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"0000567-23.2023.8.26.0229" - Resultados da Busca – Página 3 de 3

Ministerio Publico Do Estado Do Amazonas x David Lucas Medeiros Brito e outros

ID: 257242817

Tribunal: TJAM Órgão: 1ª Vara da Comarca de Itacoatiara - Criminal Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 0605337-58.2024.8.04.4700

Data de Disponibilização: 15/04/2025

Polo Ativo:

MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

Polo Passivo:

DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO ICARO NOGUEIRA DA SILVA KESEDE PAULINO MACEDO MARCOS VINICIUS DOS SANTOS VIEIRA NALBER DOS ANJOS GUIMARAES

SEM JULGAMENTO DE MÉRITO

Advogados:

LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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ANTONIA PEREIRA DA SILVA

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SALOMÃO GUEDES BRANDÃO DE FARIAS

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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ANDREWS NASCIMENTO DE ABREU

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SENTENÇA O Ministério Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia em face de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA … SENTENÇA O Ministério Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia em face de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA E KESEDE PAULINO MACEDO, todos qualificados nos autos, imputando-lhes a prática do crime de homicídio qualificado por motivo torpe, uso de meio insidioso ou cruel e que impossibilitou ou dificultou a defesa da ofendida (art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal), sequestro e cárcere privado qualificado (art. 148, §2º do CP), Associação criminosa (art. 288 CP) e tortura qualificada (Art. 1º, §3° e §4º, III, da Lei nº 9.455/1997) em desfavor de Shayanne Batista dos Santos, ocorrido em 19 de maio de 2024, nesta Comarca de Itacoatiara/AM. Consta da denúncia (fls. 14.1) que, na mencionada data, os denunciados teriam agido em concurso de pessoas para submeter a vítima a agressões físicas que culminaram em sua morte. O crime teria sido motivado por suposta participação da vítima no furto de uma motocicleta pertencente a um dos acusados. Segundo a peça acusatória, a vítima foi inicialmente abordada por David Lucas Medeiros Brito e Ícaro Nogueira da Silva, que a teriam forçado a entrar em um veículo sob pretexto de esclarecer os fatos relacionados ao furto. Posteriormente, ela foi conduzida até o Bairro da Paz, onde foi submetida a espancamento coletivo, culminando em sua execução por disparo de arma de fogo supostamente efetuado por Nalber dos Anjos Guimarães. Durante a fase inquisitorial, diversos depoimentos foram colhidos, incluindo os de Daniel da Silva Serrão, que mencionou ter visto alguns dos acusados no local dos fatos, e Gabriel Rebouças, que também forneceu informações sobre o envolvimento de determinados réus. Os denunciados forma devidamente citados, vejamos, MARCOS VINICIUS DOS SANTOS VIEIRA, devidamente citado em fls. 47.1 apresentou resposta à acusação em fls. 49.1; DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, devidamente citado em fls. 44.1 apresentou resposta à acusação em fls. 50.1; ICARO NOGUEIRA DA SILVA, devidamente citado em fls. 45.1 apresentou resposta à acusação em fls. 51.1; NALBER DOS ANJOS GUIMARAES, devidamente citado em fls. 48.1 apresentou resposta à acusação em fls. 52.1. Procuração outorgada pelos acusados em fls. 76.2/76.5; e, KESEDE PAULINO MACEDO, devidamente citado em fls. 46.1 apresentou resposta à acusação em fls. 54.1, sendo mantido o recebimento e pautada instrução preliminar (fls. 91.1). Foram ouvidas em audiência de instrução as testemunhas Elian Batista dos Santos, Neila Maria Ferreira Batista, Marlon da Silva Rolim, Eliane Batista dos Santos, Daniel da Silva Serrão, Jackson Vinhote Barros da Silva, Gabriel Rebouças e Aderval Varejão de Oliveira, bem como o delegado de polícia Lázaro Sebastião Santiago Mendes Neto e o escrivão James de Andira Lopes, que atuaram na investigação. (fls. 222.1 e fls. 243.1). Os acusados foram interrogados, ocasião em que DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA E KESEDE PAULINO MACEDO negaram participação no homicídio. Alguns admitiram ter tido contato com a vítima no dia dos fatos, mas negaram envolvimento direto nas agressões que levaram à sua morte. Já NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES assumiu ter disparado no crânio da vítima após ser coagido por homens não identificados. Em alegações finais, o Órgão Ministerial sustentou que os denunciados, em associação criminosa, sequestraram, torturaram e assassinaram a vítima por vingança, com extrema violência e crueldade. Segundo o órgão acusador, Marlon reconheceu David Lucas e Ícaro como responsáveis por procurar Shayanne, tendo David ameaçado "saber o que fazer" quando a encontrasse. Eliane, mãe da vítima, confirmou que Nalber esteve em sua casa acusando sua filha de furto, e os acusados ameaçaram matá-la caso não encontrassem a moto. O motorista de aplicativo Daniel transportou a vítima e acusados do Bairro da Paz até a estrada AM 010, reconhecendo inicialmente Gabriel Rebouças e Kesede como passageiros. Jackson admitiu ter agredido a vítima com a mão e uma ripa, enquanto Marcos Vinícius confessou ter agredido a vítima por vingança, sendo identificado em vídeos efetuando agressões com ripas. Gabriel confirmou ter chamado o motorista de aplicativo e reconheceu Kesed como autor de filmagens do espancamento. Além disso, Nalber Guimarães inicialmente confessou ter atirado na cabeça da vítima após sequência de agressões. (fls. 253.1). As defesas técnicas de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e KESEDE PAULINO MACEDO (fls. 264.1/271.1/272.1/289.1), por sua vez, requereram a impronúncia dos réus, argumentando a ausência de provas concretas que os vinculem de forma inequívoca ao crime, destacando a fragilidade das provas testemunhais e as retratações em juízo e subsidiariamente que sejam decotadas as qualificadoras e crimes conexos. Pedido de novo interrogatório pela defesa de NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, em fls. 265.1, sendo deferida por este juízo, em fls. 268.1. Todas as defesas e Ministério Público intimados para novo interrogatório, tendo este comparecido em audiência. Durante reinterrogatório judicial realizado em 14 de março de 2025 (fls. 324.1), NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, alegou que seu depoimento anterior não foi dado por vontade própria, afirmando ter sido coagido desde que chegou à unidade prisional. Segundo ele, recebeu ameaças através de um papel escrito informando que, se não assumisse a responsabilidade pelo crime, seria morto pela facção predominante na cidade. Sobre os fatos, NALBER declarou que apenas estava atrás de sua moto que havia sido roubada pela vítima Shayanne Batista dos Santos. Afirmou estar presente no momento em que começaram as agressões contra a vítima, mas disse que não participou diretamente dessas agressões. Indicou que o menor JACKSON e KESEDE PAULINO MACEDO foram os agressores. Quanto à dinâmica dos fatos, NALBER relatou que não estava no Uber que transportou a vítima, mas seguia o veículo em uma motocicleta. No Uber estariam Gabriel Rebouças, Kesede, Daniel (o motorista de aplicativo) e outra pessoa cujo nome não sabia identificar. Disse que foram até uma estrada procurar sua moto, quando uma viatura policial passou por eles, fazendo com que retornassem. Nesse momento, a vítima teria informado que a moto estaria em um sítio próximo ao "porão", logo após uma barreira. Nalber afirmou que ele, David Lucas Medeiros Brito e o motorista do Uber permaneceram na beira da estrada, enquanto os outros subiram com a vítima. Quando subiram, teriam sido abordados pelo dono do sítio, que estava armado, o que os fez retornar. Foi nesse momento que, segundo ele, Kesede teria dado um tiro na vítima. Quando questionado sobre as diferentes versões apresentadas (na delegacia, no primeiro interrogatório judicial e neste reinterrogatório), Nalber afirmou que a versão atual é a verdadeira e coincide com o que disse na delegacia, onde não teria sido coagido. As ameaças, segundo ele, começaram após sua prisão, ocorrendo quase semanalmente, inclusive na semana da audiência. Sobre as pessoas presentes na casa onde ocorreu o espancamento da vítima, Nalber citou: o menor Jackson Vinhote, Marcos Vinícius dos Santos Vieira, Gabriel Rebouças, ele próprio, David Lucas e Ícaro Nogueira da Silva. Afirmou que Ícaro estava presente durante o espancamento, mas não fez nada e não acompanhou o grupo até o local da execução. Quanto a Gabriel Rebouças, disse que este não participou diretamente do espancamento, mas comentava que a vítima "merecia" o que estava ocorrendo, além de ter sido quem chamou o Uber. Nalber afirmou também que apenas Gabriel Rebouças e Kesede teriam subido até o local onde a vítima foi executada, sendo que ele e David Lucas ficaram esperando na moto. Declarou ainda que ninguém entrou encapuzado no Uber, e que o motorista já sabia da situação, pois a vítima estava toda ensanguentada e roxa quando foi colocada no veículo. O interrogado também mencionou ser soropositivo e reclamou das condições de atendimento médico na unidade prisional, afirmando que há demora no atendimento e falta de prioridade para seu caso. Alegou ainda ter sido constrangido publicamente por sua condição de saúde durante uma campanha interna no presídio. Ao final, sua defesa ressaltou que ele está sendo ameaçado e que as ameaças, embora veladas, alcançam toda a sociedade. O patrono de KESEDE PAULINO MACEDO solicitou entrevista reservada com seu cliente e novo interrogatório, em decorrência das acusações feitas por NALBER. Durante reinterrogatório judicial realizado em 14 de março de 2025, KESEDE PAULINO MACEDO apresentou nova versão dos fatos, alegando estar sendo acusado por algo em que não estava sozinho envolvido. Afirmou que inicialmente estava em casa, no Mutirão, quando foi para o Bairro da Paz visitar seu irmão, cuja sobrinha estava doente. Nesse momento, observou NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, dono da moto, circulando pelo bairro. Este parou e perguntou sobre uma moto roubada, ao que Kesede respondeu não saber de nada. Mais tarde, por volta das 16h, Kesede afirmou ter sido surpreendido quando Nalber e os demais envolvidos apareceram com Shayanne Batista dos Santos. Segundo ele, a vítima foi agredida na rua sem seu conhecimento, sendo filmada e ameaçada para que devolvesse a moto. Kesede relatou que somente se envolveu quando a vítima disse que a moto estaria próxima ao "dinossauro" no Bairro da Paz, sentindo-se prejudicado por essa acusação, já que seus vizinhos afirmaram que a moto não estava lá. Confessou que, estando estressado, e pressionou a vítima para que ela entregasse a moto. Quando ela informou que a moto estaria na estrada, Gabriel Rebouças chamou um Uber por conta própria. Kesede negou que tenha havido qualquer ameaça ao motorista, afirmando que todos entraram no veículo com consentimento do condutor. Quanto à dinâmica dos fatos no local do crime, Kesede afirmou que ao chegarem à fazenda indicada por Shayanne, foram confrontados pelo dono do local, que negou a presença da moto. Quando questionado pelo Ministério Público sobre a participação de cada um dos réus, Kesede foi enfático ao afirmar que "todos estavam envolvidos", incluindo David Lucas Medeiros Brito, Ícaro Nogueira da Silva, Marcos Vinícius dos Santos Vieira, e Nalber dos Anjos Guimarães. Segundo ele, todos teriam planejado e concordado com a morte da vítima. KESEDE PAULINO confessou ser o autor do disparo que matou Shayanne, afirmando que atirou na parte de trás da cabeça da vítima. Disse que estava com raiva por ela estar "enrolando", por não ter colaborado, e que perdeu a cabeça, disparando sem pensar nas consequências. Após o disparo, todos teriam fugido ao verem que a vítima não se mexia mais. Sobre GABRIEL REBOUÇAS, Kesede afirmou que este teria permanecido no Uber, "segurando" o motorista, enquanto os demais subiram com a vítima. Alegou que Gabriel também participou do espancamento na casa abandonada e incentivou os outros a agredirem a vítima, além de ter sugerido que a matassem quando ela não entregou a moto. Questionado sobre a presença dos demais réus no momento da execução, afirmou que todos estavam presentes, exceto Gabriel Rebouças, que ficou no carro com o motorista. Após o crime, retornaram ao Bairro da Paz, onde Kesede pagou o Uber em espécie. Quando perguntado pelo advogado de defesa sobre quem teria dado "corda" (autorização/incentivo) para que atirasse na vítima, Kesede respondeu que foi Nalber e os demais presentes. Finalizou expressando arrependimento, afirmando que estava fazendo tratamento para dores de cabeça e iniciando sua "aposentadoria" (possivelmente referindo-se ao afastamento de atividades criminosas) quando, sem querer, envolveu-se nesse caso. Ainda em audiência foi revogada a prisão dos denunciados, salvo a de Kesed, considerando sua ficha criminal. Foi oportunizado as Defesas e ao Ministério Público complementação as alegações finais já interpostas, entretanto estes abdicaram deste direito. A defesa de NALBER DOS ANJOS apresentou suas alegações finais pugnando pela impronúncia por ausência de provas. (fls. 358.1). Posteriormente o Ministério Público ingressou com Recurso em Sentido Estrito, sendo conferido efeito suspensivo ativo ao presente recurso de modo a decretar a prisão de Nalber dos Anjos, David Lucas Medeiros e Icaro Nogueira. (fls. 349.1). Em fls. 365.1, esta secretaria acostou aos autos o Ofício nº 1451/2025 - CCRIM da Câmara Criminal do TJAM, comunicando que o relator da Cautelar Inominada Criminal nº 0003111-93.2025.8.04.9001, concedeu tutela de urgência ao recurso do Ministério Público, atribuindo efeito suspensivo ativo ao Recurso em Sentido Estrito interposto contra a decisão que revogou a prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA. É o relatório. DECIDO. DA MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO A materialidade do crime de homicídio restou amplamente demonstrada nos autos, notadamente pelo laudo de exame necroscópico (fls. 1.3). O laudo necroscópico atestou que a vítima sofreu múltiplas lesões corporais, consistentes em: Traumatismo cranioencefálico grave, com fraturas do osso parietal esquerdo e hemorragia subaracnoidea difusa; Lesões contusas no tórax e abdômen, com fraturas costais e ruptura do baço; Escoriações e hematomas disseminados pelo corpo, especialmente em membros superiores e inferiores; Ferimento perfurocontuso por projétil de arma de fogo na região torácica esquerda, com trajetória de entrada sem orifício de saída, lesando o pulmão esquerdo e o coração. O laudo concluiu que a causa da morte foi um choque hipovolêmico secundário a traumatismo torácico e craniano, agravado pelo disparo de arma de fogo. As fotografias do corpo da vítima (fls. 1.6/1.11), anexadas ao laudo, evidenciam as lesões descritas, revelando a intensidade da violência empregada. O corpo apresentava sinais claros de espancamento, com hematomas de diferentes tonalidades, indicativos de agressões contínuas. Ademais, os vídeos obtidos de câmeras de segurança e gravações de celulares apreendidos mostram momentos das agressões físicas sofridas por Shayanne. Nas imagens, é possível visualizar a vítima sendo agredida por um grupo de indivíduos, com chutes, socos e uso de objetos contundentes. Assim, a materialidade delitiva está inequivocamente comprovada pelos elementos técnicos e visuais constantes do processo. É imprescindível destacar que, conforme recente entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), expresso no Recurso Especial nº 2.091.647, não se admite a pronúncia do acusado fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. O STJ reafirmou que o juiz não pode fundamentar sua decisão de pronúncia apenas em provas colhidas na investigação preliminar, sem que estas tenham sido submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa. O ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, destacou que a decisão de pronúncia possui consequências significativas para o acusado, uma vez que o submete ao julgamento por jurados leigos que não precisam fundamentar suas decisões. Por essa razão, é necessário que existam indícios robustos e sólidos de autoria, derivados de provas judicializadas, para justificar a submissão ao Tribunal do Júri. Nesse sentido, o STJ enfatizou que o princípio do in dubio pro societate não pode ser utilizado como uma justificativa para a pronúncia na ausência de provas consistentes. O juiz não deve "lavar as mãos" e transferir ao Conselho de Sentença a responsabilidade de julgar casos que sequer possuem um mínimo de lastro probatório colhido sob o contraditório judicial. Assim, quando há dúvida sobre a própria existência de indícios suficientes de autoria, deve-se aplicar o princípio do in dubio pro reo, favorecendo o réu. Portanto, para a pronúncia ser válida, é imprescindível que as provas colhidas na fase inquisitorial estejam corroboradas por elementos colhidos sob o crivo do contraditório judicial, sob pena de violação ao devido processo legal e à presunção de inocência. DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO Importa salientar que, em relação a todos os denunciados, pode haver dúvidas quanto à autoria direta do crime e exata participação de cada denunciado, considerando as divergências e retratações ocorridas durante a instrução processual. Todavia, não há dúvidas quanto à existência de indícios suficientes de autoria que justificam a submissão de cada um deles ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Essa distinção é fundamental, pois, conforme recente entendimento do STJ, a dúvida quanto à autoria pode ser dirimida pelo Conselho de Sentença, enquanto a dúvida sobre a própria existência de indícios mínimos de autoria deve ser resolvida pelo magistrado na fase de pronúncia, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo apenas quando não houver esses indícios. No presente caso, há elementos concretos que indicam a participação de cada um dos denunciados no evento delituoso, seja por meio de depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório, seja por evidências materiais e contextuais. A análise individualizada desses indícios será feita a seguir, considerando as peculiaridades de cada envolvido. DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO Os indícios de autoria em relação ao acusado DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO são substanciais e convergentes, extraídos tanto de depoimentos testemunhais quanto de elementos probatórios documentais e declarações dos corréus. A testemunha Marlon da Silva Rolim o reconheceu categoricamente como um dos principais responsáveis pela busca da vítima Shayanne, tendo relatado em juízo que o acusado proferiu ameaça expressa ao afirmar que "onde pegasse ela, ele sabia o que fazer", demonstrando clara premeditação e animus necandi. Em seu próprio interrogatório, David Lucas confirmou circunstâncias essenciais que o vinculam à dinâmica criminosa, admitindo ter recebido chamada telefônica de Nalber informando sobre a localização da vítima, ocasião em que estava acompanhado de Ícaro, corroborando a tese de concurso de agentes desde os atos preparatórios. Embora tenha negado participação direta no homicídio durante a instrução judicial, seu depoimento prestado perante a autoridade policial - e posteriormente retratado sem justificativa plausível - contém confissão parcial quanto à sua participação nas agressões físicas, tendo admitido ter chutado a vítima durante o espancamento coletivo. A materialidade de sua participação também se evidencia nos relatos convergentes quanto ao papel ativo que desempenhou após o espancamento inicial, obrigando Shayanne, juntamente com Ícaro, a subir em uma motocicleta para transportá-la ao segundo local de agressões, configurando sua participação no cerceamento da liberdade da vítima. Ressalte-se ainda que o corréu Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório judicial, foi enfático ao afirmar que David Lucas não apenas estava presente, mas participou ativamente do planejamento e concordou expressamente com a execução da vítima, demonstrando adesão subjetiva ao resultado morte. Adicionalmente, o reinterrogatório de Nalber dos Anjos Guimarães, ainda que contendo retratação parcial, confirma a presença de David Lucas no local do crime, situando-o na beira da estrada durante a execução, o que demonstra, no mínimo, auxílio moral e material aos executores diretos. O conjunto probatório, portanto, apresenta múltiplos e concordantes indícios da efetiva participação do acusado na empreitada criminosa, desde sua concepção até as fases executórias. ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA Os indícios de autoria relativos ao acusado ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA são consistentes e multifacetados, extraídos de diversas fontes probatórias independentes. A testemunha Marlon da Silva Rolim o identificou precisamente como um dos indivíduos que procuraram ativamente por Shayanne, estabelecendo sua participação desde a fase inicial da conduta criminosa, em clara demonstração de adesão ao plano delitivo O próprio acusado, em seu interrogatório judicial, confirmou elementos cruciais que o vinculam ao iter criminis, admitindo que estava na companhia de David Lucas quando este recebeu a chamada de Nalber informando sobre a localização da vítima, confirmando conscientemente terem se dirigido ao bairro Santa Lucia logo após. Conforme convergência dos relatos testemunhais e depoimentos dos corréus, Ícaro desempenhou papel fundamental no transporte forçado da vítima, tendo conduzido Shayanne, juntamente com David Lucas, para o local da segunda sessão de agressões no bairro da Paz, evidenciando sua contribuição causal para o resultado lesivo. Embora Nalber, em seu reinterrogatório, tenha tentado minimizar a participação de Ícaro, afirmando que este estava presente durante o espancamento mas não teria participado ativamente das agressões ou acompanhado o grupo até o local da execução, tal versão é frontalmente contraditada pelo relato pormenorizado e confessório de Kesede Paulino Macedo. Este último, assumindo a autoria do disparo fatal, foi categórico ao afirmar que Ícaro estava plenamente envolvido no crime, tendo não apenas concordado com a morte da vítima, mas participado de seu planejamento. A presença de Ícaro em múltiplos cenários da sequência criminosa - desde a abordagem inicial até o local das agressões coletivas - evidencia participação continuada e consciente nos atos executórios, demonstrando nexo subjetivo com os demais agentes e adesão voluntária à conduta delituosa em sua integralidade, configurando-se, assim, indícios robustos de coautoria. NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES Quanto ao acusado NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, os indícios de autoria manifestam-se de forma particularmente contundente, destacando-se tanto pelo móvel do crime quanto pela multiplicidade de elementos probatórios convergentes. A testemunha Eliane Batista dos Santos, mãe da vítima, prestou depoimento judicial confirmando que Nalber compareceu pessoalmente à sua residência, acusando Shayanne de ter furtado uma motocicleta de sua propriedade, ocasião em que proferiu ameaças expressas de morte caso o veículo não fosse localizado, demonstrando o motivo torpe que fundamentou a conduta criminosa subsequente. Em seu primeiro interrogatório judicial, Nalber confessou circunstanciadamente ter efetuado o disparo fatal contra o crânio da vítima, relatando com detalhes a dinâmica dos fatos, desde o furto da motocicleta até a execução, versão que se harmonizava com os demais elementos de prova colhidos na investigação. Embora posteriormente tenha se retratado em reinterrogatório, alegando coação carcerária para assumir a autoria do crime, manteve admissão quanto a elementos essenciais que o vinculam ao delito, reconhecendo sua presença no momento das agressões e sua participação na busca da vítima motivada pela recuperação da motocicleta supostamente furtada. A retratação de Nalber apresenta contradições internas significativas e colide frontalmente com os depoimentos dos demais envolvidos, especialmente a detalhada confissão de Kesede Paulino Macedo, que não apenas assumiu a autoria material do disparo, mas imputou a Nalber participação ativa no crime, afirmando expressamente que este teria dado "corda" (autorização/incentivo) para que efetuasse o tiro contra a vítima, revelando compartilhamento do domínio final do fato. Cumpre destacar que, mesmo em sua versão retificada, Nalber confirma ter seguido o veículo de aplicativo em uma motocicleta até o local do crime, permanecendo na beira da estrada durante a execução, o que configura, no mínimo, participação por prestação de auxílio material e moral aos executores diretos. A existência de motivação pessoal (recuperação da motocicleta), sua confissão inicial detalhada, sua presença confirmada em múltiplos momentos da sequência delitiva e os relatos convergentes dos demais envolvidos constituem robusto conjunto indiciário de sua efetiva participação no crime. MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA Os indícios de autoria relacionados ao acusado MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA são substanciais e amparados por múltiplos elementos de convicção, incluindo prova documental audiovisual e confissão parcial. Em seu próprio interrogatório judicial, Marcos Vinícius admitiu categoricamente ter se dirigido ao local no Bairro Santa Luzia movido por intenção deliberada de agredir a vítima, tendo declarado expressamente que "onde a encontrasse iria bater nela", demonstrando premeditação e dolo específico direcionado à integridade física de Shayanne. A materialidade de sua participação nas agressões físicas encontra-se documentada em registros audiovisuais produzidos durante o procedimento inquisitorial, nos quais é possível identificá-lo inequivocamente efetuando múltiplas agressões contra a vítima utilizando ripas de madeira, evidenciando não apenas sua presença no local dos fatos, mas sua contribuição causal direta para o resultado lesivo. Tais registros desmentem sua alegação posterior de não ter comparecido ao bairro da Paz, comprovando sua participação ativa no evento criminoso. Corroborando esses elementos, a testemunha Jackson Vinhote Barros da Silva confirmou em juízo que estava em atividade recreativa com Marcos Vinícius quando este o convidou deliberadamente para ir até o local onde mantinham a vítima sob restrição de liberdade, demonstrando seu conhecimento prévio da situação e sua adesão voluntária à conduta coletiva. O corréu Nalber, em seu reinterrogatório judicial, incluiu expressamente Marcos Vinícius entre as pessoas presentes na casa onde ocorreu o espancamento coletivo, fornecendo elemento adicional de convicção quanto à sua participação. De particular relevância probatória é a declaração do corréu Kesede Paulino Macedo que, ao assumir a autoria do disparo fatal, afirmou categoricamente que Marcos Vinícius estava plenamente envolvido na empreitada criminosa, tendo não apenas participado das agressões físicas - fato já admitido pelo próprio acusado - mas também concordado expressamente com a morte da vítima e participado de seu planejamento, indicando compartilhamento da intenção homicida e adesão subjetiva ao resultado morte. O conjunto probatório, portanto, demonstra participação continuada de Marcos Vinícius na sequência criminosa, desde o espancamento inicial documentado audiovisualmente até a adesão subjetiva ao homicídio, configurando robustos indícios de coautoria. KESEDE PAULINO MACEDO Em relação ao acusado KESEDE PAULINO MACEDO, os indícios de autoria são particularmente contundentes, culminando em confissão judicial expressa quanto à execução material do homicídio. Na fase inquisitorial, a testemunha Daniel da Silva Serrão, motorista de aplicativo que transportou os envolvidos, reconheceu inicialmente Kesede como um dos passageiros presentes no veículo, situando-o diretamente no contexto espaciotemporal do crime. O depoimento judicial de Gabriel Rebouças amplia a demonstração de sua participação ao confirmar que foi Kesede quem registrou em vídeo o espancamento na casa abandonada, evidenciando não apenas sua presença no local, mas sua adesão consciente à conduta coletiva e sua contribuição para a documentação das agressões. Tal participação demonstra envolvimento ativo na dinâmica criminosa em momento anterior à execução. O elemento probatório mais contundente, contudo, emerge de seu próprio reinterrogatório judicial, no qual Kesede confessou de forma expressa e circunstanciada ter sido o autor material do disparo que causou a morte de Shayanne, relatando com precisão ter efetuado tiro "na parte de trás da cabeça da vítima". Em sua confissão detalhada, admitiu motivação emocional para o ato, declarando ter agido por raiva decorrente da não-cooperação da vítima na entrega da motocicleta, tendo "perdido a cabeça" e disparado sem considerar as consequências. Sua confissão apresenta elementos de verossimilhança interna e externa, harmonizando-se com outros elementos probatórios e fornecendo detalhes que somente poderiam ser conhecidos pelo autor material do crime. Kesede admitiu ainda ter exercido pressão psicológica sobre a vítima para obtenção de informações sobre a motocicleta, corroborando a tese acusatória quanto à prática de tortura psicológica antecedente ao homicídio. De significativa relevância para a compreensão da dinâmica grupal do crime é sua declaração categórica de que todos os demais acusados estavam plenamente envolvidos na empreitada criminosa, tendo concordado e planejado a morte da vítima, detalhando a participação individual de cada corréu e fornecendo versão coerente e circunstanciada dos fatos que se coaduna com os demais elementos probatórios. O conjunto indiciário relacionado a Kesede Paulino Macedo, portanto, ultrapassa a mera suspeita para constituir elementos de convicção robustos quanto à sua participação como executor material do homicídio, além de seu envolvimento nas fases antecedentes de privação de liberdade, tortura e agressões coletivas, configurando quadro probatório consistente de autoria. Lembro que, nos termos do artigo 29 do Código Penal, "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Dessa forma, para a configuração do concurso de pessoas, não se exige que todos os agentes pratiquem o ato executivo final (como o disparo de arma de fogo ou o golpe fatal), bastando que atuem de forma consciente e voluntária para a consecução do resultado. A doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o vínculo subjetivo entre os agentes pode se manifestar de diversas formas, sendo suficiente a demonstração de que os réus aderiram à prática criminosa, ainda que suas condutas tenham sido distintas. Como ensina Norberto Avena: "O liame subjetivo entre os coautores e partícipes decorre da unidade de desígnios, isto é, da convergência de vontades para a prática delitiva. Assim, não há necessidade de que todos pratiquem atos executórios, bastando a adesão consciente ao propósito criminoso, independentemente de quem tenha realizado a conduta materialmente letal." (AVENA, Norberto. Processo Penal, 2023, p. 612). No mesmo sentido, Eugênio Pacelli esclarece que: "A teoria monista adotada pelo Código Penal permite que a participação em qualquer fase da execução seja suficiente para a responsabilização pelo delito, desde que demonstrado o dolo na cooperação criminosa." (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal, 23ª ed., 2024, p. 635). No presente caso, as provas reunidas indicam que os réus agiram de forma conjunta para a prática do homicídio, cada um contribuindo, dentro de suas possibilidades, para o desfecho fatal. A participação de alguns acusados na contenção da vítima, no planejamento ou na facilitação do crime demonstra a existência do vínculo subjetivo entre eles, o que torna desnecessária a exigência de que todos tenham efetuado o golpe ou disparo final. A jurisprudência dos Tribunais Superiores corrobora esse entendimento: "É irrelevante para a configuração do crime em coautoria ou participação que todos os agentes tenham realizado a conduta letal. Basta que tenham aderido à prática criminosa, contribuindo para o desfecho delitivo de forma consciente e voluntária." (STJ, HC 135386/DF, DJe 02.08.2017). Dessa forma, restando demonstrado o liame subjetivo entre os acusados, deve-se reconhecer a existência de indícios suficientes de autoria, aptos a justificar a submissão dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos do artigo 413 do CPP. DA PRESENÇA DAS QUALIFICADORAS Em relação às qualificadoras apresentadas na denúncia - motivo torpe (art. 121, § 2º, I, CP), meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP) e recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, CP), há elementos suficientes nos autos que justificam sua submissão à apreciação do Conselho de Sentença. Quanto ao motivo torpe, os depoimentos colhidos em juízo indicam que o crime foi motivado por vingança em razão de um suposto furto de motocicleta. As testemunhas relataram que os acusados proferiram ameaças à vítima dias antes do crime, afirmando que "se não achassem a moto, iriam matar Shayene". A vingança como motivação do crime constitui circunstância que pode caracterizar a torpeza do motivo, cabendo aos jurados sua análise. No que tange ao meio cruel, o laudo necroscópico evidencia que a vítima foi submetida a intenso sofrimento antes de sua morte. O documento atesta múltiplas lesões corporais, incluindo traumatismo cranioencefálico grave, lesões contusas no tórax e abdômen, fraturas costais, ruptura do baço e escoriações e hematomas disseminados pelo corpo. Os vídeos obtidos durante a investigação mostram a vítima sendo brutalmente espancada por um grupo de indivíduos, com uso de chutes, socos e objetos contundentes, demonstrando um padecimento prolongado e desnecessário. Por fim, quanto ao recurso que dificultou a defesa da vítima, há evidências de que Shayanne foi abordada por diversos indivíduos, sendo forçada a entrar em um veículo e posteriormente conduzida a diferentes locais onde sofreu agressões. Os depoimentos indicam que a vítima foi cercada por múltiplos agressores, em evidente superioridade numérica, sendo ainda submetida a coronhadas quando já se encontrava debilitada, circunstâncias que podem caracterizar a impossibilidade de defesa. Vale ressaltar que, nesta fase processual, diversamente da posição jurisprudência quanto a existência do in dubio pro societate em relação aos indícios de autoria, ainda se mostra pacífico vigorar o aludido princípio em relação às qualificadoras, sendo necessário apenas que existam elementos mínimos que possam justificar sua incidência. Eventuais dúvidas ou controvérsias sobre a caracterização das qualificadoras devem ser dirimidas pelo Conselho de Sentença, juiz natural da causa, em respeito à sua soberania. Portanto, presentes indícios suficientes da existência das qualificadoras narradas na denúncia, devem estas ser mantidas para apreciação pelo Tribunal do Júri, que decidirá sobre sua configuração no caso concreto. DA MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE TORTURA A materialidade do crime de tortura está amplamente demonstrada nos autos, tanto pelo laudo necroscópico quanto pelos vídeos juntados ao inquérito policial. O exame cadavérico evidencia lesões características e típicas de atos de tortura, incluindo traumatismo cranioencefálico grave, múltiplas fraturas costais, ruptura do baço e escoriações e hematomas disseminados pelo corpo, além de lesões em diferentes estágios de cicatrização, o que indica momentos distintos de agressão. Os vídeos juntados aos autos mostram claramente uma sessão de tortura no Bairro da Paz, onde se ouve um dos agressores dizendo "Então tu sabe porque tu tá vai ser disciplinada, né?! Tá ligada que ladrão a gente não aceita, né?!". As imagens mostram a vítima sendo agredida com ripas de madeira em diversas partes do corpo, caracterizando clara sessão de tortura para obtenção de informação sobre a localização da motocicleta. INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO DELITO DE TORTURA DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO Os indícios de autoria do crime de tortura em relação a DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO emergem de múltiplos elementos probatórios coligidos nos autos. Primeiramente, destaca-se sua participação na abordagem inicial e captura forçada da vítima, conforme depoimento da testemunha Marlon da Silva Rolim, que o reconheceu como um dos responsáveis por procurar Shayanne, tendo inclusive proferido ameaças explícitas. Tal conduta já configura o início do sofrimento psicológico imposto à vítima, elemento constitutivo do crime de tortura em sua modalidade psíquica. Em seu interrogatório policial, posteriormente retratado em juízo sem justificativa plausível, David Lucas admitiu ter desferido chutes contra a vítima durante a sessão de espancamento, demonstrando participação direta na imposição de sofrimento físico intenso. A continuidade de sua conduta é evidenciada pelo transporte forçado da vítima entre os locais de agressão, conforme relatado por diversas testemunhas, incluindo o motorista de aplicativo Daniel da Silva Serrão, configurando prolongamento intencional do sofrimento. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório confessório, foi categórico ao afirmar que David Lucas participou ativamente do processo de interrogatório violento da vítima, exercendo pressão física e psicológica para obtenção de informações sobre o paradeiro da motocicleta. Este elemento é crucial para a caracterização do crime de tortura, uma vez que demonstra a finalidade específica de obter informação ou confissão da vítima mediante imposição de sofrimento, conforme tipificado no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. As evidências indicam um padrão de agressões sistemáticas em diversos locais, demonstrando não se tratar de violência momentânea, mas de conduta prolongada e deliberada, com finalidade específica de causar sofrimento como forma de castigo e obtenção de informações, elementos caracterizadores da tortura. David Lucas, conforme convergência dos depoimentos, atuou em todas as fases deste processo, desde a captura até o transporte entre os locais de agressão, demonstrando domínio da situação e adesão consciente à imposição de padecimento físico e mental à vítima. ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA Os indícios de autoria do crime de tortura relacionados a ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA estão fundamentados em elementos probatórios consistentes que demonstram sua participação ativa nas diversas fases da conduta criminosa. Inicialmente, conforme relato da testemunha Marlon da Silva Rolim, Ícaro participou da busca e abordagem inicial da vítima, acompanhando David Lucas, momento em que foram proferidas ameaças explícitas que já configuravam imposição de intenso sofrimento psicológico. Em seu próprio interrogatório, Ícaro confirmou estar presente quando David Lucas recebeu informações sobre a localização da vítima, dirigindo-se conscientemente ao local, demonstrando voluntariedade na participação dos eventos subsequentes. Elemento crucial para a caracterização de sua participação na tortura é o fato, confirmado por diversos depoimentos concordantes, de que Ícaro conduziu a motocicleta utilizada para transportar forçadamente a vítima entre os locais de agressão, especificamente do primeiro local para o Bairro da Paz, onde ocorreu a segunda sessão de espancamento. Este transporte forçado, realizado após a vítima já haver sofrido agressões iniciais, configura não apenas cerceamento de liberdade, mas prolongamento intencional do sofrimento e manutenção da vítima em condição de extrema vulnerabilidade, elementos constitutivos do crime de tortura em sua modalidade física e psicológica. O controle sobre o deslocamento da vítima demonstra domínio da situação e poder sobre seu destino, características essenciais para a configuração do delito em questão. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório, situou Ícaro entre os presentes durante as sessões de agressão e interrogatório violento da vítima, contexto em que foram impostas condições de sofrimento físico e mental como meio para obtenção de informações sobre o paradeiro da motocicleta. Esta finalidade específica - extração de informações mediante sofrimento - é elemento nuclear do tipo penal da tortura, conforme previsto no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. A presença continuada de Ícaro em múltiplos cenários da conduta criminosa, sua participação ativa no transporte forçado da vítima e sua permanência durante as sessões de agressão demonstram adesão consciente à imposição sistemática de sofrimento, configurando robustos indícios de coautoria no crime de tortura. NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES Os indícios de autoria do crime de tortura atribuídos a NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES são substanciais e decorrem tanto de sua condição de motivador inicial da conduta quanto de sua participação direta nos atos executórios. Conforme depoimento da testemunha Eliane Batista dos Santos, mãe da vítima, Nalber compareceu pessoalmente à sua residência, proferindo ameaças explícitas de morte contra Shayanne caso a motocicleta não fosse encontrada, impondo desde então grave sofrimento psicológico tanto à vítima quanto aos seus familiares. Em seu primeiro interrogatório judicial, Nalber admitiu que a busca pela vítima foi motivada pelo furto de sua motocicleta ocorrido em 18/05/2024, confirmando o elemento finalístico da tortura - a obtenção de informação ou confissão mediante imposição de sofrimento. Mesmo após sua retratação parcial em reinterrogatório, manteve a admissão de que estava presente durante as agressões e que sua motivação era recuperar a motocicleta supostamente furtada pela vítima. Particularmente relevante é o relato da dinâmica dos fatos no veículo de aplicativo, onde, segundo diversos depoimentos, incluindo o de Kesede Paulino Macedo, a vítima foi constantemente ameaçada e agredida com coronhadas, mesmo já estando bastante debilitada pelas agressões anteriores. Esta conduta demonstra imposição deliberada de sofrimento físico e psicológico como método para extração de informações, núcleo do tipo penal da tortura. A progressão das agressões, desde ameaças iniciais, passando por espancamento coletivo, até a execução final, demonstra padrão de violência sistemática e continuada, com clara finalidade de punição e obtenção de informações, elementos caracterizadores da tortura. Nalber, na condição de proprietário da motocicleta supostamente furtada, detinha interesse direto na obtenção das informações mediante sofrimento, configurando motivação específica para a prática do crime de tortura. Mesmo em sua versão retificada, Nalber admite ter seguido o veículo de aplicativo até o local do crime, confirmando sua participação continuada na empreitada criminosa e sua adesão consciente à imposição de sofrimento como método para alcançar seu objetivo - a recuperação da motocicleta. Tais elementos constituem robustos indícios de sua coautoria no crime de tortura, tipificado no art. 1º da Lei nº 9.455/1997. MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA Os indícios de autoria do crime de tortura relacionados a MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA são contundentes e fundamentados em elementos probatórios objetivos, incluindo prova documental audiovisual e admissão parcial. Em seu próprio interrogatório judicial, Marcos Vinícius confessou ter se dirigido ao local das agressões movido por intenção deliberada de agredir a vítima, tendo declarado expressamente que "onde a encontrasse iria bater nela", evidenciando premeditação e finalidade específica de imposição de sofrimento como forma de castigo pessoal, modalidade expressamente prevista no art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.455/1997. Elemento probatório de excepcional relevância são os registros audiovisuais produzidos durante o procedimento inquisitorial, nos quais Marcos Vinícius é claramente identificado desferindo múltiplas agressões contra a vítima utilizando ripas de madeira. Estas imagens documentam não apenas sua presença, mas sua participação ativa na imposição de sofrimento físico intenso, de forma continuada e sistemática, características essenciais para a configuração do crime de tortura. O depoimento de Jackson Vinhote Barros da Silva corrobora tais elementos ao confirmar que foi convidado por Marcos Vinícius para comparecer ao local onde mantinham a vítima sob restrição de liberdade, demonstrando conhecimento prévio da situação e intencionalidade na participação. Gabriel Rebouças, em seu depoimento, mencionou expressamente ter reconhecido Marcos Vinícius entre os agressores no local das agressões coletivas. A natureza das agressões documentadas - espancamento com ripas de madeira contra vítima já subjugada e em evidente estado de vulnerabilidade - ultrapassa a mera violência momentânea para configurar imposição deliberada e prolongada de sofrimento físico intenso, elemento característico da tortura. O contexto em que estas agressões ocorreram - busca por informações sobre a motocicleta supostamente furtada - evidencia a finalidade específica de obtenção de informação mediante padecimento, tipificada no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório, confirma a participação ativa de Marcos Vinícius não apenas nas agressões físicas, mas no planejamento e concordância com todo o processo que culminou na morte da vítima, demonstrando sua adesão consciente à imposição sistemática de sofrimento como método para alcançar os objetivos do grupo. Tais elementos constituem robusto conjunto indiciário de sua coautoria no crime de tortura. KESEDE PAULINO MACEDO Os indícios de autoria do crime de tortura imputados a KESEDE PAULINO MACEDO são particularmente robustos, derivando tanto de elementos probatórios externos quanto de sua própria confissão circunstanciada. O depoimento de Gabriel Rebouças atribui a Kesede papel específico durante as sessões de agressão: o registro audiovisual do espancamento na casa abandonada. Esta conduta demonstra não apenas sua presença no local, mas sua participação consciente na documentação das agressões, evidenciando adesão psicológica à imposição coletiva de sofrimento. Em seu reinterrogatório judicial, Kesede admitiu expressamente ter pressionado a vítima para que revelasse o paradeiro da motocicleta, confirmando o elemento finalístico essencial para a configuração do crime de tortura - a obtenção de informação mediante imposição de sofrimento. Sua descrição dos fatos revela progressão deliberada da violência ante a não-cooperação da vítima, culminando em agressões cada vez mais intensas, padrão característico da conduta de tortura. Particularmente significativa é sua admissão de que agiu motivado pela "raiva" decorrente da suposta "enrolação" da vítima em não revelar o paradeiro da motocicleta, evidenciando a motivação torpe e a instrumentalização do sofrimento como método para obtenção de informações. Este nexo causal entre a imposição de padecimento e a finalidade específica de extração informacional constitui o núcleo do tipo penal previsto no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. A participação de Kesede Paulino Macedo estendeu-se por todo o iter criminis, desde as primeiras agressões, passando pelo transporte forçado da vítima - tendo sido reconhecido pelo motorista de aplicativo Daniel da Silva Serrão como um dos passageiros do veículo - até culminar na execução final. Esta continuidade demonstra padrão sistemático de imposição de sofrimento, não se tratando de violência momentânea, mas de conduta deliberada e prolongada visando quebrar a resistência da vítima, elemento característico da tortura. Sua confissão quanto à autoria do disparo fatal deve ser analisada no contexto da progressão das agressões, revelando que a execução foi precedida por intenso sofrimento físico e psicológico imposto como forma de punição e método para obtenção de informações. A própria motivação expressa para o tiro fatal - a "raiva" pela não-cooperação da vítima - evidencia a conexão direta entre a tortura prévia e o homicídio subsequente. O conjunto probatório, portanto, demonstra participação ativa de Kesede Paulino Macedo na imposição sistemática e prolongada de sofrimento físico e psicológico à vítima, com finalidade específica de obtenção de informações e punição, configurando robustos indícios de sua coautoria no crime de tortura. Importante ressaltar que não há bis in idem entre o crime de tortura e a qualificadora do meio cruel no homicídio. A tortura constituiu crime autônomo com finalidade específica de obter informação sobre a localização da motocicleta, tendo sido praticada em momentos e locais distintos das agressões que culminaram na morte. Os atos de tortura possuem clara autonomia em relação ao homicídio, pois foram praticados em contexto diverso e com finalidade específica de obter informação, ocorreram em múltiplos momentos e locais diferentes, a morte não era o objetivo imediato dos atos de tortura, houve intervalo temporal entre as sessões de tortura e o homicídio, e o sofrimento intenso foi imposto como forma de castigo e meio de obtenção de informação, não apenas como meio de execução. Desta forma, restam claramente configurados dois momentos criminosos distintos: a tortura visando obter informação sobre a moto e, posteriormente, o homicídio qualificado pelo meio cruel, sem que haja dupla valoração da mesma conduta. A autonomia do crime de tortura é evidenciada tanto pelos elementos objetivos (multiplicidade de atos em contextos diversos) quanto subjetivos (finalidade específica de obter informação), justificando sua imputação em concurso material com o homicídio qualificado. DA IMPRONÚNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO Embora os fatos narrados na denúncia demonstrem que a vítima foi efetivamente privada de sua liberdade em diversos momentos, inicialmente quando cercada próximo à Igreja Santa Luzia, depois quando conduzida ao Bairro da Paz e finalmente quando transportada no veículo de aplicativo - entendo que os denunciados devem ser impronunciados em relação ao crime previsto no art. 148, §2º do Código Penal. Isto porque a privação da liberdade, no caso concreto, constituiu claramente crime-meio necessário para a prática dos crimes de tortura e homicídio qualificado. Os atos de cerceamento da liberdade não possuíram autonomia própria, sendo instrumentais e necessários para viabilizar tanto as sessões de tortura visando obter informação sobre a motocicleta quanto a posterior execução da vítima. Ademais, a qualificadora do §2º do art. 148 (resultado de grave sofrimento físico ou moral em razão dos maus tratos) se confunde com os próprios elementos do crime de tortura, já que os mesmos atos que causaram o intenso sofrimento à vítima - as agressões com ripas, socos, chutes e demais violências - constituem o núcleo da conduta de tortura. Manter ambas as imputações significariam inadmissível bis in idem. Assim, aplicando-se o princípio da consunção, o crime-meio (sequestro) deve ser absorvido pelos crimes-fins (tortura e homicídio qualificado), mais graves e que já abrangem a totalidade do desvalor da conduta dos agentes. Pelo exposto, impõe-se a impronúncia dos denunciados em relação ao crime de sequestro e cárcere privado qualificado (art. 148, §2º, CP), sem prejuízo da pronúncia pelos demais delitos narrados na denúncia. DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA A materialidade e os indícios de autoria do crime de associação criminosa estão demonstrados nos autos através de diversos elementos probatórios que indicam a existência de uma organização estável e permanente, com divisão de tarefas e hierarquia própria. A materialidade se evidencia inicialmente pela própria dinâmica coordenada dos crimes, que demonstra atuação típica de facção criminosa. Os vídeos juntados aos autos registram o uso de linguagem característica de organização criminosa, com expressões como "disciplina" e referências a "violação das regras" do grupo, indicando a existência de um código de conduta próprio e estruturado. O contexto das agressões, apresentadas como uma espécie de "tribunal do crime", revela não um mero concurso eventual de agentes, mas uma estrutura organizada que exerce poder paralelo no território, impondo suas próprias regras e punições. Este elemento é corroborado pelo depoimento do Delegado que presidiu o inquérito, que confirmou em juízo o contexto de atuação de facções criminosas em Itacoatiara e seu poder de intimidação sobre a população. Quanto aos indícios de autoria, há nos autos elementos que vinculam os denunciados à associação criminosa. O motorista de aplicativo Daniel, em seu depoimento inicial, descreveu uma clara estrutura hierárquica, com Kesed dando ordens e comandos aos demais. A posterior retratação da testemunha em juízo, inclusive, foi contextualizada pelo Delegado como resultado do poder de intimidação do grupo, já que a testemunha possui comércio na área por ele dominada. A divisão de tarefas entre os denunciados - desde a captura inicial da vítima, passando pelas sessões de tortura em diferentes locais, até sua execução - demonstra não uma conjugação eventual de esforços, mas uma atuação coordenada e previamente organizada, típica de associação criminosa estável. O modus operandi empregado, com uso de diferentes locais controlados pelo grupo, linguagem própria e estrutura hierárquica, somado ao contexto de dominação territorial evidenciado nos depoimentos, fornece indícios suficientes da vinculação dos denunciados a uma associação criminosa estruturada e permanente. Importante ressaltar que, embora existam elementos que sugiram a possível atuação de uma organização criminosa nos termos da Lei 12.850/13, não se mostra adequada a emendatio libelli para este crime mais grave neste momento processual. Isto porque o crime de organização criminosa exige a demonstração de elementos específicos, como estrutura ordenada, divisão de tarefas, objetivo de obter vantagem mediante crimes com pena superior a 4 anos ou transnacionais, que não puderam ser suficientemente demonstrados durante a instrução preliminar. A prudência recomenda manter a capitulação original de associação criminosa, deixando eventual readequação típica para a fase do art. 383 do CPP, após instrução plena perante o Tribunal do Júri. Embora não exista uma previsão expressa de uma emendatio libelli formal pelo juiz presidente durante o plenário do Tribunal do Júri, nos mesmos termos do artigo 383 do CPP. No entanto, a condução do julgamento pelo juiz, a formulação dos quesitos com base nas teses apresentadas e a adequação da capitulação legal na sentença final, após o veredicto dos jurados, refletem a necessária aplicação do direito aos fatos decididos pelo Conselho de Sentença. Desta forma, presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia dos denunciados também pelo crime de associação criminosa previsto no art. 288 do Código Penal, cabendo ao Tribunal do Júri a decisão final sobre sua configuração. DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES A materialidade e os indícios de autoria do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA) estão demonstrados nos autos através de elementos que comprovam o envolvimento do adolescente Jackson Vinhote Barros da Silva nos graves crimes praticados contra Shayanne. A materialidade se evidencia pelos vídeos juntados ao inquérito que mostram o adolescente participando ativamente das sessões de tortura no Bairro da Paz, bem como pelo próprio depoimento de Jackson em juízo, onde confessou ter agredido a vítima com ripas e com as mãos. Quanto aos indícios de autoria, estes são especialmente robustos em relação ao denunciado Marcos Vinícius. Em seu interrogatório, Jackson afirmou que "estava brincando de pipa com Marcos Vinícius quando o segundo o convidou para ir até o local onde estavam segurando a vítima". A testemunha Gabriel também confirmou ter reconhecido Jackson e Marcos Vinícius agredindo a vítima nas imagens do espancamento. O contexto probatório demonstra que não houve mera presença do adolescente no local dos fatos, mas sim seu efetivo aliciamento para participar das condutas criminosas. Marcos Vinícius, conhecendo a menoridade de Jackson, deliberadamente o chamou para participar das agressões, inserindo-o no contexto de grave violência que culminou com a morte da vítima. A participação do menor não foi ocasional ou periférica - ele foi ativamente envolvido nas agressões e torturas, evidenciando a corrupção de sua moral pela prática de infrações graves, em típica conduta de corrupção de menores que independe, inclusive, de prova da efetiva corrupção, conforme Súmula 500 do STJ. Desta forma, presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, especialmente em relação ao denunciado Marcos Vinícius, impõe-se a pronúncia pelo crime de corrupção de menores previsto no art. 244-B do ECA, entretanto se estendo essa imputação a todos os denunciados por , em tese, terem anuído a presença do adolescente e com ele praticando crimes, cabendo ao Tribunal do Júri a decisão final sobre sua configuração. Ante o exposto, com fundamento no artigo 413 do Código de Processo Penal: 1. PRONUNCIO os réus DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e KESEDE PAULINO MACEDO, devidamente qualificados nos autos, como incursos nas sanções do: a) artigo 121, § 2º, incisos I (motivo torpe), III (meio cruel) e IV (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), do Código Penal; b) artigo 1º, §3° e §4º, III, da Lei nº 9.455/1997 (crime de tortura qualificada); c) artigo 288, parágrafo único, do Código Penal (associação criminosa armada); d) artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores). 2. IMPRONUNCIO todos os réus em relação ao crime de sequestro e cárcere privado qualificado (artigo 148, §2º do Código Penal), com fundamento no princípio da consunção, por constituir crime-meio absorvido pelos crimes-fins. Considerando o recebimento do Ofício nº 1451/2025 - CCRIM da Câmara Criminal do TJAM, comunicando que o relator da Cautelar Inominada Criminal nº 0003111-93.2025.8.04.9001, concedeu tutela de urgência ao recurso do Ministério Público, atribuindo efeito suspensivo ativo ao Recurso em Sentido Estrito interposto contra a decisão que revogou a prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA. Verifico que a decisão determinou especificamente a prisão preventiva apenas destes três réus, não incluindo MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA, cuja situação de liberdade deve ser mantida, visto não ter sido objeto do recurso julgado pela Câmara Criminal. Quanto a KESEDE PAULINO MACEDO, sua prisão preventiva já estava mantida por decisão anterior deste juízo (fls. 355.1). Portanto, DETERMINO o cumprimento imediato da decisão do Desembargador Relator, procedendo-se à prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, mantendo-se a liberdade de MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e a prisão de KESEDE PAULINO MACEDO. COMUNIQUE-SE à autoridade policial para cumprimento dos mandados já expedidos pela instância superior, em fls. 365.1. COMUNIQUE-SE ao Ministério Público com atribuição na Vara de Execuções Penais acerca da pronúncia do KESED PAULINO MACEDO (Proc. 0001104-77.2018.8.04.4700 e 0000567-18.2017.8.04.4700 SEEU), para requerer o que entender de direito. OFICIE-SE à autoridade policial para que proceda à apuração de possível crime de falso testemunho praticado pela testemunha DANIEL DA SILVA SERRÃO, motorista de aplicativo que transportou os envolvidos no evento criminoso, bem como, a apuração relativa à participação da testemunha GABRIEL REBOUÇAS ALMEIDA, nos crimes de homicídio qualificado, Associação criminosa e tortura qualificada em desfavor de Shayanne Batista dos Santos. Encaminhe-se, em anexo, cópia integral das mídias contendo os depoimentos colhidos em audiência de instrução e julgamento para subsidiar a investigação. Após o trânsito em julgado desta decisão, intimem-se o Ministério Público e as defesas para apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco) para cada parte, nos termos do artigo 422 do Código de Processo Penal. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

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Ministerio Publico Do Estado Do Amazonas x David Lucas Medeiros Brito e outros

ID: 257250750

Tribunal: TJAM Órgão: 1ª Vara da Comarca de Itacoatiara - Criminal Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 0605337-58.2024.8.04.4700

Data de Disponibilização: 15/04/2025

Polo Ativo:

MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

Polo Passivo:

DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO ICARO NOGUEIRA DA SILVA KESEDE PAULINO MACEDO MARCOS VINICIUS DOS SANTOS VIEIRA NALBER DOS ANJOS GUIMARAES

SEM JULGAMENTO DE MÉRITO

Advogados:

LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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ANTONIA PEREIRA DA SILVA

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SALOMÃO GUEDES BRANDÃO DE FARIAS

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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ANDREWS NASCIMENTO DE ABREU

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SENTENÇA O Ministério Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia em face de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA … SENTENÇA O Ministério Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia em face de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA E KESEDE PAULINO MACEDO, todos qualificados nos autos, imputando-lhes a prática do crime de homicídio qualificado por motivo torpe, uso de meio insidioso ou cruel e que impossibilitou ou dificultou a defesa da ofendida (art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal), sequestro e cárcere privado qualificado (art. 148, §2º do CP), Associação criminosa (art. 288 CP) e tortura qualificada (Art. 1º, §3° e §4º, III, da Lei nº 9.455/1997) em desfavor de Shayanne Batista dos Santos, ocorrido em 19 de maio de 2024, nesta Comarca de Itacoatiara/AM. Consta da denúncia (fls. 14.1) que, na mencionada data, os denunciados teriam agido em concurso de pessoas para submeter a vítima a agressões físicas que culminaram em sua morte. O crime teria sido motivado por suposta participação da vítima no furto de uma motocicleta pertencente a um dos acusados. Segundo a peça acusatória, a vítima foi inicialmente abordada por David Lucas Medeiros Brito e Ícaro Nogueira da Silva, que a teriam forçado a entrar em um veículo sob pretexto de esclarecer os fatos relacionados ao furto. Posteriormente, ela foi conduzida até o Bairro da Paz, onde foi submetida a espancamento coletivo, culminando em sua execução por disparo de arma de fogo supostamente efetuado por Nalber dos Anjos Guimarães. Durante a fase inquisitorial, diversos depoimentos foram colhidos, incluindo os de Daniel da Silva Serrão, que mencionou ter visto alguns dos acusados no local dos fatos, e Gabriel Rebouças, que também forneceu informações sobre o envolvimento de determinados réus. Os denunciados forma devidamente citados, vejamos, MARCOS VINICIUS DOS SANTOS VIEIRA, devidamente citado em fls. 47.1 apresentou resposta à acusação em fls. 49.1; DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, devidamente citado em fls. 44.1 apresentou resposta à acusação em fls. 50.1; ICARO NOGUEIRA DA SILVA, devidamente citado em fls. 45.1 apresentou resposta à acusação em fls. 51.1; NALBER DOS ANJOS GUIMARAES, devidamente citado em fls. 48.1 apresentou resposta à acusação em fls. 52.1. Procuração outorgada pelos acusados em fls. 76.2/76.5; e, KESEDE PAULINO MACEDO, devidamente citado em fls. 46.1 apresentou resposta à acusação em fls. 54.1, sendo mantido o recebimento e pautada instrução preliminar (fls. 91.1). Foram ouvidas em audiência de instrução as testemunhas Elian Batista dos Santos, Neila Maria Ferreira Batista, Marlon da Silva Rolim, Eliane Batista dos Santos, Daniel da Silva Serrão, Jackson Vinhote Barros da Silva, Gabriel Rebouças e Aderval Varejão de Oliveira, bem como o delegado de polícia Lázaro Sebastião Santiago Mendes Neto e o escrivão James de Andira Lopes, que atuaram na investigação. (fls. 222.1 e fls. 243.1). Os acusados foram interrogados, ocasião em que DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA E KESEDE PAULINO MACEDO negaram participação no homicídio. Alguns admitiram ter tido contato com a vítima no dia dos fatos, mas negaram envolvimento direto nas agressões que levaram à sua morte. Já NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES assumiu ter disparado no crânio da vítima após ser coagido por homens não identificados. Em alegações finais, o Órgão Ministerial sustentou que os denunciados, em associação criminosa, sequestraram, torturaram e assassinaram a vítima por vingança, com extrema violência e crueldade. Segundo o órgão acusador, Marlon reconheceu David Lucas e Ícaro como responsáveis por procurar Shayanne, tendo David ameaçado "saber o que fazer" quando a encontrasse. Eliane, mãe da vítima, confirmou que Nalber esteve em sua casa acusando sua filha de furto, e os acusados ameaçaram matá-la caso não encontrassem a moto. O motorista de aplicativo Daniel transportou a vítima e acusados do Bairro da Paz até a estrada AM 010, reconhecendo inicialmente Gabriel Rebouças e Kesede como passageiros. Jackson admitiu ter agredido a vítima com a mão e uma ripa, enquanto Marcos Vinícius confessou ter agredido a vítima por vingança, sendo identificado em vídeos efetuando agressões com ripas. Gabriel confirmou ter chamado o motorista de aplicativo e reconheceu Kesed como autor de filmagens do espancamento. Além disso, Nalber Guimarães inicialmente confessou ter atirado na cabeça da vítima após sequência de agressões. (fls. 253.1). As defesas técnicas de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e KESEDE PAULINO MACEDO (fls. 264.1/271.1/272.1/289.1), por sua vez, requereram a impronúncia dos réus, argumentando a ausência de provas concretas que os vinculem de forma inequívoca ao crime, destacando a fragilidade das provas testemunhais e as retratações em juízo e subsidiariamente que sejam decotadas as qualificadoras e crimes conexos. Pedido de novo interrogatório pela defesa de NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, em fls. 265.1, sendo deferida por este juízo, em fls. 268.1. Todas as defesas e Ministério Público intimados para novo interrogatório, tendo este comparecido em audiência. Durante reinterrogatório judicial realizado em 14 de março de 2025 (fls. 324.1), NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, alegou que seu depoimento anterior não foi dado por vontade própria, afirmando ter sido coagido desde que chegou à unidade prisional. Segundo ele, recebeu ameaças através de um papel escrito informando que, se não assumisse a responsabilidade pelo crime, seria morto pela facção predominante na cidade. Sobre os fatos, NALBER declarou que apenas estava atrás de sua moto que havia sido roubada pela vítima Shayanne Batista dos Santos. Afirmou estar presente no momento em que começaram as agressões contra a vítima, mas disse que não participou diretamente dessas agressões. Indicou que o menor JACKSON e KESEDE PAULINO MACEDO foram os agressores. Quanto à dinâmica dos fatos, NALBER relatou que não estava no Uber que transportou a vítima, mas seguia o veículo em uma motocicleta. No Uber estariam Gabriel Rebouças, Kesede, Daniel (o motorista de aplicativo) e outra pessoa cujo nome não sabia identificar. Disse que foram até uma estrada procurar sua moto, quando uma viatura policial passou por eles, fazendo com que retornassem. Nesse momento, a vítima teria informado que a moto estaria em um sítio próximo ao "porão", logo após uma barreira. Nalber afirmou que ele, David Lucas Medeiros Brito e o motorista do Uber permaneceram na beira da estrada, enquanto os outros subiram com a vítima. Quando subiram, teriam sido abordados pelo dono do sítio, que estava armado, o que os fez retornar. Foi nesse momento que, segundo ele, Kesede teria dado um tiro na vítima. Quando questionado sobre as diferentes versões apresentadas (na delegacia, no primeiro interrogatório judicial e neste reinterrogatório), Nalber afirmou que a versão atual é a verdadeira e coincide com o que disse na delegacia, onde não teria sido coagido. As ameaças, segundo ele, começaram após sua prisão, ocorrendo quase semanalmente, inclusive na semana da audiência. Sobre as pessoas presentes na casa onde ocorreu o espancamento da vítima, Nalber citou: o menor Jackson Vinhote, Marcos Vinícius dos Santos Vieira, Gabriel Rebouças, ele próprio, David Lucas e Ícaro Nogueira da Silva. Afirmou que Ícaro estava presente durante o espancamento, mas não fez nada e não acompanhou o grupo até o local da execução. Quanto a Gabriel Rebouças, disse que este não participou diretamente do espancamento, mas comentava que a vítima "merecia" o que estava ocorrendo, além de ter sido quem chamou o Uber. Nalber afirmou também que apenas Gabriel Rebouças e Kesede teriam subido até o local onde a vítima foi executada, sendo que ele e David Lucas ficaram esperando na moto. Declarou ainda que ninguém entrou encapuzado no Uber, e que o motorista já sabia da situação, pois a vítima estava toda ensanguentada e roxa quando foi colocada no veículo. O interrogado também mencionou ser soropositivo e reclamou das condições de atendimento médico na unidade prisional, afirmando que há demora no atendimento e falta de prioridade para seu caso. Alegou ainda ter sido constrangido publicamente por sua condição de saúde durante uma campanha interna no presídio. Ao final, sua defesa ressaltou que ele está sendo ameaçado e que as ameaças, embora veladas, alcançam toda a sociedade. O patrono de KESEDE PAULINO MACEDO solicitou entrevista reservada com seu cliente e novo interrogatório, em decorrência das acusações feitas por NALBER. Durante reinterrogatório judicial realizado em 14 de março de 2025, KESEDE PAULINO MACEDO apresentou nova versão dos fatos, alegando estar sendo acusado por algo em que não estava sozinho envolvido. Afirmou que inicialmente estava em casa, no Mutirão, quando foi para o Bairro da Paz visitar seu irmão, cuja sobrinha estava doente. Nesse momento, observou NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, dono da moto, circulando pelo bairro. Este parou e perguntou sobre uma moto roubada, ao que Kesede respondeu não saber de nada. Mais tarde, por volta das 16h, Kesede afirmou ter sido surpreendido quando Nalber e os demais envolvidos apareceram com Shayanne Batista dos Santos. Segundo ele, a vítima foi agredida na rua sem seu conhecimento, sendo filmada e ameaçada para que devolvesse a moto. Kesede relatou que somente se envolveu quando a vítima disse que a moto estaria próxima ao "dinossauro" no Bairro da Paz, sentindo-se prejudicado por essa acusação, já que seus vizinhos afirmaram que a moto não estava lá. Confessou que, estando estressado, e pressionou a vítima para que ela entregasse a moto. Quando ela informou que a moto estaria na estrada, Gabriel Rebouças chamou um Uber por conta própria. Kesede negou que tenha havido qualquer ameaça ao motorista, afirmando que todos entraram no veículo com consentimento do condutor. Quanto à dinâmica dos fatos no local do crime, Kesede afirmou que ao chegarem à fazenda indicada por Shayanne, foram confrontados pelo dono do local, que negou a presença da moto. Quando questionado pelo Ministério Público sobre a participação de cada um dos réus, Kesede foi enfático ao afirmar que "todos estavam envolvidos", incluindo David Lucas Medeiros Brito, Ícaro Nogueira da Silva, Marcos Vinícius dos Santos Vieira, e Nalber dos Anjos Guimarães. Segundo ele, todos teriam planejado e concordado com a morte da vítima. KESEDE PAULINO confessou ser o autor do disparo que matou Shayanne, afirmando que atirou na parte de trás da cabeça da vítima. Disse que estava com raiva por ela estar "enrolando", por não ter colaborado, e que perdeu a cabeça, disparando sem pensar nas consequências. Após o disparo, todos teriam fugido ao verem que a vítima não se mexia mais. Sobre GABRIEL REBOUÇAS, Kesede afirmou que este teria permanecido no Uber, "segurando" o motorista, enquanto os demais subiram com a vítima. Alegou que Gabriel também participou do espancamento na casa abandonada e incentivou os outros a agredirem a vítima, além de ter sugerido que a matassem quando ela não entregou a moto. Questionado sobre a presença dos demais réus no momento da execução, afirmou que todos estavam presentes, exceto Gabriel Rebouças, que ficou no carro com o motorista. Após o crime, retornaram ao Bairro da Paz, onde Kesede pagou o Uber em espécie. Quando perguntado pelo advogado de defesa sobre quem teria dado "corda" (autorização/incentivo) para que atirasse na vítima, Kesede respondeu que foi Nalber e os demais presentes. Finalizou expressando arrependimento, afirmando que estava fazendo tratamento para dores de cabeça e iniciando sua "aposentadoria" (possivelmente referindo-se ao afastamento de atividades criminosas) quando, sem querer, envolveu-se nesse caso. Ainda em audiência foi revogada a prisão dos denunciados, salvo a de Kesed, considerando sua ficha criminal. Foi oportunizado as Defesas e ao Ministério Público complementação as alegações finais já interpostas, entretanto estes abdicaram deste direito. A defesa de NALBER DOS ANJOS apresentou suas alegações finais pugnando pela impronúncia por ausência de provas. (fls. 358.1). Posteriormente o Ministério Público ingressou com Recurso em Sentido Estrito, sendo conferido efeito suspensivo ativo ao presente recurso de modo a decretar a prisão de Nalber dos Anjos, David Lucas Medeiros e Icaro Nogueira. (fls. 349.1). Em fls. 365.1, esta secretaria acostou aos autos o Ofício nº 1451/2025 - CCRIM da Câmara Criminal do TJAM, comunicando que o relator da Cautelar Inominada Criminal nº 0003111-93.2025.8.04.9001, concedeu tutela de urgência ao recurso do Ministério Público, atribuindo efeito suspensivo ativo ao Recurso em Sentido Estrito interposto contra a decisão que revogou a prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA. É o relatório. DECIDO. DA MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO A materialidade do crime de homicídio restou amplamente demonstrada nos autos, notadamente pelo laudo de exame necroscópico (fls. 1.3). O laudo necroscópico atestou que a vítima sofreu múltiplas lesões corporais, consistentes em: Traumatismo cranioencefálico grave, com fraturas do osso parietal esquerdo e hemorragia subaracnoidea difusa; Lesões contusas no tórax e abdômen, com fraturas costais e ruptura do baço; Escoriações e hematomas disseminados pelo corpo, especialmente em membros superiores e inferiores; Ferimento perfurocontuso por projétil de arma de fogo na região torácica esquerda, com trajetória de entrada sem orifício de saída, lesando o pulmão esquerdo e o coração. O laudo concluiu que a causa da morte foi um choque hipovolêmico secundário a traumatismo torácico e craniano, agravado pelo disparo de arma de fogo. As fotografias do corpo da vítima (fls. 1.6/1.11), anexadas ao laudo, evidenciam as lesões descritas, revelando a intensidade da violência empregada. O corpo apresentava sinais claros de espancamento, com hematomas de diferentes tonalidades, indicativos de agressões contínuas. Ademais, os vídeos obtidos de câmeras de segurança e gravações de celulares apreendidos mostram momentos das agressões físicas sofridas por Shayanne. Nas imagens, é possível visualizar a vítima sendo agredida por um grupo de indivíduos, com chutes, socos e uso de objetos contundentes. Assim, a materialidade delitiva está inequivocamente comprovada pelos elementos técnicos e visuais constantes do processo. É imprescindível destacar que, conforme recente entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), expresso no Recurso Especial nº 2.091.647, não se admite a pronúncia do acusado fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. O STJ reafirmou que o juiz não pode fundamentar sua decisão de pronúncia apenas em provas colhidas na investigação preliminar, sem que estas tenham sido submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa. O ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, destacou que a decisão de pronúncia possui consequências significativas para o acusado, uma vez que o submete ao julgamento por jurados leigos que não precisam fundamentar suas decisões. Por essa razão, é necessário que existam indícios robustos e sólidos de autoria, derivados de provas judicializadas, para justificar a submissão ao Tribunal do Júri. Nesse sentido, o STJ enfatizou que o princípio do in dubio pro societate não pode ser utilizado como uma justificativa para a pronúncia na ausência de provas consistentes. O juiz não deve "lavar as mãos" e transferir ao Conselho de Sentença a responsabilidade de julgar casos que sequer possuem um mínimo de lastro probatório colhido sob o contraditório judicial. Assim, quando há dúvida sobre a própria existência de indícios suficientes de autoria, deve-se aplicar o princípio do in dubio pro reo, favorecendo o réu. Portanto, para a pronúncia ser válida, é imprescindível que as provas colhidas na fase inquisitorial estejam corroboradas por elementos colhidos sob o crivo do contraditório judicial, sob pena de violação ao devido processo legal e à presunção de inocência. DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO Importa salientar que, em relação a todos os denunciados, pode haver dúvidas quanto à autoria direta do crime e exata participação de cada denunciado, considerando as divergências e retratações ocorridas durante a instrução processual. Todavia, não há dúvidas quanto à existência de indícios suficientes de autoria que justificam a submissão de cada um deles ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Essa distinção é fundamental, pois, conforme recente entendimento do STJ, a dúvida quanto à autoria pode ser dirimida pelo Conselho de Sentença, enquanto a dúvida sobre a própria existência de indícios mínimos de autoria deve ser resolvida pelo magistrado na fase de pronúncia, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo apenas quando não houver esses indícios. No presente caso, há elementos concretos que indicam a participação de cada um dos denunciados no evento delituoso, seja por meio de depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório, seja por evidências materiais e contextuais. A análise individualizada desses indícios será feita a seguir, considerando as peculiaridades de cada envolvido. DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO Os indícios de autoria em relação ao acusado DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO são substanciais e convergentes, extraídos tanto de depoimentos testemunhais quanto de elementos probatórios documentais e declarações dos corréus. A testemunha Marlon da Silva Rolim o reconheceu categoricamente como um dos principais responsáveis pela busca da vítima Shayanne, tendo relatado em juízo que o acusado proferiu ameaça expressa ao afirmar que "onde pegasse ela, ele sabia o que fazer", demonstrando clara premeditação e animus necandi. Em seu próprio interrogatório, David Lucas confirmou circunstâncias essenciais que o vinculam à dinâmica criminosa, admitindo ter recebido chamada telefônica de Nalber informando sobre a localização da vítima, ocasião em que estava acompanhado de Ícaro, corroborando a tese de concurso de agentes desde os atos preparatórios. Embora tenha negado participação direta no homicídio durante a instrução judicial, seu depoimento prestado perante a autoridade policial - e posteriormente retratado sem justificativa plausível - contém confissão parcial quanto à sua participação nas agressões físicas, tendo admitido ter chutado a vítima durante o espancamento coletivo. A materialidade de sua participação também se evidencia nos relatos convergentes quanto ao papel ativo que desempenhou após o espancamento inicial, obrigando Shayanne, juntamente com Ícaro, a subir em uma motocicleta para transportá-la ao segundo local de agressões, configurando sua participação no cerceamento da liberdade da vítima. Ressalte-se ainda que o corréu Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório judicial, foi enfático ao afirmar que David Lucas não apenas estava presente, mas participou ativamente do planejamento e concordou expressamente com a execução da vítima, demonstrando adesão subjetiva ao resultado morte. Adicionalmente, o reinterrogatório de Nalber dos Anjos Guimarães, ainda que contendo retratação parcial, confirma a presença de David Lucas no local do crime, situando-o na beira da estrada durante a execução, o que demonstra, no mínimo, auxílio moral e material aos executores diretos. O conjunto probatório, portanto, apresenta múltiplos e concordantes indícios da efetiva participação do acusado na empreitada criminosa, desde sua concepção até as fases executórias. ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA Os indícios de autoria relativos ao acusado ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA são consistentes e multifacetados, extraídos de diversas fontes probatórias independentes. A testemunha Marlon da Silva Rolim o identificou precisamente como um dos indivíduos que procuraram ativamente por Shayanne, estabelecendo sua participação desde a fase inicial da conduta criminosa, em clara demonstração de adesão ao plano delitivo O próprio acusado, em seu interrogatório judicial, confirmou elementos cruciais que o vinculam ao iter criminis, admitindo que estava na companhia de David Lucas quando este recebeu a chamada de Nalber informando sobre a localização da vítima, confirmando conscientemente terem se dirigido ao bairro Santa Lucia logo após. Conforme convergência dos relatos testemunhais e depoimentos dos corréus, Ícaro desempenhou papel fundamental no transporte forçado da vítima, tendo conduzido Shayanne, juntamente com David Lucas, para o local da segunda sessão de agressões no bairro da Paz, evidenciando sua contribuição causal para o resultado lesivo. Embora Nalber, em seu reinterrogatório, tenha tentado minimizar a participação de Ícaro, afirmando que este estava presente durante o espancamento mas não teria participado ativamente das agressões ou acompanhado o grupo até o local da execução, tal versão é frontalmente contraditada pelo relato pormenorizado e confessório de Kesede Paulino Macedo. Este último, assumindo a autoria do disparo fatal, foi categórico ao afirmar que Ícaro estava plenamente envolvido no crime, tendo não apenas concordado com a morte da vítima, mas participado de seu planejamento. A presença de Ícaro em múltiplos cenários da sequência criminosa - desde a abordagem inicial até o local das agressões coletivas - evidencia participação continuada e consciente nos atos executórios, demonstrando nexo subjetivo com os demais agentes e adesão voluntária à conduta delituosa em sua integralidade, configurando-se, assim, indícios robustos de coautoria. NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES Quanto ao acusado NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, os indícios de autoria manifestam-se de forma particularmente contundente, destacando-se tanto pelo móvel do crime quanto pela multiplicidade de elementos probatórios convergentes. A testemunha Eliane Batista dos Santos, mãe da vítima, prestou depoimento judicial confirmando que Nalber compareceu pessoalmente à sua residência, acusando Shayanne de ter furtado uma motocicleta de sua propriedade, ocasião em que proferiu ameaças expressas de morte caso o veículo não fosse localizado, demonstrando o motivo torpe que fundamentou a conduta criminosa subsequente. Em seu primeiro interrogatório judicial, Nalber confessou circunstanciadamente ter efetuado o disparo fatal contra o crânio da vítima, relatando com detalhes a dinâmica dos fatos, desde o furto da motocicleta até a execução, versão que se harmonizava com os demais elementos de prova colhidos na investigação. Embora posteriormente tenha se retratado em reinterrogatório, alegando coação carcerária para assumir a autoria do crime, manteve admissão quanto a elementos essenciais que o vinculam ao delito, reconhecendo sua presença no momento das agressões e sua participação na busca da vítima motivada pela recuperação da motocicleta supostamente furtada. A retratação de Nalber apresenta contradições internas significativas e colide frontalmente com os depoimentos dos demais envolvidos, especialmente a detalhada confissão de Kesede Paulino Macedo, que não apenas assumiu a autoria material do disparo, mas imputou a Nalber participação ativa no crime, afirmando expressamente que este teria dado "corda" (autorização/incentivo) para que efetuasse o tiro contra a vítima, revelando compartilhamento do domínio final do fato. Cumpre destacar que, mesmo em sua versão retificada, Nalber confirma ter seguido o veículo de aplicativo em uma motocicleta até o local do crime, permanecendo na beira da estrada durante a execução, o que configura, no mínimo, participação por prestação de auxílio material e moral aos executores diretos. A existência de motivação pessoal (recuperação da motocicleta), sua confissão inicial detalhada, sua presença confirmada em múltiplos momentos da sequência delitiva e os relatos convergentes dos demais envolvidos constituem robusto conjunto indiciário de sua efetiva participação no crime. MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA Os indícios de autoria relacionados ao acusado MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA são substanciais e amparados por múltiplos elementos de convicção, incluindo prova documental audiovisual e confissão parcial. Em seu próprio interrogatório judicial, Marcos Vinícius admitiu categoricamente ter se dirigido ao local no Bairro Santa Luzia movido por intenção deliberada de agredir a vítima, tendo declarado expressamente que "onde a encontrasse iria bater nela", demonstrando premeditação e dolo específico direcionado à integridade física de Shayanne. A materialidade de sua participação nas agressões físicas encontra-se documentada em registros audiovisuais produzidos durante o procedimento inquisitorial, nos quais é possível identificá-lo inequivocamente efetuando múltiplas agressões contra a vítima utilizando ripas de madeira, evidenciando não apenas sua presença no local dos fatos, mas sua contribuição causal direta para o resultado lesivo. Tais registros desmentem sua alegação posterior de não ter comparecido ao bairro da Paz, comprovando sua participação ativa no evento criminoso. Corroborando esses elementos, a testemunha Jackson Vinhote Barros da Silva confirmou em juízo que estava em atividade recreativa com Marcos Vinícius quando este o convidou deliberadamente para ir até o local onde mantinham a vítima sob restrição de liberdade, demonstrando seu conhecimento prévio da situação e sua adesão voluntária à conduta coletiva. O corréu Nalber, em seu reinterrogatório judicial, incluiu expressamente Marcos Vinícius entre as pessoas presentes na casa onde ocorreu o espancamento coletivo, fornecendo elemento adicional de convicção quanto à sua participação. De particular relevância probatória é a declaração do corréu Kesede Paulino Macedo que, ao assumir a autoria do disparo fatal, afirmou categoricamente que Marcos Vinícius estava plenamente envolvido na empreitada criminosa, tendo não apenas participado das agressões físicas - fato já admitido pelo próprio acusado - mas também concordado expressamente com a morte da vítima e participado de seu planejamento, indicando compartilhamento da intenção homicida e adesão subjetiva ao resultado morte. O conjunto probatório, portanto, demonstra participação continuada de Marcos Vinícius na sequência criminosa, desde o espancamento inicial documentado audiovisualmente até a adesão subjetiva ao homicídio, configurando robustos indícios de coautoria. KESEDE PAULINO MACEDO Em relação ao acusado KESEDE PAULINO MACEDO, os indícios de autoria são particularmente contundentes, culminando em confissão judicial expressa quanto à execução material do homicídio. Na fase inquisitorial, a testemunha Daniel da Silva Serrão, motorista de aplicativo que transportou os envolvidos, reconheceu inicialmente Kesede como um dos passageiros presentes no veículo, situando-o diretamente no contexto espaciotemporal do crime. O depoimento judicial de Gabriel Rebouças amplia a demonstração de sua participação ao confirmar que foi Kesede quem registrou em vídeo o espancamento na casa abandonada, evidenciando não apenas sua presença no local, mas sua adesão consciente à conduta coletiva e sua contribuição para a documentação das agressões. Tal participação demonstra envolvimento ativo na dinâmica criminosa em momento anterior à execução. O elemento probatório mais contundente, contudo, emerge de seu próprio reinterrogatório judicial, no qual Kesede confessou de forma expressa e circunstanciada ter sido o autor material do disparo que causou a morte de Shayanne, relatando com precisão ter efetuado tiro "na parte de trás da cabeça da vítima". Em sua confissão detalhada, admitiu motivação emocional para o ato, declarando ter agido por raiva decorrente da não-cooperação da vítima na entrega da motocicleta, tendo "perdido a cabeça" e disparado sem considerar as consequências. Sua confissão apresenta elementos de verossimilhança interna e externa, harmonizando-se com outros elementos probatórios e fornecendo detalhes que somente poderiam ser conhecidos pelo autor material do crime. Kesede admitiu ainda ter exercido pressão psicológica sobre a vítima para obtenção de informações sobre a motocicleta, corroborando a tese acusatória quanto à prática de tortura psicológica antecedente ao homicídio. De significativa relevância para a compreensão da dinâmica grupal do crime é sua declaração categórica de que todos os demais acusados estavam plenamente envolvidos na empreitada criminosa, tendo concordado e planejado a morte da vítima, detalhando a participação individual de cada corréu e fornecendo versão coerente e circunstanciada dos fatos que se coaduna com os demais elementos probatórios. O conjunto indiciário relacionado a Kesede Paulino Macedo, portanto, ultrapassa a mera suspeita para constituir elementos de convicção robustos quanto à sua participação como executor material do homicídio, além de seu envolvimento nas fases antecedentes de privação de liberdade, tortura e agressões coletivas, configurando quadro probatório consistente de autoria. Lembro que, nos termos do artigo 29 do Código Penal, "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Dessa forma, para a configuração do concurso de pessoas, não se exige que todos os agentes pratiquem o ato executivo final (como o disparo de arma de fogo ou o golpe fatal), bastando que atuem de forma consciente e voluntária para a consecução do resultado. A doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o vínculo subjetivo entre os agentes pode se manifestar de diversas formas, sendo suficiente a demonstração de que os réus aderiram à prática criminosa, ainda que suas condutas tenham sido distintas. Como ensina Norberto Avena: "O liame subjetivo entre os coautores e partícipes decorre da unidade de desígnios, isto é, da convergência de vontades para a prática delitiva. Assim, não há necessidade de que todos pratiquem atos executórios, bastando a adesão consciente ao propósito criminoso, independentemente de quem tenha realizado a conduta materialmente letal." (AVENA, Norberto. Processo Penal, 2023, p. 612). No mesmo sentido, Eugênio Pacelli esclarece que: "A teoria monista adotada pelo Código Penal permite que a participação em qualquer fase da execução seja suficiente para a responsabilização pelo delito, desde que demonstrado o dolo na cooperação criminosa." (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal, 23ª ed., 2024, p. 635). No presente caso, as provas reunidas indicam que os réus agiram de forma conjunta para a prática do homicídio, cada um contribuindo, dentro de suas possibilidades, para o desfecho fatal. A participação de alguns acusados na contenção da vítima, no planejamento ou na facilitação do crime demonstra a existência do vínculo subjetivo entre eles, o que torna desnecessária a exigência de que todos tenham efetuado o golpe ou disparo final. A jurisprudência dos Tribunais Superiores corrobora esse entendimento: "É irrelevante para a configuração do crime em coautoria ou participação que todos os agentes tenham realizado a conduta letal. Basta que tenham aderido à prática criminosa, contribuindo para o desfecho delitivo de forma consciente e voluntária." (STJ, HC 135386/DF, DJe 02.08.2017). Dessa forma, restando demonstrado o liame subjetivo entre os acusados, deve-se reconhecer a existência de indícios suficientes de autoria, aptos a justificar a submissão dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos do artigo 413 do CPP. DA PRESENÇA DAS QUALIFICADORAS Em relação às qualificadoras apresentadas na denúncia - motivo torpe (art. 121, § 2º, I, CP), meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP) e recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, CP), há elementos suficientes nos autos que justificam sua submissão à apreciação do Conselho de Sentença. Quanto ao motivo torpe, os depoimentos colhidos em juízo indicam que o crime foi motivado por vingança em razão de um suposto furto de motocicleta. As testemunhas relataram que os acusados proferiram ameaças à vítima dias antes do crime, afirmando que "se não achassem a moto, iriam matar Shayene". A vingança como motivação do crime constitui circunstância que pode caracterizar a torpeza do motivo, cabendo aos jurados sua análise. No que tange ao meio cruel, o laudo necroscópico evidencia que a vítima foi submetida a intenso sofrimento antes de sua morte. O documento atesta múltiplas lesões corporais, incluindo traumatismo cranioencefálico grave, lesões contusas no tórax e abdômen, fraturas costais, ruptura do baço e escoriações e hematomas disseminados pelo corpo. Os vídeos obtidos durante a investigação mostram a vítima sendo brutalmente espancada por um grupo de indivíduos, com uso de chutes, socos e objetos contundentes, demonstrando um padecimento prolongado e desnecessário. Por fim, quanto ao recurso que dificultou a defesa da vítima, há evidências de que Shayanne foi abordada por diversos indivíduos, sendo forçada a entrar em um veículo e posteriormente conduzida a diferentes locais onde sofreu agressões. Os depoimentos indicam que a vítima foi cercada por múltiplos agressores, em evidente superioridade numérica, sendo ainda submetida a coronhadas quando já se encontrava debilitada, circunstâncias que podem caracterizar a impossibilidade de defesa. Vale ressaltar que, nesta fase processual, diversamente da posição jurisprudência quanto a existência do in dubio pro societate em relação aos indícios de autoria, ainda se mostra pacífico vigorar o aludido princípio em relação às qualificadoras, sendo necessário apenas que existam elementos mínimos que possam justificar sua incidência. Eventuais dúvidas ou controvérsias sobre a caracterização das qualificadoras devem ser dirimidas pelo Conselho de Sentença, juiz natural da causa, em respeito à sua soberania. Portanto, presentes indícios suficientes da existência das qualificadoras narradas na denúncia, devem estas ser mantidas para apreciação pelo Tribunal do Júri, que decidirá sobre sua configuração no caso concreto. DA MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE TORTURA A materialidade do crime de tortura está amplamente demonstrada nos autos, tanto pelo laudo necroscópico quanto pelos vídeos juntados ao inquérito policial. O exame cadavérico evidencia lesões características e típicas de atos de tortura, incluindo traumatismo cranioencefálico grave, múltiplas fraturas costais, ruptura do baço e escoriações e hematomas disseminados pelo corpo, além de lesões em diferentes estágios de cicatrização, o que indica momentos distintos de agressão. Os vídeos juntados aos autos mostram claramente uma sessão de tortura no Bairro da Paz, onde se ouve um dos agressores dizendo "Então tu sabe porque tu tá vai ser disciplinada, né?! Tá ligada que ladrão a gente não aceita, né?!". As imagens mostram a vítima sendo agredida com ripas de madeira em diversas partes do corpo, caracterizando clara sessão de tortura para obtenção de informação sobre a localização da motocicleta. INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO DELITO DE TORTURA DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO Os indícios de autoria do crime de tortura em relação a DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO emergem de múltiplos elementos probatórios coligidos nos autos. Primeiramente, destaca-se sua participação na abordagem inicial e captura forçada da vítima, conforme depoimento da testemunha Marlon da Silva Rolim, que o reconheceu como um dos responsáveis por procurar Shayanne, tendo inclusive proferido ameaças explícitas. Tal conduta já configura o início do sofrimento psicológico imposto à vítima, elemento constitutivo do crime de tortura em sua modalidade psíquica. Em seu interrogatório policial, posteriormente retratado em juízo sem justificativa plausível, David Lucas admitiu ter desferido chutes contra a vítima durante a sessão de espancamento, demonstrando participação direta na imposição de sofrimento físico intenso. A continuidade de sua conduta é evidenciada pelo transporte forçado da vítima entre os locais de agressão, conforme relatado por diversas testemunhas, incluindo o motorista de aplicativo Daniel da Silva Serrão, configurando prolongamento intencional do sofrimento. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório confessório, foi categórico ao afirmar que David Lucas participou ativamente do processo de interrogatório violento da vítima, exercendo pressão física e psicológica para obtenção de informações sobre o paradeiro da motocicleta. Este elemento é crucial para a caracterização do crime de tortura, uma vez que demonstra a finalidade específica de obter informação ou confissão da vítima mediante imposição de sofrimento, conforme tipificado no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. As evidências indicam um padrão de agressões sistemáticas em diversos locais, demonstrando não se tratar de violência momentânea, mas de conduta prolongada e deliberada, com finalidade específica de causar sofrimento como forma de castigo e obtenção de informações, elementos caracterizadores da tortura. David Lucas, conforme convergência dos depoimentos, atuou em todas as fases deste processo, desde a captura até o transporte entre os locais de agressão, demonstrando domínio da situação e adesão consciente à imposição de padecimento físico e mental à vítima. ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA Os indícios de autoria do crime de tortura relacionados a ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA estão fundamentados em elementos probatórios consistentes que demonstram sua participação ativa nas diversas fases da conduta criminosa. Inicialmente, conforme relato da testemunha Marlon da Silva Rolim, Ícaro participou da busca e abordagem inicial da vítima, acompanhando David Lucas, momento em que foram proferidas ameaças explícitas que já configuravam imposição de intenso sofrimento psicológico. Em seu próprio interrogatório, Ícaro confirmou estar presente quando David Lucas recebeu informações sobre a localização da vítima, dirigindo-se conscientemente ao local, demonstrando voluntariedade na participação dos eventos subsequentes. Elemento crucial para a caracterização de sua participação na tortura é o fato, confirmado por diversos depoimentos concordantes, de que Ícaro conduziu a motocicleta utilizada para transportar forçadamente a vítima entre os locais de agressão, especificamente do primeiro local para o Bairro da Paz, onde ocorreu a segunda sessão de espancamento. Este transporte forçado, realizado após a vítima já haver sofrido agressões iniciais, configura não apenas cerceamento de liberdade, mas prolongamento intencional do sofrimento e manutenção da vítima em condição de extrema vulnerabilidade, elementos constitutivos do crime de tortura em sua modalidade física e psicológica. O controle sobre o deslocamento da vítima demonstra domínio da situação e poder sobre seu destino, características essenciais para a configuração do delito em questão. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório, situou Ícaro entre os presentes durante as sessões de agressão e interrogatório violento da vítima, contexto em que foram impostas condições de sofrimento físico e mental como meio para obtenção de informações sobre o paradeiro da motocicleta. Esta finalidade específica - extração de informações mediante sofrimento - é elemento nuclear do tipo penal da tortura, conforme previsto no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. A presença continuada de Ícaro em múltiplos cenários da conduta criminosa, sua participação ativa no transporte forçado da vítima e sua permanência durante as sessões de agressão demonstram adesão consciente à imposição sistemática de sofrimento, configurando robustos indícios de coautoria no crime de tortura. NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES Os indícios de autoria do crime de tortura atribuídos a NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES são substanciais e decorrem tanto de sua condição de motivador inicial da conduta quanto de sua participação direta nos atos executórios. Conforme depoimento da testemunha Eliane Batista dos Santos, mãe da vítima, Nalber compareceu pessoalmente à sua residência, proferindo ameaças explícitas de morte contra Shayanne caso a motocicleta não fosse encontrada, impondo desde então grave sofrimento psicológico tanto à vítima quanto aos seus familiares. Em seu primeiro interrogatório judicial, Nalber admitiu que a busca pela vítima foi motivada pelo furto de sua motocicleta ocorrido em 18/05/2024, confirmando o elemento finalístico da tortura - a obtenção de informação ou confissão mediante imposição de sofrimento. Mesmo após sua retratação parcial em reinterrogatório, manteve a admissão de que estava presente durante as agressões e que sua motivação era recuperar a motocicleta supostamente furtada pela vítima. Particularmente relevante é o relato da dinâmica dos fatos no veículo de aplicativo, onde, segundo diversos depoimentos, incluindo o de Kesede Paulino Macedo, a vítima foi constantemente ameaçada e agredida com coronhadas, mesmo já estando bastante debilitada pelas agressões anteriores. Esta conduta demonstra imposição deliberada de sofrimento físico e psicológico como método para extração de informações, núcleo do tipo penal da tortura. A progressão das agressões, desde ameaças iniciais, passando por espancamento coletivo, até a execução final, demonstra padrão de violência sistemática e continuada, com clara finalidade de punição e obtenção de informações, elementos caracterizadores da tortura. Nalber, na condição de proprietário da motocicleta supostamente furtada, detinha interesse direto na obtenção das informações mediante sofrimento, configurando motivação específica para a prática do crime de tortura. Mesmo em sua versão retificada, Nalber admite ter seguido o veículo de aplicativo até o local do crime, confirmando sua participação continuada na empreitada criminosa e sua adesão consciente à imposição de sofrimento como método para alcançar seu objetivo - a recuperação da motocicleta. Tais elementos constituem robustos indícios de sua coautoria no crime de tortura, tipificado no art. 1º da Lei nº 9.455/1997. MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA Os indícios de autoria do crime de tortura relacionados a MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA são contundentes e fundamentados em elementos probatórios objetivos, incluindo prova documental audiovisual e admissão parcial. Em seu próprio interrogatório judicial, Marcos Vinícius confessou ter se dirigido ao local das agressões movido por intenção deliberada de agredir a vítima, tendo declarado expressamente que "onde a encontrasse iria bater nela", evidenciando premeditação e finalidade específica de imposição de sofrimento como forma de castigo pessoal, modalidade expressamente prevista no art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.455/1997. Elemento probatório de excepcional relevância são os registros audiovisuais produzidos durante o procedimento inquisitorial, nos quais Marcos Vinícius é claramente identificado desferindo múltiplas agressões contra a vítima utilizando ripas de madeira. Estas imagens documentam não apenas sua presença, mas sua participação ativa na imposição de sofrimento físico intenso, de forma continuada e sistemática, características essenciais para a configuração do crime de tortura. O depoimento de Jackson Vinhote Barros da Silva corrobora tais elementos ao confirmar que foi convidado por Marcos Vinícius para comparecer ao local onde mantinham a vítima sob restrição de liberdade, demonstrando conhecimento prévio da situação e intencionalidade na participação. Gabriel Rebouças, em seu depoimento, mencionou expressamente ter reconhecido Marcos Vinícius entre os agressores no local das agressões coletivas. A natureza das agressões documentadas - espancamento com ripas de madeira contra vítima já subjugada e em evidente estado de vulnerabilidade - ultrapassa a mera violência momentânea para configurar imposição deliberada e prolongada de sofrimento físico intenso, elemento característico da tortura. O contexto em que estas agressões ocorreram - busca por informações sobre a motocicleta supostamente furtada - evidencia a finalidade específica de obtenção de informação mediante padecimento, tipificada no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório, confirma a participação ativa de Marcos Vinícius não apenas nas agressões físicas, mas no planejamento e concordância com todo o processo que culminou na morte da vítima, demonstrando sua adesão consciente à imposição sistemática de sofrimento como método para alcançar os objetivos do grupo. Tais elementos constituem robusto conjunto indiciário de sua coautoria no crime de tortura. KESEDE PAULINO MACEDO Os indícios de autoria do crime de tortura imputados a KESEDE PAULINO MACEDO são particularmente robustos, derivando tanto de elementos probatórios externos quanto de sua própria confissão circunstanciada. O depoimento de Gabriel Rebouças atribui a Kesede papel específico durante as sessões de agressão: o registro audiovisual do espancamento na casa abandonada. Esta conduta demonstra não apenas sua presença no local, mas sua participação consciente na documentação das agressões, evidenciando adesão psicológica à imposição coletiva de sofrimento. Em seu reinterrogatório judicial, Kesede admitiu expressamente ter pressionado a vítima para que revelasse o paradeiro da motocicleta, confirmando o elemento finalístico essencial para a configuração do crime de tortura - a obtenção de informação mediante imposição de sofrimento. Sua descrição dos fatos revela progressão deliberada da violência ante a não-cooperação da vítima, culminando em agressões cada vez mais intensas, padrão característico da conduta de tortura. Particularmente significativa é sua admissão de que agiu motivado pela "raiva" decorrente da suposta "enrolação" da vítima em não revelar o paradeiro da motocicleta, evidenciando a motivação torpe e a instrumentalização do sofrimento como método para obtenção de informações. Este nexo causal entre a imposição de padecimento e a finalidade específica de extração informacional constitui o núcleo do tipo penal previsto no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. A participação de Kesede Paulino Macedo estendeu-se por todo o iter criminis, desde as primeiras agressões, passando pelo transporte forçado da vítima - tendo sido reconhecido pelo motorista de aplicativo Daniel da Silva Serrão como um dos passageiros do veículo - até culminar na execução final. Esta continuidade demonstra padrão sistemático de imposição de sofrimento, não se tratando de violência momentânea, mas de conduta deliberada e prolongada visando quebrar a resistência da vítima, elemento característico da tortura. Sua confissão quanto à autoria do disparo fatal deve ser analisada no contexto da progressão das agressões, revelando que a execução foi precedida por intenso sofrimento físico e psicológico imposto como forma de punição e método para obtenção de informações. A própria motivação expressa para o tiro fatal - a "raiva" pela não-cooperação da vítima - evidencia a conexão direta entre a tortura prévia e o homicídio subsequente. O conjunto probatório, portanto, demonstra participação ativa de Kesede Paulino Macedo na imposição sistemática e prolongada de sofrimento físico e psicológico à vítima, com finalidade específica de obtenção de informações e punição, configurando robustos indícios de sua coautoria no crime de tortura. Importante ressaltar que não há bis in idem entre o crime de tortura e a qualificadora do meio cruel no homicídio. A tortura constituiu crime autônomo com finalidade específica de obter informação sobre a localização da motocicleta, tendo sido praticada em momentos e locais distintos das agressões que culminaram na morte. Os atos de tortura possuem clara autonomia em relação ao homicídio, pois foram praticados em contexto diverso e com finalidade específica de obter informação, ocorreram em múltiplos momentos e locais diferentes, a morte não era o objetivo imediato dos atos de tortura, houve intervalo temporal entre as sessões de tortura e o homicídio, e o sofrimento intenso foi imposto como forma de castigo e meio de obtenção de informação, não apenas como meio de execução. Desta forma, restam claramente configurados dois momentos criminosos distintos: a tortura visando obter informação sobre a moto e, posteriormente, o homicídio qualificado pelo meio cruel, sem que haja dupla valoração da mesma conduta. A autonomia do crime de tortura é evidenciada tanto pelos elementos objetivos (multiplicidade de atos em contextos diversos) quanto subjetivos (finalidade específica de obter informação), justificando sua imputação em concurso material com o homicídio qualificado. DA IMPRONÚNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO Embora os fatos narrados na denúncia demonstrem que a vítima foi efetivamente privada de sua liberdade em diversos momentos, inicialmente quando cercada próximo à Igreja Santa Luzia, depois quando conduzida ao Bairro da Paz e finalmente quando transportada no veículo de aplicativo - entendo que os denunciados devem ser impronunciados em relação ao crime previsto no art. 148, §2º do Código Penal. Isto porque a privação da liberdade, no caso concreto, constituiu claramente crime-meio necessário para a prática dos crimes de tortura e homicídio qualificado. Os atos de cerceamento da liberdade não possuíram autonomia própria, sendo instrumentais e necessários para viabilizar tanto as sessões de tortura visando obter informação sobre a motocicleta quanto a posterior execução da vítima. Ademais, a qualificadora do §2º do art. 148 (resultado de grave sofrimento físico ou moral em razão dos maus tratos) se confunde com os próprios elementos do crime de tortura, já que os mesmos atos que causaram o intenso sofrimento à vítima - as agressões com ripas, socos, chutes e demais violências - constituem o núcleo da conduta de tortura. Manter ambas as imputações significariam inadmissível bis in idem. Assim, aplicando-se o princípio da consunção, o crime-meio (sequestro) deve ser absorvido pelos crimes-fins (tortura e homicídio qualificado), mais graves e que já abrangem a totalidade do desvalor da conduta dos agentes. Pelo exposto, impõe-se a impronúncia dos denunciados em relação ao crime de sequestro e cárcere privado qualificado (art. 148, §2º, CP), sem prejuízo da pronúncia pelos demais delitos narrados na denúncia. DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA A materialidade e os indícios de autoria do crime de associação criminosa estão demonstrados nos autos através de diversos elementos probatórios que indicam a existência de uma organização estável e permanente, com divisão de tarefas e hierarquia própria. A materialidade se evidencia inicialmente pela própria dinâmica coordenada dos crimes, que demonstra atuação típica de facção criminosa. Os vídeos juntados aos autos registram o uso de linguagem característica de organização criminosa, com expressões como "disciplina" e referências a "violação das regras" do grupo, indicando a existência de um código de conduta próprio e estruturado. O contexto das agressões, apresentadas como uma espécie de "tribunal do crime", revela não um mero concurso eventual de agentes, mas uma estrutura organizada que exerce poder paralelo no território, impondo suas próprias regras e punições. Este elemento é corroborado pelo depoimento do Delegado que presidiu o inquérito, que confirmou em juízo o contexto de atuação de facções criminosas em Itacoatiara e seu poder de intimidação sobre a população. Quanto aos indícios de autoria, há nos autos elementos que vinculam os denunciados à associação criminosa. O motorista de aplicativo Daniel, em seu depoimento inicial, descreveu uma clara estrutura hierárquica, com Kesed dando ordens e comandos aos demais. A posterior retratação da testemunha em juízo, inclusive, foi contextualizada pelo Delegado como resultado do poder de intimidação do grupo, já que a testemunha possui comércio na área por ele dominada. A divisão de tarefas entre os denunciados - desde a captura inicial da vítima, passando pelas sessões de tortura em diferentes locais, até sua execução - demonstra não uma conjugação eventual de esforços, mas uma atuação coordenada e previamente organizada, típica de associação criminosa estável. O modus operandi empregado, com uso de diferentes locais controlados pelo grupo, linguagem própria e estrutura hierárquica, somado ao contexto de dominação territorial evidenciado nos depoimentos, fornece indícios suficientes da vinculação dos denunciados a uma associação criminosa estruturada e permanente. Importante ressaltar que, embora existam elementos que sugiram a possível atuação de uma organização criminosa nos termos da Lei 12.850/13, não se mostra adequada a emendatio libelli para este crime mais grave neste momento processual. Isto porque o crime de organização criminosa exige a demonstração de elementos específicos, como estrutura ordenada, divisão de tarefas, objetivo de obter vantagem mediante crimes com pena superior a 4 anos ou transnacionais, que não puderam ser suficientemente demonstrados durante a instrução preliminar. A prudência recomenda manter a capitulação original de associação criminosa, deixando eventual readequação típica para a fase do art. 383 do CPP, após instrução plena perante o Tribunal do Júri. Embora não exista uma previsão expressa de uma emendatio libelli formal pelo juiz presidente durante o plenário do Tribunal do Júri, nos mesmos termos do artigo 383 do CPP. No entanto, a condução do julgamento pelo juiz, a formulação dos quesitos com base nas teses apresentadas e a adequação da capitulação legal na sentença final, após o veredicto dos jurados, refletem a necessária aplicação do direito aos fatos decididos pelo Conselho de Sentença. Desta forma, presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia dos denunciados também pelo crime de associação criminosa previsto no art. 288 do Código Penal, cabendo ao Tribunal do Júri a decisão final sobre sua configuração. DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES A materialidade e os indícios de autoria do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA) estão demonstrados nos autos através de elementos que comprovam o envolvimento do adolescente Jackson Vinhote Barros da Silva nos graves crimes praticados contra Shayanne. A materialidade se evidencia pelos vídeos juntados ao inquérito que mostram o adolescente participando ativamente das sessões de tortura no Bairro da Paz, bem como pelo próprio depoimento de Jackson em juízo, onde confessou ter agredido a vítima com ripas e com as mãos. Quanto aos indícios de autoria, estes são especialmente robustos em relação ao denunciado Marcos Vinícius. Em seu interrogatório, Jackson afirmou que "estava brincando de pipa com Marcos Vinícius quando o segundo o convidou para ir até o local onde estavam segurando a vítima". A testemunha Gabriel também confirmou ter reconhecido Jackson e Marcos Vinícius agredindo a vítima nas imagens do espancamento. O contexto probatório demonstra que não houve mera presença do adolescente no local dos fatos, mas sim seu efetivo aliciamento para participar das condutas criminosas. Marcos Vinícius, conhecendo a menoridade de Jackson, deliberadamente o chamou para participar das agressões, inserindo-o no contexto de grave violência que culminou com a morte da vítima. A participação do menor não foi ocasional ou periférica - ele foi ativamente envolvido nas agressões e torturas, evidenciando a corrupção de sua moral pela prática de infrações graves, em típica conduta de corrupção de menores que independe, inclusive, de prova da efetiva corrupção, conforme Súmula 500 do STJ. Desta forma, presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, especialmente em relação ao denunciado Marcos Vinícius, impõe-se a pronúncia pelo crime de corrupção de menores previsto no art. 244-B do ECA, entretanto se estendo essa imputação a todos os denunciados por , em tese, terem anuído a presença do adolescente e com ele praticando crimes, cabendo ao Tribunal do Júri a decisão final sobre sua configuração. Ante o exposto, com fundamento no artigo 413 do Código de Processo Penal: 1. PRONUNCIO os réus DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e KESEDE PAULINO MACEDO, devidamente qualificados nos autos, como incursos nas sanções do: a) artigo 121, § 2º, incisos I (motivo torpe), III (meio cruel) e IV (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), do Código Penal; b) artigo 1º, §3° e §4º, III, da Lei nº 9.455/1997 (crime de tortura qualificada); c) artigo 288, parágrafo único, do Código Penal (associação criminosa armada); d) artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores). 2. IMPRONUNCIO todos os réus em relação ao crime de sequestro e cárcere privado qualificado (artigo 148, §2º do Código Penal), com fundamento no princípio da consunção, por constituir crime-meio absorvido pelos crimes-fins. Considerando o recebimento do Ofício nº 1451/2025 - CCRIM da Câmara Criminal do TJAM, comunicando que o relator da Cautelar Inominada Criminal nº 0003111-93.2025.8.04.9001, concedeu tutela de urgência ao recurso do Ministério Público, atribuindo efeito suspensivo ativo ao Recurso em Sentido Estrito interposto contra a decisão que revogou a prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA. Verifico que a decisão determinou especificamente a prisão preventiva apenas destes três réus, não incluindo MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA, cuja situação de liberdade deve ser mantida, visto não ter sido objeto do recurso julgado pela Câmara Criminal. Quanto a KESEDE PAULINO MACEDO, sua prisão preventiva já estava mantida por decisão anterior deste juízo (fls. 355.1). Portanto, DETERMINO o cumprimento imediato da decisão do Desembargador Relator, procedendo-se à prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, mantendo-se a liberdade de MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e a prisão de KESEDE PAULINO MACEDO. COMUNIQUE-SE à autoridade policial para cumprimento dos mandados já expedidos pela instância superior, em fls. 365.1. COMUNIQUE-SE ao Ministério Público com atribuição na Vara de Execuções Penais acerca da pronúncia do KESED PAULINO MACEDO (Proc. 0001104-77.2018.8.04.4700 e 0000567-18.2017.8.04.4700 SEEU), para requerer o que entender de direito. OFICIE-SE à autoridade policial para que proceda à apuração de possível crime de falso testemunho praticado pela testemunha DANIEL DA SILVA SERRÃO, motorista de aplicativo que transportou os envolvidos no evento criminoso, bem como, a apuração relativa à participação da testemunha GABRIEL REBOUÇAS ALMEIDA, nos crimes de homicídio qualificado, Associação criminosa e tortura qualificada em desfavor de Shayanne Batista dos Santos. Encaminhe-se, em anexo, cópia integral das mídias contendo os depoimentos colhidos em audiência de instrução e julgamento para subsidiar a investigação. Após o trânsito em julgado desta decisão, intimem-se o Ministério Público e as defesas para apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco) para cada parte, nos termos do artigo 422 do Código de Processo Penal. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

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Ministerio Publico Do Estado Do Amazonas x David Lucas Medeiros Brito e outros

ID: 257250781

Tribunal: TJAM Órgão: 1ª Vara da Comarca de Itacoatiara - Criminal Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 0605337-58.2024.8.04.4700

Data de Disponibilização: 15/04/2025

Polo Ativo:

MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS

Polo Passivo:

DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO ICARO NOGUEIRA DA SILVA KESEDE PAULINO MACEDO MARCOS VINICIUS DOS SANTOS VIEIRA NALBER DOS ANJOS GUIMARAES

SEM JULGAMENTO DE MÉRITO

Advogados:

LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

OAB/AM XXXXXX Desbloquear

JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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ANTONIA PEREIRA DA SILVA

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SALOMÃO GUEDES BRANDÃO DE FARIAS

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JULIO CESAR ADAMI BERNEIRA

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LUIZ SÉRGIO VIEIRALVES DONATO LOPES FILHO

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ANDREWS NASCIMENTO DE ABREU

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SENTENÇA O Ministério Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia em face de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA … SENTENÇA O Ministério Público do Estado do Amazonas ofereceu denúncia em face de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA E KESEDE PAULINO MACEDO, todos qualificados nos autos, imputando-lhes a prática do crime de homicídio qualificado por motivo torpe, uso de meio insidioso ou cruel e que impossibilitou ou dificultou a defesa da ofendida (art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal), sequestro e cárcere privado qualificado (art. 148, §2º do CP), Associação criminosa (art. 288 CP) e tortura qualificada (Art. 1º, §3° e §4º, III, da Lei nº 9.455/1997) em desfavor de Shayanne Batista dos Santos, ocorrido em 19 de maio de 2024, nesta Comarca de Itacoatiara/AM. Consta da denúncia (fls. 14.1) que, na mencionada data, os denunciados teriam agido em concurso de pessoas para submeter a vítima a agressões físicas que culminaram em sua morte. O crime teria sido motivado por suposta participação da vítima no furto de uma motocicleta pertencente a um dos acusados. Segundo a peça acusatória, a vítima foi inicialmente abordada por David Lucas Medeiros Brito e Ícaro Nogueira da Silva, que a teriam forçado a entrar em um veículo sob pretexto de esclarecer os fatos relacionados ao furto. Posteriormente, ela foi conduzida até o Bairro da Paz, onde foi submetida a espancamento coletivo, culminando em sua execução por disparo de arma de fogo supostamente efetuado por Nalber dos Anjos Guimarães. Durante a fase inquisitorial, diversos depoimentos foram colhidos, incluindo os de Daniel da Silva Serrão, que mencionou ter visto alguns dos acusados no local dos fatos, e Gabriel Rebouças, que também forneceu informações sobre o envolvimento de determinados réus. Os denunciados forma devidamente citados, vejamos, MARCOS VINICIUS DOS SANTOS VIEIRA, devidamente citado em fls. 47.1 apresentou resposta à acusação em fls. 49.1; DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, devidamente citado em fls. 44.1 apresentou resposta à acusação em fls. 50.1; ICARO NOGUEIRA DA SILVA, devidamente citado em fls. 45.1 apresentou resposta à acusação em fls. 51.1; NALBER DOS ANJOS GUIMARAES, devidamente citado em fls. 48.1 apresentou resposta à acusação em fls. 52.1. Procuração outorgada pelos acusados em fls. 76.2/76.5; e, KESEDE PAULINO MACEDO, devidamente citado em fls. 46.1 apresentou resposta à acusação em fls. 54.1, sendo mantido o recebimento e pautada instrução preliminar (fls. 91.1). Foram ouvidas em audiência de instrução as testemunhas Elian Batista dos Santos, Neila Maria Ferreira Batista, Marlon da Silva Rolim, Eliane Batista dos Santos, Daniel da Silva Serrão, Jackson Vinhote Barros da Silva, Gabriel Rebouças e Aderval Varejão de Oliveira, bem como o delegado de polícia Lázaro Sebastião Santiago Mendes Neto e o escrivão James de Andira Lopes, que atuaram na investigação. (fls. 222.1 e fls. 243.1). Os acusados foram interrogados, ocasião em que DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA E KESEDE PAULINO MACEDO negaram participação no homicídio. Alguns admitiram ter tido contato com a vítima no dia dos fatos, mas negaram envolvimento direto nas agressões que levaram à sua morte. Já NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES assumiu ter disparado no crânio da vítima após ser coagido por homens não identificados. Em alegações finais, o Órgão Ministerial sustentou que os denunciados, em associação criminosa, sequestraram, torturaram e assassinaram a vítima por vingança, com extrema violência e crueldade. Segundo o órgão acusador, Marlon reconheceu David Lucas e Ícaro como responsáveis por procurar Shayanne, tendo David ameaçado "saber o que fazer" quando a encontrasse. Eliane, mãe da vítima, confirmou que Nalber esteve em sua casa acusando sua filha de furto, e os acusados ameaçaram matá-la caso não encontrassem a moto. O motorista de aplicativo Daniel transportou a vítima e acusados do Bairro da Paz até a estrada AM 010, reconhecendo inicialmente Gabriel Rebouças e Kesede como passageiros. Jackson admitiu ter agredido a vítima com a mão e uma ripa, enquanto Marcos Vinícius confessou ter agredido a vítima por vingança, sendo identificado em vídeos efetuando agressões com ripas. Gabriel confirmou ter chamado o motorista de aplicativo e reconheceu Kesed como autor de filmagens do espancamento. Além disso, Nalber Guimarães inicialmente confessou ter atirado na cabeça da vítima após sequência de agressões. (fls. 253.1). As defesas técnicas de DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e KESEDE PAULINO MACEDO (fls. 264.1/271.1/272.1/289.1), por sua vez, requereram a impronúncia dos réus, argumentando a ausência de provas concretas que os vinculem de forma inequívoca ao crime, destacando a fragilidade das provas testemunhais e as retratações em juízo e subsidiariamente que sejam decotadas as qualificadoras e crimes conexos. Pedido de novo interrogatório pela defesa de NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, em fls. 265.1, sendo deferida por este juízo, em fls. 268.1. Todas as defesas e Ministério Público intimados para novo interrogatório, tendo este comparecido em audiência. Durante reinterrogatório judicial realizado em 14 de março de 2025 (fls. 324.1), NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, alegou que seu depoimento anterior não foi dado por vontade própria, afirmando ter sido coagido desde que chegou à unidade prisional. Segundo ele, recebeu ameaças através de um papel escrito informando que, se não assumisse a responsabilidade pelo crime, seria morto pela facção predominante na cidade. Sobre os fatos, NALBER declarou que apenas estava atrás de sua moto que havia sido roubada pela vítima Shayanne Batista dos Santos. Afirmou estar presente no momento em que começaram as agressões contra a vítima, mas disse que não participou diretamente dessas agressões. Indicou que o menor JACKSON e KESEDE PAULINO MACEDO foram os agressores. Quanto à dinâmica dos fatos, NALBER relatou que não estava no Uber que transportou a vítima, mas seguia o veículo em uma motocicleta. No Uber estariam Gabriel Rebouças, Kesede, Daniel (o motorista de aplicativo) e outra pessoa cujo nome não sabia identificar. Disse que foram até uma estrada procurar sua moto, quando uma viatura policial passou por eles, fazendo com que retornassem. Nesse momento, a vítima teria informado que a moto estaria em um sítio próximo ao "porão", logo após uma barreira. Nalber afirmou que ele, David Lucas Medeiros Brito e o motorista do Uber permaneceram na beira da estrada, enquanto os outros subiram com a vítima. Quando subiram, teriam sido abordados pelo dono do sítio, que estava armado, o que os fez retornar. Foi nesse momento que, segundo ele, Kesede teria dado um tiro na vítima. Quando questionado sobre as diferentes versões apresentadas (na delegacia, no primeiro interrogatório judicial e neste reinterrogatório), Nalber afirmou que a versão atual é a verdadeira e coincide com o que disse na delegacia, onde não teria sido coagido. As ameaças, segundo ele, começaram após sua prisão, ocorrendo quase semanalmente, inclusive na semana da audiência. Sobre as pessoas presentes na casa onde ocorreu o espancamento da vítima, Nalber citou: o menor Jackson Vinhote, Marcos Vinícius dos Santos Vieira, Gabriel Rebouças, ele próprio, David Lucas e Ícaro Nogueira da Silva. Afirmou que Ícaro estava presente durante o espancamento, mas não fez nada e não acompanhou o grupo até o local da execução. Quanto a Gabriel Rebouças, disse que este não participou diretamente do espancamento, mas comentava que a vítima "merecia" o que estava ocorrendo, além de ter sido quem chamou o Uber. Nalber afirmou também que apenas Gabriel Rebouças e Kesede teriam subido até o local onde a vítima foi executada, sendo que ele e David Lucas ficaram esperando na moto. Declarou ainda que ninguém entrou encapuzado no Uber, e que o motorista já sabia da situação, pois a vítima estava toda ensanguentada e roxa quando foi colocada no veículo. O interrogado também mencionou ser soropositivo e reclamou das condições de atendimento médico na unidade prisional, afirmando que há demora no atendimento e falta de prioridade para seu caso. Alegou ainda ter sido constrangido publicamente por sua condição de saúde durante uma campanha interna no presídio. Ao final, sua defesa ressaltou que ele está sendo ameaçado e que as ameaças, embora veladas, alcançam toda a sociedade. O patrono de KESEDE PAULINO MACEDO solicitou entrevista reservada com seu cliente e novo interrogatório, em decorrência das acusações feitas por NALBER. Durante reinterrogatório judicial realizado em 14 de março de 2025, KESEDE PAULINO MACEDO apresentou nova versão dos fatos, alegando estar sendo acusado por algo em que não estava sozinho envolvido. Afirmou que inicialmente estava em casa, no Mutirão, quando foi para o Bairro da Paz visitar seu irmão, cuja sobrinha estava doente. Nesse momento, observou NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, dono da moto, circulando pelo bairro. Este parou e perguntou sobre uma moto roubada, ao que Kesede respondeu não saber de nada. Mais tarde, por volta das 16h, Kesede afirmou ter sido surpreendido quando Nalber e os demais envolvidos apareceram com Shayanne Batista dos Santos. Segundo ele, a vítima foi agredida na rua sem seu conhecimento, sendo filmada e ameaçada para que devolvesse a moto. Kesede relatou que somente se envolveu quando a vítima disse que a moto estaria próxima ao "dinossauro" no Bairro da Paz, sentindo-se prejudicado por essa acusação, já que seus vizinhos afirmaram que a moto não estava lá. Confessou que, estando estressado, e pressionou a vítima para que ela entregasse a moto. Quando ela informou que a moto estaria na estrada, Gabriel Rebouças chamou um Uber por conta própria. Kesede negou que tenha havido qualquer ameaça ao motorista, afirmando que todos entraram no veículo com consentimento do condutor. Quanto à dinâmica dos fatos no local do crime, Kesede afirmou que ao chegarem à fazenda indicada por Shayanne, foram confrontados pelo dono do local, que negou a presença da moto. Quando questionado pelo Ministério Público sobre a participação de cada um dos réus, Kesede foi enfático ao afirmar que "todos estavam envolvidos", incluindo David Lucas Medeiros Brito, Ícaro Nogueira da Silva, Marcos Vinícius dos Santos Vieira, e Nalber dos Anjos Guimarães. Segundo ele, todos teriam planejado e concordado com a morte da vítima. KESEDE PAULINO confessou ser o autor do disparo que matou Shayanne, afirmando que atirou na parte de trás da cabeça da vítima. Disse que estava com raiva por ela estar "enrolando", por não ter colaborado, e que perdeu a cabeça, disparando sem pensar nas consequências. Após o disparo, todos teriam fugido ao verem que a vítima não se mexia mais. Sobre GABRIEL REBOUÇAS, Kesede afirmou que este teria permanecido no Uber, "segurando" o motorista, enquanto os demais subiram com a vítima. Alegou que Gabriel também participou do espancamento na casa abandonada e incentivou os outros a agredirem a vítima, além de ter sugerido que a matassem quando ela não entregou a moto. Questionado sobre a presença dos demais réus no momento da execução, afirmou que todos estavam presentes, exceto Gabriel Rebouças, que ficou no carro com o motorista. Após o crime, retornaram ao Bairro da Paz, onde Kesede pagou o Uber em espécie. Quando perguntado pelo advogado de defesa sobre quem teria dado "corda" (autorização/incentivo) para que atirasse na vítima, Kesede respondeu que foi Nalber e os demais presentes. Finalizou expressando arrependimento, afirmando que estava fazendo tratamento para dores de cabeça e iniciando sua "aposentadoria" (possivelmente referindo-se ao afastamento de atividades criminosas) quando, sem querer, envolveu-se nesse caso. Ainda em audiência foi revogada a prisão dos denunciados, salvo a de Kesed, considerando sua ficha criminal. Foi oportunizado as Defesas e ao Ministério Público complementação as alegações finais já interpostas, entretanto estes abdicaram deste direito. A defesa de NALBER DOS ANJOS apresentou suas alegações finais pugnando pela impronúncia por ausência de provas. (fls. 358.1). Posteriormente o Ministério Público ingressou com Recurso em Sentido Estrito, sendo conferido efeito suspensivo ativo ao presente recurso de modo a decretar a prisão de Nalber dos Anjos, David Lucas Medeiros e Icaro Nogueira. (fls. 349.1). Em fls. 365.1, esta secretaria acostou aos autos o Ofício nº 1451/2025 - CCRIM da Câmara Criminal do TJAM, comunicando que o relator da Cautelar Inominada Criminal nº 0003111-93.2025.8.04.9001, concedeu tutela de urgência ao recurso do Ministério Público, atribuindo efeito suspensivo ativo ao Recurso em Sentido Estrito interposto contra a decisão que revogou a prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA. É o relatório. DECIDO. DA MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO A materialidade do crime de homicídio restou amplamente demonstrada nos autos, notadamente pelo laudo de exame necroscópico (fls. 1.3). O laudo necroscópico atestou que a vítima sofreu múltiplas lesões corporais, consistentes em: Traumatismo cranioencefálico grave, com fraturas do osso parietal esquerdo e hemorragia subaracnoidea difusa; Lesões contusas no tórax e abdômen, com fraturas costais e ruptura do baço; Escoriações e hematomas disseminados pelo corpo, especialmente em membros superiores e inferiores; Ferimento perfurocontuso por projétil de arma de fogo na região torácica esquerda, com trajetória de entrada sem orifício de saída, lesando o pulmão esquerdo e o coração. O laudo concluiu que a causa da morte foi um choque hipovolêmico secundário a traumatismo torácico e craniano, agravado pelo disparo de arma de fogo. As fotografias do corpo da vítima (fls. 1.6/1.11), anexadas ao laudo, evidenciam as lesões descritas, revelando a intensidade da violência empregada. O corpo apresentava sinais claros de espancamento, com hematomas de diferentes tonalidades, indicativos de agressões contínuas. Ademais, os vídeos obtidos de câmeras de segurança e gravações de celulares apreendidos mostram momentos das agressões físicas sofridas por Shayanne. Nas imagens, é possível visualizar a vítima sendo agredida por um grupo de indivíduos, com chutes, socos e uso de objetos contundentes. Assim, a materialidade delitiva está inequivocamente comprovada pelos elementos técnicos e visuais constantes do processo. É imprescindível destacar que, conforme recente entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), expresso no Recurso Especial nº 2.091.647, não se admite a pronúncia do acusado fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. O STJ reafirmou que o juiz não pode fundamentar sua decisão de pronúncia apenas em provas colhidas na investigação preliminar, sem que estas tenham sido submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa. O ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, destacou que a decisão de pronúncia possui consequências significativas para o acusado, uma vez que o submete ao julgamento por jurados leigos que não precisam fundamentar suas decisões. Por essa razão, é necessário que existam indícios robustos e sólidos de autoria, derivados de provas judicializadas, para justificar a submissão ao Tribunal do Júri. Nesse sentido, o STJ enfatizou que o princípio do in dubio pro societate não pode ser utilizado como uma justificativa para a pronúncia na ausência de provas consistentes. O juiz não deve "lavar as mãos" e transferir ao Conselho de Sentença a responsabilidade de julgar casos que sequer possuem um mínimo de lastro probatório colhido sob o contraditório judicial. Assim, quando há dúvida sobre a própria existência de indícios suficientes de autoria, deve-se aplicar o princípio do in dubio pro reo, favorecendo o réu. Portanto, para a pronúncia ser válida, é imprescindível que as provas colhidas na fase inquisitorial estejam corroboradas por elementos colhidos sob o crivo do contraditório judicial, sob pena de violação ao devido processo legal e à presunção de inocência. DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO Importa salientar que, em relação a todos os denunciados, pode haver dúvidas quanto à autoria direta do crime e exata participação de cada denunciado, considerando as divergências e retratações ocorridas durante a instrução processual. Todavia, não há dúvidas quanto à existência de indícios suficientes de autoria que justificam a submissão de cada um deles ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Essa distinção é fundamental, pois, conforme recente entendimento do STJ, a dúvida quanto à autoria pode ser dirimida pelo Conselho de Sentença, enquanto a dúvida sobre a própria existência de indícios mínimos de autoria deve ser resolvida pelo magistrado na fase de pronúncia, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo apenas quando não houver esses indícios. No presente caso, há elementos concretos que indicam a participação de cada um dos denunciados no evento delituoso, seja por meio de depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório, seja por evidências materiais e contextuais. A análise individualizada desses indícios será feita a seguir, considerando as peculiaridades de cada envolvido. DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO Os indícios de autoria em relação ao acusado DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO são substanciais e convergentes, extraídos tanto de depoimentos testemunhais quanto de elementos probatórios documentais e declarações dos corréus. A testemunha Marlon da Silva Rolim o reconheceu categoricamente como um dos principais responsáveis pela busca da vítima Shayanne, tendo relatado em juízo que o acusado proferiu ameaça expressa ao afirmar que "onde pegasse ela, ele sabia o que fazer", demonstrando clara premeditação e animus necandi. Em seu próprio interrogatório, David Lucas confirmou circunstâncias essenciais que o vinculam à dinâmica criminosa, admitindo ter recebido chamada telefônica de Nalber informando sobre a localização da vítima, ocasião em que estava acompanhado de Ícaro, corroborando a tese de concurso de agentes desde os atos preparatórios. Embora tenha negado participação direta no homicídio durante a instrução judicial, seu depoimento prestado perante a autoridade policial - e posteriormente retratado sem justificativa plausível - contém confissão parcial quanto à sua participação nas agressões físicas, tendo admitido ter chutado a vítima durante o espancamento coletivo. A materialidade de sua participação também se evidencia nos relatos convergentes quanto ao papel ativo que desempenhou após o espancamento inicial, obrigando Shayanne, juntamente com Ícaro, a subir em uma motocicleta para transportá-la ao segundo local de agressões, configurando sua participação no cerceamento da liberdade da vítima. Ressalte-se ainda que o corréu Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório judicial, foi enfático ao afirmar que David Lucas não apenas estava presente, mas participou ativamente do planejamento e concordou expressamente com a execução da vítima, demonstrando adesão subjetiva ao resultado morte. Adicionalmente, o reinterrogatório de Nalber dos Anjos Guimarães, ainda que contendo retratação parcial, confirma a presença de David Lucas no local do crime, situando-o na beira da estrada durante a execução, o que demonstra, no mínimo, auxílio moral e material aos executores diretos. O conjunto probatório, portanto, apresenta múltiplos e concordantes indícios da efetiva participação do acusado na empreitada criminosa, desde sua concepção até as fases executórias. ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA Os indícios de autoria relativos ao acusado ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA são consistentes e multifacetados, extraídos de diversas fontes probatórias independentes. A testemunha Marlon da Silva Rolim o identificou precisamente como um dos indivíduos que procuraram ativamente por Shayanne, estabelecendo sua participação desde a fase inicial da conduta criminosa, em clara demonstração de adesão ao plano delitivo O próprio acusado, em seu interrogatório judicial, confirmou elementos cruciais que o vinculam ao iter criminis, admitindo que estava na companhia de David Lucas quando este recebeu a chamada de Nalber informando sobre a localização da vítima, confirmando conscientemente terem se dirigido ao bairro Santa Lucia logo após. Conforme convergência dos relatos testemunhais e depoimentos dos corréus, Ícaro desempenhou papel fundamental no transporte forçado da vítima, tendo conduzido Shayanne, juntamente com David Lucas, para o local da segunda sessão de agressões no bairro da Paz, evidenciando sua contribuição causal para o resultado lesivo. Embora Nalber, em seu reinterrogatório, tenha tentado minimizar a participação de Ícaro, afirmando que este estava presente durante o espancamento mas não teria participado ativamente das agressões ou acompanhado o grupo até o local da execução, tal versão é frontalmente contraditada pelo relato pormenorizado e confessório de Kesede Paulino Macedo. Este último, assumindo a autoria do disparo fatal, foi categórico ao afirmar que Ícaro estava plenamente envolvido no crime, tendo não apenas concordado com a morte da vítima, mas participado de seu planejamento. A presença de Ícaro em múltiplos cenários da sequência criminosa - desde a abordagem inicial até o local das agressões coletivas - evidencia participação continuada e consciente nos atos executórios, demonstrando nexo subjetivo com os demais agentes e adesão voluntária à conduta delituosa em sua integralidade, configurando-se, assim, indícios robustos de coautoria. NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES Quanto ao acusado NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, os indícios de autoria manifestam-se de forma particularmente contundente, destacando-se tanto pelo móvel do crime quanto pela multiplicidade de elementos probatórios convergentes. A testemunha Eliane Batista dos Santos, mãe da vítima, prestou depoimento judicial confirmando que Nalber compareceu pessoalmente à sua residência, acusando Shayanne de ter furtado uma motocicleta de sua propriedade, ocasião em que proferiu ameaças expressas de morte caso o veículo não fosse localizado, demonstrando o motivo torpe que fundamentou a conduta criminosa subsequente. Em seu primeiro interrogatório judicial, Nalber confessou circunstanciadamente ter efetuado o disparo fatal contra o crânio da vítima, relatando com detalhes a dinâmica dos fatos, desde o furto da motocicleta até a execução, versão que se harmonizava com os demais elementos de prova colhidos na investigação. Embora posteriormente tenha se retratado em reinterrogatório, alegando coação carcerária para assumir a autoria do crime, manteve admissão quanto a elementos essenciais que o vinculam ao delito, reconhecendo sua presença no momento das agressões e sua participação na busca da vítima motivada pela recuperação da motocicleta supostamente furtada. A retratação de Nalber apresenta contradições internas significativas e colide frontalmente com os depoimentos dos demais envolvidos, especialmente a detalhada confissão de Kesede Paulino Macedo, que não apenas assumiu a autoria material do disparo, mas imputou a Nalber participação ativa no crime, afirmando expressamente que este teria dado "corda" (autorização/incentivo) para que efetuasse o tiro contra a vítima, revelando compartilhamento do domínio final do fato. Cumpre destacar que, mesmo em sua versão retificada, Nalber confirma ter seguido o veículo de aplicativo em uma motocicleta até o local do crime, permanecendo na beira da estrada durante a execução, o que configura, no mínimo, participação por prestação de auxílio material e moral aos executores diretos. A existência de motivação pessoal (recuperação da motocicleta), sua confissão inicial detalhada, sua presença confirmada em múltiplos momentos da sequência delitiva e os relatos convergentes dos demais envolvidos constituem robusto conjunto indiciário de sua efetiva participação no crime. MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA Os indícios de autoria relacionados ao acusado MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA são substanciais e amparados por múltiplos elementos de convicção, incluindo prova documental audiovisual e confissão parcial. Em seu próprio interrogatório judicial, Marcos Vinícius admitiu categoricamente ter se dirigido ao local no Bairro Santa Luzia movido por intenção deliberada de agredir a vítima, tendo declarado expressamente que "onde a encontrasse iria bater nela", demonstrando premeditação e dolo específico direcionado à integridade física de Shayanne. A materialidade de sua participação nas agressões físicas encontra-se documentada em registros audiovisuais produzidos durante o procedimento inquisitorial, nos quais é possível identificá-lo inequivocamente efetuando múltiplas agressões contra a vítima utilizando ripas de madeira, evidenciando não apenas sua presença no local dos fatos, mas sua contribuição causal direta para o resultado lesivo. Tais registros desmentem sua alegação posterior de não ter comparecido ao bairro da Paz, comprovando sua participação ativa no evento criminoso. Corroborando esses elementos, a testemunha Jackson Vinhote Barros da Silva confirmou em juízo que estava em atividade recreativa com Marcos Vinícius quando este o convidou deliberadamente para ir até o local onde mantinham a vítima sob restrição de liberdade, demonstrando seu conhecimento prévio da situação e sua adesão voluntária à conduta coletiva. O corréu Nalber, em seu reinterrogatório judicial, incluiu expressamente Marcos Vinícius entre as pessoas presentes na casa onde ocorreu o espancamento coletivo, fornecendo elemento adicional de convicção quanto à sua participação. De particular relevância probatória é a declaração do corréu Kesede Paulino Macedo que, ao assumir a autoria do disparo fatal, afirmou categoricamente que Marcos Vinícius estava plenamente envolvido na empreitada criminosa, tendo não apenas participado das agressões físicas - fato já admitido pelo próprio acusado - mas também concordado expressamente com a morte da vítima e participado de seu planejamento, indicando compartilhamento da intenção homicida e adesão subjetiva ao resultado morte. O conjunto probatório, portanto, demonstra participação continuada de Marcos Vinícius na sequência criminosa, desde o espancamento inicial documentado audiovisualmente até a adesão subjetiva ao homicídio, configurando robustos indícios de coautoria. KESEDE PAULINO MACEDO Em relação ao acusado KESEDE PAULINO MACEDO, os indícios de autoria são particularmente contundentes, culminando em confissão judicial expressa quanto à execução material do homicídio. Na fase inquisitorial, a testemunha Daniel da Silva Serrão, motorista de aplicativo que transportou os envolvidos, reconheceu inicialmente Kesede como um dos passageiros presentes no veículo, situando-o diretamente no contexto espaciotemporal do crime. O depoimento judicial de Gabriel Rebouças amplia a demonstração de sua participação ao confirmar que foi Kesede quem registrou em vídeo o espancamento na casa abandonada, evidenciando não apenas sua presença no local, mas sua adesão consciente à conduta coletiva e sua contribuição para a documentação das agressões. Tal participação demonstra envolvimento ativo na dinâmica criminosa em momento anterior à execução. O elemento probatório mais contundente, contudo, emerge de seu próprio reinterrogatório judicial, no qual Kesede confessou de forma expressa e circunstanciada ter sido o autor material do disparo que causou a morte de Shayanne, relatando com precisão ter efetuado tiro "na parte de trás da cabeça da vítima". Em sua confissão detalhada, admitiu motivação emocional para o ato, declarando ter agido por raiva decorrente da não-cooperação da vítima na entrega da motocicleta, tendo "perdido a cabeça" e disparado sem considerar as consequências. Sua confissão apresenta elementos de verossimilhança interna e externa, harmonizando-se com outros elementos probatórios e fornecendo detalhes que somente poderiam ser conhecidos pelo autor material do crime. Kesede admitiu ainda ter exercido pressão psicológica sobre a vítima para obtenção de informações sobre a motocicleta, corroborando a tese acusatória quanto à prática de tortura psicológica antecedente ao homicídio. De significativa relevância para a compreensão da dinâmica grupal do crime é sua declaração categórica de que todos os demais acusados estavam plenamente envolvidos na empreitada criminosa, tendo concordado e planejado a morte da vítima, detalhando a participação individual de cada corréu e fornecendo versão coerente e circunstanciada dos fatos que se coaduna com os demais elementos probatórios. O conjunto indiciário relacionado a Kesede Paulino Macedo, portanto, ultrapassa a mera suspeita para constituir elementos de convicção robustos quanto à sua participação como executor material do homicídio, além de seu envolvimento nas fases antecedentes de privação de liberdade, tortura e agressões coletivas, configurando quadro probatório consistente de autoria. Lembro que, nos termos do artigo 29 do Código Penal, "quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade". Dessa forma, para a configuração do concurso de pessoas, não se exige que todos os agentes pratiquem o ato executivo final (como o disparo de arma de fogo ou o golpe fatal), bastando que atuem de forma consciente e voluntária para a consecução do resultado. A doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o vínculo subjetivo entre os agentes pode se manifestar de diversas formas, sendo suficiente a demonstração de que os réus aderiram à prática criminosa, ainda que suas condutas tenham sido distintas. Como ensina Norberto Avena: "O liame subjetivo entre os coautores e partícipes decorre da unidade de desígnios, isto é, da convergência de vontades para a prática delitiva. Assim, não há necessidade de que todos pratiquem atos executórios, bastando a adesão consciente ao propósito criminoso, independentemente de quem tenha realizado a conduta materialmente letal." (AVENA, Norberto. Processo Penal, 2023, p. 612). No mesmo sentido, Eugênio Pacelli esclarece que: "A teoria monista adotada pelo Código Penal permite que a participação em qualquer fase da execução seja suficiente para a responsabilização pelo delito, desde que demonstrado o dolo na cooperação criminosa." (PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal, 23ª ed., 2024, p. 635). No presente caso, as provas reunidas indicam que os réus agiram de forma conjunta para a prática do homicídio, cada um contribuindo, dentro de suas possibilidades, para o desfecho fatal. A participação de alguns acusados na contenção da vítima, no planejamento ou na facilitação do crime demonstra a existência do vínculo subjetivo entre eles, o que torna desnecessária a exigência de que todos tenham efetuado o golpe ou disparo final. A jurisprudência dos Tribunais Superiores corrobora esse entendimento: "É irrelevante para a configuração do crime em coautoria ou participação que todos os agentes tenham realizado a conduta letal. Basta que tenham aderido à prática criminosa, contribuindo para o desfecho delitivo de forma consciente e voluntária." (STJ, HC 135386/DF, DJe 02.08.2017). Dessa forma, restando demonstrado o liame subjetivo entre os acusados, deve-se reconhecer a existência de indícios suficientes de autoria, aptos a justificar a submissão dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri, nos termos do artigo 413 do CPP. DA PRESENÇA DAS QUALIFICADORAS Em relação às qualificadoras apresentadas na denúncia - motivo torpe (art. 121, § 2º, I, CP), meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP) e recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, CP), há elementos suficientes nos autos que justificam sua submissão à apreciação do Conselho de Sentença. Quanto ao motivo torpe, os depoimentos colhidos em juízo indicam que o crime foi motivado por vingança em razão de um suposto furto de motocicleta. As testemunhas relataram que os acusados proferiram ameaças à vítima dias antes do crime, afirmando que "se não achassem a moto, iriam matar Shayene". A vingança como motivação do crime constitui circunstância que pode caracterizar a torpeza do motivo, cabendo aos jurados sua análise. No que tange ao meio cruel, o laudo necroscópico evidencia que a vítima foi submetida a intenso sofrimento antes de sua morte. O documento atesta múltiplas lesões corporais, incluindo traumatismo cranioencefálico grave, lesões contusas no tórax e abdômen, fraturas costais, ruptura do baço e escoriações e hematomas disseminados pelo corpo. Os vídeos obtidos durante a investigação mostram a vítima sendo brutalmente espancada por um grupo de indivíduos, com uso de chutes, socos e objetos contundentes, demonstrando um padecimento prolongado e desnecessário. Por fim, quanto ao recurso que dificultou a defesa da vítima, há evidências de que Shayanne foi abordada por diversos indivíduos, sendo forçada a entrar em um veículo e posteriormente conduzida a diferentes locais onde sofreu agressões. Os depoimentos indicam que a vítima foi cercada por múltiplos agressores, em evidente superioridade numérica, sendo ainda submetida a coronhadas quando já se encontrava debilitada, circunstâncias que podem caracterizar a impossibilidade de defesa. Vale ressaltar que, nesta fase processual, diversamente da posição jurisprudência quanto a existência do in dubio pro societate em relação aos indícios de autoria, ainda se mostra pacífico vigorar o aludido princípio em relação às qualificadoras, sendo necessário apenas que existam elementos mínimos que possam justificar sua incidência. Eventuais dúvidas ou controvérsias sobre a caracterização das qualificadoras devem ser dirimidas pelo Conselho de Sentença, juiz natural da causa, em respeito à sua soberania. Portanto, presentes indícios suficientes da existência das qualificadoras narradas na denúncia, devem estas ser mantidas para apreciação pelo Tribunal do Júri, que decidirá sobre sua configuração no caso concreto. DA MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE TORTURA A materialidade do crime de tortura está amplamente demonstrada nos autos, tanto pelo laudo necroscópico quanto pelos vídeos juntados ao inquérito policial. O exame cadavérico evidencia lesões características e típicas de atos de tortura, incluindo traumatismo cranioencefálico grave, múltiplas fraturas costais, ruptura do baço e escoriações e hematomas disseminados pelo corpo, além de lesões em diferentes estágios de cicatrização, o que indica momentos distintos de agressão. Os vídeos juntados aos autos mostram claramente uma sessão de tortura no Bairro da Paz, onde se ouve um dos agressores dizendo "Então tu sabe porque tu tá vai ser disciplinada, né?! Tá ligada que ladrão a gente não aceita, né?!". As imagens mostram a vítima sendo agredida com ripas de madeira em diversas partes do corpo, caracterizando clara sessão de tortura para obtenção de informação sobre a localização da motocicleta. INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO DELITO DE TORTURA DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO Os indícios de autoria do crime de tortura em relação a DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO emergem de múltiplos elementos probatórios coligidos nos autos. Primeiramente, destaca-se sua participação na abordagem inicial e captura forçada da vítima, conforme depoimento da testemunha Marlon da Silva Rolim, que o reconheceu como um dos responsáveis por procurar Shayanne, tendo inclusive proferido ameaças explícitas. Tal conduta já configura o início do sofrimento psicológico imposto à vítima, elemento constitutivo do crime de tortura em sua modalidade psíquica. Em seu interrogatório policial, posteriormente retratado em juízo sem justificativa plausível, David Lucas admitiu ter desferido chutes contra a vítima durante a sessão de espancamento, demonstrando participação direta na imposição de sofrimento físico intenso. A continuidade de sua conduta é evidenciada pelo transporte forçado da vítima entre os locais de agressão, conforme relatado por diversas testemunhas, incluindo o motorista de aplicativo Daniel da Silva Serrão, configurando prolongamento intencional do sofrimento. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório confessório, foi categórico ao afirmar que David Lucas participou ativamente do processo de interrogatório violento da vítima, exercendo pressão física e psicológica para obtenção de informações sobre o paradeiro da motocicleta. Este elemento é crucial para a caracterização do crime de tortura, uma vez que demonstra a finalidade específica de obter informação ou confissão da vítima mediante imposição de sofrimento, conforme tipificado no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. As evidências indicam um padrão de agressões sistemáticas em diversos locais, demonstrando não se tratar de violência momentânea, mas de conduta prolongada e deliberada, com finalidade específica de causar sofrimento como forma de castigo e obtenção de informações, elementos caracterizadores da tortura. David Lucas, conforme convergência dos depoimentos, atuou em todas as fases deste processo, desde a captura até o transporte entre os locais de agressão, demonstrando domínio da situação e adesão consciente à imposição de padecimento físico e mental à vítima. ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA Os indícios de autoria do crime de tortura relacionados a ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA estão fundamentados em elementos probatórios consistentes que demonstram sua participação ativa nas diversas fases da conduta criminosa. Inicialmente, conforme relato da testemunha Marlon da Silva Rolim, Ícaro participou da busca e abordagem inicial da vítima, acompanhando David Lucas, momento em que foram proferidas ameaças explícitas que já configuravam imposição de intenso sofrimento psicológico. Em seu próprio interrogatório, Ícaro confirmou estar presente quando David Lucas recebeu informações sobre a localização da vítima, dirigindo-se conscientemente ao local, demonstrando voluntariedade na participação dos eventos subsequentes. Elemento crucial para a caracterização de sua participação na tortura é o fato, confirmado por diversos depoimentos concordantes, de que Ícaro conduziu a motocicleta utilizada para transportar forçadamente a vítima entre os locais de agressão, especificamente do primeiro local para o Bairro da Paz, onde ocorreu a segunda sessão de espancamento. Este transporte forçado, realizado após a vítima já haver sofrido agressões iniciais, configura não apenas cerceamento de liberdade, mas prolongamento intencional do sofrimento e manutenção da vítima em condição de extrema vulnerabilidade, elementos constitutivos do crime de tortura em sua modalidade física e psicológica. O controle sobre o deslocamento da vítima demonstra domínio da situação e poder sobre seu destino, características essenciais para a configuração do delito em questão. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório, situou Ícaro entre os presentes durante as sessões de agressão e interrogatório violento da vítima, contexto em que foram impostas condições de sofrimento físico e mental como meio para obtenção de informações sobre o paradeiro da motocicleta. Esta finalidade específica - extração de informações mediante sofrimento - é elemento nuclear do tipo penal da tortura, conforme previsto no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. A presença continuada de Ícaro em múltiplos cenários da conduta criminosa, sua participação ativa no transporte forçado da vítima e sua permanência durante as sessões de agressão demonstram adesão consciente à imposição sistemática de sofrimento, configurando robustos indícios de coautoria no crime de tortura. NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES Os indícios de autoria do crime de tortura atribuídos a NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES são substanciais e decorrem tanto de sua condição de motivador inicial da conduta quanto de sua participação direta nos atos executórios. Conforme depoimento da testemunha Eliane Batista dos Santos, mãe da vítima, Nalber compareceu pessoalmente à sua residência, proferindo ameaças explícitas de morte contra Shayanne caso a motocicleta não fosse encontrada, impondo desde então grave sofrimento psicológico tanto à vítima quanto aos seus familiares. Em seu primeiro interrogatório judicial, Nalber admitiu que a busca pela vítima foi motivada pelo furto de sua motocicleta ocorrido em 18/05/2024, confirmando o elemento finalístico da tortura - a obtenção de informação ou confissão mediante imposição de sofrimento. Mesmo após sua retratação parcial em reinterrogatório, manteve a admissão de que estava presente durante as agressões e que sua motivação era recuperar a motocicleta supostamente furtada pela vítima. Particularmente relevante é o relato da dinâmica dos fatos no veículo de aplicativo, onde, segundo diversos depoimentos, incluindo o de Kesede Paulino Macedo, a vítima foi constantemente ameaçada e agredida com coronhadas, mesmo já estando bastante debilitada pelas agressões anteriores. Esta conduta demonstra imposição deliberada de sofrimento físico e psicológico como método para extração de informações, núcleo do tipo penal da tortura. A progressão das agressões, desde ameaças iniciais, passando por espancamento coletivo, até a execução final, demonstra padrão de violência sistemática e continuada, com clara finalidade de punição e obtenção de informações, elementos caracterizadores da tortura. Nalber, na condição de proprietário da motocicleta supostamente furtada, detinha interesse direto na obtenção das informações mediante sofrimento, configurando motivação específica para a prática do crime de tortura. Mesmo em sua versão retificada, Nalber admite ter seguido o veículo de aplicativo até o local do crime, confirmando sua participação continuada na empreitada criminosa e sua adesão consciente à imposição de sofrimento como método para alcançar seu objetivo - a recuperação da motocicleta. Tais elementos constituem robustos indícios de sua coautoria no crime de tortura, tipificado no art. 1º da Lei nº 9.455/1997. MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA Os indícios de autoria do crime de tortura relacionados a MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA são contundentes e fundamentados em elementos probatórios objetivos, incluindo prova documental audiovisual e admissão parcial. Em seu próprio interrogatório judicial, Marcos Vinícius confessou ter se dirigido ao local das agressões movido por intenção deliberada de agredir a vítima, tendo declarado expressamente que "onde a encontrasse iria bater nela", evidenciando premeditação e finalidade específica de imposição de sofrimento como forma de castigo pessoal, modalidade expressamente prevista no art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.455/1997. Elemento probatório de excepcional relevância são os registros audiovisuais produzidos durante o procedimento inquisitorial, nos quais Marcos Vinícius é claramente identificado desferindo múltiplas agressões contra a vítima utilizando ripas de madeira. Estas imagens documentam não apenas sua presença, mas sua participação ativa na imposição de sofrimento físico intenso, de forma continuada e sistemática, características essenciais para a configuração do crime de tortura. O depoimento de Jackson Vinhote Barros da Silva corrobora tais elementos ao confirmar que foi convidado por Marcos Vinícius para comparecer ao local onde mantinham a vítima sob restrição de liberdade, demonstrando conhecimento prévio da situação e intencionalidade na participação. Gabriel Rebouças, em seu depoimento, mencionou expressamente ter reconhecido Marcos Vinícius entre os agressores no local das agressões coletivas. A natureza das agressões documentadas - espancamento com ripas de madeira contra vítima já subjugada e em evidente estado de vulnerabilidade - ultrapassa a mera violência momentânea para configurar imposição deliberada e prolongada de sofrimento físico intenso, elemento característico da tortura. O contexto em que estas agressões ocorreram - busca por informações sobre a motocicleta supostamente furtada - evidencia a finalidade específica de obtenção de informação mediante padecimento, tipificada no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. Kesede Paulino Macedo, em seu reinterrogatório, confirma a participação ativa de Marcos Vinícius não apenas nas agressões físicas, mas no planejamento e concordância com todo o processo que culminou na morte da vítima, demonstrando sua adesão consciente à imposição sistemática de sofrimento como método para alcançar os objetivos do grupo. Tais elementos constituem robusto conjunto indiciário de sua coautoria no crime de tortura. KESEDE PAULINO MACEDO Os indícios de autoria do crime de tortura imputados a KESEDE PAULINO MACEDO são particularmente robustos, derivando tanto de elementos probatórios externos quanto de sua própria confissão circunstanciada. O depoimento de Gabriel Rebouças atribui a Kesede papel específico durante as sessões de agressão: o registro audiovisual do espancamento na casa abandonada. Esta conduta demonstra não apenas sua presença no local, mas sua participação consciente na documentação das agressões, evidenciando adesão psicológica à imposição coletiva de sofrimento. Em seu reinterrogatório judicial, Kesede admitiu expressamente ter pressionado a vítima para que revelasse o paradeiro da motocicleta, confirmando o elemento finalístico essencial para a configuração do crime de tortura - a obtenção de informação mediante imposição de sofrimento. Sua descrição dos fatos revela progressão deliberada da violência ante a não-cooperação da vítima, culminando em agressões cada vez mais intensas, padrão característico da conduta de tortura. Particularmente significativa é sua admissão de que agiu motivado pela "raiva" decorrente da suposta "enrolação" da vítima em não revelar o paradeiro da motocicleta, evidenciando a motivação torpe e a instrumentalização do sofrimento como método para obtenção de informações. Este nexo causal entre a imposição de padecimento e a finalidade específica de extração informacional constitui o núcleo do tipo penal previsto no art. 1º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 9.455/1997. A participação de Kesede Paulino Macedo estendeu-se por todo o iter criminis, desde as primeiras agressões, passando pelo transporte forçado da vítima - tendo sido reconhecido pelo motorista de aplicativo Daniel da Silva Serrão como um dos passageiros do veículo - até culminar na execução final. Esta continuidade demonstra padrão sistemático de imposição de sofrimento, não se tratando de violência momentânea, mas de conduta deliberada e prolongada visando quebrar a resistência da vítima, elemento característico da tortura. Sua confissão quanto à autoria do disparo fatal deve ser analisada no contexto da progressão das agressões, revelando que a execução foi precedida por intenso sofrimento físico e psicológico imposto como forma de punição e método para obtenção de informações. A própria motivação expressa para o tiro fatal - a "raiva" pela não-cooperação da vítima - evidencia a conexão direta entre a tortura prévia e o homicídio subsequente. O conjunto probatório, portanto, demonstra participação ativa de Kesede Paulino Macedo na imposição sistemática e prolongada de sofrimento físico e psicológico à vítima, com finalidade específica de obtenção de informações e punição, configurando robustos indícios de sua coautoria no crime de tortura. Importante ressaltar que não há bis in idem entre o crime de tortura e a qualificadora do meio cruel no homicídio. A tortura constituiu crime autônomo com finalidade específica de obter informação sobre a localização da motocicleta, tendo sido praticada em momentos e locais distintos das agressões que culminaram na morte. Os atos de tortura possuem clara autonomia em relação ao homicídio, pois foram praticados em contexto diverso e com finalidade específica de obter informação, ocorreram em múltiplos momentos e locais diferentes, a morte não era o objetivo imediato dos atos de tortura, houve intervalo temporal entre as sessões de tortura e o homicídio, e o sofrimento intenso foi imposto como forma de castigo e meio de obtenção de informação, não apenas como meio de execução. Desta forma, restam claramente configurados dois momentos criminosos distintos: a tortura visando obter informação sobre a moto e, posteriormente, o homicídio qualificado pelo meio cruel, sem que haja dupla valoração da mesma conduta. A autonomia do crime de tortura é evidenciada tanto pelos elementos objetivos (multiplicidade de atos em contextos diversos) quanto subjetivos (finalidade específica de obter informação), justificando sua imputação em concurso material com o homicídio qualificado. DA IMPRONÚNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO Embora os fatos narrados na denúncia demonstrem que a vítima foi efetivamente privada de sua liberdade em diversos momentos, inicialmente quando cercada próximo à Igreja Santa Luzia, depois quando conduzida ao Bairro da Paz e finalmente quando transportada no veículo de aplicativo - entendo que os denunciados devem ser impronunciados em relação ao crime previsto no art. 148, §2º do Código Penal. Isto porque a privação da liberdade, no caso concreto, constituiu claramente crime-meio necessário para a prática dos crimes de tortura e homicídio qualificado. Os atos de cerceamento da liberdade não possuíram autonomia própria, sendo instrumentais e necessários para viabilizar tanto as sessões de tortura visando obter informação sobre a motocicleta quanto a posterior execução da vítima. Ademais, a qualificadora do §2º do art. 148 (resultado de grave sofrimento físico ou moral em razão dos maus tratos) se confunde com os próprios elementos do crime de tortura, já que os mesmos atos que causaram o intenso sofrimento à vítima - as agressões com ripas, socos, chutes e demais violências - constituem o núcleo da conduta de tortura. Manter ambas as imputações significariam inadmissível bis in idem. Assim, aplicando-se o princípio da consunção, o crime-meio (sequestro) deve ser absorvido pelos crimes-fins (tortura e homicídio qualificado), mais graves e que já abrangem a totalidade do desvalor da conduta dos agentes. Pelo exposto, impõe-se a impronúncia dos denunciados em relação ao crime de sequestro e cárcere privado qualificado (art. 148, §2º, CP), sem prejuízo da pronúncia pelos demais delitos narrados na denúncia. DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA A materialidade e os indícios de autoria do crime de associação criminosa estão demonstrados nos autos através de diversos elementos probatórios que indicam a existência de uma organização estável e permanente, com divisão de tarefas e hierarquia própria. A materialidade se evidencia inicialmente pela própria dinâmica coordenada dos crimes, que demonstra atuação típica de facção criminosa. Os vídeos juntados aos autos registram o uso de linguagem característica de organização criminosa, com expressões como "disciplina" e referências a "violação das regras" do grupo, indicando a existência de um código de conduta próprio e estruturado. O contexto das agressões, apresentadas como uma espécie de "tribunal do crime", revela não um mero concurso eventual de agentes, mas uma estrutura organizada que exerce poder paralelo no território, impondo suas próprias regras e punições. Este elemento é corroborado pelo depoimento do Delegado que presidiu o inquérito, que confirmou em juízo o contexto de atuação de facções criminosas em Itacoatiara e seu poder de intimidação sobre a população. Quanto aos indícios de autoria, há nos autos elementos que vinculam os denunciados à associação criminosa. O motorista de aplicativo Daniel, em seu depoimento inicial, descreveu uma clara estrutura hierárquica, com Kesed dando ordens e comandos aos demais. A posterior retratação da testemunha em juízo, inclusive, foi contextualizada pelo Delegado como resultado do poder de intimidação do grupo, já que a testemunha possui comércio na área por ele dominada. A divisão de tarefas entre os denunciados - desde a captura inicial da vítima, passando pelas sessões de tortura em diferentes locais, até sua execução - demonstra não uma conjugação eventual de esforços, mas uma atuação coordenada e previamente organizada, típica de associação criminosa estável. O modus operandi empregado, com uso de diferentes locais controlados pelo grupo, linguagem própria e estrutura hierárquica, somado ao contexto de dominação territorial evidenciado nos depoimentos, fornece indícios suficientes da vinculação dos denunciados a uma associação criminosa estruturada e permanente. Importante ressaltar que, embora existam elementos que sugiram a possível atuação de uma organização criminosa nos termos da Lei 12.850/13, não se mostra adequada a emendatio libelli para este crime mais grave neste momento processual. Isto porque o crime de organização criminosa exige a demonstração de elementos específicos, como estrutura ordenada, divisão de tarefas, objetivo de obter vantagem mediante crimes com pena superior a 4 anos ou transnacionais, que não puderam ser suficientemente demonstrados durante a instrução preliminar. A prudência recomenda manter a capitulação original de associação criminosa, deixando eventual readequação típica para a fase do art. 383 do CPP, após instrução plena perante o Tribunal do Júri. Embora não exista uma previsão expressa de uma emendatio libelli formal pelo juiz presidente durante o plenário do Tribunal do Júri, nos mesmos termos do artigo 383 do CPP. No entanto, a condução do julgamento pelo juiz, a formulação dos quesitos com base nas teses apresentadas e a adequação da capitulação legal na sentença final, após o veredicto dos jurados, refletem a necessária aplicação do direito aos fatos decididos pelo Conselho de Sentença. Desta forma, presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia dos denunciados também pelo crime de associação criminosa previsto no art. 288 do Código Penal, cabendo ao Tribunal do Júri a decisão final sobre sua configuração. DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA QUANTO AO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES A materialidade e os indícios de autoria do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA) estão demonstrados nos autos através de elementos que comprovam o envolvimento do adolescente Jackson Vinhote Barros da Silva nos graves crimes praticados contra Shayanne. A materialidade se evidencia pelos vídeos juntados ao inquérito que mostram o adolescente participando ativamente das sessões de tortura no Bairro da Paz, bem como pelo próprio depoimento de Jackson em juízo, onde confessou ter agredido a vítima com ripas e com as mãos. Quanto aos indícios de autoria, estes são especialmente robustos em relação ao denunciado Marcos Vinícius. Em seu interrogatório, Jackson afirmou que "estava brincando de pipa com Marcos Vinícius quando o segundo o convidou para ir até o local onde estavam segurando a vítima". A testemunha Gabriel também confirmou ter reconhecido Jackson e Marcos Vinícius agredindo a vítima nas imagens do espancamento. O contexto probatório demonstra que não houve mera presença do adolescente no local dos fatos, mas sim seu efetivo aliciamento para participar das condutas criminosas. Marcos Vinícius, conhecendo a menoridade de Jackson, deliberadamente o chamou para participar das agressões, inserindo-o no contexto de grave violência que culminou com a morte da vítima. A participação do menor não foi ocasional ou periférica - ele foi ativamente envolvido nas agressões e torturas, evidenciando a corrupção de sua moral pela prática de infrações graves, em típica conduta de corrupção de menores que independe, inclusive, de prova da efetiva corrupção, conforme Súmula 500 do STJ. Desta forma, presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, especialmente em relação ao denunciado Marcos Vinícius, impõe-se a pronúncia pelo crime de corrupção de menores previsto no art. 244-B do ECA, entretanto se estendo essa imputação a todos os denunciados por , em tese, terem anuído a presença do adolescente e com ele praticando crimes, cabendo ao Tribunal do Júri a decisão final sobre sua configuração. Ante o exposto, com fundamento no artigo 413 do Código de Processo Penal: 1. PRONUNCIO os réus DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO, ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e KESEDE PAULINO MACEDO, devidamente qualificados nos autos, como incursos nas sanções do: a) artigo 121, § 2º, incisos I (motivo torpe), III (meio cruel) e IV (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), do Código Penal; b) artigo 1º, §3° e §4º, III, da Lei nº 9.455/1997 (crime de tortura qualificada); c) artigo 288, parágrafo único, do Código Penal (associação criminosa armada); d) artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores). 2. IMPRONUNCIO todos os réus em relação ao crime de sequestro e cárcere privado qualificado (artigo 148, §2º do Código Penal), com fundamento no princípio da consunção, por constituir crime-meio absorvido pelos crimes-fins. Considerando o recebimento do Ofício nº 1451/2025 - CCRIM da Câmara Criminal do TJAM, comunicando que o relator da Cautelar Inominada Criminal nº 0003111-93.2025.8.04.9001, concedeu tutela de urgência ao recurso do Ministério Público, atribuindo efeito suspensivo ativo ao Recurso em Sentido Estrito interposto contra a decisão que revogou a prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA. Verifico que a decisão determinou especificamente a prisão preventiva apenas destes três réus, não incluindo MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA, cuja situação de liberdade deve ser mantida, visto não ter sido objeto do recurso julgado pela Câmara Criminal. Quanto a KESEDE PAULINO MACEDO, sua prisão preventiva já estava mantida por decisão anterior deste juízo (fls. 355.1). Portanto, DETERMINO o cumprimento imediato da decisão do Desembargador Relator, procedendo-se à prisão preventiva dos réus NALBER DOS ANJOS GUIMARÃES, DAVID LUCAS MEDEIROS BRITO e ÍCARO NOGUEIRA DA SILVA, mantendo-se a liberdade de MARCOS VINÍCIUS DOS SANTOS VIEIRA e a prisão de KESEDE PAULINO MACEDO. COMUNIQUE-SE à autoridade policial para cumprimento dos mandados já expedidos pela instância superior, em fls. 365.1. COMUNIQUE-SE ao Ministério Público com atribuição na Vara de Execuções Penais acerca da pronúncia do KESED PAULINO MACEDO (Proc. 0001104-77.2018.8.04.4700 e 0000567-18.2017.8.04.4700 SEEU), para requerer o que entender de direito. OFICIE-SE à autoridade policial para que proceda à apuração de possível crime de falso testemunho praticado pela testemunha DANIEL DA SILVA SERRÃO, motorista de aplicativo que transportou os envolvidos no evento criminoso, bem como, a apuração relativa à participação da testemunha GABRIEL REBOUÇAS ALMEIDA, nos crimes de homicídio qualificado, Associação criminosa e tortura qualificada em desfavor de Shayanne Batista dos Santos. Encaminhe-se, em anexo, cópia integral das mídias contendo os depoimentos colhidos em audiência de instrução e julgamento para subsidiar a investigação. Após o trânsito em julgado desta decisão, intimem-se o Ministério Público e as defesas para apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco) para cada parte, nos termos do artigo 422 do Código de Processo Penal. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

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Resultados para o tribunal: TJAM

Resultados para "0000567-23.2023.8.26.0229" – Página 3 de 3

Ministerio Publico Do Estado Do Amazonas x David Lucas Medeiros Brito e outros

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