Processo nº 0700019-57.2025.8.01.0010
ID: 322363707
Tribunal: TJAC
Órgão: Vara Única - Criminal
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0700019-57.2025.8.01.0010
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLÓVIS ALVES DE MELO E SILVA
OAB/AC XXXXXX
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ADV: CLÓVIS ALVES DE MELO E SILVA (OAB 4806/AC) - Processo 0700019-57.2025.8.01.0010 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Intolerância e/ou Injúria por Orientação Sexual - INDICIADA: B1Marileuza…
ADV: CLÓVIS ALVES DE MELO E SILVA (OAB 4806/AC) - Processo 0700019-57.2025.8.01.0010 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Intolerância e/ou Injúria por Orientação Sexual - INDICIADA: B1Marileuza Martins de SouzaB0 - Autos n.º 0700019-57.2025.8.01.0010 Classe Ação Penal - Procedimento Ordinário Autor e Requerente Justiça Pública e outro Indiciado Marileuza Martins de Souza SENTENÇA Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público do Estado do Acre contra MARILEUZA MARTINS DE SOUZA, brasileira, natural de Pereiro/CE, nascida em 01/06/1967, portadora do CPF n. 339.309.612-53, filha de Geralda Avelino de Souza e Antonio Rafael de Souza, residente e domiciliada na Rua Residencial Cohab, sem número, telefone (68) 9 9992-2137, neste município (pág. 22), imputando-lhe a prática dos crimes previstos no artigo 147 do Código Penal e artigos 20 e 20-C da Lei Federal nº 7.716/89, todos na forma do artigo 69 do Código Penal e de acordo com a ADO nº 26 do Supremo Tribunal Federal. Aduz o órgão ministerial que, no dia 26 de outubro de 2024, na praça da cidade de Bujari/AC, a denunciada, de forma livre e consciente, ameaçou por palavras a vítima Kaique Elizeu de Araujo Muniz, causando-lhe mal injusto e grave, bem como praticou discriminação e preconceito contra a mesma em razão de sua orientação sexual. Sustenta que a acusada proferiu xingamentos como "vou bater nesse gay safado", referindo-se à vítima, e que afirmou em público que não gostava de gays e que iria descontar sua raiva na vítima (págs. 22-23). Alega ainda o Ministério Público que a denunciada assumiu ter chamado a vítima de "gay safado" e ter dito que não gostava de gays, justificando sua atitude pelo alto consumo de bebidas alcoólicas que havia ingerido, bem como pela vítima ter lhe provocado com fumaça de cigarro, fazendo "pouco caso" dela (pág. 23). Esclarece que os fatos foram presenciados por várias pessoas e gravados em vídeo pela vítima, tendo as ofensas homofóbicas sido corroboradas pelas testemunhas Marcleide Ferreira Bussons e Natacha dos Santos Flores (pág. 55). Requereu o Ministério Públicoe entre outros pedidos a condenação da denunciada nos termos da denúncia, com a fixação de danos morais em favor da vítima, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser descontado diretamente da folha de pagamento da increpada. A denúncia foi recebida em 20 de janeiro de 2025, conforme decisão de págs. 26-27, na qual este Juízo reconheceu a presença de indícios mínimos de materialidade e autoria suficientes para deflagrar a ação penal. A ré foi regularmente citada e intimada (pág. 29), apresentando tempestivamente resposta à acusação através de seu advogado constituído nas págs. 30-32. Na resposta à acusação, a defesa sustenta que inexistem preliminares a serem arguidas e que inexistem documentos e justificações a serem juntados. Alega que a defesa reserva o direito de se manifestar após a realização de Audiência de Instrução e Julgamento, em sede de alegações finais, oportunidade em que arrolou testemunhas. A audiência de instrução e julgamento foi designada e realizada em 04 de junho de 2025, durante a audiência, foram inquiridas a vítima Kaique Elizeu de Araujo Muniz, bem como as testemunhas Marcleide Ferreira Bussons, Natacha dos Santos Flores, Corina Pinto Campos, Antônio Dheyson dos Santos Alves e Alice Ferreira de Souza. Ao final, procedeu-se ao interrogatório da ré Marileuza Martins de Souza, que optou por responder às perguntas que lhe foram formuladas (págs. 43-49). O Ministério Público apresentou suas alegações finais na forma de memorial nas págs. 54-60, reiterando os termos da denúncia e pugnando pela condenação da ré nos crimes imputados, sustentando que restaram comprovadas a materialidade e autoria dos delitos através dos depoimentos colhidos em juízo. A Defesa, por sua vez, apresentou suas alegações finais criminais nas págs. 67-74, argumentando pela improcedência da denúncia com a consequente absolvição da acusada, alegando ausência de provas suficientes para a condenação nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, bem como sustentando diversas teses defensivas incluindo o contexto pré-eleitoral, ausência de ameaça física concreta, idade avançada da acusada e reconhecimento da vítima sobre o excesso nas ofensas. É o relatório. Fundamento. Decido. Quanto às questões preliminares, observa-se que não há preliminares a serem arguidas, encontrando-se os autos devidamente instruídos, e o processo tem tramitado em conformidade com as normas legais e constitucionais aplicáveis. Foram observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não havendo vícios ou irregularidades que possam macular o prosseguimento da persecução penal. Quanto aos crimes imputados à denunciada, cumpre destacar: O crime de ameaça (art. 147 do Código Penal) caracteriza-se pela conduta de ameaçar alguém, por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. A pena prevista é de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Trata-se de crime formal, que se consuma com o conhecimento da ameaça pela vítima, independentemente da real intenção do agente em concretizá-la, bastando que seja idônea a causar temor. A ação penal é condicionada à representação da vítima, exceto quando cometido contra mulher por razões da condição do sexo feminino, situação em que a pena é aplicada em dobro (§1º). De outro lado, o crime previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989 consiste em praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena cominada é de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. Conforme decidido pelo STF na ADO 26, este tipo penal abrange também a homofobia e a transfobia, por se enquadrarem no conceito de racismo em sua dimensão social. O artigo 20-C da Lei nº 7.716/1989 estabelece uma importante diretriz hermenêutica ao determinar que "na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência." Este dispositivo confere ao magistrado parâmetros objetivos para identificar condutas discriminatórias, reconhecendo que a discriminação se manifesta pelo tratamento diferenciado e prejudicial dirigido a grupos minoritários, causando-lhes constrangimentos e humilhações que não seriam impostos a grupos majoritários. Quanto à aplicação da Lei nº 7.716/1989 aos casos de homofobia e transfobia, ressalta-se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, que reconheceu a mora inconstitucional do Congresso Nacional em criminalizar atos de homofobia e transfobia. O STF determinou que, até que sobrevenha legislação específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas ajustam-se aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716/1989, por traduzirem expressões de racismo em sua dimensão social. O conceito de racismo, conforme fixado pelo STF, ultrapassa aspectos estritamente biológicos, compreendendo-se como manifestação de poder que busca justificar a desigualdade e subjugação de grupos vulneráveis, como a comunidade LGBTI+, expondo-os à marginalização social e jurídica. Assim, em consonância com o art. 20-C, o tratamento discriminatório à pessoa em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero, que lhe cause constrangimento, humilhação ou exposição indevida, configura conduta típica nos termos da Lei nº 7.716/1989. Do mérito. No tocante ao mérito, verifica-se que restaram amplamente demonstradas nos autos a materialidade e a autoria dos crimes imputados à ré. A materialidade e autoria dos delitos encontram-se cabalmente comprovadas por meio dos depoimentos colhidos em juízo, que apresentam notável harmonia e consistência. Constata-se que a testemunha Marcleide Ferreira Bussons prestou depoimento categórico e esclarecedor (pág. 45). Declarou que presenciou o ocorrido quando estava na frente do bar com um grupo de amigos. Afirmou que a acusada se aproximou e quis agredir Kaique, confirmando que ela disse expressamente que "não gostava de gay" e utilizou a expressão "tá doido para dar o cu" em referência à vítima. Ressaltou que a acusada ameaçou bater no Kaique exatamente no momento em que ele começou a gravar o ocorrido. Esclareceu ainda que todos estavam em uma única roda, não tendo sido Kaique quem se dirigiu à acusada, e que a acusada expressou que "tinha raiva de gay". Declarou conhecer a acusada há muito tempo e saber que ela não tem raiva de pessoas homossexuais habitualmente, mas que naquela ocasião específica ela havia proferido tais palavras. Observa-se que a testemunha Natacha dos Santos Flores corroborou integralmente os fatos narrados (pág. 46). Confirmou que estava na praça com uma roda de amigos consumindo bebidas alcoólicas quando ocorreu a discussão. Afirmou categoricamente que todos estavam alterados e que aconteceu uma espécie de briga, confirmando que a acusada chamou Kaique de "gay" durante a discussão. Quando perguntada especificamente se a acusada disse que "não gostava de gay" e utilizou a expressão "tá doido para dar o cu" e não tem quem coma, confirmou expressamente tais afirmações. Relatou que a acusada ameaçou agredir Kaique no momento em que ele começou a gravar, esclarecendo que todos estavam em uma única roda. Confirmou que não houve agressão física, apenas verbal, e que o áudio teve grande repercussão, negando qualquer agressão física durante a discussão. Evidencia-se que a própria ré, em seu interrogatório (págs. 48-49), confessou expressamente ter chamado a vítima de "gay safado" e ter declarado que não gostava de gays. Explicou que estava embriagada e com raiva devido à repercussão de um áudio político, mas admitiu inequivocamente ter proferido as ofensas homofóbicas que lhe são imputadas. Constata-se que a vítima Kaique Elizeu de Araujo Muniz narrou de forma coerente os fatos ocorridos (págs. 44-45). Declarou que estava na praça quando a denunciada se aproximou e dirigiu-lhe ofensas homofóbicas, proferindo as palavras "vou bater nesse gay safado" e declarando que não gostava de gays. ANÁLISE E AFASTAMENTO DAS TESES DEFENSIVAS A defesa técnica sustenta diversas teses que, todavia, não merecem acolhimento ante o conjunto probatório robusto e coerente produzido nos autos: TESE DE AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE E AUTORIA A defesa alega a inexistência de provas suficientes para a condenação (págs. 67-74). Contudo, tal alegação não encontra respaldo na realidade processual. Ressalta-se que a materialidade dos crimes encontra-se amplamente demonstrada por meio do Boletim de Ocorrência (págs. 03-04), das declarações da vítima (pág. 05), do relatório final do inquérito policial (págs. 13-14), e, sobretudo, dos depoimentos uníssonos das testemunhas colhidos sob o crivo do contraditório em audiência. Quanto à autoria, destaca-se que a própria ré confessou expressamente em seu interrogatório ter proferido as ofensas discriminatórias, admitindo ter chamado a vítima de "gay safado" e ter dito que não gostava de gays (págs. 48-49). Tal confissão, corroborada pelos depoimentos das testemunhas presenciais, torna indubitável a autoria delitiva. A confissão do réu, quando harmônica com o conjunto probatório, constitui prova robusta da autoria delitiva, como é o caso dos autos. TESE DE EMBRIAGUEZ COMO EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE A defesa sustenta que a embriaguez da ré deveria afastar sua responsabilidade penal. Esta tese não prospera pelos seguintes fundamentos jurídicos sólidos: O artigo 28, inciso II, do Código Penal é expresso ao estabelecer que "não excluem a imputabilidade penal a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos". Verifica-se que a embriaguez da ré foi voluntária, decorrente do consumo consciente de bebidas alcoólicas em ambiente festivo. Ademais, constata-se que a ré manteve plena capacidade de compreensão e autodeterminação durante os fatos, tanto que conseguiu articular frases com conteúdo discriminatório específico e direcionado, demonstrando que sua embriaguez não era completa nem patológica. A doutrina penalista é uníssona ao ensinar que somente a embriaguez completa e fortuita (decorrente de caso fortuito ou força maior) é capaz de excluir a imputabilidade. No caso dos autos, a embriaguez foi voluntária e incompleta, mantendo-se íntegra a capacidade de entendimento e autodeterminação da ré. TESE DE PROVOCAÇÃO INICIAL DA VÍTIMA A defesa argumenta que houve provocação prévia por parte da vítima através da divulgação de áudios em grupos de WhatsApp (págs. 68-69). Esta alegação não exclui a tipicidade da conduta criminosa pelos seguintes motivos: Primeiramente, cabe observar que o direito de resposta ou a legítima indignação política jamais autorizam a prática de crimes discriminatórios. O ordenamento jurídico oferece meios legítimos para reparação de eventuais ofensas, como o direito de resposta e as ações cíveis cabíveis. Em segundo lugar, verifica-se que a resposta da ré foi claramente desproporcional e direcionada especificamente à orientação sexual da vítima, extrapolando qualquer contexto de discussão política. Conforme demonstrado pelas testemunhas, a ré utilizou expressões como "gay safado" e declarou não gostar de gays, evidenciando que sua motivação transcendeu a esfera política para ingressar na seara da discriminação por orientação sexual. Ressalta-se que a Lei nº 7.716/89 visa proteger grupos vulneráveis contra a discriminação, não admitindo como excludente de tipicidade eventuais provocações anteriores quando a resposta se dá através de conduta discriminatória. TESE DE CONTEXTO PRÉ-ELEITORAL COMO JUSTIFICATIVA A defesa sustenta que os fatos ocorreram em ambiente de tensão política pré-eleitoral, o que deveria ser considerado como atenuante ou excludente (págs. 69-70). Esta tese não merece acolhimento pelas seguintes razões: O contexto político-eleitoral não constitui excludente de ilicitude para crimes discriminatórios. Embora seja natural que haja tensões durante períodos eleitorais, o exercício da cidadania e do direito político não autoriza a prática de condutas criminosas baseadas em preconceito. Observa-se que a Lei nº 7.716/89 não prevê qualquer exceção ou atenuação para crimes praticados em contexto eleitoral. Ao contrário, a legislação visa proteger a dignidade humana independentemente do ambiente em que ocorram as condutas discriminatórias. Destaca-se que a própria ré admitiu ter direcionado suas ofensas especificamente à orientação sexual da vítima, utilizando termos pejorativos relacionados à sua condição de pessoa LGBTQIA+. Tal conduta evidencia que a motivação discriminatória foi preponderante sobre qualquer questão política. TESE DE AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO DE DISCRIMINAR A defesa alega que não houve intenção específica de discriminar, mas apenas reação emocional ao contexto (págs. 71-72). Esta argumentação não se sustenta ante a prova dos autos: Verifica-se que o dolo específico de discriminar encontra-se claramente demonstrado pela natureza das expressões utilizadas pela ré. Ao chamar a vítima de "gay safado" e declarar expressamente que "não gostava de gays", a ré evidenciou inequívoca intenção de ofender e menosprezar a vítima em razão de sua orientação sexual. Constata-se que as expressões utilizadas não guardam relação com questões políticas, mas sim com características pessoais da vítima relacionadas à sua orientação sexual. O uso de linguagem especificamente homofóbica demonstra a consciência e vontade de praticar ato discriminatório. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, especialmente na ADO nº 26, é clara ao reconhecer que manifestações de ódio direcionadas à orientação sexual configuram crime de discriminação, independentemente de outras motivações paralelas que possam existir. TESE DE IDADE AVANÇADA COMO ATENUANTE A defesa menciona a idade avançada da ré (aproximadamente 58 anos) como fator a ser considerado (págs. 70-71). Embora a idade possa ser considerada na dosimetria, não constitui excludente de responsabilidade: Ressalta-se que a ré possui plena capacidade civil e penal, não se enquadrando na de atenuante da pena em razão da idade. Ademais, a idade não exclui a consciência da ilicitude da conduta discriminatória. Ao contrário, pessoas com maior experiência de vida deveriam ter maior discernimento sobre o respeito à dignidade humana e à diversidade. TESE DE AUSÊNCIA DE AMEAÇA FÍSICA CONCRETA A defesa argumenta que não houve ameaça física efetiva, mas apenas discussão verbal (págs. 69-70). Esta alegação não prospera pelos seguintes motivos: O crime de ameaça previsto no artigo 147 do Código Penal não exige a efetivação da violência, mas apenas a promessa de mal injusto e grave capaz de causar temor na vítima. Verifica-se que a expressão "vou bater nesse gay safado" constitui inequívoca ameaça de violência física. Constata-se que as testemunhas confirmaram que a ré fez gestos agressivos e demonstrou intenção de partir para agressão física, sendo contida pelos presentes. O fato de a violência não ter se concretizado não afasta a tipicidade do crime de ameaça. A vítima demonstrou fundado receio ao iniciar a gravação dos fatos, evidenciando que as palavras e gestos da ré efetivamente causaram temor de dano iminente. Demonstra-se que todas as teses defensivas apresentadas carecem de fundamento jurídico e probatório sólido. A confissão da ré, aliada aos depoimentos harmônicos das testemunhas, comprovam de forma inequívoca a materialidade e autoria dos crimes imputados. Portanto, a conduta da ré subsume-se perfeitamente aos tipos penais descritos na denúncia, não havendo qualquer excludente de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade a ser reconhecida. É o caso da procedência integral da pretensão punitiva estatal. CRIME DE AMEAÇA (ART. 147 DO CÓDIGO PENAL) PRIMEIRA FASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (ART. 59 DO CP) a) Culpabilidade: A culpabilidade, entendida como o grau de reprovabilidade da conduta, apresenta-se em nível normal à espécie, não extrapolando os elementos inerentes ao tipo penal, razão pela qual não justifica valoração negativa. b) Antecedentes: A ré não possui condenações criminais transitadas em julgado anteriores aos fatos, conforme certificado nos autos (pág. 34), devendo ser considerada primária. c) Conduta social: Não há elementos nos autos que permitam valoração negativa da conduta social da acusada. d) Personalidade: Inexistem nos autos elementos técnicos suficientes para uma análise desfavorável da personalidade da acusada. e) Motivos do crime: Os motivos do delito revelam-se negativos e extrapolam a normalidade do tipo penal, pois a ameaça foi motivada por preconceito em razão da orientação sexual da vítima, conforme demonstrado nos depoimentos (págs. 44-46), o que denota motivação discriminatória e reprovável. f) Circunstâncias do crime: As circunstâncias do crime merecem valoração negativa, pois o delito foi praticado em local público (praça da cidade), na presença de várias pessoas, causando maior constrangimento à vítima. g) Consequências do crime: Não há evidências de consequências extrapenais graves que justifiquem valoração negativa. h) Comportamento da vítima: O comportamento da vítima não contribuiu para a prática delitiva, sendo neutra esta circunstância. Das oito circunstâncias judiciais analisadas, duas são desfavoráveis à ré (motivos e circunstâncias do crime). Considerando que a pena prevista para o crime de ameaça é de detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, e aplicando o aumento de 1/8 da diferença entre a pena mínima e máxima (5 meses) para cada circunstância desfavorável, fixo a pena-base em 2 (dois) meses e 5 (cinco) dias de detenção. SEGUNDA FASE - CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP), conforme interrogatório da ré (págs. 48-49), onde admitiu ter proferido as ofensas e ameaças contra a vítima. Assim, atenuo a pena em 1/6, fixando-a em 2 (dois) meses de detenção. Não há agravantes a serem consideradas. TERCEIRA FASE - CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO Ausentes causas de aumento ou diminuição da pena. PENA DEFINITIVA PARA O CRIME DE AMEAÇA Torno definitiva a pena de 2 (dois) meses de detenção para o crime de ameaça. CRIME DE RACISMO/HOMOFOBIA (ART. 20 DA LEI Nº 7.716/89) PRIMEIRA FASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS (ART. 59 DO CP) a) Culpabilidade: A culpabilidade, entendida como o grau de reprovabilidade da conduta, apresenta-se elevada, pois a ré, pessoa adulta e plenamente capaz, utilizou expressões francamente depreciativas contra a vítima em razão de sua orientação sexual, o que denota especial reprovabilidade, extrapolando o tipo penal. Conforme demonstram os depoimentos (págs. 45-46), a ré afirmou expressamente que "não gostava de gay" e utilizou a expressão "tá doido para dar o cu" em referência à vítima, revelando elevado grau de preconceito. b) Antecedentes: A ré não possui condenações criminais transitadas em julgado anteriores aos fatos, conforme certificado nos autos (pág. 22), devendo ser considerada primária. c) Conduta social: Não há elementos nos autos que permitam valoração negativa da conduta social da acusada. d) Personalidade: Inexistem nos autos elementos técnicos suficientes para uma análise desfavorável da personalidade da acusada. e) Motivos do crime: Os motivos são próprios do tipo penal, consistentes na intolerância contra a diversidade sexual, não justificando valoração negativa adicional. f) Circunstâncias do crime: As circunstâncias merecem valoração negativa, pois o crime foi praticado em local público (praça da cidade), na presença de várias pessoas, o que potencializou o efeito discriminatório e a humilhação da vítima. g) Consequências do crime: As consequências extrapolam o tipo penal, pois, conforme relatado pela testemunha Natacha dos Santos Flores (pág. 46), o áudio teve grande repercussão na cidade, amplificando o dano moral sofrido pela vítima. h) Comportamento da vítima: O comportamento da vítima não contribuiu para a prática delitiva, sendo neutra esta circunstância. Das oito circunstâncias judiciais analisadas, três são desfavoráveis à ré (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime). Considerando que a pena prevista para o crime do art. 20 da Lei nº 7.716/89 é de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, e aplicando o aumento de 1/8 da diferença entre a pena mínima e máxima (2 anos) para cada circunstância desfavorável, fixo a pena-base em 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão e 30 (trinta) dias-multa. SEGUNDA FASE - CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES Presente a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP), conforme interrogatório da ré (págs. 48-49), onde admitiu ter chamado a vítima de "gay safado" e ter declarado que não gostava de gays. Assim, atenuo a pena em 1/6, fixando-a em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa. Não há agravantes a serem consideradas. TERCEIRA FASE - CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO Ausentes causas de aumento ou diminuição da pena. PENA DEFINITIVA PARA O CRIME DE RACISMO/HOMOFOBIA Torno definitiva a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa para o crime previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ART. 69 DO CÓDIGO PENAL) Em razão do concurso material entre os crimes de ameaça (art. 147 do CP) e racismo/homofobia (art. 20 da Lei nº 7.716/89), as penas devem ser aplicadas cumulativamente. Somando-se as penas aplicadas para cada delito, fixo a pena definitiva em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 2 (dois) meses de detenção, além de 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, considerando a situação econômica da ré. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA Com fundamento no art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena privativa de liberdade, tendo em vista a quantidade da pena aplicada (inferior a 4 anos) e a primariedade da ré. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime não cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ré primária, circunstâncias judiciais majoritariamente favoráveis), substituo a pena privativa de liberdade por: a) Prestação de serviços à comunidade pelo período da condenação, a ser especificada pelo Juízo da Execução; e b) Limitação aos finais de semana. Quanto ao direito de apelar em liberdade, observa-se que a ré respondeu a todo o processo em liberdade, compareceu a todos os atos processuais quando intimada e não há elementos que indiquem risco à aplicação da lei penal ou à ordem pública. Ressalta-se que as penas privativas de liberdade foram substituídas por restritivas de direitos, sendo desproporcional e desnecessária a prisão para recorrer. Verifica-se também que, nos termos do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal, a imposição de prisão como efeito automático da sentença condenatória recorrível foi revogada pela Lei nº 12.403/2011, sendo necessária fundamentação específica para a decretação de prisão após a sentença condenatória. No caso em análise, não se vislumbram elementos concretos que justifiquem a segregação cautelar, não havendo que se falar em execução provisória da pena antes do trânsito em julgado. Quanto à intimação da sentença, observa-se que a sistemática processual penal estabelece regramento específico no artigo 392 do CPP. Constata-se que, no caso da ré em liberdade, a intimação pode ser feita pessoalmente ou ao defensor por ela constituído, conforme disposto no inciso II do referido artigo. Esta alternatividade demonstra a suficiência da intimação ao defensor constituído para garantir o exercício do duplo grau de jurisdição, entendimento consolidado na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Em relação à reparação dos danos, evidencia-se que o Código de Processo Penal, em seu artigo 387, inciso IV, estabelece a possibilidade de fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. No caso concreto, os danos morais sofridos pela vítima em decorrência das ofensas homofóbicas proferidas em público restam devidamente comprovados. Considerando a natureza e a gravidade das ofensas discriminatórias proferidas publicamente, a significativa repercussão do fato na comunidade, conforme relatado pela testemunha Natacha dos Santos Flores (pág. 46), o evidente constrangimento e abalo psicológico causado à vítima, bem como as condições pessoais da ré e a finalidade compensatória e pedagógica da indenização, mostra-se proporcional e razoável a fixação da reparação por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme pleiteado pelo Ministério Público, valor que atende aos critérios de equidade estabelecidos pela jurisprudência pátria. Posto isso, Julgo procedente a denúncia para condenar a ré MARILEUZA MARTINS DE SOUZA como incursa nas penas do artigo 147 do Código Penal e do artigo 20 da Lei Federal nº 7.716/89, ambos na forma do artigo 69 do Código Penal, à pena definitiva de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 2 (dois) meses de detenção, além de 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal. Substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal, consistentes em: 3.1. Prestação de serviços à comunidade pelo período da condenação, a ser especificada pelo Juízo da Execução; 3.2. Limitação aos finais de semana. Condeno a ré ao pagamento de de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de reparação pelos danos morais sofridos pela vítima. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais. Concedo à ré o direito de recorrer em liberdade, uma vez que respondeu a todo o processo em liberdade e não há elementos que indiquem risco à aplicação da lei penal ou à ordem pública. Determino que a intimação da presente sentença condenatória seja feita ao Ministério Público e à Defesa Técnica, observando-se que, estando a ré em liberdade, é suficiente a intimação de seu defensor constituído, nos termos do artigo 392, inciso II, do Código de Processo Penal. Após o trânsito em julgado: 7.1. Expeça-se guia de execução definitiva; 7.2. O Diretor de Secretaria deverá proceder às comunicações devidas, acerca da condenação, ao Instituto Nacional de Identificação - INI, ao Tribunal Regional Eleitoral - TRE, via Sistema Infodip, e às demais comunicações necessárias; 7.3. Proceda-se às anotações e baixas necessárias. Intime-se a vítima desta sentença, preferencialmente por INTIMAFONE, fornecendo cópia desta sentença para conhecimento e providências que entender cabíveis. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Bujari-(AC), 04 de julho de 2025. Manoel Simões Pedroga Juiz de Direito
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