Ministério Público Do Estado Do Amazonas x Gecildo Teixeira Nogueira
ID: 297845444
Tribunal: TJAM
Órgão: Vara Única da Comarca de Beruri - Criminal
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0000334-49.2018.8.04.2901
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FLÁVIO OLIVEIRA SPOSINA
OAB/AM XXXXXX
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Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, com base no Inquérito Policial da Delegacia de Polícia Civil de Beruri/AM, ofereceu denúncia em face de:
GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA, brasileiro, solteiro, carpinteiro,…
Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, com base no Inquérito Policial da Delegacia de Polícia Civil de Beruri/AM, ofereceu denúncia em face de:
GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA, brasileiro, solteiro, carpinteiro, natural de Tapauá/AM, portador do RG 2850516-6 SSP-AM, inscrito no CPF sob o nº 036.826.482-32, nascido em 08/02/1979, filho de Sebastião Pedro Nogueira e Neuza Teixeira Alencar, residente e domiciliado na Rua Tambaqui, s/nº, Bairro Santo Antônio, neste município de Beruri/AM; como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, e art. 12 da Lei 10.826/03, pela prática dos seguintes fatos, conforme narrou a denúncia:
Consta do incluso Inquérito Policial (evento 20 dos autos) que, no dia 10/12/2018, por volta das 12h00min, na rua Tambaqui, s/nº, bairro Santo Antônio, o denunciado GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA guardava em sua residência 16 porções de substância entorpecente do tipo OXI (3,98 gramas), 09 porções de sustância entorpecente do tipo SKUNK (3,33 gramas), sem autorização legal, conforme Termo de Exibição e Apreensão de item 20.6 e Laudo de Constatação Preliminar de item 20.7/20.8, com nítida intenção de traficância.
Na mesma ocasião, o denunciado GECILDO mantinha sob sua guarda arma de fogo e munição de uso permitido, em desacordo com determinação legal, no interior de sua residência.
Extrai-se dos autos que, na data do fato, a guarnição policial recebeu uma denúncia via celular de que o denunciado GECILDO estaria comercializando drogas em sua residência. Chegando no local, o denunciado demonstrou nervosismo, mas permitiu a entrada dos policiais. Em revista realizada na residência, foram encontradas próximo de uma malhadeira no interior da residência 01 espingarda calibre 28, da marca Pombo, nº 6333, 02 munições intactas de calibre 28, a quantia de R$238,00 (duzentos e trinta e oito reais), além da substância entorpecente acima mencionada.
A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelo Termo de Exibição e Apreensão de item 20.6 e pelo Laudo de Constatação Preliminar (20.7/20.8). A autoria também restou comprovada pelo depoimento das testemunhas e pela confissão do acusado.
GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA foi preso em flagrante no dia 10 de dezembro de 2018. No dia seguinte, 11 de dezembro de 2018, foi realizada audiência de custódia, ocasião em que o Juízo competente homologou o auto de prisão em flagrante e converteu a medida em prisão preventiva.
Posteriormente, em 12 de dezembro de 2018, foi concedida liberdade provisória ao acusado, condicionada ao cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, nos moldes do art. 319 do Código de Processo Penal.
O inquérito policial foi subsequentemente encaminhado a este Juízo em 29 de janeiro de 2019.
O Parquet ofereceu a denúncia em desfavor de GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA em 11 de novembro de 2019.
Devidamente notificado, o réu apresentou defesa prévia por intermédio da Defensoria Pública.
A denúncia foi recebida por este Juízo em 30 de novembro de 2020.
Não se tratando de hipótese de absolvição sumária, deu-se início à instrução processual com a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, Rodiney da Silva Seabra e Timóteo da Costa Guilherme, ambos policiais militares, bem como realizado o interrogatório do réu.
Nos debates orais, a representante do Ministério Público postulou pela condenação do réu nos exatos termos da denúncia.
A defesa técnica, por sua vez, pugnou pela absolvição do réu quanto ao crime previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, sustentando a ausência de provas suficientes de autoria, nos termos do art. 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, em caso de eventual condenação, requereu a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da referida lei, em seu grau máximo. No tocante ao delito tipificado no art. 12 da Lei nº 10.826/2003, pleiteou a fixação da pena-base no mínimo legal. Por fim, uma vez fixadas as penas no patamar mínimo legal, a defesa requereu o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu, com fundamento no art. 107, inciso IV, do Código Penal.
Foram atualizados os antecedentes criminais do réu.
Os autos vieram conclusos para sentença.
É O RELATO.
PASSO A FUNDAMENTAR.
Inicialmente, é importante destacar que o processo seguiu os trâmites regulares, com plena observância do contraditório e da ampla defesa. Diante da inexistência de preliminares relativas a nulidades ou causas de extinção da punibilidade, passo à análise do mérito.
De acordo com a exordial acusatória, no dia 10 de dezembro de 2018, durante diligência realizada no interior da residência do acusado, foram localizadas 16 (dezesseis) porções de substância com características semelhantes ao entorpecente conhecido como oxi, bem como 09 (nove) porções com aparência de skank, além de uma espingarda de calibre 28, 02 (duas) munições intactas de calibre 28 e a quantia de R$ 238,00 (duzentos e trinta e oito reais) em espécie.
Diante desses elementos, o Ministério Público imputou ao réu a prática das condutas tipificadas no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, referente ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, e no art. 12 da Lei nº 10.826/2003, correspondente à posse irregular de arma de fogo de uso permitido.
Delineado o quadro fático e formalizada a imputação penal, passo, por oportuno, à análise da prova oral colhida em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para, em seguida, proceder à devida subsunção jurídica dos fatos à norma.
A testemunha RONDINEY DA SILVA SEABRA, policial militar, ao ser inquirida em juízo, declarou que não se recorda dos fatos relativos à ocorrência em apreço.
Por sua vez, a testemunha TIMÓTEO DA COSTA GUILHERME, também policial militar, declarou, em sede judicial, que recebeu uma denúncia anônima de comercialização de entorpecentes. Relatou que, após tomar conhecimento da informação, dirigiu-se à residência do acusado, acompanhado do investigador Atilane (salvo engano). Segundo sua narrativa, ao chegarem ao local, solicitaram autorização para adentrar o imóvel, tendo o réu, embora visivelmente nervoso, anuído ao ingresso dos agentes. Durante a revista realizada no interior da residência, afirmou terem sido encontradas porções de substância entorpecente nas proximidades de malhadeiras de pesca. Esclareceu que se tratavam de porções do tipo erva (possivelmente maconha) e pedra (possivelmente oxi), além de uma arma de fogo do tipo espingarda, calibre 28. Informou, ainda, que, diante da apreensão do material, foi dada voz de prisão ao acusado, que foi conduzido à delegacia para os procedimentos cabíveis. Acrescentou que, no interior da residência, também se encontrava uma mulher que se identificou como companheira do réu. Descreveu o imóvel como uma casa de madeira, de pequenas proporções, composta por sala, quarto e cozinha. Disse não se recordar da quantidade exata de substâncias apreendidas, e ressaltou que não foram localizadas balanças de precisão. Informou, ademais, que a arma de fogo ficou sob responsabilidade da Polícia Civil, e que, no momento da abordagem, foram encontradas duas ou três porções de entorpecentes no corpo do réu. Afirmou, ainda, que não presenciou o réu efetuando a venda de entorpecentes, tampouco foi encontrado qualquer outro elemento no local que indicasse a prática de comercialização de drogas.
O acusado GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA, por sua vez, exerceu o direito constitucional ao silêncio, nos termos do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.
Feitas tais considerações, passo à análise individualizada de cada um dos crimes imputados ao acusado.
a) Do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06)
Preceitua o art. 33, caput, da Lei 11.343/06:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Inicialmente, cumpre salientar que o tipo penal descrito no caput do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 configura-se como tipo penal de conteúdo misto alternativo, composto por diversos verbos nucleares, de modo que a prática isolada de qualquer das condutas previstas é, por si só, apta a caracterizar o delito, desde que presente o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar uma das ações típicas ali descritas.
Não obstante, para que a conduta do agente seja validamente subsumida ao referido tipo penal, revela-se imprescindível a demonstração inequívoca de que a substância entorpecente apreendida destinava-se à disponibilização a terceiros, independentemente de haver contraprestação econômica. Em contrapartida, ausente essa finalidade de destinação a outrem, e estando evidenciado que a droga era destinada exclusivamente ao consumo pessoal do agente, impõe-se, por imperativo legal, a desclassificação da conduta para o tipo penal descrito no art. 28, caput ou §1º, do mesmo diploma normativo, que trata da posse de drogas para uso próprio.
No caso sob análise, a materialidade delitiva foi satisfatoriamente demonstrada por meio dos elementos constantes nos autos do Inquérito Policial nº 098/2018, em especial o auto de prisão em flagrante, o boletim de ocorrência, o termo de exibição e apreensão, bem como o laudo definitivo de constatação das substâncias entorpecentes, o qual atestou que os materiais apreendidos consistiam em cocaína (itens 1 e 2) e maconha (item 3), substâncias proscritas pela Portaria SVS/MS nº 344/1998 da ANVISA, cuja produção, comércio e utilização são vedados no território nacional.
No tocante à autoria delitiva, esta também restou suficientemente demonstrada, com respaldo na prova oral colhida sob o crivo do contraditório na fase judicial, a qual se mostrou coesa e harmônica com os demais elementos probatórios reunidos na fase investigativa.
Todavia, apesar da comprovação da posse e da natureza ilícita das substâncias entorpecentes, não se extrai dos autos qualquer elemento concreto e objetivo que permita concluir pela destinação da droga ao consumo de terceiros. Para que se configure o delito previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, exige-se a presença de dolo específico voltado à mercancia ou à difusão do entorpecente, o que, na hipótese dos autos, não restou evidenciado. A simples apreensão da substância, desacompanhada de indícios mínimos e objetivos de comercialização ou distribuição, não se revela suficiente para embasar juízo condenatório pelo crime de tráfico de drogas.
Sobre o ponto, oportuno destacar o disposto no §2º do art. 28 da mencionada legislação, que estabelece parâmetros objetivos a serem considerados pelo julgador para aferição da destinação da substância apreendida, dispondo que: para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
No caso concreto, observa-se que não foram apreendidos objetos ou evidências comumente associados à prática do tráfico ilícito de entorpecentes, tais como balança de precisão, anotações de contabilidade do tráfico, expressiva quantidade de droga, movimentação atípica de pessoas no local, ou qualquer outro indicativo de atividade de comercialização.
A fragilidade do conjunto probatório restou ainda mais evidenciada pelo depoimento do policial Timóteo da Costa Guilherme, o qual, ao ser ouvido em juízo sob o crivo do contraditório, declarou, de forma categórica, que não presenciou o acusado realizando qualquer ato de comercialização de drogas, tampouco constatou a presença de elementos materiais que pudessem indicar a prática de tráfico no local da abordagem.
Ressalte-se, ademais, que embora conste nos autos a existência de denúncia anônima imputando ao acusado a suposta prática de tráfico de drogas na localidade dos fatos, tal elemento, isoladamente considerado, não possui valor probatório suficiente para ensejar juízo de condenação. Isso porque não se trata de prova judicializada e não foi corroborada por outros elementos de convicção colhidos sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, nos termos exigidos pelo devido processo legal.
Diante de tais circunstâncias, e considerando o conjunto probatório colhido nos autos, impõe-se o reconhecimento de que remanesce dúvida razoável quanto à destinação da droga apreendida, não sendo possível, com a segurança exigida para um juízo condenatório, afirmar que a substância tinha por finalidade a mercancia ou difusão a terceiros. E, como se sabe, tal dúvida deve ser resolvida em favor do réu, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e ao postulado do in dubio pro reo.
Conforme já advertia o eminente penalista Nelson Hungria:
"A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente" (in COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL, vol. V, Ed. Forense, p. 65).
Dessa forma, diante da ausência de provas seguras e concretas quanto à finalidade de traficância da substância apreendida, impõe-se o reconhecimento da figura da emendatio libelli, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, para ajustar a tipificação jurídica dos fatos ao art. 28 da Lei nº 11.343/2006, sem modificação do suporte fático descrito na peça acusatória.
A medida encontra respaldo na jurisprudência consolidada, consoante se verifica de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PESSOAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial defensivo, desclassificando a conduta de tráfico de drogas para uso pessoal, conforme art. 28 da Lei nº 11.343/06. 2. O agravante foi condenado à pena de 5 anos e 6 meses de reclusão, além de 550 dias-multa, pelo crime de tráfico de drogas, art. 33 da Lei nº 11.343/06. A defesa apelou, e a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de origem redimensionou a pena para 3 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por restritivas de direitos. 3. Recurso especial defensivo alegou violação ao art. 28 da Lei nº 11.343/06, sustentando a ausência de provas suficientes para a condenação por tráfico, como a falta de apetrechos típicos de tráfico e a não visualização do recorrente comercializando entorpecentes. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se a condenação por tráfico de drogas pode ser mantida com base apenas nos depoimentos dos policiais e na apreensão de 18 comprimidos de ecstasy, sem outras provas robustas que sustentem a traficância. 5. Há dúvida sobre a caracterização do tráfico de drogas, considerando a quantidade de droga apreendida e a ausência de outros elementos típicos de tráfico, como balança de precisão ou anotações de venda. III. Razões de decidir 6. A decisão monocrática considerou que os depoimentos dos policiais, embora possuam fé pública, não são suficientes para comprovar a traficância sem outras provas robustas. 7. A quantidade de droga apreendida é compatível com a posse para uso pessoal, não havendo elementos suficientes para sustentar a condenação por tráfico. 8. Em observância ao princípio in dubio pro reo, a conduta deve ser desclassificada para o crime de posse para uso pessoal, conforme art. 28 da Lei nº 11.343/06. IV. Dispositivo e tese 9. Agravo desprovido. Tese de julgamento: 1. A condenação por tráfico de drogas requer provas robustas além dos depoimentos policiais. 2. A quantidade de droga compatível com uso pessoal e a ausência de elementos típicos de tráfico justificam a desclassificação para posse para uso pessoal. 3. Em caso de dúvida, aplica-se o princípio in dubio pro reo, desclassificando a conduta para o art. 28 da Lei nº 11.343/06″. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.343/06, arts. 28 e 33; CPP, art. 155.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 687674/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. 15/02/2022. (AgRg no AREsp n. 2.810.938/RS, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 30/4/2025 grifou-se)
Dessa forma, ante a ausência de elementos objetivos que evidenciem, de forma concreta, a destinação das drogas apreendidas à difusão ilícita, e considerando que a quantidade apreendida, bem como as circunstâncias que envolveram a ação policial, revelam-se compatíveis com a hipótese de uso pessoal, impõe-se a desclassificação da imputação originariamente formulada na peça acusatória.
Nesse sentido, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, é cabível o reconhecimento da emendatio libelli, para adequar a tipificação legal da conduta ao art. 28 da Lei nº 11.343/2006, sem que haja alteração dos fatos narrados na denúncia, os quais permanecem incólumes em seu conteúdo fático.
Todavia, tratando-se de delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas, cumpre observar que o legislador, em seu art. 30, estabeleceu regra específica quanto ao prazo prescricional, fixando-o em 2 (dois) anos para a imposição e execução das sanções correspondentes.
No caso em exame, verifica-se que a denúncia foi regularmente recebida em 30 de novembro de 2020, não tendo ocorrido, desde então, qualquer causa interruptiva ou suspensiva do curso prescricional. Assim, diante do transcurso de prazo superior a dois anos entre o recebimento da denúncia e a presente data, impõe-se, nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal, combinado com o art. 30 da Lei nº 11.343/2006, a declaração da extinção da punibilidade do acusado, em virtude da prescrição da pretensão punitiva estatal, quanto ao delito tipificado no art. 28 da mencionada lei.
a) Do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12, da lei 10.826/2003)
Dispõe o artigo 12 da Lei 10.826/2003:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
O tipo penal em análise estrutura-se sobre dois verbos nucleares possuir e manter sob guarda sendo suficiente, para a configuração do delito, a prática isolada de qualquer dessas condutas, desde que em desacordo com as exigências legais ou regulamentares.
Trata-se de crime de perigo abstrato, modalidade típica em que o legislador, por opção de política criminal, antecipou a tutela penal à simples potencialidade de lesão ao bem jurídico tutelado neste caso, a segurança pública. Nessa categoria de delitos, a configuração do ilícito penal prescinde da demonstração de efetivo risco concreto à integridade de terceiros ou à ordem pública, bastando a comprovação da prática da conduta descrita no núcleo do tipo penal.
Sob essa ótica, afasta-se qualquer alegação de ofensa ao princípio da culpabilidade. Isso porque o agente que possui ou guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desconformidade com os requisitos legais, atua com dolo de perigo, caracterizado pela vontade consciente de infringir norma de segurança estatal, ainda que ausente a intenção de produzir resultado lesivo concreto a bens jurídicos de terceiros.
Trata-se, pois, de conduta dotada de reprovabilidade penal suficiente, cuja tipicidade não exige a ocorrência de resultado naturalístico. O foco da norma é a prevenção de riscos sociais, e não a repressão de danos efetivamente consumados.
Sobre o tema, oportuno destacar as lições doutrinárias:
Crime de perigo abstrato. O crime de posse irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/03)é de perigo abstrato, prescindindo de demonstração de efetiva situação de perigo, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social.
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Tipo objetivo. O tipo penal abrange duas condutas possuir ou manter sob sua guarda -, que necessariamente devem recair sobre arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido. Os núcleos do tipo podem ser conceituados nos seguintes termos:
a) possuir: consiste em ter ou reter algo em seu poder, fruir ou gozar de algo. O agente possui uma arma de fogo quando a tem em algum lugar, à sua disposição, pouco importando se é (ou não) o seu proprietário.
DO DISPOSITIVO
Diante de todo o exposto, e considerando os fundamentos fáticos e jurídicos anteriormente delineados, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, para, com fulcro no art. 383 do Código de Processo Penal, proceder à DESCLASSIFICAÇÃO da conduta inicialmente imputada ao acusado GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA, tipificada no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, para adequá-la ao disposto no art. 28, caput, do mesmo diploma legal.
Reconhecida a nova capitulação e considerando o transcurso do lapso temporal superior a dois anos desde o recebimento da denúncia, sem a ocorrência de causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE de GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA, nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal, c/c art. 30 da Lei nº 11.343/2006, em razão da prescrição da pretensão punitiva em abstrato.
Por conseguinte, CONDENO o acusado GECILDO TEIXEIRA NOGUEIRA como incurso nas sanções do art. 12 da Lei nº 10.826/2003, em razão da posse irregular de arma de fogo de uso permitido, praticada no interior de sua residência, sem autorização legal ou regulamentar.
DA DOSIMETRIA DA PENA
Em atenção ao princípio constitucional da individualização da pena estabelecido no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil, passo à dosimetria da pena, nos moldes do método trifásico previsto no artigo 68, caput, do Código Penal.
Embora não se exija que a sentença explicite a fração considerada para as circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes, por força dos princípios da transparência e da publicidade, esclareço que considero o coeficiente de 1/8 para as circunstâncias judiciais e de 1/6 para as agravantes e atenuantes, calculados sobre a diferença entre as penas mínima e máxima, em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
A lei não estabelece parâmetros específicos para o aumento da pena-base pela incidência de alguma circunstância de gravidade, mas, respeitados os limites mínimo e máximo abstratamente cominados ao delito, convencionou-se no Superior Tribunal de Justiça que o aumento pode consistir em 1/6 (um sexto) a 1/8 (um oitavo) para cada circunstância negativa. E, também aqui, para que o juiz imponha aumento maior deve explicar por que as circunstâncias são ainda mais graves:
O entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6 a 1/8, para cada circunstância judicial negativa. O aumento de pena superior a esse quantum, para cada vetorial desfavorecida, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial. (AgRg no HC 460.900/SP, j. 23/10/2018)
Relembro que o julgador é dotado de discricionariedade, no tocante ao quantum de majoração da reprimenda, dentro dos parâmetros fixados na lei, devendo sempre se balizar pela proporcionalidade e razoabilidade, assim como pela suficiência da medida, a fim de reprovar e reprimir o crime, de modo a conferir plena aplicabilidade ao princípio da individualização da pena .
Analisando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade foi normal à espécie, nada havendo a ser valorado; não é possuidor de maus antecedentes, pois não pesa contra si sentença condenatória com trânsito em julgado anterior ao fato, a teor do que dispõe o enunciado de Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça ; não foram coletados em Juízo informações a respeito da sua conduta social e personalidade, razão pela qual deixo de valorá-las; o motivo é inerente ao tipo penal, nada havendo a ser valorado; as circunstâncias foram normais espécie, nada devendo ser valorado; as consequências da infração penal se encontram inseridas na própria figura típica, sendo a ela inerentes, porquanto não comprovada nenhuma particularidade, o comportamento da vítima em nada influiu no evento, nada havendo a ser valorado.
À vista das circunstâncias analisadas individualmente, fixo a pena base em 01 (um) ano de detenção.
Na segunda fase da dosimetria, não havendo circunstâncias atenuantes nem agravantes, mantenho a pena no patamar anteriormente fixado.
Na terceira fase, inexistindo causas de diminuição ou de aumento da pena, torno definitiva a reprimenda em 01 (um) ano de detenção.
Em razão do preceito secundário do tipo penal prever a aplicação de pena de multa, a qual deve guardar proporcionalidade com as circunstâncias judiciais, fixo-a em 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
DO REGIME PRISIONAL
No tocante ao regime inicial de cumprimento da pena, à luz do disposto no artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal, e considerando que o acusado não é reincidente, bem como o quantum da pena aplicada, fixo-o no REGIME ABERTO, por ser o que se mostra adequado e suficiente no caso concreto.
DA DETRAÇÃO PENAL
No que concerne à detração penal prevista no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, esclareço que tal instituto tem por finalidade descontar o período em que o acusado permaneceu preso cautelarmente seja por prisão preventiva ou temporária do total da pena privativa de liberdade imposta, caso haja condenação. Entretanto, verifica-se nos autos que o acusado não esteve submetido a qualquer modalidade de prisão cautelar durante a tramitação do presente processo, o que torna inviável a aplicação da detração, por inexistir tempo de prisão a ser compensado.
DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS E DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA:
Considerando que o réu não é reincidente, que os fatos não foram praticados mediante violência ou grave ameaça, que a maioria das circunstâncias judiciais foram avaliadas de forma favorável, e em atenção ao quantum da pena, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, a saber:
a) prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da pena substituída, observando-se a proporção de uma hora de serviço por dia de condenação, nos termos dos artigos 44 e seguintes do Código Penal, a ser cumprida junto ao Hospital Municipal de Beruri/AM;
b) limitação de fim de semana, consistente na obrigação de permanecer recolhido em seu domicílio durante os fins de semana, pelo prazo equivalente ao da pena privativa de liberdade substituída, compreendido entre as 13h (treze horas) e as 18h (dezoito horas), nos termos do artigo 48 do Código Penal.
Em razão do disposto no artigo 77, inciso III, do Código Penal, deixo de conceder a suspensão condicional da pena.
DO VALOR MÍNIMO REPARATÓRIO:
No que tange ao valor mínimo destinado à reparação dos danos, observo que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no informativo nº 528 , firmou entendimento acerca da necessidade de pedido expresso e do respeito ao contraditório para a fixação do valor mínimo destinado à reparação dos danos. Assim, diante da ausência de comprovação de prejuízo nos autos e da falta de pedido expresso nesse sentido, entendo ser inviável a aplicação do disposto no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal para tal fim.
DOS COMANDO FINAIS:
Por fim, concedo ao sentenciado o direito de aguardar em liberdade eventual julgamento de recurso que venha a ser interposto contra esta decisão, considerando que respondeu solto durante toda a tramitação processual.
Determino que as custas processuais sejam suportadas pelo réu, com a exigibilidade suspensa em razão do benefício da justiça gratuita concedido, tendo em vista sua representação pela Defensoria Pública.
Transcorrido in albis o prazo para interposição de recurso, e operado o TRÂNSITO EM JULGADO da presente decisão, determino:
a) Promova-se a conclusão dos autos para fins de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa, nos termos da legislação penal vigente, relativamente ao delito do art. 12 da Lei nº 10.826/2003;
b) Expeça-se ofício à Autoridade Policial competente, a fim de que proceda à destruição das substâncias entorpecentes apreendidas, em conformidade com os ditames da Lei nº 11.343/2006, devendo ser encaminhada a este Juízo e ao Ministério Público cópia do respectivo auto de incineração, após a realização do ato;
c) Encaminhe-se, no prazo de 48 horas, todas as armas, munições e acessórios apreendidos nos autos ao Ministério do Exército, na forma do art. 25 da Lei nº 10.826/03, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma determinada pela lei;
d) Relativamente aos valores apreendidos, determino seu confisco em favor da FUNAD, nos termos do artigo 91, inciso II, alínea "b", do Código Penal, c/c o artigo 63 da Lei nº 11.343/06.
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