfere, de forma alguma, na sua situação de devedor junto à Fazenda Nacional, na medida em que os valores foram depositados de forma indevida na conta da Srª. ALEXANDRINA THEREZINHA SILVA após a morte desta. Isso é fato incontroverso, que em nada se confunde com um eventual dolo por parte do acusado em cometer o delito de ‘
Estelionato
’ tendo como vítima a Administração Militar.
Da mesma forma, se acaso restasse cabalmente comprovado nestes autos que o denunciado agiu imbuído da vontade livre e consciente de manter a Administração Militar em erro para auferir vantagem financeira indevida, o crime estaria consumado com o efetivo recebimento de tal vantagem, ainda que o acusado, antes mesmo de instaurada a presente
Ação Penal Militar
, devolvesse integralmente os valores indevidamente recebidos. Isto porque tal hipotética devolução não afastaria o crime dolosamente cometido e já consumado, mas tão somente reduziria uma eventual sanção penal aplicada, à luz dos §§ 1° e 2°, do art. 240, combinados com o art. 253, todos do Código Penal Militar
[11]
.
Portanto, revela-se equivocada a percepção de que algumas condutas anteriormente adotadas pelos réus na seara administrativa, a exemplo de furtar-se a atender chamados da Administração Militar buscando negociação para pagamento parcelado (
o que, ressalte-se, não foi o caso do Sr. JESSÉ
), signifiquem confessar a prática do crime de ‘
Estelionato
’.
Cumpre ressaltar que Inquéritos Policiais e Ações Penais não podem ser utilizados como instrumentos para cobrança de dívidas. Seria um inaceitável desvirtuamento
Cabe recomendar às
Seções de Atendimento a Inativos e Pensionistas
das Organizações Militares que, em havendo a constatação do pagamento indevido de pensões, envidem imediatas providências buscando a devolução do montante indevidamente depositado, efetuando o mais rapidamente possível a inscrição do débito em
Dívida Ativa da União (DAU)
, com a consequente inserção do nome do devedor no
Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (CADIN)
, nos termos do artigo 2° e parágrafos, da
Lei n° 10.522/2002
, possibilitando a futura instauração de uma eventual
Ação de Execução Fiscal
.
Tais procedimentos, enfatize-se, independem daqueles atinentes à
persecutio criminis
, que via de regra são os
Inquéritos Policiais
e as
Ações Penais
. Isto porque, como exaustivamente ponderado acima, a situação de devedor de maneira alguma se confunde com a situação de estelionatário.
Outrossim, constata-se pelos documentos de eventos 54 e 58 que o Sr.
JESSÉ JORGE SILVA
, como dito, já efetuou acordo com a
Advocacia-Geral da União – Procuradoria Regional da União da 4ª Região
, para fins de ressarcimento do montante recebido indevidamente, cabendo àquela Instituição, se for o caso, executar a cobrança judicial do valor ainda devido e eventualmente não ressarcido pelo acusado.
ISTO POSTO
, julgo
improcedente
a
Denúncia
, para
absolver
o acusado
JESSÉ JORGE SILVA
da imputação de cometimento do delito capitulado no art. 251,
caput
, do Código Penal Militar, com supedâneo no art. 439, alínea ‘e’, do CPPM.
Anote-se. Registre-se. Comunique-se. Intimem-se. Publique-se.
Por fim, verifica-se do feito que não há bens apreendidos e vinculados à presente
Ação Penal Militar
.
_________________________________________
[1]
Evento 1, item 2, pg. 17, do IPM 7000026-90.2024.7.05.0005
[2]
Evento 23, item 5, pgs. 09/11 do IPM 7000026-90.2024.7.05.0005
[3]
Evento 23, item 4, pg. 5 do IPM 7000026-90.2024.7.05.0005
[4]
Habeas Corpus nº 87.441/PE; 2ª Turma; Relator Ministro Gilmar Mendes; DJ 13/03/2009 (grifei)
[5]
Evento 58.
[6]
Damásio E. de Jesus; 'Código Penal Anotado, 7ª edição revista e atualizada'; Editora Saraiva; pg. 573 (grifo nosso)
[7]
Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini; 'Código Penal Interpretado, 9ª edição revista e atualizada'; Editora Atlas; pg. 1.353 (grifo nosso)
[8]
Apelação nº 0000238-27.2013.7.01.0201 UF: RJ; DJe 24/06/2016; Relator Ministro Álvaro Luiz Pinto (grifei)
[9]
Neves, Cícero Robson Coimbra e Streinfinger, Marcelo, in ‘Apontamentos de Direito Penal Militar’, volume 1 (parte geral) – São Paulo; Ed. Saraiva, 2005; pág. 56, (nota de rodapé nº 113) (grifei)
[10]
Apelação nº 0000013-57.2005.7.09.0009; UF: MS; DJ 25/02/2010; Relatora Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha (grifei)
[11]
Aplicáveis ao delito de estelionato, conforme disposto no art. 253 daquele referido Codex.
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