Processo nº 7000275-92.2024.7.03.0103
ID: 331829245
Tribunal: STM
Órgão: 1ª Auditoria da 3ª CJM
Classe: AçãO PENAL MILITAR - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 7000275-92.2024.7.03.0103
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WILSON KLIPPEL CICOGNANI JUNIOR
OAB/RS XXXXXX
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Ação Penal Militar - Procedimento Ordinário Nº 7000275-92.2024.7.03.0103/RS
ACUSADO
: FRANCIS LOURENZI
ADVOGADO(A)
: WILSON KLIPPEL CICOGNANI JUNIOR (OAB RS078096)
SENTENÇA
O Ministério Público Mili…
Ação Penal Militar - Procedimento Ordinário Nº 7000275-92.2024.7.03.0103/RS
ACUSADO
: FRANCIS LOURENZI
ADVOGADO(A)
: WILSON KLIPPEL CICOGNANI JUNIOR (OAB RS078096)
SENTENÇA
O Ministério Público Militar, em 27/06/2024, ofereceu denúncia em face de
FRANCIS LOURENZI
, brasileiro, nascido em 01/04/1989, natural de Encantado/RS, CPF nº 017.953.660-52, filho de Luciane Nava Lourenzi e de Paulo Cesar Lourenzi, imputando-lhe a prática, em tese, do crime de uso de documento falso, previsto no art. 315 do CPM, pelos seguintes fatos:
Em meados de 2023, a empresa Boqueirão Desmonte em Rocha LTDA (CNPJ 10.418.783/0001-81), com a qual o denunciado mantém vínculo empregatício, requereu junto ao SFPC/3.ª RM, por meio do SICOEx, 04 (quatro) autorizações para serviço de detonação, que deveriam vir acompanhados de “alvará de funcionamento ou autorização/declaração da Prefeitura Municipal de que não há impedimento para realização do serviço de detonação”, nos termos do inciso I, 2.º, art. 48, da Portaria n.º 147-COLOG, de 21 de novembro de 2019.
Para o município de Antônio Prado/RS foram apresentados os seguintes documentos:
Já para o município de Passo Fundo/RS foi apresentado o seguinte documento:
Assim, a fim de cumprir os requisitos legais, a referida empresa apresentou em novembro de 2023, no Sistema de Controle de Explosivos do Exército (SICOEx) da 3.ª Região Militar, declarações das Prefeituras Municipais de Antônio Prado (Fls. 12, 130, 132 e 134) e de Passo Fundo (Fls. 13 e 128). Contudo, após a análise da documentação encaminhada, a administração verificou inconsistências, constatando que tanto a declaração do Município de Passo Fundo como a de Antônio Prado eram falsas, pois os nomes e as respectivas assinaturas dos Prefeitos (das duas cidades) e da Secretária de Administração de Passo Fundo NÃO CORRESPONDIAM aos atuais mandatários e membro da administração municipal.
Eis os documentos falsos inseridos:
Documento 1: Autorização n.º 05/2023 (Passo Fundo)
Documento 2: Autorização n.º 10/2023 (Antônio Prado)
Documento 3: Autorização n.º 10/2022 (Antônio Prado)
O SFPC/3 notificou a empresa Boqueirão para que entregasse os originais das documentações supracitadas (Fls. 15, 17, 19, 21, 167 e 169), porém a empresa quedou-se inerte e nada apresentou.
Outro ponto a ser destacado na falsidade na Autorização 10/2023 é que o registro do engenheiro de minas (Sr. Rudolf Ghysio Schaarschmidt) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (CREARS) também diverge do registro no próprio Conselho Regional (Fl. 180).
Instados a manifestarem: o município de Antônio Prado/RS informou que a folha timbrada do documento que constava o nome da cidade não era o mesmo utilizado pelo Município nos últimos anos e que o Sr. Juarez Santinon, signatário do documento, não era prefeito desde 31 de dezembro de 2020 (fls. 153 e 155). Já o município de Passo Fundo/RS informou que o documento apresentado não foi produzido por sua Administração; que a empresa constante nesse documento não possui qualquer autorização municipal para obras de detonação no imóvel citado; que tramitou junto àquela municipalidade o processo administrativo n° 2023/43963 versando sobre autorização para desmonte de rocha com uso de explosivos requerida pela empresa Boqueirão Desmonte em Rocha LTDA (Fl 61 a 117), no qual restou concluso pela emissão de uma Declaração de Ciência de Desmonte de Rocha à mesma (Fl 118 a 120); e, que foram utilizadas indevidamente as assinaturas do ex-prefeito Luciano Palma de Azevedo e da ex-Secretária de Administração Marlise Lamaison Soares, cujos agentes políticos não integram a atual Administração Municipal (Fl 156 a 159).
A autoridade delegada, que analisou os dados extraídos do SICOEx (Fls 126, 127, 131 e 133), concluiu que o responsável pela inserção da documentação falsa no referido sistema foi o denunciado
FRANCIS LOURENZI
, funcionário da Boqueirão Desmonte em Rocha LTDA e que era responsável pelo Setor de Logística e Operações da empresa.
O denunciado negou que tenha inserido os documentos falsos, contudo, os registros no sistema SICOEx demonstram que a documentação foi realizada utilizando-se o login e senha dele (denunciado), conforme se infere das provas colhidas (Fls 126, 127, 131 e 133):
Documentos comprobatórios das inserções/histórico:
Documento 1 – Requerimento 3680/2023
Documento 2 – Requerimento 4970/2023
Documento 3 – Requerimento 5127/2023
Documento 4 – Requerimento 5128/2023
Restou claro que o denunciado, utilizando-se do acesso sistema por conta da função que exercia na empresa Boqueirão Desmonte, inseriu documentos falsos visando obter as autorizações da Organização Militar.
Assim agindo, o denunciado praticou o delito de fazer uso de documento falsificado descrito no artigo 315 do Código Penal Militar.
Antes do recebimento da denúncia, este Juízo determinou a intimação do MPM para se manifestar sobre a possibilidade de oferecimento do ANPP (IPM – evento 33).
O MPM manifestou contrariamente (IPM – evento 36).
A denúncia foi recebida em 29/07/2024 (APM – evento 1, doc. 2).
Juntados os antecedentes criminais do acusado (eventos 4, 10 e 11).
O acusado foi citado (evento 15) e constituiu advogado (evento 16).
Na resposta à acusação, a defesa requereu, preliminarmente, a reabertura do prazo, sob a alegação de que não teve acesso à íntegra dos autos do IPM. No mérito, postulou a absolvição sumária, sustentando, em síntese: (1) a atipicidade da conduta, por se tratar de falsificação grosseira, (2) a ausência de dolo da prática do crime de uso de documento falso, pois o acusado apenas deixou que utilizassem seu login/senha de acesso ao sistema, e (3) a ausência de materialidade delitiva, por não terem sido apresentados os documentos originais, e não ter sido realizada perícia para atestar sua falsidade. Requereu, ainda, (1) a intimação das prefeituras de Passo Fundo e de Antônio Prado para apresentarem os expedientes administrativos de apuração dos ilícitos, (2) a intimação da empresa Boqueirão Desmonte em Rocha para apresentar os documentos, supostamente falsos, que foram inseridos no sistema do Exército, bem como, indicar quais funcionários utilizam o login/senha de acesso do réu, (3) a realização de perícia nos documentos, oportunizando ao acusado indicar assistente técnico. Por fim, arrolou quatro testemunhas e prequestionou a matéria, por afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, por não ter tido acesso aos autos do IPM (evento 16).
Este Juízo determinou a associação do advogado ao IPM e a reabertura do prazo para a apresentação da resposta à acusação (evento 19). Em aditamento à resposta à acusação, a defesa requereu a declaração de nulidade do IPM, e a intimação do MPM para se manifestar sobre o cabimento do ANPP, tendo em vista as condições do caso concreto, prequestionando sua aplicação (evento 21).
Em decisão exarada em 20/10/2024, este Juízo afastou a alegação de nulidade do IPM, diante de sua natureza de peça informativa, em que não há garantia plena de contraditório e ampla defesa, analisando, ainda, que, no caso concreto, na cópia do IPM encaminhada ao advogado pelo Encarregado, em 06/02/2024, já se encontravam os dados do procedimento distribuído no e-Proc/JMU (IPM 70000169720247030103 – evento 8, doc. 1, fl. 11 do PDF), de modo que, sendo de seu interesse, já poderia ter requerido o acesso aos autos eletrônicos do IPM, antes mesmo do oferecimento da denúncia pelo MPM.
Sobre o requerimento referente ao ANPP, este Juízo ressaltou que, antes do recebimento da denúncia, o
Parquet
fora intimado para manifestação sobre o seu cabimento no caso concreto (IPM 7000016-97.2024.7.03.0103/RS – evento 33). Entretanto, o entendimento do membro do Órgão Ministerial foi no sentido de não aplicação do instituto. Nesse caso, não cabe nova intimação do MPM em razão do inconformismo da defesa sobre a negativa, devendo ser interposto recurso administrativo diretamente à CCR/MPM.
Por fim, foi indeferido o pedido de absolvição sumária, por não estarem presentes nenhuma das hipóteses autorizadoras previstas no art. 397 do CPP. Foram determinadas diligências e designada data para o início da instrução processual (evento 27).
Expedidos ofícios à Prefeitura Municipal de Antônio Prado (evento 34) e de Passo Fundo (evento 35), requisitando a remessa de cópia de eventuais procedimentos administrativos instaurados para apuração das falsificações: “Autorização para uso controlado de explosivos N° 10/2023” e "Autorização N° 05/2023” - Passo Fundo/RS", respectivamente.
Intimado a se manifestar sobre os requerimentos da defesa de (1) intimação da empresa Boqueirão Desmonte em Rocha para apresentar os documentos, supostamente falsos, que foram inseridos no sistema do Exército, bem como, indicar quais funcionários utilizam o login de acesso do réu ao SICOEx, e (2) realização de perícia nos documentos, oportunizando ao acusado indicar assistente técnico (evento 27); o MPM pugnou pelo indeferimento (evento 42).
Este Juízo deferiu o pedido de requisição à Empresa Boqueirão Desmonte em Rocha dos originais da documentação juntada no IPM, evento 1, doc. 1, fls. 14 e 15 do PDF (autorização para uso controlado de explosivo nº 10/2023, em nome do município de Antônio Prado e autorização nº 05/2023, em nome do município de Passo Fundo). Por outro lado, indeferiu o pedido de intimação da empresa Boqueirão para "indicar quais funcionários utilizam login de acesso do réu", uma vez que cabe à defesa produzir a prova testemunhal necessária para a comprovação da alegação. Por fim, indeferiu o pedido de realização de perícia nos documentos, por ausência de utilidade para a prova, uma vez que não se trata de falsificações que dependem de aferição por procedimento técnico-pericial, sendo possível verificá-las por outros meios, bem como que a inautenticidade já fora atestada pelas Prefeituras de Antônio Prado e de Passo Fundo (IPM - evento 8, doc. 1, fl. 43 do PDF; e doc. 2, fls. 10/11 do PDF), órgãos que teriam supostamente emitido os documentos (evento 54).
Expedido ofício à Empresa Boqueirão Desmonte requisitando a entrega dos originais da documentação juntada no Inquérito Policial Militar, evento 1, doc. 1, fls. 14 e 15 do PDF (autorização para uso controlado de explosivo nº 10/2023, em nome do município de Antônio Prado e autorização nº 05/2023, em nome do município de Passo Fundo) (evento 57).
Em 16/12/2024, a Prefeitura Municipal de Passo Fundo informou que não foi localizado expediente aberto para apuração dos fatos envolvendo a falsificação do documento (evento 60).
Em 17/12/2024, dia designado para início da instrução, o MPM desistiu da oitiva das testemunhas arroladas na denúncia (evento 62). Com a desistência, foi cancelada a audiência, sendo designado o dia 03/02/2025, para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa (evento 16) e qualificação e interrogatório do acusado (evento 64).
Em 03/02/2025, foram inquiridas as testemunhas arroladas pela defesa, Guilherme Frederico da Silva Haas, Ricardo Bertolini, Suélen Perachi e Mariana Olarte do Prado, bem como realizado o interrogatório do acusado. No mesmo ato, foi determinada a reiteração do ofício encaminhado à Empresa Boqueirão Desmonte, requisitando que informe de que forma os documentos foram recebidos pela empresa, se através de WhatsApp, e-mail etc; determinado, ainda, requisitar para o SFPC da 3.ª RM as seguintes informações: como é realizado o cadastro para obtenção de login e senha do SICOEx e quantas autorizações de acesso (logins) a mesma empresa pode obter. Pela defesa, novamente foi requerido o oferecimento do ANPP, tendo o MPM informado que se manifestaria ao tempo das alegações escritas (eventos 84/85).
O Comando da 3ª RM informou que a realização de cadastro para obtenção do login/senha no SICOEx é feita pela página eletrônica, onde o interessado preenche o modelo de requerimento, de termo de responsabilidade e de termo de compromisso e confidencialidade, que devem ser encaminhados por e-mail, junto com cópia do documento de identidade. Ademais, não há limite estipulado para a quantidade de autorizações de acesso. Juntou documentos (evento 96, docs. 2 e 3).
No prazo do art. 427 do CPPM, o MPM informou não ter diligências a requerer (evento 98).
A defesa constituída deixou transcorrer
in albis
o prazo (evento 99).
A empresa Boqueirão Desmonte informou que não possui os documentos requisitados e não sabe precisar por qual meio esses documentos foram recebidos, mas que, “[os documentos] são habitualmente recebidos eletronicamente, diretamente pelo funcionário responsável pelo encaminhamento junto ao Exército, via sistema, ou fisicamente, sendo, em seguida, devolvidos à parte interessada ou entregues ao Exército” (evento 100).
As partes foram intimadas para apresentação das alegações finais, com a advertência de que, por ser processo de competência monocrática, não seria designada sessão de julgamento (evento 102).
O MPM apresentou correição parcial (evento 105).
A defesa apresentou manifestação (evento 111).
A decisão de dispensa de realização da sessão de julgamento foi mantida, sendo a irresignação encaminhada ao STM (evento 115).
Em suas alegações escritas, o MPM sustentou que a materialidade e a autoria do crime de uso de documento falso estão comprovadas nos autos, uma vez que o acusado era o coordenador/chefe da seção da empresa responsável por inserir a documentação no sistema do Exército. Além disso, para obter o login e a senha de acesso ao sistema, o acusado assinou termo de responsabilidade e de confidencialidade sobre a senha distribuída, responsabilizando-se por eventual uso indevido dessa senha. Por outro lado, a informação fornecida pelo Comando da 3ª RM esclarece que não há limite para a obtenção de login/senha pela empresa, de modo que, ao contrário do quanto alegado pela defesa, não seria necessário permitir o uso do login/senha do acusado por outros funcionários. Dessa forma, postulou a condenação (evento 112).
Por sua vez, a defesa constituída sustentou, em síntese: (1) a atipicidade da conduta, por se tratar de falsificações grosseiras, (2) a ausência de dolo da prática do crime de uso de documento falso, pois o acusado apenas deixou que utilizassem seu login/senha de acesso ao sistema, e (3) a ausência de materialidade delitiva, por não terem sido apresentados os documentos originais, e não ter sido realizada perícia para atestar sua falsidade. Dessa forma, postulou a absolvição do acusado. Por fim, prequestionou a matéria constitucional, por afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, por ter tido o acesso aos autos do IPM negado pelo Encarregado; bem como prequestionou a matéria infraconstitucional, por não ter sido oferecido o ANPP (evento 122).
Vieram os autos conclusos para julgamento (evento 124).
É o relatório.
Fundamentação.
Imputa-se ao acusado,
Francis Lourenzi
, a prática do crime de uso de documento falso (art. 315 do CPM), por ter, em novembro de 2023, inserido no Sistema de Controle de Explosivos do Exército (SICOEx) da 3ª RM documentos falsos pretensamente expedidos pelas Prefeituras de Antônio Prado e de Passo Fundo, a fim de obter autorização do SFPC para o serviço de detonação de explosivos.
De plano, cumpre esclarecer que, embora a denúncia descreva a prática de três condutas delitivas, através da juntada no SICOEx de três Autorizações falsas, sendo duas supostamente emitidas pela Prefeitura de Antônio Prado (Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023, de 27 de novembro de 2023 – IPM – evento 8, doc. 1, fl. 14 do PDF; e Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2022, de 16 de novembro de 2022 – IPM – evento 8, doc. 4, fl. 10 do PDF) e uma supostamente emitida pela Prefeitura de Passo Fundo (Autorização n° 05/2023, de 28 de novembro de 2023 – IPM – evento 8, doc. 1, fl. 15 do PDF), nenhuma prova foi produzida – seja no IPM, seja no curso da instrução criminal, a respeito da Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2022, de 16 de novembro de 2022 (IPM – evento 8, doc. 4, fl. 10 do PDF).
Veja-se que, quando solicitou informações sobre a autenticidade do documento à Prefeitura de Antônio Prado, o Encarregado mencionou apenas a Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023, de 27 de novembro de 2023 (IPM – evento 8, doc. 1, fls. 28/29, 38 do PDF), de modo que a resposta do Município, em que atesta a falsidade do documento, refere-se apenas a essa Autorização (IPM – evento 8, doc. 1, fls. 43/45 do PDF).
Nem se pode dizer que a resposta da Prefeitura de Antônio Prado se estende à Autorização n° 10/2022, pois no parágrafo terceiro o Município trata expressamente apenas das autorizações emitidas no ano de 2023 (IPM – evento 8, doc. 1, fls. 43/45 do PDF).
Ainda que se pudesse alegar que o suposto signatário da Autorização n° 10/2022 é o mesmo da Autorização n° 10/2023, que já não era o Prefeito do Município desde o ano de 2020, o que importaria em uso de documento ideologicamente falso, entendo que essa prova não é suficiente para a condenação, pois poderia se tratar de mero erro material, uma vez que não se tem a informação sobre as autorizações efetivamente concedidas pela Prefeitura de Antônio Prado no de 2022.
Nesse contexto, as próprias alegações escritas do MPM descrevem apenas duas condutas delitivas, quais sejam, o uso das Autorizações n° 10/2023, de Antônio Prado, e n° 05/2023, de Passo Fundo.
Assim, deve o acusado ser absolvido por ausência de prova suficiente para a condenação em relação ao uso do documento Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2022, de 16 de novembro de 2022 (IPM – evento 8, doc. 4, fl. 10 do PDF).
Passa-se à análise das condutas de uso dos documentos Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023, de 27 de novembro de 2023, supostamente emitida pelo município de Antônio Prado (IPM – evento 8, doc. 1, fl. 14 do PDF), e Autorização n° 05/2023, de 28 de novembro de 2023, supostamente emitida pelo município de Passo Fundo (IPM – evento 8, doc. 1, fl. 15 do PDF).
A defesa sustenta a ausência de materialidade delitiva, porque os documentos originais não foram juntados aos autos e não foram submetidos à perícia para aferição de sua falsidade.
No ponto, não merece guarida a tese defensiva.
Não se desconhece que a jurisprudência dos Tribunais Superiores se firmou no sentido de que cópias xerográficas ou reprográficas, sem a respectiva autenticação, em princípio, não servem como objeto material de crimes que envolvem contrafação de documento.
Todavia, as próprias Cortes Superiores flexibilizaram esse entendimento ao afirmar que a cópia de documento, sem autenticação, por si só, não descaracteriza o tipo penal, quando há potencialidade lesiva. Veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. COMPROVANTES DE ENDEREÇO CONTRAFEITOS UTILIZADOS EM AÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL. POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA.
POSSIBILIDADE DAS FOTOCÓPIAS DIGITALIZADAS SEREM CONSIDERADAS DOCUMENTO PARA FINS PENAIS.
AGRAVO DESPROVIDO.
1. Não se desconhece que a jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou-se no sentido de que cópias xerográficas ou reprográficas, sem a respectiva autenticação, em princípio não configuram documento para fins penais. 2. No entanto, há que se distinguir a falsificação de uma fotocópia, que não possui relevância penal, da falsificação por meio de uma fotocópia, já que nesta segunda hipótese o documento, ao invés de ser adulterado por meio da impressão de um novo, é fotocopiado, resultando numa peça distinta do original, e que pode ser apta a produzir resultado penalmente relevante. 3. Na espécie, os documentos falsificados foram eficazes para a produção de resultado penalmente relevante, já que, muito embora as pessoas assistidas pelo advogado tenham negado possuir domicílio na capital catarinense, as ações ajuizadas em nome delas foram julgadas pelo Juizado Especial Federal local.
4.
Tratando-se de fotocópia com potencialidade lesiva concreta, produzida por advogado e utilizada em processo judicial eletrônico, que efetivamente foi capaz de ludibriar uma magistrada no exercício de sua atividade jurisdicional, não há que se falar na atipicidade da conduta do recorrente
. Precedentes. 5. Como bem ressaltado pela Corte regional,
"o processo eletrônico é um importante veículo tecnológico para viabilização da prestação jurisdicional, no qual a Justiça e demais operadores do direito necessariamente devem confiar no comportamento da contraparte, no sentido que documentos 'escaneados', indisponíveis à pronta conferência física, representem a correta imagem de documentos efetivamente existentes. A abertura de permissões para manipulação de imagens que não correspondem a documentos reais tem o potencial efeito de levar a prática a níveis insuportáveis de insegurança, trazendo intranquilidade na apreciação, por todos os envolvidos, de processos dessa natureza".
(...)
7. Recurso não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 929.123/SC, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25/9/2018, DJe de 5/10/2018.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.
USO DE DOCUMENTO FALSO. ATIPICIDADE DA CONDUTA NÃO CONFIGURADA. FOTOCÓPIA. POTENCIALIDADE LESIVA.
REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...)
III - No caso em tela, o paciente foi surpreendido dirigindo um "táxi pirata", portando um selo que o habilitava ao exercício da profissão de taxista, porém, segundo laudo pericial, este seria falso, "por não possuir as características essenciais e inerentes aos documentos emitidos oficialmente e estaria apto a iludir terceiros". Assim,
constatada mediante perícia a potencialidade lesiva do documento, não há que se falar em atipicidade da conduta ao argumento de que este seria simples fotocópia confeccionada em papel comum.
(...)
Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 327.376/RJ, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/11/2015, DJe de 26/11/2015.)
Quanto à potencialidade lesiva do documento falsificado, importante destacar que ela se verifica independentemente da efetiva concretização do intento criminoso. A exigência de potencialidade lesiva não significa exigir-se que tenha havido efetivo prejuízo. Em outras palavras, basta que o documento tenha potencial para enganar a Administração Militar, fazendo passar-se por verdadeiro, ainda que, no caso concreto, o falso tenha sido descoberto antes de produzir o resultado almejado.
Com efeito, não se tratando de falsificação grosseira, tem-se documento apto a ludibriar terceiros; e, no caso dos autos, ao contrário do quanto alegado pela defesa, não há falar em falsificação grosseira capaz de afastar a tipicidade da conduta.
Isso porque, os Tribunais Superiores já decidiram que, sendo necessária a verificação da informação contida em documento, fica afastada a hipótese da falsificação grosseira, veja-se:
APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU). ARTS. 311 E 315 DO CPM. USO DE DOCUMENTO FALSO. PRELIMINARES DEFENSIVAS. NULIDADE DO FEITO. (...) TESES DEFENSIVAS. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. CRIME FORMAL. EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. DISPENSABILIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. UNANIMIDADE. (...) 5. O crime de falso possui como aspecto subjetivo o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticá-lo, sendo irrelevante, para o preenchimento de suas elementares, a obtenção de qualquer proveito ou a existência de prejuízo. Assim, a eventual inexistência de prejuízo da Administração Militar não afasta, por si só, a tipicidade da conduta. 6. A jurisprudência do STM é pacífica no sentido de que a fé pública resta ofendida pelo uso de documento falso, ainda que inexista dano patrimonial à Administração Militar (sujeito passivo em primeiro grau) ou à eventual vítima em segundo grau - pessoa física ou jurídica. 7.
A tese do crime impossível, nos delitos de falsum, tem ensejo apenas quando caracterizada a falsificação grosseira, capaz de levar o homem médio, de plano, a recusar o documento. O cerne da análise da existência de eventual erro grosseiro em documento falsificado reside na verificação de seus aspectos intrínsecos, e não nos seus fatores extrínsecos. A contrafação apta a enganar agentes da Administração Militar, a ponto de demandar diligências para averiguar a sua autenticidade, não caracteriza a falsificação grosseira, tampouco a ocorrência de crime impossível.
8. O Princípio da Insignificância não incide nos crimes contra a fé pública e a credibilidade da Administração Militar. O uso de documento falso ataca frontalmente o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, havendo nítida tipicidade formal e material. 9. Sentença condenatória irretocável. Não provimento do Recurso defensivo. Decisão unânime. (Superior Tribunal Militar. APELAÇÃO CRIMINAL nº 7000714-76.2022.7.00.0000. Relator(a): Ministro(a) MARCO ANTÔNIO DE FARIAS. Data de Julgamento: 17/08/2023, Data de Publicação: 12/09/2023).
Aduz-se, ainda, que Antônio Prado e Passo Fundo são cidades do interior do estado do Rio Grande do Sul, não sendo, necessariamente, de amplo conhecimento a figura dos respectivos chefes do Executivo.
Dessa forma, tendo sido necessário demandar diligências para a averiguação da autenticidade dos documentos, não há falar em falsificação grosseira.
Quanto à prova pericial, o STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que a ausência de perícia não acarreta, por si só, nulidade do feito, pois se mostra desnecessária a realização de exame pericial quando a falsidade pode ser verificada por outros meios de prova ou aferida pelo simples cotejo com outros elementos da realidade.
Nesse sentido, transcreve-se, exemplificativamente:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. PROVA PERICIAL PRESCINDÍVEL. ÓBICES DAS SÚMULAS N. 07 E 83. AGRAVO NÃO PROVIDO.
(...)
2. O Tribunal de origem considerou suficientes os elementos probatórios para a manutenção da condenação, destacando a prescindibilidade de exame pericial quando a falsidade é comprovada por outros meios.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se a condenação por uso de documento falso pode ser mantida sem a realização de prova pericial, quando a falsidade é comprovada por outros elementos dos autos.
(...)
III. Razões de decidir
5.
A jurisprudência desta Corte entende que a prova pericial é prescindível para aferir a falsidade de documento quando o juiz se convence da materialidade do delito por outros elementos dos autos.
(...)
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 737.629/SE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 02.08.2022; STJ, AgRg no AREsp 2703633/DF, Quinta Turma, DJEN 13.05.2025; STJ, AgRg no AREsp 2713884/SP, Quinta Turma, DJEN 19.05.2025.
(AgRg no AREsp n. 2.567.188/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 17/6/2025).
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. (1) PRESTÍGIO AO EMPREGO DO RECURSO PREVISTO NO ART. 105, II, "A", CF. CONHECIMENTO DO WRIT. IMPOSSIBILIDADE. ILEGALIDADE FLAGRANTE: NÃO OCORRÊNCIA. (2)
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E RESPECTIVO USO. APREENSÃO DE FOTOCÓPIAS. PEDIDO DE PERÍCIA. NEGATIVA.
MOTIVAÇÃO. RECONHECIMENTO. (3) TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. COMPROVAÇÃO DO COMPORTAMENTO POR OUTROS ELEMENTOS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA.
(...)
2. Não há falar em ilegalidade em decisão que, motivada, indefere a produção de prova tida por desnecessária.
A jurisprudência desta Corte flexibilizou a exigência da perícia no original do documento tido por falsificado, na hipótese de existência de elementos outros a embasar o reconhecimento da contrafação ou seu uso.
Nesse diapasão, não se determina o trancamento da ação penal, em que a prática delitiva encontra-se demonstrada por outros elementos de informação, diversos do original do escrito especioso.
3. Ordem não conhecida.
(HC n. 137.567/SC, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25/9/2012, DJe de 2/10/2012.)
Ainda que assim não fosse, faz-se necessário distinguir a natureza da falsidade do documento: material ou ideológica. Tratando-se de falsidade ideológica, não há falar em exame pericial.
No caso dos autos, ainda que possa haver dúvida quanto à falsidade material dos documentos utilizados – embora, por exemplo, a Prefeitura de Antônio Prado tenha referido que a folha timbrada utilizada no documento falso não corresponde à utilizada pelo Município (IPM – evento 8, doc. 1, fls. 43/46); e a Prefeitura de Passo Fundo tenha referido que a formatação do texto do documento falso também não corresponde à por eles utilizada (IPM – evento 8, doc. 2, fls. 10/11) – a falsidade ideológica está plenamente demonstrada, conforme se passa a analisar.
De fato, em resposta ao Encarregado do IPM, a Prefeitura de Antônio Prado informou que Juarez Santinon, que supostamente assinou a Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023, em 27 de novembro de 2023, na qualidade de Prefeito (IPM – evento 8, doc. 1, fl. 14 do PDF), deixara o cargo em 31/12/2020 (quase três anos antes da suposta assinatura). Ademais, a Secretaria Municipal de Agricultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Industrial do Município, responsável pela análise e emissão de autorizações dessa natureza, informou que no ano de 2023 somente foram emitidas quatro autorizações, com numeração de 01 a 04, inexistindo qualquer “Autorização n° 10/2023”, veja-se (IPM – evento 8, doc. 1, fls. 43/46):
Da mesma forma, a Prefeitura de Passo Fundo, também em resposta ao Encarregado do IPM, informou que a “Autorização n° 05/2023” não foi emitida pelo Município. Afirmou, ainda, que somente emitiu, em 22/12/2023, uma Declaração de Ciência de Desmonte de Rocha para a empresa Boqueirão, que não corresponde à “Autorização n° 05/2023”, e que os signatários deste último documento nem mesmo integravam a Municipalidade à época de sua suposta expedição, sendo ex-Prefeito e ex-Secretária de Administração, veja-se (IPM – evento 8, doc. 2, fls. 10/11):
Dessa forma, está plenamente comprovada a materialidade do delito de uso de documento falso, uma vez que restou atestado pelos Municípios de Antônio Prado e de Passo Fundo que as Autorizações n° 10/2023 e n° 05/2023 juntadas no SICOEx, respectivamente, em 29/11/23 e 30/11/23, nunca foram emitidas por aqueles Municípios.
Passa-se à análise da autoria e do elemento subjetivo do tipo penal.
O histórico de utilização do SICOEx demonstra que o login e a senha utilizados para juntar os documentos falsos ao sistema, nas datas de 29/11/23 e de 30/11/23, foram os do acusado (IPM – evento 8, doc. 4, fls. 6/7, 11 e 13).
A defesa, entretanto, sustenta que o cadastro no SICOEx era limitado, razão pela qual apenas duas pessoas na empresa Boqueirão eram cadastradas, e seus login e senha eram compartilhados com os demais funcionários, não sendo possível afirmar que foi o acusado quem lançou os documentos falsos no sistema.
As quatro testemunhas arroladas pela defesa, funcionários da empresa Boqueirão, confirmaram que apenas o acusado e o dono da empresa, Samuel, possuíam cadastro no SICOEx, e que o login e a senha deles ficavam salvos nas máquinas do escritório para utilização pelos diversos funcionários. As testemunhas afirmaram que isso ocorria porque havia uma limitação de cadastros por empresa no sistema do Exército.
As testemunhas não esclareceram como era feita a divisão do trabalho dentro da empresa, especialmente com relação ao lançamento dos documentos no SICOEx.
A testemunha Guilherme Frederico da Silva Haas chegou a afirmar que não havia chefia, nem coordenação, no setor responsável pelo lançamento de documentos no SICOEx.
Já a testemunha Mariana Olarte do Prado admitiu que o acusado era o responsável pelo setor, embora, em seguida, tenha referido que outra pessoa – João Guilherme – era quem fazia a divisão do trabalho.
A testemunha Suélen Perachi, inicialmente, afirmou que recebia as demandas diretamente dos clientes, depois, afirmou que o gerente João era quem distribuía as demandas e, por fim, afirmou que acreditava que era o setor comercial, os gestores, que passavam as demandas para os funcionários.
Por seu turno, a testemunha Ricardo Bertolini, almoxarife, afirmou que o acusado é do setor administrativo e é seu chefe. Sobre o lançamento de documentos no SICOEx, afirmou não ter conhecimento.
Em seu interrogatório, o acusado negou a autoria do delito. Explicou que foi funcionário da empresa Boqueirão de 2017 a maio de 2022, quando passou a ser prestador de serviço autônomo, na qualidade de despachante, para essa empresa. Que possui cadastro no SICOEx desde a criação do sistema, em 2019. Que, mesmo depois que passou a ser despachante autônomo da empresa Boqueirão, seu login e sua senha continuaram sendo utilizados pelos funcionários, justificando, assim como as testemunhas, que há um limite de login/senha por empresa. Todavia, em seguida, afirmou que possui diversos cadastros no SICOEx, um para cada empresa para a qual presta serviços, todos vinculados a seu CPF/CNPJ. Questionado sobre como era feita a divisão de trabalho na empresa Boqueirão para o lançamento de documentos no SICOEx, explicou como é atualmente, mas afirmou que à época do fato não havia organização, não sendo possível identificar quem mandou os documentos falsos, quem os recebeu, por qual meio foram enviados e quem fez o lançamento no sistema. Questionado se era o chefe do setor responsável pelos lançamentos no SICOEx, negou.
Verifica-se que as testemunhas e o acusado ratificaram a tese defensiva de que os funcionários da empresa Boqueirão utilizavam o login e a senha do acusado para lançar documentos no SICOEx. De acordo com os depoimentos, isso ocorria em razão de uma limitação do sistema do Exército, que só permitia a liberação de dois cadastros (login/senha) por empresa.
Ocorre que essa versão é contraditada pelo próprio acusado, que, no decurso de seu interrogatório, relata que possui diversos cadastros no SICOEx vinculados a seu CPF/CNPJ, um para cada empresa para a qual presta serviços. Ou seja, o próprio acusado possui mais de um login/senha para acessar o SICOEx, o que vai ao encontro da informação prestada pelo Comando da 3ª RM, que, em resposta à requisição deste Juízo, informou que não há limite estipulado para a quantidade de autorizações de acesso ao SICOEx.
Por outro lado, presume-se que o acusado, na qualidade de despachante da empresa Boqueirão – conforme informado por ele próprio em seu interrogatório – tinha conhecimento dos documentos necessários para se obter as autorizações de detonação de explosivos junto ao SFPC e possuía o controle dos requerimentos de autorização protocolados via SICOEx, inclusive cobrando da Administração Militar agilidade na apreciação dos pedidos, conforme demonstram os e-mails trocados em 30/11/2023 (IPM – evento 8, doc. 5, fls. 5/7 do PDF).
Não passou despercebido, também, que os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa foram discrepantes, desarmônicos entre si no que tange à divisão de trabalho na empresa Boqueirão, especificamente em relação ao setor responsável pelo lançamento de documentos no SICOEx, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar a alegação de que o acusado não tinha conhecimento dos documentos falsos apresentados à Administração Militar.
Nesse contexto, ficou suficientemente demonstrado nos autos que o acusado, na qualidade de despachante da empresa Boqueirão, possuía o domínio do fato, com o efetivo controle dos documentos que eram lançados no sistema do Exército para obtenção das autorizações de detonação de explosivos e, portanto, ainda que tenha compartilhado indevidamente seu login e sua senha de acesso ao SICOEx com terceiros, autorizando-os a lançar documentos no sistema, no mínimo, assumiu o risco de praticar a conduta criminosa.
Dessa forma, fica afastada a alegação de ausência de dolo da prática da conduta, estando comprovada a conduta típica, ilícita e culpável de uso de documento público falso, por duas vezes, em continuidade delitiva, em razão da apresentação de Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023, de 27 de novembro de 2023, supostamente emitida pelo município de Antônio Prado (IPM – evento 8, doc. 1, fl. 14 do PDF), e de Autorização n° 05/2023, de 28 de novembro de 2023, supostamente emitida pelo município de Passo Fundo (IPM – evento 8, doc. 1, fl. 15 do PDF), ambas falsas, ao SFPC, via SICOEx, respectivamente em 29/11/23 e 30/11/23 (IPM – evento 8, doc. 4, fls. 6/7, 11 e 13), com a finalidade de obter autorização para o serviço de detonação de explosivos.
Por fim, quanto ao prequestionamento defensivo por suposta afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, por ter tido o acesso aos autos do IPM negado pelo Encarregado; bem como por não ter sido oferecido o ANPP, reitera-se, por seus próprios fundamentos, a decisão do evento 27.
DECISÃO
Diante do exposto, julgo
PARCIALMENTE PROCEDENTE
a pretensão punitiva estatal, para:
ABSOLVER
o acusado
FRANCIS LOURENZI
da imputação de prática do crime de uso de documento falso em relação à Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2022, de 16 de novembro de 2022, supostamente emitida pelo município de Antônio Prado, fulcro no art. 439, alínea e, do CPPM; e
CONDENAR
o acusado
FRANCIS LOURENZI
pela prática do crime do art. 315 do CPM, por duas vezes, em continuidade delitiva, em relação à Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023, de 27 de novembro de 2023, supostamente emitida pelo município de Antônio Prado, e à Autorização n° 05/2023, de 28 de novembro de 2023, supostamente emitida pelo município de Passo Fundo.
Passo à dosimetria da pena.
Fato 1 - Autorização para Uso Controlado de Explosivo n° 10/2023
Inexistem circunstâncias judiciais desfavoráveis. Não há registro de maus antecedentes. Por essas razões, a pena-base é fixada no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase de aplicação da pena, não há agravantes, tampouco atenuantes, mantendo-se a pena provisória inalterada.
Não há causas de aumento ou de diminuição da pena, pelo que a torno definitiva em
2 (dois) anos de reclusão
.
Fato 2 - Autorização n° 05/2023
Inexistem circunstâncias judiciais desfavoráveis. Não há registro de maus antecedentes. Por essas razões, a pena-base é fixada no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase de aplicação da pena, não há agravantes, tampouco atenuantes, mantendo-se a pena provisória inalterada.
Não há causas de aumento ou de diminuição da pena, pelo que a torno definitiva em
2 (dois) anos de reclusão
.
Continuidade Delitiva (art. 80 do CPM)
De acordo com o art. 80 do CPM, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).
No caso concreto, o réu praticou duas condutas criminosas da mesma espécie, razão pela qual se deve aplicar a pena de um só crime, aumentada de 1/6 (um sexto), restando a pena fixada em
2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão
.
Fixa-se o regime inicial aberto em caso de cumprimento da pena (art. 33, § 2º, alínea c, do Código Penal).
Por fim, concede-se ao réu o direito de apelar em liberdade, conforme previsto no art. 527 do CPPM, pois assim respondeu ao processo, não havendo motivos para a decretação da preventiva.
Anote-se. Registre-se. Intimem-se. Comunique-se.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol de culpados e encaminhem-se os autos à Corregedoria.
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