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Araci Pereira Barros x Marcos Delli Ribeiro Rodrigues e outros

ID: 324860646

Tribunal: TJAP Órgão: 4ª VARA CÍVEL E DE FAZENDA PÚBLICA DE MACAPÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 6050633-12.2024.8.03.0001

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

ARACI PEREIRA BARROS

Polo Passivo:

MARCOS DELLI RIBEIRO RODRIGUES MICHELLE SANTOS ALLAN DE OLIVEIRA

Intimação

Advogados:

MARCOS DELLI RIBEIRO RODRIGUES

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MICHELLE SANTOS ALLAN DE OLIVEIRA

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FLAVIO NEVES COSTA

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MARCOS DELLI RIBEIRO RODRIGUES

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MICHELLE SANTOS ALLAN DE OLIVEIRA

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FLAVIO NEVES COSTA

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BRUNO MONTEIRO NEVES

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Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Amapá 4ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá Avenida FAB, 1749 Fórum de Macapá, 1749, Fórum de Macapá, Central, Macapá - AP - CEP: 68900-906 Balcão Virtu… Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Amapá 4ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá Avenida FAB, 1749 Fórum de Macapá, 1749, Fórum de Macapá, Central, Macapá - AP - CEP: 68900-906 Balcão Virtual: https://us02web.zoom.us/j/2021803001?pwd=L2ZpaDZOUERLYjdtQ2ZkZFdiMmQ4QT09 Número do Processo: 6050633-12.2024.8.03.0001 Classe processual: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: ARACI PEREIRA BARROS REU: BANCO DO BRASIL SA, BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., BANCO MASTER S/A DECISÃO Converto o julgamento em diligência. Trata-se de ação de Procedimento Comum Cível, enquadrada na temática do superendividamento, ajuizada por ARACI PEREIRA BARROS em face do BANCO DO BRASIL S.A., BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. e BANCO MASTER S/A. A parte autora, servidora pública do Estado do Amapá, matrícula nº 34240801, percebe remuneração bruta no valor de R$ 6.678,94 (seis mil, seiscentos e setenta e oito reais e noventa e quatro centavos), e líquido após os descontos compulsórios legais de R$ 5.584,68 (cinco mil, quinhentos e oitenta e quatro reais e sessenta e oito centavos), conforme Relatório sobre o Comprometimento da Renda (ID 17170236). Pretende, em síntese, a repactuação de suas dívidas, alegando encontrar-se em situação de superendividamento, de modo que os descontos em seus rendimentos, que incluem operações de empréstimos consignados e saques de cartão de benefício, comprometem sobremaneira o seu mínimo existencial. Em sede liminar, foi deferida a tutela de urgência (ID 15226169) determinando a suspensão e exclusão imediata de novos descontos pelo Banco Requerido (Banco Master) sob a rubrica "Reserva Cartão Consignado", no valor de R$ 60,60, e a limitação dos descontos de empréstimos consignados ao patamar máximo de 30% sobre o total mensal das parcelas de caráter remuneratório e permanente que compõem a remuneração da autora, além da abstenção de inclusão do nome da autora nos cadastros de inadimplentes, sob pena de multa diária. Em cumprimento à decisão liminar, o Banco Master informou a suspensão dos descontos referentes às operações de saque fácil e a não inclusão do nome da Autora nos órgãos de proteção ao crédito (ID 15737021 e ID 18565015). A Secretaria de Estado da Administração (SEAD), órgão pagador da servidora, também informou a suspensão de algumas operações junto ao Banco do Brasil e Santander, e a inclusão de uma parcela de consignação no valor de R$ 2.375,94, perfazendo 30% do total mensal de rendimentos da servidora, em atendimento à ordem judicial (ID 17787018). O BANCO MASTER S/A. ofertou contestação (ID 15737021), arguindo preliminarmente: a) Impugnação à assistência judiciária gratuita, alegando que a Autora não comprovou sua real condição financeira, limitando-se a aduzir hipossuficiência, e que seu rendimento líquido é superior a um salário mínimo. b) Cumprimento da decisão liminar, informando que procedeu à suspensão dos descontos referentes às operações de saque fácil e que não incluiu o nome da Autora nos órgãos de proteção ao crédito. c) Indeferimento da inicial por ausência da condição de superendividamento, sustentando que a Autora não se enquadra no conceito legal de superendividamento (Lei 14.181/2021, art. 54-A, §1º), pois, mesmo com os descontos, recebe valor superior ao mínimo existencial fixado em R$ 600,00 pelo Decreto nº 11.567/2023. d) Ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento de que não possui acesso aos demais descontos ou à margem consignável de outras instituições financeiras, sendo a averbação de responsabilidade do Sistema de Consignações do Estado do Amapá, conforme o Decreto Estadual 2.692/2023. No mérito, o Banco Master defendeu a legalidade de sua conduta, distinguindo o serviço de "saque fácil" (cartão de benefícios Credcesta) do empréstimo consignado comum, afirmando que o primeiro possui taxas mais atrativas e parcelas fixas, não rotativas. Alegou que os descontos estão dentro dos limites legais (Decretos Estaduais nº 5.334/2015 e 2.692/2023, que reservam 5% para cartão de crédito e 5% para saque com cartão de benefício). Sustentou que a contratação foi eletrônica, com aceite e ciência da Autora sobre as condições, e que a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) não se aplica ao caso, seja por ser anterior à sua vigência, seja por suposta má-fé ou comportamento contraditório da Autora. Por fim, impugnou os pedidos de danos morais e a inversão do ônus da prova. O BANCO DO BRASIL S.A. ofertou contestação no ID 17474216, arguindo preliminarmente: a) Impugnação aos benefícios da justiça gratuita, alegando ausência de indícios da necessidade e que as custas podem ser parceladas (art. 98, §6º do CPC). b) Inépcia da inicial por ausência de documentos indispensáveis, sustentando que a Autora não comprovou a destinação dos créditos para despesas essenciais, nem que as dívidas não se enquadram nas exceções do § 3º do art. 54-A do CDC (dívidas de luxo ou contraídas de má-fé), e que faltou a declaração de imposto de renda. c) Inépcia da inicial pela exclusão de parcelas de dívidas consignadas e de antecipação de 13º salário da aferição do mínimo existencial, conforme o Decreto nº 11.150/2022, art. 4º, alíneas "h" e "i". d) Inviabilidade do plano de pagamento proposto pela Autora, argumentando que o plano não assegura a quitação do principal em cinco anos e que a redução do prazo aumentaria as parcelas, sendo prejudicial. e) Ausência dos pressupostos legais para a tutela de urgência, alegando que não há probabilidade do direito ou perigo de dano, pois a Autora usufruiu da renda e agora busca não adimplir. No mérito, o Banco do Brasil defendeu o regular exercício do direito da instituição bancária, afirmando que os contratos foram firmados com respeito ao acordo entre as partes e que a cobrança é legítima. Destacou que apenas três das nove operações da Autora são empréstimos consignados, e que os demais mútuos comuns não estão limitados pela margem consignável, citando precedentes do STJ (REsp 1.586.910-SP e AgInt no REsp nº 1.390.570-PR). Alegou que a renda da Autora ultrapassa R$ 8.000,00, e que a margem consignável deve ser calculada sobre rendimentos brutos. Sustentou a inaplicabilidade da Teoria do Superendividamento, pois a Autora não é vítima de infortúnios, mas de descontrole pessoal ou má-fé, e que o mínimo existencial de R$ 600,00 já é superado. Afirmou a legalidade da contratação e a licitude dos juros contratados, que não se sujeitam à Lei da Usura (Súmula 596 STF), e que a taxa de juros acima da média de mercado não é abusiva por si só, exigindo desvantagem exagerada. Defendeu a legalidade da Tarifa de Cadastro e do IOF, conforme resoluções do CMN e entendimento do STJ. Por fim, impugnou a inversão do ônus da prova e os pedidos de danos morais. O BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. contestou no ID 15800328. Impugnou o pedido de gratuidade e arguiu a inépcia da inicial. No mérito, impugnou a pretensão autoral. A Autora apresentou um "Relatório Analítico sobre o Comprometimento da Renda e Plano de Pagamento Provisório" (ID 17170236 e ID 17170237), buscando a quitação de seus débitos em 60 meses, com carência de 180 dias e juros mensais de 0,00%, preservando o mínimo existencial. Em réplica (ID 18182285), a autora argumenta que os contratos com o Banco Master devem ser considerados quitados, dado que o saldo devedor apurado por ela seria insignificante ou negativo, e reforça a necessidade de os Réus apresentarem os saldos devedores atualizados com base apenas na correção monetária. Diante da complexidade das operações financeiras envolvidas, das múltiplas modalidades de crédito contratadas (empréstimos consignados tradicionais, saques de cartão de benefício), das diferentes taxas de juros e sistemas de amortização, bem como da divergência entre as partes quanto ao real saldo devedor e à viabilidade do plano de repactuação proposto pela Autora, mostra-se indispensável a realização de uma perícia contábil. Somente através de uma análise técnica aprofundada será possível determinar o fluxo financeiro de cada contrato, os valores efetivamente pagos e o saldo devedor atualizado, considerando as peculiaridades de cada avença, bem como a real margem consignável disponível e a capacidade de pagamento da consumidora. DAS PRELIMINARES Em atenção à análise das preliminares apresentadas pelos três réus, BANCO MASTER S/A (ID 15737021), BANCO DO BRASIL S.A. (ID 17474216) e BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (ID 15800328), e considerando que as defesas foram tratadas de forma unificada pela parte autora em sua réplica (ID 18182285), as questões processuais suscitadas merecem análise detida, à luz das disposições legais e do contexto fático processual. Da Impugnação à Gratuidade da Justiça O Banco do Brasil S.A. impugnou a gratuidade de justiça concedida à parte autora, argumentando que sua renda seria suficiente para arcar com as custas processuais, inclusive mediante parcelamento. Contudo, a concessão da gratuidade de justiça à parte autora já foi objeto de decisão anterior por este Juízo (ID: 15168266 e reiterada em 15226169), pautando-se na análise da hipossuficiência declarada e da documentação acostada aos autos, em especial a planilha de comprometimento de renda (ID: 15222571). A Lei nº 1.060/1950, que regulava a assistência judiciária gratuita, conferia presunção juris tantum à declaração de pobreza. Embora o Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 98 e seguintes, tenha aprimorado a disciplina, a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência ainda prevalece, cabendo à parte adversa a prova em contrário. No caso, a contestação do réu não trouxe elementos concretos e suficientes para afastar a presunção legal de hipossuficiência. A autora, embora servidora pública, demonstrou um comprometimento de quase a totalidade de sua renda com dívidas e despesas essenciais, configurando, de fato, a impossibilidade de arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família. Ora, a própria natureza da ação de superendividamento, que busca a preservação do mínimo existencial e a dignidade do consumidor, reforça a necessidade de assegurar o amplo acesso à justiça para indivíduos em situação de vulnerabilidade financeira. Exigir o recolhimento de custas ou mesmo o seu parcelamento, em casos onde a renda já se encontra gravemente comprometida, seria impor um óbice indevido ao exercício do direito fundamental de acesso ao Judiciário, em contrariedade aos princípios que informam a Lei nº 14.181/2021. Assim, não havendo comprovação robusta que desconstitua a condição de hipossuficiência da autora e considerando a coerência da decisão anterior que deferiu o benefício, a preliminar de impugnação à gratuidade de justiça deve ser integralmente rejeitada. Da Inépcia da Inicial por Ausência de Documentos e Inaplicabilidade do Decreto nº 11.150/2022 O Banco do Brasil S.A. arguiu a inépcia da inicial, sob a alegação de que a parte autora não teria comprovado que suas dívidas foram contraídas para despesas essenciais e não para aquisição de produtos de luxo ou por má-fé, conforme exigiria o artigo 54-A, §3º, do Código de Defesa do Consumidor. Complementarmente, invocou o Decreto nº 11.150/2022 para excluir empréstimos consignados e operações de antecipação de 13º salário da aferição do mínimo existencial, o que, em sua interpretação, afastaria a aplicação da Lei do Superendividamento ao caso. Contudo, a petição inicial está devidamente instruída com documentos que, em cognição sumária, são suficientes para demonstrar a plausibilidade da alegação de superendividamento. A autora apresentou contracheques (ID: 15039827), fatura de energia (ID: 15039814), o relatório do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR - ID: 15039831), e uma planilha analítica que detalha os empréstimos e as despesas familiares (ID: 15222571). Tais documentos oferecem um panorama claro do comprometimento da renda da autora e da magnitude de suas obrigações financeiras. O artigo 54-A, §§ 1º e 2º, do Código de Defesa do Consumidor, introduzido pela Lei nº 14.181/2021, define o superendividamento como a "impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial", e especifica que tais dívidas "englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada". A exclusão prevista no § 3º do mesmo artigo (dívidas contraídas mediante fraude, má-fé ou luxo de alto valor) constitui uma exceção que, para ser aplicada, requer prova robusta, cujo ônus recai sobre quem a alega. Tal análise, ademais, é matéria de mérito, a ser dirimida após a instrução probatória, e não em sede preliminar de inépcia. Quanto à invocação do Decreto nº 11.150/2022, é fundamental ressaltar que se trata de uma norma infralegal, cuja função é regulamentar a lei, e não inová-la ou restringir seu alcance. A Lei nº 14.181/2021 é expressa ao incluir "quaisquer compromissos financeiros" decorrentes de relação de consumo no conceito de superendividamento, sem fazer distinção entre empréstimos consignados ou outras modalidades de crédito que impactam o orçamento do consumidor. A interpretação de que o Decreto excluiria os consignados da aferição do mínimo existencial esvaziaria significativamente o propósito protetivo da lei, que é justamente oferecer uma via para a repactuação de dívidas que comprometem a subsistência do consumidor. A jurisprudência, inclusive do Tribunal de Justiça do Amapá, tem se posicionado no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor se aplica amplamente às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ) e que o caráter infralegal de decretos não pode esvaziar o sentido da lei. Destaco que as decisões proferidas pelo TJAP, como aquelas citadas na réplica da autora (Processos n.º 6000436-56.2024.8.03.0000 e 6000068-13.2025.8.03.0000), reforçam que a boa-fé do consumidor é presumida e que a lei de superendividamento visa à repactuação sem eximir o devedor do pagamento, apenas buscando condições que preservem seu mínimo existencial. A discussão sobre a (in)constitucionalidade do Decreto nº 11.150/2022 e a sua conformidade com a Lei nº 14.181/2021 será objeto de controle difuso incidental por este Juízo, caso necessário, no momento oportuno. Ademais, a inversão do ônus da prova já foi deferida (ID: 15226169), incumbindo aos réus a apresentação dos contratos e saldos devedores detalhados. A alegação de inépcia da inicial pela falta de documentos que estão em posse dos próprios réus e que deveriam ter sido exibidos em cumprimento à decisão de inversão se mostra contraditória e não pode prosperar. A petição inicial preenche os requisitos do artigo 319 do Código de Processo Civil, com a causa de pedir e os pedidos formulados de forma clara e concatenada com os documentos que instruem o feito. Diante do exposto, a preliminar de inépcia da inicial deve ser rejeitada. Da Falta de Interesse de Agir (Não Esgotamento da Via Administrativa e Inviabilidade do Plano de Pagamento) O Banco do Brasil S.A. arguiu a falta de interesse de agir da autora, sob dois fundamentos: o não esgotamento da via administrativa e a inviabilidade do plano de pagamento proposto na inicial. Ambas as alegações, todavia, não se sustentam. Primeiramente, a Lei nº 14.181/2021, ao introduzir os artigos 104-A e 104-B ao Código de Defesa do Consumidor, não estabeleceu o esgotamento da via administrativa como condição para o ajuizamento da ação de superendividamento. Pelo contrário, a norma prevê a instauração do processo de repactuação de dívidas "a requerimento do consumidor superendividado", indicando a via judicial como um caminho direto e legítimo para a busca da solução. A própria previsão de audiência de conciliação judicial reforça o papel do Judiciário como um dos fóruns primários para a resolução do superendividamento. A narrativa da autora sobre a multiplicidade de empréstimos e sucessivas renovações, que a levaram à atual situação, demonstra que as tentativas de solução pré-processual, ainda que informais, foram ineficazes, justificando plenamente o acionamento do Poder Judiciário. O direito de ação não pode ser condicionado a um exaurimento de vias administrativas que a própria lei não impõe. Em segundo lugar, a alegação de inviabilidade do plano de pagamento proposto pela autora não configura falta de interesse de agir, mas sim questão pertinente ao mérito e à instrução processual. A A autora apresentou um Plano de Pagamento Provisório (IDs: 15039833 e 15222571), que detalha a proposta de repactuação com base no saldo devedor, percentuais e prazos e a análise da exequibilidade e razoabilidade desse plano, bem como a sua adequação aos preceitos legais (especialmente a garantia do valor principal corrigido monetariamente) é o cerne do processo de superendividamento. É durante a fase de instrução, com a participação de todos os credores, que se buscará a construção de um plano de pagamento que seja justo e viável para ambas as partes. A ausência de apresentação pelos réus de seus próprios saldos devedores atualizados, sem juros, conforme reiteradamente solicitado pela autora e determinado pela inversão do ônus da prova, é que tem dificultado a consolidação de um plano definitivo, não podendo tal omissão ser imputada à autora como causa de inépcia ou falta de interesse de agir. Assim, não há que se falar em falta de interesse de agir da parte autora, devendo a preliminar ser rejeitada. Da Ilegitimidade Passiva ad causam (Implícita na Defesa do Banco do Brasil) Embora o Banco do Brasil S.A. não tenha articulado expressamente a preliminar de ilegitimidade passiva, sua contestação contém a tese de que a responsabilidade pelos descontos seria do órgão empregador da autora e que o banco não teria acesso às informações sobre a margem consignável dos servidores. Essa argumentação, de certo modo, tangencia a questão da legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. Essa tese, contudo, carece de fundamento jurídico sólido. As instituições financeiras que concedem os empréstimos consignados são, indubitavelmente, partes legítimas para figurar no polo passivo de uma ação que visa à repactuação dessas dívidas. A relação jurídica de consumo se estabelece diretamente entre o consumidor e a instituição financeira, sendo esta a credora e a responsável pela oferta de crédito e pelas condições contratuais. O fato de o desconto ser efetuado diretamente na folha de pagamento pelo órgão empregador é apenas um mecanismo de cobrança, que não retira a responsabilidade dos bancos sobre a legalidade, a moderação e a adequação da concessão do crédito. Pelo contrário, a própria alegação do banco de que não teria acesso à margem consignável do servidor ou a outras dívidas com terceiros, se fosse verdadeira, reforçaria a tese da autora sobre a "oferta irresponsável de crédito". A Lei nº 14.181/2021, ao introduzir o artigo 54-D no Código de Defesa do Consumidor, impõe aos fornecedores de crédito o dever de informar o consumidor acerca do custo efetivo total, da taxa de juros, do montante das prestações, do número e periodicidade das parcelas, da soma total a pagar e do direito de liquidação antecipada, bem como de avaliar a capacidade de pagamento do consumidor. Tenho, ainda, que a negligência na avaliação da capacidade de pagamento e na verificação do comprometimento da renda do consumidor, independentemente do mecanismo de desconto, caracteriza falha no dever de crédito responsável, tornando a instituição financeira parte legítima e principal no processo de repactuação. Portanto, as instituições financeiras são partes legítimas para responder à presente demanda, e a preliminar, ainda que implicitamente ventilada, deve ser rejeitada. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA PARA O SANEAMENTO E A PROVA PERICIAL O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 357, consagra o dever do magistrado de sanear o processo, organizando-o para que a fase instrutória seja efetiva e o julgamento do mérito ocorra de forma célere e justa. O saneamento é um momento crucial onde se definem as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, os meios de prova admitidos, o ônus da prova e os prazos para sua produção. A busca pela verdade real e a adequada resolução da lide demandam que o Juízo esteja munido de todos os elementos necessários para formar seu convencimento. Neste contexto, a Lei nº 14.181/2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento da pessoa natural, reforça a importância de um olhar acurado sobre a situação financeira do consumidor. O artigo 54-A, § 1º, do CDC, introduzido pela referida lei, define o superendividamento como a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. A lei preconiza a instauração de um processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória e apresentação de proposta de plano de pagamento, sempre buscando a preservação do mínimo existencial e a reinserção do consumidor no mercado de consumo. Para a efetividade do processo de repactuação e para que o plano de pagamento seja justo e exequível, torna-se imperiosa a realização de perícia contábil. O artigo 370 do Código de Processo Civil de 2015 confere ao juiz a prerrogativa de determinar as provas necessárias à instrução do processo, enquanto o artigo 464 do mesmo diploma legal estabelece que a prova pericial será admitida quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. No caso em apreço, a análise da complexa teia de contratos de empréstimos consignados e saques de cartão de benefício, com suas respectivas taxas, juros, IOF, seguros e planos de amortização, bem como a apuração do exato saldo devedor de cada operação e a projeção de um plano de pagamento que respeite o mínimo existencial da Autora, exigem conhecimentos especializados de contabilidade e finanças. A perícia é, portanto, o instrumento adequado para esclarecer os fatos técnicos controvertidos e subsidiar a decisão judicial, garantindo a paridade de armas e a busca por uma solução equitativa para todas as partes envolvidas no processo. DA NOMEAÇÃO DO PERITO E DA FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS Considerando a complexidade do caso e a natureza técnica das questões a serem dirimidas, especialmente a análise detalhada de todos os contratos firmados com as 3 instituições financeiras, conforme as informações constantes nos autos do Processo SEI nº 0005817-29.2025.8.03.0901, que trata da requisição de pagamento dos honorários periciais, entendo pertinente a nomeação de perito contábil para auxiliar este Juízo. Assim, com base no artigo 156, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, e em consonância com a Resolução nº 233/2016-CNJ, que instituiu o Cadastro Eletrônico de Peritos e Órgãos Técnicos ou Científicos (CPTEC) para gerenciamento e escolha de profissionais habilitados, NOMEIO como Administrador Judicial, com função de perito contábil, o Sr. MOISÉS SILVA CAMPOS, cujos dados de contato e qualificação são: Telefone: (96) 9 9119-7185 RG: 211.521-AP CPF: 432.131.702-91 CRC – AP: 001154/O-8 PIS PASEP: 125.99845.03-5 Endereço: Rua Hamilton Silva, 1180 - Central, Macapá – AP O valor dos honorários periciais é fixado em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor este que se mostra justo e compatível com a complexidade da demanda e a vasta documentação a ser analisada, abrangendo diversas modalidades de crédito e um histórico financeiro extenso da parte autora. A justificativa para este montante, inclusive, encontra respaldo no Despacho Decisório Nº 862/2025/GABINETE DO PRESIDENTE (Processo SEI nº 0005817-29.2025.8.03.0901), que já reconheceu a intervenção de profissional técnico contábil para a elaboração de plano de pagamento compulsório nos termos da Lei nº 14.181/2021, justificando a valoração em ID 0087723 dos referidos autos. Importa ressaltar que a fixação dos honorários periciais observou as diretrizes da Resolução nº 232/2016 – CNJ, que dispõe sobre os valores a serem pagos pelos serviços de perícia de responsabilidade de beneficiários da justiça gratuita. O artigo 2º, § 4º, da referida Resolução, permite que o juiz, ao fixar os honorários, ultrapasse o limite estabelecido na tabela em até 5 (cinco) vezes, desde que de forma fundamentada. A análise de todos os contratos (acima de 4) com a finalidade de detalhar o plano de repactuação de dívidas, inegavelmente confere à presente perícia um grau de complexidade que excede o padrão, legitimando o valor ora arbitrado e a excepcionalidade, em consonância com a Portaria 74996-2025 TJAP que disciplina os valores para casos no âmbito deste Egrégio Tribunal. O custeio da perícia será realizado com recursos alocados no orçamento do ente público, tendo em vista que a parte a quem aproveita a perícia é beneficiária da justiça gratuita, na forma do art. 95, § 3º, incisos I e II, do Código de Processo Civil, c/c a Instrução Normativa nº 109/2023-GP/TJAP, que instituiu os procedimentos auxiliares à instrução administrativa para requisição de pagamentos de honorários periciais em casos de justiça gratuita. DOS PRAZOS PROCESSUAIS E DILIGÊNCIAS Para a regular condução da prova pericial e o prosseguimento do feito, estabeleço os seguintes prazos e diretrizes: PRAZO PARA ACEITE DO ENCARGO: Intime-se o Sr. Moisés Silva Campos para que, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados de sua intimação, informe nos autos se aceita o encargo e, em caso positivo, apresente sua proposta de trabalho e currículo, se ainda não o fez. O não cumprimento deste prazo será interpretado como recusa ao encargo. PRAZO PARA ENTREGA DO LAUDO PERICIAL: Com o aceite do encargo e, se necessário, a juntada da proposta de trabalho, o perito deverá apresentar o laudo pericial detalhado, incluindo a análise de todos os contratos e um plano de repactuação viável, no prazo de 60 (sessenta) dias úteis, contados da data da intimação para o início dos trabalhos. O laudo deverá abordar, de forma clara e objetiva, todos os pontos controvertidos levantados pelas partes e eventuais outros que o perito entender relevantes para a elucidação da situação de superendividamento da Autora, bem como apurar o saldo devedor atualizado de cada contrato, considerando o valor principal corrigido monetariamente por índices oficiais, e decotando os valores já pagos. PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS: O depósito do valor dos honorários periciais (R$ 3.000,00) em conta judicial vinculada ao processo será providenciado pela Secretaria de Finanças do Tribunal de Justiça do Amapá, após o aceite do encargo pelo perito, conforme as diretrizes do artigo 95, §3º, do Código de Processo Civil de 2015 e da Instrução Normativa nº 109/2023-GP/TJAP, devendo o perito informar os dados da conta judicial a ser criada para este fim. A liberação do valor ao perito se dará após a entrega do laudo e a manifestação das partes, salvo acordo diverso homologado pelo juízo. PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO DAS PARTES: Após a juntada do laudo pericial, intimem-se as partes para que, no prazo sucessivo de 15 (quinze) dias úteis para cada parte, se manifestem sobre o trabalho pericial, podendo apresentar quesitos suplementares, impugnações ou requerer esclarecimentos, conforme artigo 477, § 1º, do CPC. DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA No tocante ao ônus da prova, em observância ao Código de Defesa do Consumidor e à natureza da presente demanda, que versa sobre superendividamento, MANTENHO A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA já deferida por este Juízo (ID 15226169 e reiterada na réplica ID 18182285), com fundamento no artigo 6º, inciso VIII, do CDC. A hipossuficiência técnica e econômica da consumidora em face das instituições financeiras é manifesta, e a complexidade das relações contratuais e dos cálculos financeiros justifica a atribuição aos Réus do ônus de comprovar a regularidade dos encargos, dos descontos e a inexistência de saldo devedor, bem como de apresentar informações claras e detalhadas sobre as operações. Assim, compete às instituições financeiras Réu demonstrar a legalidade de suas cobranças, a conformidade das taxas de juros e demais encargos com a legislação e regulamentação aplicáveis, e a correta aplicação dos valores pagos pela Autora em cada um dos contratos. Essa distribuição dinâmica do ônus da prova visa assegurar a efetividade dos direitos do consumidor e a busca pela verdade material no processo, em conformidade com os princípios da boa-fé objetiva e da cooperação processual. DA ESTABILIZAÇÃO DA DECISÃO DE SANEAMENTO Com o propósito de garantir a celeridade e a estabilidade do processo, e considerando a disposição do artigo 357, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, que confere à decisão de saneamento e organização do processo força preclusiva, as partes ficam cientes de que a ausência de impugnação no momento oportuno implicará a estabilização das questões resolvidas. Todas as questões decididas nesta fase, referentes à organização processual, à produção da prova pericial, à nomeação do perito, à fixação de seus honorários, aos prazos e à distribuição do ônus da prova, tornar-se-ão irrecorríveis caso não haja manifestação ou recurso no prazo legal. Este é um mecanismo processual essencial para evitar discussões protelatórias e concentrar a atividade das partes na produção das provas e no deslinde do mérito. Intimem-se as partes e o perito nomeado, Sr. Moisés Silva Campos, de todo o teor desta decisão, para que tomem as providências cabíveis dentro dos prazos assinalados. Dê-se ciência. Cumpra-se. Macapá/AP, 8 de julho de 2025. RODRIGO MARQUES BERGAMO Juiz(a) de Direito do 4ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá

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Processo nº 6000231-90.2025.8.03.0000

ID: 257438812

Tribunal: TJAP Órgão: Gabinete 07 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 6000231-90.2025.8.03.0000

Data de Disponibilização: 16/04/2025

Polo Ativo:

ANA BEATRIZ PEREIRA DE AZEVEDO

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

ANA BEATRIZ PEREIRA DE AZEVEDO

OAB/AP XXXXXX Desbloquear

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAPÁ Processo Judicial Eletrônico GABINETE 05 PROCESSO: 6000231-90.2025.8.03.0000 - HABEAS CORPUS CRIMINAL IMPETRANTE: ANA BEATRIZ PEREIRA DE AZEVEDO, RENATO DE MORAES NERY Ad… TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAPÁ Processo Judicial Eletrônico GABINETE 05 PROCESSO: 6000231-90.2025.8.03.0000 - HABEAS CORPUS CRIMINAL IMPETRANTE: ANA BEATRIZ PEREIRA DE AZEVEDO, RENATO DE MORAES NERY Advogado do(a) IMPETRANTE: ANA BEATRIZ PEREIRA DE AZEVEDO - AP5797-A IMPETRADO: JUIZADO DE VIOLENCIA DOMESTICA - MCP RELATÓRIO RELATÓRIO Cuida-se de Habeas Corpus com pedido liminar impetrado pelos doutores Paulo Feio, Renato Nery e Ana Beatriz de Azevedo em favor do paciente BRUNO SOUZA DE DEUS, por ato que sustenta ilegal e atribui ao Juízo da Central de Garantias, nos autos 0001607-16.2025.8.03.0001. Narra que o paciente conta com enfermidades ocultas – doença mental. E pede a prioridade na tramitação do processo. Informa que no dia 29/01/2025 foi instaurado o auto de prisão em flagrante 0001607-16.2025.8.03.0001, “sob a alegação de descumprimento de medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/06. A prisão foi decretada em audiência de custódia realizada em 30/01/2025, sendo homologado o flagrante e convertida em preventiva.” Discorre quanto à ausência de fundamentação quanto aos requisitos do artigo 312/CPP. Indica a desproporcionalidade da medida, sopesando-se o direito a saúde, vez que foi acometido por transtorno psicológico, estando afastado da Policia militar, indicando receituário da Policlínica da Polícia Militar, atestando seu tratamento psiquiátrico. Enfatizando que a falta de tratamento adequado apenas prejudica ainda mais o paciente. Aponta que o paciente reside há cerca de 5 quilômetros da vítima, reduzindo o risco de reiteração. Bem como está sem arma de fogo, e afastado de suas funções pelo setor competente da Polícia Militar. Defende cabível a conversão da prisão preventiva em domiciliar com imposição de medidas cautelares diversas. Ao final, requer: “a) A concessão da tramitação prioritária para o presente feito, em razão das doenças ocultas que acometem o Requerente, de modo a assegurar a rápida prestação jurisdicional e a proteção de seus direitos fundamentais; b) Que seja concedida a ordem de liberdade, afim de revogar a prisão cautelar por medidas cautelares diversas da prisão ou por prisão domiciliar, podendo serem combinadas entre sim. Para que exclusivamente o paciente possa ser submetido ao tratamento adequado, junto ao psicossocial da polícia militar do Amapá, bem como a clínicas particulares na capital Macapá. Desse modo pugna-se pela imediata expedição do alvará de soltura em nome do direito ao tratamento psicológico e psiquiátrico do paciente; c) Requer a intimação da procuradoria de justiça, para se manifestar no presente remédio Constitucional; d) Em caso de deferimento do pedido anterior, requer que em sede de julgamento de mérito, seja mantida tal decisão. De forma alternativa e subsidiária, requer a concessão da liberdade provisória do paciente, revogando a prisão decretada em audiência de custodia (decisão em anexo) para que o paciente seja submetido ao tratamento referente a sua saúde mental, conforme já explicitado nos tópicos 2.2, 3., 4. e alinha “a” dos pedidos, bem como as clínicas particulares, e à Procuradoria de Justiça.” Indeferi a liminar no sistema PJE (ID 2467711). A douta Procuradoria de Justiça, em parecer de (ID 2508295) oficiou pelo conhecimento do Habeas Corpus, e, no mérito, pela denegação da ordem. Justificando que “não vislumbro nos autos quaisquer elementos que justifiquem a concessão da Ordem pleiteada, eis que reputo a decisão do Magistrado de primeiro grau correta, aplicada consoante a legislação que rege a espécie, tornando-se desta forma, inatacável pela via do Remédio Heroico, uma vez que não padece de ilegalidade e/ou abusividade”. Em 27/03/2025 o presente habeas corpus foi levado a julgamento na secção única, sendo informado pelo impetrante que a medida protetiva de segurança se deu em razão do cometimento de crime contra a honra pelo paciente em desfavor de sua mãe, sobre o qual não houve a apresentação de queixa crime, excedendo atualmente o prazo decadencial. Aduzindo ser a segregação desproporcional para o caso, ante a ausência de saúde mental do paciente. Apresentando ainda carta da vítima (juntada aos autos ID 256877), na qual esta “solicita a revogação das medidas protetivas anteriormente concedidas, pois não me sinto mais ameaçada e entendo que a privação da liberdade do Bruno pode piorar ainda mais a sua condição. Se possível, também peço a reconsideração da prisão preventiva, para que ele possa estar sob os cuidados de quem realmente quer ajudá-lo a superar essa fase difícil.” Após sustentação oral do impetrante, a Procuradoria de Justiça, representada pelo Procurador Nicolau Crispino, retificou o parecer anteriormente apresentado, opinando pela concessão parcial da ordem com aplicação de medidas alternativas à prisão. É o relatório. VOTO VENCEDOR VOTO DE VOGAL O Excelentíssimo Senhor Desembargador JOÃO LAGES (Vogal) – Presidente, entendo que não podemos fazer isso. Veja, uma carta da mãe trazida no HC. Nós estamos aqui substituindo o juiz natural, que é o juiz de primeiro grau. Nós não sabemos como se encaminhará essa situação. Se isso aqui vai chegar a uma tentativa de homicídio no futuro, ou um feminicídio; se ele vai ser condenado e, pegando a pena que o advogado falou da tribuna, ficar no regime aberto, porque ele pode inclusive ser absolvido e pelo cenário que foi ventilado aqui, pode receber uma medida de segurança. De qualquer sorte, se fizermos como o Relator entende, nós estaremos suprimindo a instrução. E o HC não se presta para isso! Nós não podemos pegar uma carta da vítima, no caso a mãe, sem uma análise realmente profunda para saber em que circunstâncias essa mãe a assinou, para saber se ela não fez isso apenas para não ver o filho preso, que, acredito não ser o resultado que ela almeje. Em minha opinião, nós estamos autorizando um julgamento que está fora daquela inicial do HC, incluindo algo que o advogado trouxe da tribuna, uma carta que, a meu ver, não pode ser analisada por nós, que não somos juízes naturais. A nossa competência é tão somente verificar se a decisão está fundamentada, e ela está muito bem fundamentada, e se há essa necessidade de tratamento que, no caso, não é motivo para nós aqui analisarmos. Repito, é instrução. Então, com todas as vênias, nesse caso eu vou denegar a ordem, manter o parecer originário da Procuradoria de Justiça lançado nos autos, com todas as vênias aos entendimentos contrários. EMENTA DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. POLICIAL MILITAR COM INDÍCIOS DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR NEGADA. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME Habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de policial militar preso preventivamente por descumprimento de medidas protetivas de urgência deferidas em favor de sua mãe, no contexto de violência doméstica. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão é definir se a decisão judicial que converteu a prisão em flagrante em preventiva por descumprimento de medida protetiva padece de ilegalidade ou abuso de poder. III. RAZÕES DE DECIDIR A decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva encontra-se devidamente fundamentada. A retratação da vítima em carta apresentada na sessão de julgamento não possui eficácia automática para afastar os fundamentos da prisão, tampouco elide o juízo de periculosidade apontado na decisão de origem. A atuação do Tribunal em habeas corpus deve se limitar à verificação de ilegalidade ou abuso de poder na decisão combatida, sendo vedada a substituição da função do juízo natural do processo para reavaliar provas ou fatos supervenientes não apreciados na instância de origem. IV. DISPOSITIVO E TESE Ordem denegada. DEMAIS VOTOS VOTOS ADMISSIBILIDADE O Excelentíssimo Senhor Desembargador Carlos Tork (Relator) – Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do remédio heroico. MÉRITO O Excelentíssimo Senhor Desembargador Carlos Tork (Relator) – O habeas corpus é remédio constitucional, previsto no artigo art. 5º, LXVIII da Constituição Federal, cuja ordem deve ser concedida sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Da análise dos autos 0001455-65.2025.8.03.0001, no Sistema Tucujuris, observo que inicialmente deferida medidas protetivas em favor da vítima. No seguintes termos. Veja-se. “A requerente, por intermédio da Autoridade Policial, pleiteou a concessão de MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA em face do requerido, em razão de alegada violência doméstica. Narrou a requerente é irmã do requerido e que convive com ele na residência dos pais. Afirmou que desde que o requerido formou-se em Policial Militar passou a ter um comportamento agressivo e violento. Contou que o requerido frequentemente lhe ofende com as seguintes palavras: "puta e vagabunda". Relatou que no dia de ontem, 26/01/2025, após uma discussão, o requerido lhe agrediu e lhe expulsou de casa, bem como resolveu trocar as fechaduras do imóvel. Por fim, informou que teme por sua integridade física e deseja retornar a morar no imóvel. O pedido veio instruído com boletim de ocorrência, termo de declarações, requerimento de medidas protetivas de urgência e formulário nacional de avaliação de risco de violência doméstica e familiar contra a mulher. As medidas protetivas de urgência são um instrumento processual civil idôneo para evitar a ocorrência de um episódio de violência ou a sua ampliação, destinando-se à proteção da mulher, sua vida digna e seus direitos fundamentais. Está superada a ideia de que têm natureza cautelar penal, visando à proteção de situações processuais ou com natureza sancionatória. Não visam assegurar uma persecução penal ou uma ação cível, mas os direitos fundamentais das mulheres contra a violência doméstica e familiar; visam à proteção de pessoas, não de processos; são voltadas para o futuro, não para o passado. Assim é que a única discussão admitida no presente feito, ainda mais depois das alterações trazidas pela Lei 14.550/23, é a existência ou inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida e de seus dependentes. Pois bem. Diante dos fatos narrados pela ofendida, não vejo alternativa, a não ser deferir as medidas protetivas de urgência requeridas, pois as declarações acostadas aos autos demonstra que vem sofrendo violência física e psicológica, o que impõe a aplicação de medidas para restabelecer o seu bem estar e uma vida saudável. Ademais, a palavra da vítima tem especial relevância em casos de violência doméstica já que os atos de violência ocorrem, grande parte das vezes, sem testemunhas e de forma velada. ANTE O EXPOSTO, com base na Lei 11.340/06, DEFIRO as seguintes MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA: EM RELAÇÃO AO REQUERIDO: a) Afastamento do lar ou local de convivência com a vítima, a fim de preservar sua integridade física e psicológica; b) Proibição de o Autor/ofensor se aproximar e manter contato com a vítima, por qualquer meio de comunicação; c) Expedição de ofício ao Centro de Atendimento às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais, localizado no Camuf (Rua São José, 1570, entre Iracema Carvão Nunes e Coriolano Jucá), para inserção do requerido em programas de recuperação e reeducação e/ou acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual ou em grupo de apoio, em especial o “Grupo Reflexivo de Homens”. EM RELAÇÃO À REQUERENTE: a) Expedição de ofício ao Centro de Atendimento às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais, localizado no Camuf (Rua São José, 1570, entre Iracema Carvão Nunes e Coriolano Jucá), para inserção da requerente em programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; b) Recondução da ofendida ao domicílio, após o afastamento do agressor. PROVIDÊNCIAS FINAIS: 1. Proceda-se a intimação da vítima sobre esta decisão, orientando-a que, na hipótese de descumprimento das medidas protetivas, poderá: a) Acionar a polícia militar do Estado, por meio do telefone 190; e/ou b) Dirigir-se à Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DCCM), localizada na Rua São José, s/n, bairro central, em frente ao Banco do Brasil; ou, na impossibilidade, a qualquer outra Delegacia de Polícia Civil. 2. Intime-se o requerido da presente decisão, advertindo-o que, em caso de descumprimento, poderá ser PRESO nos termos do art. 24-A da Lei 11.340/2006. 3. A presente decisão será reavaliada no prazo de 120 dias, devendo ser o processo encaminhado ao Núcleo Psicossocial de Atendimento à Família – NUPAF, vinculado ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar, localizado no Fórum de Macapá (Rua Manoel Eudóxio, 1º andar), para promover as intervenções necessárias para a reavaliação das medidas protetivas de urgência concedidas anteriormente, em especial se vêm sendo cumpridas de acordo. 4. Ciência ao Ministério Público, à Autoridade Policial e à Defensoria Pública, esta última somente se estiver habilitada. 5. Encaminhe-se cópia desta decisão à Patrulha Maria da Penha. Após o cumprimento dos expedientes acima, conclusos para determinação de suspensão do processo. Cumpra-se com urgência. No mais, remetam-se os autos à Vara Competente.” O paciente foi intimado das medidas protetivas deferidas em 28/01/2025 (#10), sendo informado na certidão que foi necessária força policial para efetuar o afastamento do lar. Contudo, no dia seguinte (29/01/2025) a vítima acionou a policia, vez que o paciente estava na casa da qual devia estar afastado, bem como impedia o acesso da mesma, ainda que ciente da ordem de afastamento do local. E o paciente autuado em flagrante na rotina 0001607-16.2025.8.03.0001. Cuja prisão foi convertida em prisão preventiva. “DECISÃO: Trata-se de Auto de Prisão em Flagrante (APF nº 750/2025) de BRUNO SOUZA DE DEUS, pela suposta prática do crime previsto no artigo 24-A da Lei Federal nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Consoante manifestação gravada em mídia, o Ministério Público pugna pela homologação da prisão em flagrante e respectiva conversão em preventiva. A defesa, a seu turno, pede a concessão de liberdade provisória com medidas cautelares diversas da prisão. É o relatório. Passo a examinar as circunstâncias da prisão. a) Prisão em Flagrante. O Auto de Prisão em Flagrante foi regularmente instruído com depoimentos dos policiais condutores; declarações da vítima; interrogatório; nota de culpa; e comunicação à família do preso, bem como laudo de exame de corpo de delito do custodiado, tudo dentro do prazo legal, em consonância com o que dispõem os artigos 306 e 307 do Código de Processo Penal. Extrai-se do APF que a vítima teria acionado a polícia ontem, dia 29/01/2025, e noticiado que o custodiado teria descumprido as medidas protetivas de urgência concedidas em seu favor nos autos 0001455-65.2025.8.03.0001, uma vez que estava no interior da sua residência. Relata que a vítima não estava conseguindo acessar o imóvel, pois o custodiado a expulsou do local, porém, com a concessão da medida protetiva, conseguiu retornar à residência. Todavia, no dia de ontem, o custodiado descumpriu a ordem judicial e voltou para a casa. A vítima foi ouvida em sede policial e afirmou ser mãe biológica do custodiado, sendo que confirmou a existência da MPU e o seu descumprimento por parte do custodiado. O custodiado foi interrogado e fez jus ao direito ao silêncio. Com efeito, a situação de flagrância está devidamente configurada (artigo 302, inciso II, do Código de Processo Penal) e há correspondência entre o fato relatado e os elementos informativos até então coligidos, não havendo fundamentos, a priori, para macular a higidez do APF. No mais, o preso, embora apresente sinais de lesão corporal, vejo que não são recentes, conforme aponta o laudo de exame de corpo de delito em anexo, não tendo reportado violência policial. Assim sendo, HOMOLOGO a prisão em flagrante realizada e, por conseguinte, afasto a hipótese de relaxamento (art. 310, inciso I, do Código de Processo Penal). b) Análise do artigo 310 do Código de Processo Penal. Sabe-se que a prisão preventiva, dada a sua natureza cautelar, constitui medida extrema e somente se justifica enquanto puder realizar a proteção da persecução penal, autorizando o Estado, desde que observadas as balizas legais, a restringir a liberdade do agente antes de eventual condenação com trânsito em julgado. Para a privação desse direito fundamental, é indispensável que o caso se amolde a ao menos uma das hipóteses autorizadoras previstas no artigo 313 do Código de Processo Penal, bem como que haja demonstração da existência de prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, este embasado em um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. No caso, incontestes a materialidade e os indícios de autoria, consubstanciados, primordialmente, nos depoimentos prestados perante a autoridade policial, com destaque para a palavra da vítima, que assume especial relevo em crimes dessa natureza. Em acréscimo, vejo que o autuado foi preso em flagrante na casa da vítima, o que demonstra o descumprimento da ordem judicial de afastamento/não aproximação imposta no processo nº 0001455-65.2025.8.03.0001. Nesse ponto, vejo que o custodiado foi intimado das medidas impostas no dia 28/01/2025, o que configura o crime previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006. Quanto aos fundamentos para a conversão da prisão em preventiva, justificam-se para a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, pois apesar de tecnicamente primário, o custodiado possui um histórico de violência doméstica, inclusive a vítima relatou que o custodiado além de ter lhe expulsado da casa, também já expulsou anteriormente a avó, o que demonstra comportamento desajustado e violento. Não bastasse isso, há relatos de que o custodiado se vale da condição de Policial Militar para intimidar pessoas e fechar estabelecimentos comerciais ao arrepio da Lei, praticando inúmeros ilícitos contra pessoas indefesas que deveriam ser protegidas pelo Estado. Além disso, possui em seu desfavor a MPU nº 0001455-65.2025.8.03.0001, cujo descumprimento é uma das imputações. Diante desse cenário, a única conclusão possível é que medidas cautelares diversas da prisão são inócuas para conter a reiteração delitiva, pois o indiciado demonstra, com suas atitudes, total desrespeito às ordens judiciais e ao ordenamento jurídico. Sobressai, neste momento, a necessidade de resguardar a integridade física e psicológica da vítima, razão pela qual a prisão preventiva se impõe, com base no artigo 313, inciso III, do Código de Processo Penal, inclusive para assegurar o cumprimento das medidas protetivas que vem sendo descumpridas pelo autuado. Nesse sentido, os julgados a seguir, da lavra do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO À VÍTIMA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Constitui fundamento idôneo à decretação da custódia cautelar a necessidade de resguardar a integridade física e psicológica da vítima que se encontra em situação de violência doméstica, como é o presente caso, conforme art. 313, III, do Código de Processo Penal (AgRg no HC n. 725.221/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 25/3/2022). 2. Havendo a indicação de fundamentos concretos para justificar a custódia cautelar, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, porquanto insuficientes para resguardar a ordem pública. 3. Agravo regimental desprovido (STJ - AgRg no HC: 776045 TO 2022/0318732-0, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 28/08/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/08/2023). PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DELITUOSA. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime, indícios suficientes de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. 2. Hipótese em que a custódia cautelar está suficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta da conduta delituosa, pois o agravante teria agredido fisicamente sua esposa desferindo-lhe murros na cabeça, além de utilizar-se de um instrumento pérfuro-cortante ("podão") para atingi-la na mesma região, tendo sido impedido pela filha de 14 anos do casal. Extrai-se, ainda, dos autos que "é comum [o agravante] surtar em determinadas situações, ficando muito agressivo e irredutível."3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que não há constrangimento ilegal quando a prisão preventiva é decretada em razão do modus operandi com que o crime fora praticado, como ocorreu no presente caso.4. Do mesmo modo, a prisão preventiva se justifica na necessidade de garantia de execução das medidas de urgência solicitadas, para resguardar a integridade física e psíquica da vítima.5. In casu, não há falar em ausência de contemporaneidade dos fatos que justificaram a imposição da prisão preventiva, visto que, entre a data em que o agravante foi posto em liberdade (8/2/2022) e a data em que o Tribunal de origem, ao julgar o recurso em sentido estrito, decretou a segregação cautelar (25/5/2022), transcorreram aproximadamente três meses, prazo insuficiente para afastar o argumento relativo à atualidade do periculum libertatis.6. Agravo desprovido (STJ - AgRg nos EDcl no HC: 767211 MG 2022/0272312-4, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 18/10/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/10/2022). A prisão preventiva também encontra respaldo para a conveniência da instrução criminal, a fim de que a vítima possa ser ouvida em juízo sem qualquer pressão ou coação, mormente considerando o histórico de ameaças reportado. Sobre isso, os seguintes arestos da lavra do STJ: RHC 68.460/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe de 18/04/2016; HC 345.657/ES, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 19/04/2016; RHC 57.614/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe de 28/03/2016. Consigno, por fim, que eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como residência fixa e ocupação lícita, por si sós, não obstam a prisão preventiva, principalmente quando presentes os requisitos legais, tal qual na espécie (STJ - AgRg no HC: 865960 RS 2023/0397368-8, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 12/12/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023). Por todo o exposto, HOMOLOGO o APF e DECRETO a prisão preventiva de BRUNO SOUZA DE DEUS, nos termos dos artigos 282, §6º; 310, inciso II; 312, caput, e 313, inciso III, todos do Código de Processo Penal. Oficie-se à Promotoria de Auditoria Militar para comunicação e realização dos procedimentos de praxe. Oficie-se à Corregedoria da Polícia Militar para que seja apurado o fato de o custodiado já existir laudo psiquiátrico, e não ter sido afastado de suas atividades, para a devida apuração do ocorrido e advertindo que situações como essa não ocorram mais. Decisão publicada eletronicamente. Dispensada a assinatura dos presentes. Expeça-se o mandado de prisão e procedam-se aos atos de comunicação necessários e inserção de dados no BNMP. Após, encaminhe-se o processo à vara preventa.” Não obstante as alegações do apelante, a decisão do magistrado foi devidamente motivada, indicando o comportamento violento que o paciente estava apresentando em relação a vítima, bem como a avó. Ocorre que, conforme apresentado em julgamento pela secção única no dia 27/03/2025, a vítima não teria mais interesse nas medidas protetivas de urgência, eis que não estaria mais em risco. Assim, concedo parcialmente a ordem, para estabelecer até a manifestação do juízo de primeiro grau, que o paciente seja posto em prisão domiciliar, todavia, mantendo a restrição de aproximação da vítima. É como voto. O Excelentíssimo Senhor Desembargador JOÃO LAGES (Vogal) – Presidente, entendo que não podemos fazer isso. Veja, uma carta da mãe trazida no HC. Nós estamos aqui substituindo o juiz natural, que é o juiz de primeiro grau. Nós não sabemos como se encaminhará essa situação. Se isso aqui vai chegar a uma tentativa de homicídio no futuro, ou um feminicídio; se ele vai ser condenado e, pegando a pena que o advogado falou da tribuna, ficar no regime aberto, porque ele pode inclusive ser absolvido e pelo cenário que foi ventilado aqui, pode receber uma medida de segurança. De qualquer sorte, se fizermos como o Relator entende, nós estaremos suprimindo a instrução. E o HC não se presta para isso! Nós não podemos pegar uma carta da vítima, no caso a mãe, sem uma análise realmente profunda para saber em que circunstâncias essa mãe a assinou, para saber se ela não fez isso apenas para não ver o filho preso, que, acredito não ser o resultado que ela almeje. Em minha opinião, nós estamos autorizando um julgamento que está fora daquela inicial do HC, incluindo algo que o advogado trouxe da tribuna, uma carta que, a meu ver, não pode ser analisada por nós, que não somos juízes naturais. A nossa competência é tão somente verificar se a decisão está fundamentada, e ela está muito bem fundamentada, e se há essa necessidade de tratamento que, no caso, não é motivo para nós aqui analisarmos. Repito, é instrução. Então, com todas as vênias, nesse caso eu vou denegar a ordem, manter o parecer originário da Procuradoria de Justiça lançado nos autos, com todas as vênias aos entendimentos contrários. O Excelentíssimo Senhor Desembargador ROMMEL ARAÚJO (Vogal) – Sr. Presidente, o habeas corpus foi impetrado em razão do descumprimento de uma medida protetiva. Na visão do impetrante, essa prisão pelo descumprimento mostra-se desnecessária diante de uma série de situações que a rigor não justifica o descumprimento da medida. Nós temos que analisar o habeas corpus no limite de sua impetração. Fatos alheios ou supervenientes devem ser apreciados, como bem lançou a eminente Desembargador João Lages, pelo juízo natural, que é o juízo da causa. Nós aqui estaríamos, sem a menor sombra de dúvida, suprimindo a jurisdição do juiz de primeiro grau, até mesmo modulando uma decisão que, a rigor, não merece modulação. Nós temos que analisar. É legal ou é ilegal a prisão decorrente do descumprimento com a medida protetiva? O descumprimento existe, o simples fato de ele residir distante 5,8 ou 6 quilômetros não tem um condão de afastar a necessidade da prisão, repito, pelo descumprimento de uma medida protetiva. Eu vejo que a posição trazida pelo eminente Desembargador João Lages, é a que melhor se adequa a essa situação, nós não podemos dar ao habeas corpus, nessa oportunidade, um elastério maior do que foi pedido na impetração, quando essa competência, no meu sentir, compete ao juízo de primeiro grau a análise. Em razão disso, eu acompanho a divergência para denegar a ordem. O Excelentíssimo Senhor Desembargador MÁRIO MAZUREK (Vogal) – Senhor presidente, senhor procurador de justiça, senhor advogado. Realmente, o Desembargador João Lages, tem razão. O habeas corpus foi impetrado por um motivo: descumprimento da medida protetiva. Nesses casos, mesmo a condenação de descumprimento da medida protetiva ou da concessão da medida protetiva, mesmo a mulher se retratando, a ação prossegue, independentemente de ter vontade de dizer “não, está tudo bem agora,”. Isso não tem um condão de extinguir a ação. Então como isso já está no primeiro grau, para manifestação do Ministério Público, o juiz do primeiro grau tem mais condições de verificar essa situação. Entendo que por enquanto deve ser denegada a ordem e que seja apreciado lá no primeiro grau e então sim, podemos verificar depois. O Excelentíssimo Senhor Juiz Convocado MARCONI PIMENTA (Vogal) – Senhor presidente, com todas as vênias à relatoria, eu também acompanho a divergência. ACÓRDÃO Certifico que este processo foi levado a julgamento na 2ª Sessão Ordinária - PJe da Secção Única, realizada no dia 27 de março de 2025, quando foi proferida a seguinte decisão: A Secção Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, por unanimidade, conheceu do habeas corpus e, por maioria, denegou a ordem, vencido o Desembargador CARLOS TORK, que concedia parcialmente a ordem. Redigirá o acórdão o Desembargador JOÃO LAGES. Macapá, 8 de abril de 2025

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Raul Sousa Silva Junior x Ana Regina Nunes Castro e outros

ID: 334245329

Tribunal: TJAP Órgão: 2ª VARA CÍVEL E DE FAZENDA PÚBLICA DE MACAPÁ Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº Processo: 0033467-50.2016.8.03.0001

Data de Disponibilização: 25/07/2025

Polo Ativo:

RAUL SOUSA SILVA JUNIOR

Polo Passivo:

ANA REGINA NUNES CASTRO EDILSON AFONSO MENDES PEREIRA JOSE RONALDO SERRA ALVES L. D. DA SILVA LILIANE DUARTE DA SILVA LINEU DA SILVA FACUNDES

Intimação

Advogados:

JOSE RONALDO SERRA ALVES

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ANA REGINA NUNES CASTRO

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JOSE RONALDO SERRA ALVES

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ANA REGINA NUNES CASTRO

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RAUL SOUSA SILVA JUNIOR

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Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Amapá 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá Avenida FAB, 1749 Fórum de Macapá, 1749, Fórum de Macapá, Central, Macapá - AP - CEP: 68900-906 Balcão Virtu… Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Amapá 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá Avenida FAB, 1749 Fórum de Macapá, 1749, Fórum de Macapá, Central, Macapá - AP - CEP: 68900-906 Balcão Virtual: Número do Processo: 0033467-50.2016.8.03.0001 Classe processual: AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) AUTOR: ESTADO DO AMAPA, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ REPRESENTANTE: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO AMAPA REU: LILIANE DUARTE DA SILVA, EDILSON AFONSO MENDES PEREIRA, LINEU DA SILVA FACUNDES, L. D. DA SILVA SENTENÇA I - Relatório Ação de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Amapá em desfavor de Edilson Afonso Mendes Pereira, Lineu da Silva Facundes, Liliane Duarte da Silva e L da Silva EPP. Os dois primeiros como Secretários de Saúde do Estado e a última como favorecida pelo esquema, juntamente com a empresa. A inicial relata que, apesar da assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) em 2011, que previa a realização de licitação em até 30 dias e sua conclusão em até 90 dias para serviços essenciais na saúde pública, os demandados deixaram de cumprir essas obrigações, optando pela manutenção de contratações diretas e ilegais por meio de acordos verbais, com posterior pagamento via “termos de ajuste de contas”. Essas contratações se deram de maneira continuada, sem cobertura contratual formal ou procedimento licitatório válido, mesmo após o encerramento do contrato anteriormente firmado com a empresa Perfil (nome fantasia da ré L. D. da Silva EPP). Apurações realizadas pelo Ministério Público, com base no Inquérito Civil nº 001/2013-PICC, demonstraram que a empresa demandada prestou serviços ao Estado durante mais de dois anos e meio (fev/2011 a jul/2013), tendo recebido R$ 12.096.069,84 sem respaldo contratual e com sucessivas prorrogações informais, sempre com a anuência dos secretários da pasta. As irregularidades foram admitidas pelos próprios requeridos em seus depoimentos, sob justificativa de “lentidão dos processos licitatórios” ou “existência de serviços já em curso”. Contudo, restou demonstrado que os gestores ignoraram a legislação de regência (Lei nº 8.666/93), criando uma situação de emergência artificial para justificar a dispensa de licitação, frustrando a competitividade e beneficiando diretamente a empresa demandada. O MP aponta, ainda, que os serviços foram prestados sem controle adequado de qualidade e sem qualquer segurança jurídica para a Administração, utilizando-se de cláusulas precárias de “indenização” e ausência de fiscalização, o que caracteriza conduta dolosa e sistemática de afronta aos princípios da Administração Pública, notadamente legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. Segundo a inicial, as condutas narradas amoldam-se aos artigos 10, VIII, e 11 da Lei nº 8.429/92, sendo cabível a responsabilização solidária dos réus, incluindo a proprietária da empresa, Liliane Duarte da Silva, como beneficiária direta do esquema. O Ministério Público requer a condenação de Edilson, Lineu, Liliane e da empresa L. D. da Silva EPP ao ressarcimento integral do dano, pagamento de multa civil, indenização por danos morais ao Estado e à coletividade, perda da função pública (quando for o caso), suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o poder público. Não concedida a tutela provisória de indisponibilidade de bens (8819460). O Estado do Amapá requereu a participação no feito (id. 8818088), sendo admitido (id. 8819267). O réu Lineu apresentou defesa prévia (id. 8818098). Alegou ausência de elementos que caracterizem improbidade, defendendo que os serviços foram prestados e que não houve prejuízo ao Erário. A ré Liliane apresentou defesa prévia (id. 8819455). Defende que não era parte da gestão estadual, de maneira que não pode responder pela não realização de licitações pelo Estado. Afirma que prestou os serviços e que as contratações foram feitas de maneira regular. O Estado do Amapá apresentou manifestação no id. 8818085, requerendo a condenação dos réus. Recebida a representação no id. 8819282, afastando-se os argumentos das defesas prévias. Contestação da ré Liliane no id. 8818090. Em síntese, impugna integralmente os fatos e fundamentos trazidos na petição inicial, alegando ausência de dolo, inexistência de prejuízo ao erário e total improcedência da ação. De início, aponta que a petição inicial é genérica e imprecisa, não individualizando condutas nem demonstrando, com clareza, qualquer conduta ímproba praticada pela ré. Sustenta que não houve qualquer elemento que caracterize enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público e que os serviços prestados pela empresa da qual era representante legal foram efetivos, contínuos e indispensáveis ao funcionamento das unidades hospitalares. Informa que, mesmo com atrasos reiterados nos pagamentos por parte do Estado, os serviços não foram interrompidos e, ao contrário, a empresa enfrentou sérios prejuízos financeiros, incluindo a perda do único imóvel da contestante e dívidas junto à Receita Federal. Ressalta que o contrato da empresa com a Secretaria de Estado da Saúde teve início em 2005 e foi sucessivamente prorrogado até novembro de 2011, quando expirou. Após essa data, os serviços continuaram sendo prestados por determinação da administração, com anuência da assessoria jurídica da SESA, a fim de evitar a descontinuidade dos serviços essenciais de saúde. Menciona que os pagamentos passaram a ser feitos por meio de Termos de Ajuste de Contas (TAC), prática comum à época e adotada em razão da morosidade nos processos licitatórios. Afirma que a empresa jamais atuou de forma dolosa, não participou de qualquer conluio com agentes públicos e apenas executou os serviços contratados, sem qualquer ingerência na decisão administrativa de manutenção da contratação. Sustenta que os pareceres jurídicos respaldavam a manutenção da empresa, diante do caráter contínuo e emergencial dos serviços, e que todas as medidas foram tomadas com o objetivo de preservar vidas humanas. No mérito, reforça que os serviços foram efetivamente prestados, sem qualquer indício de superfaturamento, fraude ou desvio de recursos, e que não há nos autos qualquer prova de que tenha havido enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação aos princípios da administração pública. Argumenta que eventual irregularidade formal não configura, por si só, ato de improbidade, nos termos da jurisprudência consolidada do STJ, e que é imprescindível a comprovação do dolo e do prejuízo concreto para a configuração de qualquer das hipóteses legais previstas nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. O réu Lineu apresentou contestação no id. 8819300. Inicia afirmando que o Ministério Público o acusa genericamente com base nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, sem indicar conduta concreta ou fato objetivo que lhe seja imputável. Ressalta que esteve à frente da Secretaria de Estado da Saúde (SESA) de 8 de março de 2012 a 30 de março de 2013, sendo sucedido por Olinda Consuelo Lima Araújo a partir de 1º de abril de 2013, e que os fatos apontados na exordial dizem respeito a eventos e decisões posteriores à sua gestão. Aduz que o procedimento de contratação objeto da ação foi concluído somente após a formalização de novo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC nº 001/2013), celebrado já na gestão subsequente, o qual reiterava o mesmo conteúdo do TAC anterior de 2011, ambos reconhecendo a complexidade dos serviços essenciais da saúde pública e permitindo contratações emergenciais até a finalização de processos licitatórios. Aponta, ainda, que o Ministério Público tinha pleno conhecimento das dificuldades enfrentadas pela Administração para a conclusão das licitações em prazos exíguos, tendo inclusive consentido na prorrogação dessas contratações emergenciais. O demandado sustenta que a petição inicial é lacunosa, limitando-se a fazer juízos de valor sobre a qualidade dos serviços prestados e a alimentação hospitalar, sem relação direta com sua gestão e sem individualizar qualquer conduta dolosa, tampouco comprovar prejuízo ao erário. Afirma que a denúncia ignora a realidade administrativa e não apresenta o nexo entre sua atuação e eventual dano, requisito indispensável à configuração de improbidade administrativa. Diante disso, requer a rejeição liminar da ação, com fundamento no art. 17, §8º, da Lei nº 8.429/92, por ausência de justa causa, ou, caso superada a preliminar, a improcedência total dos pedidos. A Defensoria Pública apresentou defesa prévia do réu Edilson, citado por edital (id. 8818099). Alega nulidade da citação e faz impugnação por negativa geral. Rejeitada a nulidade da citação (id. 8819263). Após agravo de instrumento contra essa decisão, suspenso o processo. Acórdão do TJAP, reconhecendo a nulidade da citação. Determinadas novas diligências para citação do réu Edilson (id. 13535974). Citado pessoalmente o réu Edilson (id. 14881030). Decretada a revelia do réu Edilson e da empresa no id. 15856012, mas sem efeitos materiais, ante a contestação pelos demais réus. Réplica do Estado do Amapá no id. 16297166. Requer acolhimento parcial da representação. Réplica do Ministério Público no id. 16432285. Requer a condenação, nos termos da representação. Em audiência de instrução e julgamento (id. 18445512) houve a desistência da produção de provas testemunhas, sendo encerrada a instrução. Alegações finais do Ministério Público no id. 18518352. Defende a configuração de improbidade administrativa com base no conjunto probatório. A alegação de herança administrativa ou de urgência na manutenção dos serviços não afasta a responsabilidade dos gestores. A LINDB exige análise contextual dos atos administrativos, mas não legitima prorrogações ilegais de contratações emergenciais. Os réus mantiveram uma situação irregular por mais de três anos, com movimentação milionária, demonstrando intenção deliberada de burlar a obrigatoriedade da licitação, frustrando os princípios da legalidade, moralidade e eficiência. O MP enfatizou que o dolo está presente na conduta de frustrar o processo licitatório e que o simples fato de os serviços terem sido prestados não elide o ilícito. A representante da empresa, Liliane Duarte, tinha plena ciência da ausência de contrato formal e agiu conscientemente para perpetuar a situação ilegal. O Ministério Público concluiu que os réus agiram dolosamente, em afronta direta aos princípios da administração pública, causando prejuízo ao erário e violando frontalmente a Lei nº 8.429/1992. Diante disso, requereu a procedência dos pedidos formulados na inicial, com a condenação de todos os requeridos por ato de improbidade administrativa. Alegações finais do Estado do Amapá no id. 18575955. Defende a robustez das provas e a responsabilidade dos réus, destacando que a conduta reiterada de manter contratações diretas sem licitação, mesmo após longo período de tempo, evidencia dolo específico, já que não houve sequer tentativa de regularização por meio de chamada pública ou cotação de preços. O Estado enfatiza que o prejuízo causado ao erário teve impactos reais sobre a qualidade dos serviços públicos, especialmente na saúde materna e infantil, cujos indicadores são alarmantes no Estado. O desvio de recursos que poderiam ter sido investidos em leitos obstétricos e neonatais comprometeu direitos fundamentais da população. Rejeita-se a justificativa de herança administrativa ou de urgência, uma vez que em quase dois anos seria plenamente possível realizar ao menos uma licitação. Edilson e Lineu agiram conscientemente, frustrando a exigência constitucional da licitação, em violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e economicidade. Quanto à ré Liliane Duarte da Silva, o Estado aponta que a mesma participou ativamente da manutenção da situação ilegal, aceitando durante anos pagamentos vultosos sem respaldo contratual. A precariedade da contratação, somada à conduta reiterada de aceitar os valores, mesmo sem processo formal, demonstra sua ciência da ilicitude e sua contribuição direta para o dano ao patrimônio público. Com base nas alterações da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), o Estado do Amapá reconhece que o dolo passou a ser requisito essencial, mas sustenta que, no caso concreto, está amplamente demonstrado, tanto pelo tempo de permanência das irregularidades quanto pela intencionalidade das condutas dos réus. Os argumentos defensivos, segundo o Estado, foram genéricos e não afastaram a responsabilidade dos envolvidos. Diante disso, o Estado do Amapá ratifica integralmente as alegações finais do Ministério Público e requer a procedência da ação para reconhecimento dos atos de improbidade administrativa praticados por Liliane Duarte da Silva, Edilson Afonso Mendes Pereira, Lineu da Silva Facundes e pela empresa L. D. da Silva EPP, com aplicação das sanções legais previstas, bem como a condenação solidária ao ressarcimento integral do dano causado ao erário, no valor já apurado nos autos, devidamente atualizado na fase de liquidação de sentença. Sem apresentação de alegações finais pelos réus. II - Fundamentação II.1 - Análise da prescrição Considerando ser matéria de ordem pública, começo a análise pela prejudicial de mérito da prescrição. Conforme entendimento do STF, os prazos prescricionais da lei 14.230/2021 não retroagem. Quanto à prescrição intercorrente, não prevista na lei anterior, o prazo começa a correr a partir da publicação da lei. Dessa forma, o primeiro marco temporal dos processos em curso, para a devida contagem, é o dia 25 de outubro de 2021. Considerando que não transcorreu o prazo de quatro anos até a presente data, não há prescrição. II.2 - Dos elementos de materialidade Aponto que os autos virtualizados, que serão analisados, estão nos ids. 8819270, 8818095 e 8818082. Em análise dos autos, vejo os seguintes elementos de materialidade: a - TAC 001/2011-PGJ/MP-AP (folhas 10 a 15 do id. 8819270), assinado pelo secretário Edilson. Datado de 29/07/2011. Traz as seguintes obrigações para o Estado do Amapá: “O Estado do Amapá, através da Secretaria de Estado da SAÚDE - SESA adotará as seguintes providências, nos prazos nelas consignadas: 1.1 Proceder auditoria nas escalas de plantões, no prazo de 15 (quinze) dias; 1.2 Fiscalizar as escalas de plantões, suspendendo o pagamento dos plantões sem a efetiva prestação do serviço; 1.3 Propor projeto de Lei Estadual na Assembléia Legislativa do Estado do Amapá, regulamentando os plantões médicos, no prazo máximo de 90 (noventa) dias; 1.4 Em caráter de emergência contratar empresas para fornecimento de medicamentos, materiais cirúrgicos, materiais descartáveis (luvas, tocas, máscaras) e lençóis, materiais para a realização de exames, leite especial para as crianças, filhas de portadoras de HIV, com os recursos disponibilizados especificamente pelo SUS, e órteses e próteses, para atender as necessidades da traumatologia; contratação de serviços de fretamento de aeronave para transporte de pacientes dos municípios do Estado para a Capital e de UTI-Áerea para outros Estados: contratação de empresa especializada para serviços de ar condicionado para o Centro Cirúrgico e UTI-HCAL; contratação de empresa de conservação e limpeza da rede de saúde; contratação de empresa para fornecimento de alimentação para os servidores do SAMU; contratação de empresa para fornecer alimentação para as unidades hospitalares de Macpá, Santana e Laranjal do Jari; contratar serviços de tomografia computadorizada para O HCAL-HE; contratar empresa para fornecimento de Gases Medicinais para rede hospitalar; Gasometria, devendo, no prazo de 30 (trinta) dias, proceder abertura dos processos licitatórios; 1.4.1. Todos os contratos emergenciais não poderão ultrapassar o prazo máximo de 90 (noventa) dias, a partir da assinatura do presente termo, sob pena de multa de diária de R$ 3.000,00 (três mil Reais), a contar do término do prazo; 1.5 Adequação do sistema de compras públicas do Estado para utilização em caráter preferencial o sistema COMPRASNET, sistema oficial de compras do Governo Federal, no sentido de proporcionar o acesso ao cadastro federal de fornecedores e adesão das atas de compras do Governo Federal, e 1.6 Encaminhar ao Ministério Público do Estado os estudos e relatórios a respeito das medidas a serem adotadas para reformas e adaptações em hospitais da rede pública da capital e interior e redes especializadas da criança, da mulher e do hospital de emergências, bem como os projetos para construção de novas unidades de saúde. Tais informações deverão ser prestadas no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da assinatura do presente termo.” Há previsão de cláusula penal pelo descumprimento: “Havendo a inexecução total ou parcial deste Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, ressalvada a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução deste termo, assegurado o direito ao contraditório e a ampla defesa, implicará em responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, aplicável ao agente público omisso, na forma da lei.” b - Ofício 1/2013 da empresa L D da Silva EPP (páginas 20 a 21 do id. 8819270). Datado de 21/01/2013. Solicita pagamentos, no valor de R$ 661.149,99. Aponta para a necessidade de regularização das contratações: “1 - A empresa contratada vem cobrar pelos serviços prestados com fornecimento de mão-de-obra para Secretaria de Estado da Saúde do Amapá, Hospital de Clinicas Dr. Alberto lima. Hospital de Emergência e Hospital da Mulher Mãe Luzia, nas respectivas categorias: Maqueiro. Motorista, Agente de Portaria, Auxiliar de Manutenção Predial, Auxiliar Administrativo, Eletricista e Recepcionista. No período de 01 a 31 de dezembro de 2012. 2 - Estamos requerendo tal pagamento pelo período acima citado no salário da categoria conforme convenção coletiva de trabalho assinada em 2012, pois, trata-se de uma medida legal imposta por lel 12.382:11. É do conhecimento de vossa excelência e desta SESA que o Contrato n°:. 029/2005-SESA, celebrado com nossa empresa: L. D. DA SILVA - EPP. está com sua vigência expirada desde 30/11/2011. No qual da mesma forma solicitamos, posicionamento quanto à regularização, a pedido da própria Administração não deixou de prestar seus serviços com fulcro no Princípio da Continuidade dos Serviços, isso, até que a SESA realizasse a licitação, fato que já esta em processo de finalização. 3 - Frisa-se que houve a prestação de serviços, a comprovação através do certifico da nota fiscal que deve ser indenizado por força inclusive do Princípio da Boa Fé e da Continuidade dos Serviços, ora se até o presente momento não houve a licitação, certamente não foi por culpa lo particular que não deu causa, apenas prestou os serviços e para isso quer receber.” c - Ofício 65/2012, também da LD da Silva EPP (folhas 22 e 23 do id. 8819270). Datado de 28/12/2012. Solicita pagamento de R$ 596.224,57. Apresente o mesmo texto do ofício acima, afirmando a expiração do contrato e a não ocorrência de licitação. d - Nota fiscal de serviço 356 da empresa LD da Silva EPP (folha 26 do id. 8819270. Datada de 18/02/2013. Valor declarado de 596.224,54. Serviços declarados da forma abaixo mostrada. Há assinaturas de servidores quanto à prestação dos serviços. e - Nota fiscal 293 da empresa LD da Silva ME (folhas 28 e 29 do id. 8819270). Datada de 28/12/2012. Valor de R$ 596.224,57. Apresenta os serviços da forma abaixo mostrada. Com recebimento por servidores na nota fiscal. f - Memória de cálculo dos serviços prestados, com discriminação dos empregados da empresa LD da Silva EPP (folha 30 do id. 8819270). g - Nota fiscal de serviço 353 da empresa LD da Silva ME (folha 33 do id. 8819270). Datada de 14/02/2013. Valor de R$ 661.144,90. Recebidos dos servidores quanto aos serviços. Serviços descritos abaixo. h - Ofício 3/2013 da empresa LD da Silva EPP (página 37 do id. 8819270). Datado de 04/03/2013. Solicita pagamento de R$ 661.149,99. Repete o texto dos ofícios anteriores, como já trazido, atestando a não realização de licitação e o vencimento do contrato. i - Relação de funcionários da empresa LD da Silva EPP que trabalhavam no Hospital das Clínicas Dr. Alberto Lima (folhas 57 a 60 do id. 8819270). Atualizada em 30/12/2013. j - Relação de funcionários da empresa LD da Silva EPP que trabalhavam no Hospital da Mulher Mãe Luzia (folhas 76 e 77 do id. 8819270). Atualizado em 30/01/2013. k - Relação de funcionários da empresa LD da Silva EPP que trabalhavam no Hospital de Emergência (folhas 156 a 157 do id. 8819270). Atualizado em 30/03/2013. l - Mandado de segurança impetrado pela empresa LD da Silva EPP contra o processo licitatório aberto em 2013, por discordar de questões como a adoção do sistema de registro de preços (id. 8818095, páginas 55 a 63). m - Parecer jurídico 323/2013-PGE (folhas 94 a 100 do id. 8818095). Opina pelo cancelamento do processo licitatório, ante a manifestação da pregoeira, que concordou em parte com os argumentos da impetrante no MS acima citado. n - Minuta de Termo de ajuste de contas 006/2013-SESA (folhas 112 a 113 do id. 8818095). Endereçado para assinatura pela Secretária de Saúde Olinda Consuelo. Apresenta o discriminado dos valores devidos, conforme tabela abaixo. o - Parecer jurídico 560/2013 da Assessoria da SESA (páginas 114 a 119 do id. 8818095). Afirma que os contratos com a LD da Silva EPP foram verbais e sugere instauração de procedimento administrativo para apuração de responsabilidades, bem como encaminhamento ao Ministério Público. p - Termo de declarações de Elielson Silva Castelo, gerente da LD da Silva EPP, em 18/06/2013 (id. 8818095, folha 122). Traz as seguintes informações: “Que é representante legal da empresa L. D. da Silva EPP, de nome de fantasia "Perfil Comércio e Serviços", cuja titular é LILIANE DUARTE DA SILVA; Que o declarante exerce o cargo de gerente administrativo da empresa PERFIL; Que, a partir de agosto de 2011 o declarante também passou a representar a empresa junto à Secretaria Estadual de Saúde - SESA; Que a empresa PERFIL, no ano de 2005, venceu licitação e passou a fornecer mão de obra para a Secretaria de Saúde do Estado do amapá, especificamente para o Hospital de Emergências HCAL, Hospital de Clinicas Dr. Alberto Lima - HCAL e Hospital da Mulher Mãe Luzia - HMML; Que referido contrato foi prorrogado por 60 (sessenta) meses até que expirou em novembro de 2011; Que a empresa PERFIL solicitou à SESA uma prorrogação do contrato em caráter excepcional mas não obteve resposta formal sobre o pedido; Que na época em que o contrato expirou, Edilson Afonso Mendes Pereira exercia o cargo de Secretário de Saúde; Que buscou informações em vários setores administrativos da SESA sobre a prorrogação do contrato da empresa PERFIL mas o processo ficou concentrado no Gabinete do Secretário de Saúde; Que apenas no final de 2012 se iniciou novo processo licitatório na SESA para a contratação de mão de obra mas o certame não prosseguiu por motivos que o declarante desconhece; Que trabalhou na Secretaria de Saúde do Estado de 2008 a julho de 2011, no setor de Contratos e Convênios; Que se compromete a trazer nesta promotoria até o próximo dia 24 de junho cópias dos documentos protocolados na Secretaria de Saúde pela Perfil requisitando providências acerca da regularização do contrato.” q - Termo de declarações de Evandro Costa Gama, ex-Secretário de Saúde, em 05/06/2013 (folhas 124 e 125 do id. 8818095). Traz as seguintes declarações: “Que de 15 de janeiro de 2011 a 27 de junho de 2011 o declarante exerceu o cargo de Secretário de Saúde do Estado do amapá; Que quando assumiu a Secretaria de Estado da Saúde - SESA encontrou vários contratos de fornecedores com contratos vencidos nos últimos dias de 2010 ou a vencer nos primeiros dias de 2011; Que não havia tem hábil para realizar licitação nem orçamento aberto para contratação emergencial; Que, para evitar descontinuidade nos serviços prestados, com o aval da Procuradoria do Estado, o declarante decidiu manter os mesmo fornecedores que já prestavam serviços ou forneciam produtos à SESA a fim de não dar margem a acusação de beneficiar novas empresas; Que essas empresas já atendiam a SESA por meio de contratos e licitações vencidas; Que, buscando aprimorar o sistema de compras da SESA o declarante tomou duas providências: contatar a empresa BIONEXO, que possui uma solução integrada para gestão e compras públicas com mais de 5 mil fornecedores cadastrados, conforme artigo publicado em jornais locais; Que os fornecedores locais foram notificados a se cadastrar no sistema BIONEXO; Que uma semana após essa iniciativa para cadastramento dos empresário o declarante foi exonerado do cargo de Secretário, ficando incompleta a implantação do sistema; Que a BIONEXO continua com contrato em vigor com SESA; Que o declarante também buscou informatizar todo o processo de compras da SESA, desde o termo de referência até a entrega do produto ou serviço, deixando quando da sua saída o termo de referência do sistema de informatização; que esse sistema aumentaria o controle, agilidade e transparências nas contratações da SESA; Que pelo que sabe até hoje a secretaria de saúde não deu impulso na contratação desse sistema de informatização das compras; Que tudo o que o declarante diz está escrito em artigos publicados em jornais do Estado do Amapá; Que também apresentou ao Estado um sistema de gestão hospitalar, das áreas fim e meio, em especial um sistema chamado TASY, da Philiphs, usado pelos melhores hospitais do Brasil, entre os quais o Sírio Libanês; Que com relação ao contrato de fornecimento de alimentação pela empresa MECOM ao Hospital de Emergências e ao Hospital de Santana, que acredita que o aditamento do contrato não se efetivou por problemas nas certidões da empresa, razão pela qual o declarante não fez nenhum pagamento a esta empresa entre março e junho de 2011; Que com em relação aos demais contratos de fornecimento de alimentação e mão de obra, o declarante acredita que as licitações não ocorreram porque a SESA não executou o planejamento deixada pela gestão do declarante; Que na SESA ocorre ainda uma troca excessiva de servidores dos setores administrativos o que inviabiliza continuidade dos serviços; Que como exemplo dessa descontinuidade sabe os membros da CPL da SESA já foram trocados por três vezes nas gestöes posteriores a do declarante; Que nesta oportunidade o deciarante deixa cópia de relação da situação dos contratos da SESA vigentes em 2010 e 2011, relatório da BIONEXO, onde comprova-se o acerto da contratação que o declarante fez; os cinco artigos escritos pelo declarante sobre a questão da saúde; oficio do Secretário Lineu Facundes ao TCU onde informa que a gestão do declarante recebeu a SESA com aproximadamente 90% das prestações de serviços sem cobertura contratual, e uma matéria que explica sobre o TASY, conforme relatado anteriormente.” r - Termo de declarações do réu Edilson Afonso Mendes Pereira, em 25/06/2013 (folha 127 do id. 8818095). Afirma o seguinte: “Que de 27 de junho de 2011 a 8 de março de 2012 o declarante exerceu o cargo de Secretário de Saúde do Estado do Amapá; Que assim que assumiu a gestão da SESA solicitou um levantamento de todos os contratos da secretaria e observou que vários dos serviços prestado não possuíam cobertura contratual; Que após reunião com o Governador Camilo Capiberibe, Procurador do Estado Marcio Figueira e a Procuradora Geral de Justiça Ivana Cei restou decidido a necessidade de firmar um Termo de Ajuste de Conduta - TAC para que se desse início aos processos licitatórios e a regularização dos serviços sem cobertura contratual; Que, o TAC também possui o objetivo de regularizar a normativa dos plantões médicos; Que a maioria do processo para a realização das licitações foram iniciadas na gestão do declarante; Que o declarante migrou do sistema do Banco do Brasil para o ComprasNet, que se trata de um sistema Federal; Que a SESA também usou o sistema BIONEXO para a fase de cotação de preços; Que o declarante lutou para que os processo licitatórios seguissem o andamento normal, mas o trâmite administrativo é lento, passando inclusive por três vezes na Procuradoria do Estado; Que após o lançamento dos editais também ocorreram recursos das empresas interessadas; Que tudo isso foi atrasado o andamento e a finalização dos processos licitatórios; Que no que se referem aos serviços de fornecimento de alimentos prontos para o Hospital de Emergências, Hospital Estadual de Santana, Hospital da Criança e do Adolescente, Hospital do Laranjal do Jari, Hospital da Mulher e Serviço Móvel de Urgências, e mão de obra terceirizada para Hospital da Criança e do Adolescente, Hospital Estadual de Santana, Hospital de Clínicas Alberto Lima e Hospital de Emergências, referidos no oficio 843/2013-SESAAP, o declarante não tem no momento como falar individualmente sobre seus processos de licitação mas se compromete a, no prazo de trinta dias, trazèr relatório sobre os referidos processos.” s - Termo de declarações de Frank Benjamin Costa, ex-Secretário de Saúde, em 25/06/2013 (folha 129 do id. 8818095). Afirma o abaixo exposto: “Que de 15 de janeiro a 4 de março de 2011 o declarante exerceu o cargo de Secretário Adjunto de Apoio a Gestão da Secretaria de Saúde do Estado do Amapá; Que quando assumiu o cargo da SESA encontrou uma situação caótica, com vários contratos vencidos, a vencer no início do ano, com pagamentos atrasados, e empresários ameaçando suspender o fornecimento de alimentos e outros serviços para as unidades de saúde do estado; que foi buscado em alguns casos a contratação emergencial de empresas prestadoras de serviços a SESA e iniciados processos de licitação com solicitação de termos de referência e outra medidas administrativas necessárias para o certame; Que a nova administração encontrou os contratos ou vencidos ou prestes a vencer, sendo impossível realizar licitação nesse curto período de tempo; Que em algumas situações, como a do serviços prestados pela empresa Joelson Pimentel dos Santos, a decisão para a sua "contratação" veio do gestor da SESA, Evandro Gama; Que os demais prestadores de serviços À SESA possuíam contratos, mas vencidos; que em relação à empresa MECON o declarante decidiu notifica-la acerca do desinteresse por parte da SESA por conta de diversas reclamações e denúncias sobre a qualidades dos alimentos fornecidos; Que o declarantes, após notificar referida empresa, recebeu ordem do Secretário Evandro Gama para que revogasse a notificação da empresa MECOM; Que o declarante, por não concordar com a decisão emitiu, por ordem do Secretário, nova notificação manifestando o desejo da administração em continuar com o serviços da empresa MECOM; Que por conta dessa situação da MECOM o declarante decidiu pedir exoneração do cargo de Secretário Adjunto, o que aconteceurem 4 de março de 2011; Que em relação aos demais serviços prestados pelas empresas referidas no oficio 843/2013 da SESA o declarante não participou da decisão em manter os serviços prestados.” t - Termo de declarações de Robério Monteiro de Souza, ex-assessor da SESA, em 26/06/2013 (folha 131 do id. 8818095). Declarações abaixo: “Que em setembro de 2011 o declarante assumiu a assessoria jurídica da Secretaria Estadual de Saúde - SESA, cargo que ocupou até janeiro de 2013; Que de 5 julho de 2012 a 1º de abril de 2013 o declarante ocupou também o cargo de Secretário Adjunto da Área da Assistência à Saúde da SESA; Quando assumiu a assessoria jurídica da SESA se deparou com a falta de cobertura contratual de vários serviços prestados a SESA; Que, o declarante, em seu parecer, orientava o gestor no sentido de instauração de procedimento administrativo para apurar quem autorizou a prestação dos serviços sem cobertura contratual e, respeitando oficio circular da Procuradoria do Estado, reconhecido da dívida como forma de evitar o enriquecimento ilícito do Estado; Que, os valor dos serviços também deveriam estar de acordo com os preços de mercado; Que, caso dos alimentos, tais valores eram aferidos pelo Departamento de Apoio Administrativo da SESA e Setor de Nutrição de cada unidade hospitalar; "Que, na gestão do secretário Edilson Mendes Pereira iniciou-se o processo para licitação dos serviços de fornecimento de alimentos para as unidades hospitalares e contratação emergencial do serviços de limpeza das unidades; Que tais licitações não prosperaram porque ou foram anuladas pela própria administração ou por decisão judicial; Que o titular da Secretaria de Saúde é que possui a atribuição para decidir sobre a manutenção dos serviços prestados à SESA mesmo sem a cobertura contratual; Que, quando, o declarante assumiu interinamente a Secretaria emitiu notificação para todas as empresas em situação irregular para que cessassem em 30 dias a prestação dos serviços, pois o processo licitatório chegava ao final; Que os certame licitatório tiveram suas fases externas revogadas pela administração da SESA e não foi possível realizar as contratações, mantendo-se os serviços prestados sem a cobertura contratual; Que os processos licitatório da SESA encontram grande dificuldade em seu curso por conta da falta de capacidade técnica da SESA.” u - Termos de declarações de Maria Raimunda Madureira dos Santos, ex-servidora da SESA, em 06/08/2013 (folhas 133 e 134 do id. 8818095). Afirma o seguinte: “Que a declarante é servidora pública federal e exerce atividade na Secretaria Estadual de Saúde - SESA - há cerca de 15 anos; Que em janeiro de 2011 a declarante assumiu o Núcleo Setorial de Planejamento da SESA onde permaneceu até ocupar a Secretaria Adjunta da Area de Gestão da SESA em 7 de julho de 2011. Que ocupou este cargo até o dia 31 de março de 2013; Que antes de 2011 a declarante exercia atividade eminentemente técnica e não se envolvia em atividades de gestão, daí porque não sabe dizer a situação dos contratos da SESA naquela época; Que quase todos os contratos de prestação de serviços e fornecimento de alimentação da SESA venceram no final de 2010 e início de 2011; Que na época a decisão da SESA foi de manter os serviços contínuos, que não poderiam parar, e realizar contratos emergenciais; Que ao assumir a gestão da SESA junto com o Secretário Edilson foi chamada uma equipe dos setores de licitação, compras, assessoria técnica, auditoria, assessoria jurídica, que ficou responsável por regularizar tais contratos, com a instauração de procedimentos para licitação regular e contratação emergencial; Que, para facilitar o controle e não centralizar os serviços em apenas uma empresa, a gestão da SESA decidiu dividir os serviços em lotes; Que por falta de capacidade técnica da maioria dos servidores, em face do elevado volume de processos para licitar, os processo de licitação regular não foram concluidos, embora deflagrados e autorizados pelos Secretários Edilson e Lineu; Que várias situações ocorreram nos processos licitatórios, como impugnações administrativas e judiciais, termo de referências com problemas; Que em nenhum momento a declarante percebeu má-fé na atuação dos servidores, que tentavam realizar o processo da melhor maneira possível; Que mesmo assim várias licitações chegaram ao fim, como no caso do fornecimentos de gases medicinais, dos resíduos hospitalares, passagens para o Tratamento Fora do Domicilio; Que com relação aos serviços mencionados no ofício número 843/2013 da SESA ocorreu o que relatado anteriormente, houve a deflagração dos processos licitatórios mas não foi possível conclui-los em um tempo menor; Que, pelo que sabe, referidos processo licitatórios estão em fase final; Que as empresas continuaram a realizar os serviços mesmo sem cobertura contratual porque se tratava se serviços essenciais, sem os quais as unidades de saúde não funcionariam; Que a declarante se reuniu com alguns fornecedores desses serviços para tratar pagamentos atrasados, mas não autorizou que continuassem a realizar tais serviços; Que a prestação dos serviços por essas empresas 333 por serem eram automáticos Fts. de caráter essencial e não havia uma decisão formal da gestão para que eles continuassem a prestar tais serviços; que em nenhum momento houve a intenção de dificultar os processos para beneficiar qualquer empresa; Que a intenção sempre foi de realizar um processo bem elaborado, transparente, e que não houvesse direcionamento; Que quase todas as empresa que prestavam tais serviços sem cobertura contratual vinham de contratos anteriores com a SESA.” v - Termo de declarações do réu Linneu da Silva Facundes, ex-Diretor do Hospital das Clínicas Alberto Lima e ex-Secretário da SESA, em 07/08/2013 (folhas 136 e 137 do id. 8818095). Declarações abaixo: “Que em janeiro de 2011 assumiu a direção do Hospital de Clínicas Alberto Lima, cargo que ocupou até setembro daquele ano quando foi nomeado Secretário Adjunto da Secretaria Estadual de Saúde - SESA; Que de 8 de março de 2012 a 31 de março de 2013 ocupou o cargo da Secretaria Estadual de Saúde; Que no período em que ocupou o cargo de diretor do Hospital das Clínicas não soube se havia serviços na unidade prestados sem cobertura contratual; Que só veio a tomar ciência dessa situação dos serviços após ocupar os cargos de gestão na SESA; Que os diretores da unidades hospitalares não possuem ingerência sobre tais contratações e somente são consultados para saber sobre a qualidade dos serviços prestados; Que quem acompanha a vigência dos contratos é um setor específico da SESA, a Unidade de Contratos e Convênios; Que ao assumir o cargo de Secretário da SESA se deparou com a situação dos serviços prestados sem cobertura contratual; Que no primeiro momento obteve a informação de alguns processo de licitação estavam em fase final; Que ao perceber que os processos licitatórios não eram concluídos decidiu encaminhar a situação dos serviços prestados sem cobertura contratual para análise da Procuradoria Geral do Estado; Que baseado nos mapas apresentados pela Comissão de Licitação, o declarante, imaginando que os certames seriam concluídos regularmente, não providenciou as contratações emergenciais, até porque tais contrações emergenciais já haviam sidos realizadas anteriormente; Que em certo momento a Procuradoria Geral do Estado orientou a SESA a não mais renovar os contratos emergências além dos prazos previstos na lei de licitações; Que quem acompanhava os processos de licitação mais diretamente era o secretário adjunto Robério, por conta da sua formação juridica; Que em 2012 a empresa ION foi contratada para fornecer medicamentos e prestar serviços de quimioterapia aos pacientes oncológicos; Que em 2013 foi feita uma chamada pública para prestação do mesmo serviço em que participaram a empresa ION e empresa SECO e YUNG, sendo vencedora do certame a empresa SECO e YUNG; Que o objetivo desse contrato era atende os pacientes com câncer que necessitassem de quimioterapia, fornecendo as drogas não disponíveis na Unidade de Controle do Câncer UNACON; Que não saber dizer que ao sair da gestão da SESA a e empresa SECO e YUNG ainda prestava serviços; Que feito contrato formal da SESA com a empresa SECO e YUNG; QUE indagado sobre a grande quantidade de pacientes que necessitam de cirurgia no HCAL, afirma que a falta de profissionais especializados e a falta de estrutura que encontrou quando assumiu a Direção do Hospital e a gestão da SESA, contribui para tal situação; QUE chegou a chamar o INTO, Instituto Nacional de Traumato-ortopedia para que fosse feito um mutirão em 2012, em que foram operados diversos pacientes; QUE a grande maioria dos casos se refere a ortopedia; QUE sobre o HE, há limitações estruturais para atender fisicamente os pacientes; QUE chegou a procurar parlamentares para buscar recursos para ampliação do Hospital de Emergências; QUE afirma também que grande parte da demanda do HE e do PAI se deve a falta de atendimento na atenção básica, que é de responsabilidade de município; QUE a falta de disponibilização de consultas, exames, e medicamentos na atenção básica acaba por causar a superlotação do HE e do Pronto Atendimento Infantil do Hospital da Criança; QUE indagado sobre o tomógrafo que está no depósito da SESA, afirma que tal equipamento fora apreendido pela Receita Federal no Governo passado e disponibilizado para o Estado; QUE determinou para um técnico, de nome DENIVANI TAVARES para que avaliasse o equipamento, constatando que era equipamento usado, e que necessitada de manutenção, necessitando um investimento que supostamente seria inviável financeiramente, de acordo com informação do fabricante; QUE não obstante, sabe que o equipamento foi encaminhado para Laranjal do Jari, onde nunca foi usado, como se pudesse ser colocado em operação; QUE em razão desses fatos o equipamento ficou sem operação desde então, por conta desses fatos; Que sobre os elevadores dos Hospital Alberto Lima e dos Hospital da Criança, sem funcionamento há vários anos, afirma que não conseguiu nenhuma empresa que se dispusesse a realizar os serviços de recuperação de tais equipamentos; que sobre o elevador do HCAL afirma que contatou-se o remoção dos componentes básicos para o seu funcionamento, acreditando que houve um saque que inviabilizou qualquer reparo. ” w - Notas de empenho e documentação usados para os valores pagos para LD da Silva EPP (folhas 155 a 207 do id. 8818095 e páginas 1 a 18 do id. 8818082). II.3 - Dos elementos de autoria Passando à autoria, vejamos os elementos existentes em relação a cada um dos réus: a - Réu Edilson: assinou o TAC em 2011, tendo, portanto, plena ciência da necessidade de regularização dos contratos. Comprometeu-se a resolver a situação dos contratos emergenciais em 27/11/2011, inclusive sob pena de multa e responsabilização. Logo, tinha plena ciência das irregularidades. Foi o responsável pela Secretaria entre 27 de junho de 2011 a 8 de março de 2012 e saiu do cargo sem realizar a licitação, mantendo o contrato verbal com a empresa LD da Silva EPP, como confessado diante do Ministério Público em seu termo de declarações, em que afirmou que não conseguiu terminar as licitações. Era o responsável pela pasta quando o contrato da LD da Silva expirou e não promoveu sequer nova regularização do contrato, conforme afirmado pelo gerente da LD da Silva em termo de declarações. Em suas declarações, aponta ciência da ilegalidade e sua decisão administrativa de mantê-la, invocando apenas dificuldades burocráticas, sem nenhuma providência concreta para garantir o cumprimento do TAC. Notas fiscais datadas de dezembro de 2011 a fevereiro de 2012 comprovam que a empresa continuou prestando serviços e recebendo valores durante sua gestão. Os pagamentos não foram precedidos de nova licitação, nem de formalização contratual, contrariando diretamente a Lei nº 8.666/1993 e o TAC firmado. Conforme manifestação do ex-assessor Robério, que confirma a responsabilidade legal, “o titular da Secretaria de Saúde é quem possui a atribuição para decidir sobre a manutenção dos serviços prestados à SESA mesmo sem a cobertura contratual.” b - Réu Lineu: foi gestor entre 8 de março de 2012 a 31 de março de 2013. Conforme suas declarações, tinha plena ciência das irregularidades (“o assumir o cargo de Secretário da SESA se deparou com a situação dos serviços prestados sem cobertura contratual” e “a Procuradoria Geral do Estado orientou a SESA a não renovar contratos emergenciais além dos prazos legais”). Declara que esperava a conclusão dos certames, mas não promoveu nenhum ato formal de contratação emergencial. Não interrompeu os pagamentos para a LD da Silva EPP, antes permitiu a continuidade dos serviços de forma verbal. Não formalizou aditivos nem comunicou ao MP qualquer tentativa de regularização. Recebeu reiterados ofícios da empresa LD da Silva EPP reconhecendo a ausência de contrato, como já demonstrado na materialidade, mas manteve a contratação verbal, mesmo os ofícios relatando que o contrato estava expirado desde final de 2011. Logo, aceitou continuar a relação contratual de fato, sem respaldo jurídico, com a mesma empresa da gestão anterior. A Procuradoria o orientou a não prorrogar contratos emergenciais vencidos, mas Lineu não promoveu nova licitação nem contratação legal. Conforme manifestação do ex-assessor Robério, que confirma a responsabilidade legal, “o titular da Secretaria de Saúde é quem possui a atribuição para decidir sobre a manutenção dos serviços prestados à SESA mesmo sem a cobertura contratual.” c - Ré Liliane: Confirmado em diversos documentos e pelo depoimento do gerente administrativo Elielson Silva Castelo que era a representante legal da LD da Silva EPP (“representante legal da empresa L. D. da Silva EPP, de nome de fantasia ‘Perfil Comércio e Serviços’, cuja titular é Liliane Duarte da Silva”). Era a responsável jurídica pela condução da empresa perante a Administração Pública, inclusive no recebimento de pagamentos e na manutenção dos serviços. Nos próprios ofícios enviados pela empresa à SESA, com sua representação, é admitida expressamente a ausência de contrato (“É do conhecimento de Vossa Excelência e desta SESA que o contrato nº 029/2005-SESA, celebrado com nossa empresa, está com sua vigência expirada desde 30/11/2011”). Mesmo sem contrato e com plena consciência da ilicitude, a empresa não interrompeu a prestação de serviços, inclusive em hospitais essenciais. A empresa emitiu notas fiscais durante todo o período pós-vencimento do contrato, como demonstrado. Os documentos estão recebidos e atestados por servidores, com pagamento efetuado sem licitação, sem contrato e com base apenas em “termo de ajuste de contas”. A sua empresa manteve-se como prestadora única de serviços essenciais por mais de dois anos, com pagamentos mensais e sem qualquer disputa concorrencial. Liliane nunca exigiu a formalização contratual ou propôs interrupção da prestação até que houvesse licitação. Ao contrário: aderiu voluntariamente à proposta da Administração de seguir prestando os serviços, inclusive insistindo em receber via termos indenizatórios. d - LD da Silva EPP: os elementos acima apontados para Liliane servem para demonstrar a autoria em relação à pessoa jurídica. II.4 - Da tipicidade e tipificação dos atos Os atos relatados, cuja materialidade e autoria foram acima analisados, são típicos, nos termos da lei de improbidade administrativa. Quanto à tipificação, temos que a representação do Ministério Público é pelo artigo 10, VIII e 11 da Lei 8.429/1992. Contudo, tais artigos tiveram relevante alteração com a lei 14.230/2021, devendo haver enquadramento típico completo a todas as novas elementares criadas. O artigo 11 deixou de ser exemplificativo e passou a ser taxativo e o artigo 10, VIII passou a exigir nova elementar. Entendo configurado apenas o tipo do artigo 10, VIII, mesmo com a nova redação. Vejamos cada elementar: a - Frustrar a licitude do processo licitatório: essa elementar se encontra devidamente caracterizada, já que por dois anos houve a prestação de serviços nos diversos hospitais vinculados à Secretaria de Saúde sem qualquer tipo de licitação. Aliás, não havia sequer contrato emergencial ou mesmo prorrogação formal do contrato anterior. O que ocorreu é que os contratos foram verbalmente mantidos e os pagamentos realizados por meio de Termo de Ajuste, depois de solicitação da empresa. Ora, a situação não seria adequada sequer na iniciativa privada, em que se preza pela formalização de contratos para prestação de serviços de altos valores. No serviço público, é evidente que houve frustração da licitação, pois nenhuma outra empresa que não a que prestava antes o serviço podia manter a atividade remunerada, durante os anos que a situação persistiu. Logo, mesmo se tratando de um Estado da Federação e de uma das duas pastas mais importantes (ao lado da Educação), a situação foi tratada com uma ilegalidade grosseira pelos gestores. b - Acarretar perda patrimonial efetiva: embora não tenha sido formalmente demonstrado no decorrer do processo o superfaturamento, entendo presentes elementos que demonstram perda patrimonial. Em primeiro lugar, a própria reserva de mercado criada durante anos para a empresa LD da Silva EPP indica a perda da oportunidade do Erário de licitar em condições mais favoráveis, do que se presume a lapidação de recursos públicos. Contudo, há elementos mais concretos que indicam a perda patrimonial. Ao analisar as notas fiscais apresentadas, observa-se a forma amadora de prestação de contas durante os anos de exclusividade da contratação, com notas fiscais preenchidas a mão e de forma lacônica, além de repetição de valores para a cobrança dos serviços, como se nota na comparação entre as notas fiscais. Observa-se, por exemplo, o quadro já apresentado de pagamentos devidos, em que fica evidente que os valores cobrados eram estimados - e não devidamente apurados. Vejamos novamente esse elemento: Como se observa, as notas fiscais tinham numeração sucessiva, mesmo sendo emitidas mais de um mês depois, o que demonstra que a empresa não prestava serviço que não o contratado pelo Estado (ou então as notas fiscais foram emitidas de maneira forjada). A ausência de qualquer elemento que justificasse os valores cobrados decorre da forma como os serviços eram descritos, como falado, e abaixo demonstrado: Observa-se que o valor de R$ 661.144,90 foi justificado apenas com um texto que afirma que os serviços foram prestados, sem discriminação, e o mês em questão. Por outro lado, a listagem de funcionários que trabalhavam em cada hospital - e que justificaria os gastos - não é adequada. Os valores foram pagos “por cabeça”, como mostram as memórias de cálculo que justificam os pagamentos, como abaixo demonstrado: Não há qualquer variação por produtividade, plantões efetivos ou critérios objetivos. No mais, essa quantidade de funcionários informada não era sequer objeto de fiscalização. Na verdade, ao se comparar a listagem de funcionários informada com o quantitativo apontado, vemos variações importantes. A relação de funcionários do id. 8819270, páginas 55 a 60, por exemplo, não apresenta qualquer diferenciação entre escalas diurna e 12x36, mas os valores apontados na memória de cálculo são diferentes a depender da escala. Logo, não há como fazer o controle desses valores. Além disso, dentro do cálculo do valor cobrado por quantidade de funcionários há valores estimados que provavelmente não são adequados. No id. 8819270, página 61, por exemplo, é indicado que para um auxiliar administrativo diurno seriam pagos valores de R$ 50,00 mensais para uniforme e R$ 50,00 mensais para treinamento, o que em valores atualizados parece alto (além de não haver qualquer comprovação). Observa-se que esse quantitativo de funcionários e funções eram apenas chancelados por aceites nas notas fiscais, sem haver relatórios de fiscalização por parte do Estado, o que demonstra evidente impropriedade. Na prática, a empresa podia manter quantidade bem menor de empregados e depois afirmar qualquer valor, pois não havia qualquer inspeção durante o período, pois o pagamento era feito posteriormente, com base na informação da própria prestadora de serviço, com a qualidade acima demonstrada. Portanto, em tal situação, os serviços foram pagos sem validação objetiva quanto à sua efetiva prestação ou conformidade com os quantitativos informados. Logo, entendo que houve perda patrimonial efetiva, já que o serviço foi remunerado sem qualquer tipo de controle e com base em declarações da própria pessoa jurídica que receberia os valores quanto à quantidade efetiva de colaboradores remunerados. Quanto ao artigo 11, V da Lei de Improbidade, entendo que não há comprovação da elementar de favorecimento direto à empresa. Não foi comprovado pelo Ministério Público nenhuma relação entre a LD da Silva EPP ou Liliane e os gestores. Assim, não há como se afirmar que havia dolo de obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, por parte dos gestores (e da favorecida, por consequência). II.5 - Do dolo específico Considerando se tratar de requisito subjetivo indispensável na nova lei de licitação, passo a análise do requisito. No ponto, entendo que há comprovado dolo específico dos réus, pelos seguintes pontos: a - Réu Edilson: Edilson tinha o dever legal de instaurar processo licitatório ou, ao menos, justificar formalmente a contratação emergencial. Sua omissão consciente em regularizar a contratação, apesar da continuidade da prestação e dos pagamentos, aponta para a ciência da ilicitude e a manutenção proposital da situação irregular. A inércia deliberada diante da irregularidade continuada indica não apenas omissão, mas consentimento ativo com o descumprimento do dever legal de licitar, com evidente risco (ou mesmo certeza) de dano ao erário. A assinatura de ordens de pagamento com conhecimento da ausência de contrato e da falta de fiscalização revela anuência consciente com o ilícito, com efeitos patrimoniais concretos. O prolongamento da prática, sem nenhuma tentativa de correção, reforça o caráter doloso e não meramente culposo da conduta. Apesar da gravidade da situação e do compromisso assumido no TAC, o réu nada fez para regularizar a contratação da empresa LD da Silva EPP, cuja prestação de serviços foi mantida de forma verbal e irregular. Em termo de declarações ao Ministério Público, o próprio Edilson confessou que não conseguiu finalizar as licitações e, mesmo assim, decidiu manter a empresa prestando serviços, alegando dificuldades burocráticas, sem adotar qualquer providência concreta ou emergencial. As notas fiscais emitidas entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012 comprovam que a empresa continuou sendo remunerada durante sua gestão, sem cobertura contratual e sem processo licitatório, em violação direta à Lei nº 8.666/1993. As despesas eram quitadas com base apenas em solicitações da empresa e termos de ajuste internos, sem qualquer procedimento formal ou motivação legal. Importante destacar novamente que o ex-assessor jurídico da SESA, Robério, confirmou em manifestação que a decisão de manter os serviços mesmo sem cobertura contratual era de responsabilidade exclusiva do Secretário da pasta, o que reforça a vinculação direta e pessoal de Edilson com os atos praticados. O dolo específico, exigido pela nova redação da LIA, mostra-se presente: o réu tinha plena ciência da ilegalidade, como evidenciado pelo TAC que assinou e por suas próprias declarações, e deliberadamente optou por frustrar o dever legal de promover licitação, mantendo pagamentos vultosos com base em contratações informais, com o claro risco de prejuízo ao erário. Portanto, diante da conduta reiterada, consciente e sem justificativa legal idônea, resta configurado o ato de improbidade previsto no art. 10, VIII da LIA, com dolo específico de frustrar a licitude do processo licitatório, tendo como consequência lógica o prejuízo ao interesse público, seja pela ausência de concorrência, seja pela impossibilidade de aferir a vantagem dos valores pagos. b - Réu Lineu: assumiu a titularidade da Secretaria de Estado da Saúde do Amapá em 8 de março de 2012, sucedendo o então secretário Edilson. A partir dessa data, deu continuidade ao fornecimento de serviços pela empresa LD da Silva EPP, sem qualquer contrato vigente e sem promover processo licitatório, mesmo diante do expresso compromisso firmado anteriormente no TAC nº 001/2011, firmado pelo Estado perante o Ministério Público. Durante sua gestão, os pagamentos à empresa continuaram a ser feitos com base exclusivamente em notas fiscais e planilhas elaboradas pela própria contratada, sem qualquer discriminação técnica, aferição de metas, produtividade ou controles mínimos de execução. Não há nos autos nenhuma prova de que o réu Lineu tenha promovido qualquer esforço real para regularizar a situação contratual ou instaurar licitação, tampouco medidas para fiscalizar o efetivo cumprimento dos serviços. Ao contrário, a documentação constante dos autos demonstra que Lineu manteve a contratação irregular por diversos meses, mesmo ciente da inexistência de contrato e da obrigação institucional imposta pelo TAC firmado anteriormente. Em nenhum momento, conforme apurado, foram instaurados processos administrativos, sequer emergenciais, com vistas à substituição da empresa ou regularização da contratação. O dolo específico de frustrar a licitude do processo licitatório está presente: o réu tinha ciência da ilegalidade da situação, detinha o dever funcional de corrigi-la e optou deliberadamente por mantê-la, o que demonstra intenção consciente de subverter a legalidade administrativa e expor o erário à despesa continuada sem concorrência pública. O nexo entre sua conduta e a perpetuação da contratação ilegal da LD da Silva EPP — que se beneficiou de uma verdadeira reserva de mercado por anos — encontra-se devidamente comprovado nos autos, por meio dos documentos fiscais emitidos durante sua gestão, da ausência de licitação e da omissão funcional quanto à exigência de regularização. Embora formalmente tenha recebido diversas comunicações da empresa apontando para a inexistência de contrato, nada fez de concreto para resolver a situação. c - Ré Liliane: No caso da ré Liliane Duarte da Silva, sócia da empresa LD da Silva EPP, há prova nos autos de que sua empresa manteve, de forma consciente e voluntária, a prestação de serviços junto à Secretaria de Estado da Saúde do Amapá, mesmo após o encerramento formal do contrato anteriormente firmado e sem qualquer nova licitação ou formalização contratual. Não se trata, portanto, de mera prestação de serviço de boa-fé ou decorrente de imposição administrativa, mas sim de adesão deliberada a uma relação jurídica sabidamente irregular. Nos próprios ofícios encaminhados pela empresa à Administração Pública, assinados por seus representantes sob a responsabilidade de Liliane, é expressamente reconhecida a ausência de contrato desde novembro de 2011, com menção direta à inexistência de licitação vigente. Apesar disso, a empresa optou por permanecer na execução dos serviços, por meses consecutivos, em caráter de exclusividade e com recebimento regular de valores públicos. Essa conduta não revela simples inércia ou atuação passiva, mas sim decisão empresarial consciente de continuar prestando serviços em ambiente de ilegalidade, em franca violação ao princípio da obrigatoriedade da licitação e com ciência dos benefícios decorrentes da ausência de concorrência. A empresa, inclusive, emitiu notas fiscais preenchidas de forma genérica e sem detalhamento técnico, apresentando memórias de cálculo que não foram objeto de fiscalização efetiva por parte do Estado, baseando-se tão somente nas informações fornecidas pela própria contratada. A prestação de contas era informal, sem critérios objetivos ou verificação da produtividade, o que possibilitava à empresa amplos poderes para quantificar os valores devidos segundo sua própria conveniência. Ainda assim, a ré jamais exigiu a formalização do contrato ou propôs a suspensão da execução até que houvesse licitação ou regularização jurídica da avença, optando por manter o vínculo irregular, mesmo diante de reiteradas comunicações em que se admitia tal irregularidade. Além disso, a continuidade da prestação dos serviços sem cobertura contratual, com pagamentos mensais garantidos pela própria Administração, gerou uma reserva de mercado totalmente incompatível com os princípios da administração pública. A empresa LD da Silva EPP, sob a titularidade de Liliane, foi a única beneficiária de um contrato informal que perdurou por anos, sem qualquer disputa ou concorrência pública. Essa situação não decorreu de falha meramente administrativa, mas sim da conivência da empresa com um cenário que claramente lhe favorecia economicamente. Ainda que não se tenha comprovado superfaturamento ou fraude formal nas notas fiscais, o simples fato de a empresa ter aceitado operar, de forma contínua, em ambiente sabidamente ilegal e vantajoso, revela a presença do elemento subjetivo do dolo específico. A ré tinha plena ciência de que sua contratação não observava os requisitos legais e, mesmo assim, optou por manter a prestação dos serviços, obter pagamentos públicos e contribuir diretamente para a frustração da licitude do processo licitatório, em violação direta ao art. 10, VIII, da Lei de Improbidade Administrativa. A ausência de qualquer esforço concreto para regularizar a situação, a omissão em exigir contrato formal e o benefício direto e exclusivo auferido durante o período em que não havia concorrência, revelam que a conduta da ré não foi apenas irregular, mas dolosa no sentido jurídico exigido pela nova redação legal. Diante disso, restando comprovada a ciência da ilegalidade, a adesão voluntária à prática e o proveito econômico decorrente da exclusividade garantida sem licitação, conclui-se pela caracterização do dolo específico e, por consequência, pela prática de ato de improbidade administrativa pela ré Liliane Duarte da Silva. II.6 - Das teses defensivas Para os fins de adequada fundamentação, passo a analisar, por fim, as teses defensivas: a - Alegação da ré Liliane de que teve apenas prejuízo: a ré alega que manteve a prestação do serviço, mesmo com pagamentos atrasados e sofrendo prejuízos. Entretanto, não trouxe nenhuma prova documental de nenhuma das alegações e nem dos prejuízos que alegou sofrer. Não parece lógico que a empresa estivesse sofrendo prejuízos e ainda assim resolvesse manter o serviço sendo prestado sem qualquer contrato por dois anos. No mais, o ato de improbidade não é de enriquecimento ilícito, razão pela qual não há necessidade de que tenha havido lucro. b - Alegação da ré Liliane de que não houve prejuízo ao Erário: defende a requerida que não houve prejuízo, pois não houve superfaturamento e os serviços foram realizados. Entretanto, nenhuma prova traz que os valores cobrados eram de acordo com a média do mercado ou com outras licitações da época. c - Alegação de falta de elemento subjetivo da ré Liliane: já rebatida no item anterior. Não se afirma que a ré estivesse em conluio com nenhum gestor, mas sim que se favorecia da reserva de mercado criada, apresentava os valores que queria para receber e nada fez para resolver a situação, mantendo-se confortavelmente assim por dois anos, em prejuízo do Erário, que deixou de buscar propostas mais vantajosas pela falta de licitação. O fato de ter sido mantida na prestação do serviço desde 2005 é outro indicativo de que tinha evidente lucro com a contratação, sendo favorável a situação para a empresa. Além disso, chegou a ajuizar mandado de segurança contra uma tentativa de licitação em 2013, o que demonstra que havia interesse em manter a situação da contratação. d - Alegação do réu Lineu de que houve novo TAC em 2013: não indica concordância do Ministério Público com a situação de não solução do problema. Apenas indica que diante da comunicação pela nova gestão das dificuldades entendeu haver boa fé e permitiu que a questão fosse solucionada. O fato de o problema ter persistido depois de sua gestão não afasta sua responsabilidade. e - Alegação do réu Lineu de que agiu amparado por pareceres jurídicos: não se sustenta. Em seu próprio depoimento afirmou saber da situação irregular. No mais, nenhum parecer indicando a manutenção da contratação verbal foi apresentado nos autos, a indicar que não havia elementos que justificassem a prática. f - Alegação do réu Lineu de que já encontrou a situação irregular: não justifica a isenção de responsabilidade. Ao assumir um cargo político de alta relevância, assume-se os encargos de resolver as questões pendentes, não servindo de amparo a desculpa de “herança maldita”. Teve tempo adequado para resolver a questão e não o fez, nem que fosse pelo menos para realizar contratação emergencial. g - Alegação do réu Lineu de que os processos não foram concluídos por questões que fugiam de seu controle: defende a parte que “diversos pregoeiros, indicados com a participação da PGE/AP, foram colocados à disposição da SESA e se envolveram diretamente com os processos em pauta. Porém embora mesmo com uma equipe altamente qualificada na CPL/SESA, a marcha dos processo ainda caminhava de forma lenta, em virtude, segundo as equipes envolvidas, das limitações estruturais da SESA ante as particularidades exigidas, as mudanças na legislação da ANVISA exigindo a readequação dos Termos de Referência relativos à contratação de serviços hospitalares, a limitação de algumas áreas técnicas da Secretaria, demonstrada pela inobservância nos anos anteriores, de procedimentos requeridos, resultando até 2010 em diversos escândalos na área saúde com processos falhos e até prisão de autoridades à época, em operações realizadas pela Polícia Federal.” Trata-se de tentativa de terceirizar a culpa. Como responsável pela pasta, cabe ao Secretário exigir pessoal adequado e cobrar os subordinados para que apresentem os resultados. Entretanto, como é conhecido no Estado, geralmente há uma imensidão de indicações de cargos comissionados e poucas cobranças por trabalho profissional e técnico. No mais, cabe ao Gestor, em caso de impossibilidade absoluta de resolver os problemas de sua pasta, fazer as devidas comunicações ao Governador e solicitar recursos, bem como ao Ministério Público, em caso de TAC, informando as dificuldades e solicitando possibilidade de ajustes. Nada disso foi, pelo que consta nos autos, feito pelo réu, que prova alguma traz de suas alegações - se comprovadas, demonstrariam sua ausência de dolo, mas não foi o caso. Aliás, o réu sequer pediu a produção de provas na fase adequada, como de testemunhas que pudessem confirmar o que disse, inclusive sendo possível a convocação do Governador e dos Procuradores com quem diz que conversou. h - Alegação do réu Lineu de que não houve prejuízo: Já tratada a questão em tópico anterior, que demonstrou o prejuízo causado pela ausência de licitação. II.7 - Considerações para a dosimetria das sanções Considerando a presença de autoria, materialidade, tipicidade e tipificação, bem como da rejeição das teses defensivas, o caso é de condenação. Passo às considerações quant à dosimetria da pena, por cada réu: a - Réu Edilson Afonso Mendes Pereira: natureza da infração é comum ao tipo, gravidade das condutas é normal ao tipo, impacto da infração é comum (não ficou comprovado pelo Ministério Público e pelo Estado os danos concretos causados aos usuários do serviço de saúde no período), extensão do dano é comum (não houve definição exata do prejuízo pelo Ministério Público e pelo Estado), proveito patrimonial do agente não é aplicável ao caso (o tipo não exige enriquecimento ilícito), presente as agravantes de ter o cargo de Secretário de Estado da Saúde (a quem cabe zelar pelo Erário e ter especial responsabilidade, ante o cargo de uma das pastas mais importantes da Administração Estadual), de ter a direção dos atos (pela posição superior na Administração Pública) e de ter assinado o TAC (que já previa responsabilização em caso de descumprimento) e presente a atenuante de ter ficado tempo relativamente curto à frente da Secretaria, não há comprovação de que tenha agido de forma adequada para minorar a situação, sem antecedentes comprovados nos autos. As penas demandam aplicação um pouco acima do valor mínimo previsto. b - Réu Lineu da Silva Facundes: natureza da infração é comum ao tipo, gravidade das condutas é normal ao tipo, impacto da infração é comum (não ficou comprovado pelo Ministério Público e pelo Estado os danos concretos causados aos usuários do serviço de saúde no período), extensão do dano é comum (não houve definição exata do prejuízo pelo Ministério Público e pelo Estado), proveito patrimonial do agente não é aplicável ao caso (o tipo não exige enriquecimento ilícito), presente as agravantes de ter o cargo de Secretário de Estado da Saúde (a quem cabe zelar pelo Erário e ter especial responsabilidade, ante o cargo de uma das pastas mais importantes da Administração Estadual) e de ter a direção dos atos (pela posição superior na Administração Pública) e presente as atenuante de ter ficado tempo relativamente curto à frente da Secretaria e de ter assumido a gestão já com o contrato sendo mantido irregularmente, não há comprovação de que tenha agido de forma adequada para minorar a situação, sem antecedentes comprovados nos autos. As penas demandam aplicação um pouco acima do valor mínimo previsto, mas abaixo do valor aplicado ao réu Edilson. c - Ré Liliane e pessoa jurídica LD da Silva: natureza da infração é comum ao tipo, gravidade das condutas é normal ao tipo, impacto da infração é comum (não ficou comprovado pelo Ministério Público e pelo Estado os danos concretos causados aos usuários do serviço de saúde no período), extensão do dano é comum (não houve definição exata do prejuízo pelo Ministério Público e pelo Estado), proveito patrimonial do agente não é aplicável ao caso (o tipo não exige enriquecimento ilícito), presente as atenuantes de prestação do serviço e de comunicação da irregularidade aos gestores (embora apenas no pedido de pagamento para si, o que não permitiu o afastamento de sua responsabilidade, como exposto), não há comprovação de que tenha agido de forma adequada para minorar a situação, sem antecedentes comprovados nos autos. As penas demandam aplicação em valores próximos ao mínimo previsto. II.8 - Considerações quanto à escolha das sanções O tipo em que houve enquadramento prevê como sanções, nos termos do artigo 12, II da LIA, “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos”. Considerando a gravidade do caso, bem como as peculiaridades expostas, entendo que: 1 - a perda de bens ou valores não é devida, pois não houve comprovação de valores envolvidos durante a ação, 2 - a perda da função pública é devida para os gestores, pois demonstraram inaptidão para o exercício dos cargos, como demonstrado, com a restrição apenas de que a sanção se limita apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, diante da nova redação dada para a questão, 3 - a suspensão dos direitos políticos é sanção adequada ao Secretários, pois os atos foram praticados no exercício de caráter político, na alta gestão estadual, 3 - é cabível a multa civil, a qual estimo em R$ 50.000,00 como valor base, ante a inexistência de cálculos precisos apresentados pelo Ministério Público e pelo Estado, e diante da constatação de que houve serviços prestados, embora com irregularidades, como apontado. Cada réu terá uma multa estipulada com base na dosimetria, sendo o valor acima o valor mínimo. 4 - é cabível a proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pois é da própria natureza da infração tipificada o desrespeito às regras de licitação. O prazo de cada réu será determinado com base na dosimetria já apresentada. III - Dispositivo Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão para condenar os réus Edilson Afonso Mendes Pereira, Lineu da Silva Facundes, Liliane Duarte da Silva e L. D. da Silva EPP por ato de improbidade administrativa previsto no artigo 10, VIII da Lei 8.429/1992. Absolvo os réus quanto ao ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11 da Lei de Improbidade, ante a mudança do tipo trazida pela Lei 14.230/2021. Aplico aos réus, ante a condenação, as seguintes sanções, previstas no artigo 12, II da Lei de Improbidade Administrativa, conforme fundamentos já apresentados: 1 - Réu Edilson Afonso Mendes Pereira: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, multa civil de R$ 100.000,00 e proibição de contratar com o serviço público ou receber benefícios pelo prazo de cinco anos 2- Réu Lineu da Silva Facundes: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de quatro anos, multa civil de R$ 75.000,00 e proibição de contratar com o serviço público ou receber benefícios pelo prazo de quatro anos. 3 - Ré Liliane Duarte da Silva: multa civil de R$ 50.000,00 e proibição de contratar com o serviço público ou receber benefícios pelo prazo de três anos. 4 - Ré L. D. da Silva: multa civil de R$ 50.000,00 e proibição de contratar com o serviço público ou receber benefícios pelo prazo de três anos. Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Incabível a remessa necessária (art. 17-C, §3º, LIA). Com o trânsito em julgado, comunique-se à Justiça Eleitoral encaminhando cópia desta sentença. Publicação com o registro da sentença. Intimem-se. Macapá/AP, 23 de julho de 2025. ROBSON TIMOTEO DAMASCENO Juiz(a) de Direito da 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá

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Processo nº 6005772-35.2024.8.03.0002

ID: 328509662

Tribunal: TJAP Órgão: 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Santana Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 6005772-35.2024.8.03.0002

Data de Disponibilização: 18/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CONCESSIONARIA DE SANEAMENTO DO AMAPA SPE S.A.

Notificação

Advogados:

FRANCISCO DAS CHAGAS FERREIRA FEIJO

OAB/AP XXXXXX Desbloquear

FLAVIO AUGUSTO QUEIROZ MONTALVAO DAS NEVES

OAB/AP XXXXXX Desbloquear

Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Amapá 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Santana Rua Cláudio Lúcio Monteiro, 900, Centro, Santana - AP - CEP: 68928-259 Balcão Virtual: https://us02web.zoom… Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Amapá 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Santana Rua Cláudio Lúcio Monteiro, 900, Centro, Santana - AP - CEP: 68928-259 Balcão Virtual: https://us02web.zoom.us/j/4231344987 Número do Processo: 6005772-35.2024.8.03.0002 Classe processual: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) AUTOR: MINISTÉRIO PUBLICO DO AMAPÁ REU: ESTADO DO AMAPA, MUNICIPIO DE SANTANA, COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTO DO AMAPÁ, CONCESSIONARIA DE SANEAMENTO DO AMAPA SPE S.A. SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ em face do ESTADO DO AMAPÁ, MUNICÍPIO DE SANTANA , COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTO DO AMAPÁ e a CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO DO AMAPÁ SPE S.A., com o objetivo de compelir os demandados a implantarem sistema de abastecimento de água tratada na comunidade de Anauerapucu, zona rural do Município de Santana, garantindo o acesso à água potável como serviço essencial de saneamento básico. Consta na inicial que a presente demanda tem origem no Inquérito Civil nº 0002479/2016, instaurado a partir de Notícia de Fato encaminhada pelo Núcleo de Mediação, Conciliação e Práticas Restaurativas, informando que, em oitiva social na Escola Francisco de Oliveira Filho, em Santana, foi constatada a inexistência de água tratada na comunidade de Anauerapucu. Segundo o relato, essa carência impediu inclusive a inauguração do posto de saúde local, comprometendo o acesso à saúde pública. A situação foi confirmada em vistoria realizada pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente/MP-AP, cujo relatório técnico n° 048/2023 indicou a falha no abastecimento, revelando que a única fonte de água utilizada pela unidade básica de saúde (UBS) provém da caixa d’água da escola local. Relata-se ainda que a CAESA foi reiteradamente oficiada a prestar esclarecimentos, limitando-se a responder que a localidade de Anauerapucu não integra a área de concessão de serviços de água e esgoto, por ser considerada zona rural conforme o Plano Diretor Municipal. Acrescentou que a responsabilidade recairia sobre o Governo do Estado, ainda que tenha informado a existência de um projeto para instalação de sistema de abastecimento cadastrado na plataforma SICONV, o qual, no entanto, não foi aprovado por impedimentos técnicos. O Ministério Público, buscando solução consensual, promoveu reunião com representantes da SEMA, SEMOP, CAESA, CSA e PGE/AP, na qual sugeriu-se, como medida paliativa, o aprofundamento de poço artesiano em ao menos 150 metros, proposta que restou inviabilizada pela topografia da UBS, localizada entre área de terra firme e ressaca, o que impediria a distância mínima exigida da fossa séptica. Para reforçar sua alegação, argumenta que o direito à água tratada é um direito fundamental indisponível, previsto nos artigos 6º, 196 e 225 da Constituição Federal, além de ser obrigação solidária dos entes federativos, conforme o artigo 23, IX, CF/88. Sustenta que houve inércia reiterada dos entes estatais em solucionar o problema, mesmo diante de comprovação técnica da violação ao direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado. Assim, requer a condenação dos réus em obrigação de fazer, consistente na implementação de sistema de abastecimento de água tratada na comunidade de Anauerapucu, bem como o reconhecimento da responsabilidade solidária dos entes federativos pela prestação do serviço essencial, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana, função social do Estado, universalização do saneamento e prevenção de danos coletivos. Instruiu a inicial com documentos pertinentes à propositura da ação (ID`s 14199527). A tentativa de composição restou infrutífera (ID 16935573) Em contestação, a requerida CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO DO AMAPÁ SPE S.A. alegou, em preliminar, ilegitimidade passiva, por não estar obrigada contratualmente à prestação de serviços em zona rural, conforme disposto na Cláusula 1.1.5 do Contrato de Concessão n° 001/2021, que delimita a área de concessão exclusivamente à zona urbana dos 16 municípios amapaenses. Em reforço, argumenta que a obrigação da CSA está restrita ao que foi licitado e que, embora o contrato preveja a possibilidade de investimentos adicionais em áreas fora da concessão, isso depende de determinação específica do Estado, o que não teria ocorrido no caso concreto. Sustenta ainda que impor à CSA obrigações não previstas no contrato afrontaria o princípio da legalidade administrativa e configuraria descumprimento contratual por imposição judicial indevida. Deste modo, requer o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva e a exclusão da CSA do polo passivo da demanda, com a consequente extinção do feito em relação à empresa ou, caso superada a preliminar, a improcedência dos pedidos iniciais (ID 17283380). O MUNICÍPIO DE SANTANA alegou preliminarmente a ausência de interesse processual, ao argumento de que a responsabilidade pelo fornecimento de água tratada na zona rural é da empresa pública estadual IDEAS S.A., a qual sucedeu a CAESA em suas atividades-fim, conforme Lei Estadual nº 2.655/2022. Argumenta que não lhe compete, portanto, implantar sistema de abastecimento na localidade referida. Em reforço, afirma que o Município não detém atribuições diretas sobre o serviço, não sendo legítimo demandado para a prestação do objeto da ação, devendo ser excluído do feito (ID 17572652). O ESTADO DO AMAPÁ, por sua vez, reiterou a informação de que a comunidade de Anauerapucu não faz parte da área de concessão da CSA e que a responsabilidade direta pela prestação de serviços na zona rural estaria com a IDEAS S.A. Defende que sua atuação como concedente foi regular, tendo celebrado contrato de concessão conforme o Novo Marco Regulatório do Saneamento (ID 17574363). Sustenta ainda que oficiou aos órgãos como SEINF e SEMA para esclarecimentos, reforçando que a titularidade e prestação direta do serviço de abastecimento de água são compartilhadas, conforme a legislação vigente. Ao final, postula a improcedência dos pedidos, em razão da ausência de conduta omissiva ou comissiva ensejadora de responsabilização direta. Por ocasião da réplica, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ rebateu as preliminares de ilegitimidade e ausência de interesse, sustentando que todos os réus são solidariamente responsáveis pela efetivação do direito ao saneamento básico e ao acesso à água tratada, direito fundamental expressamente previsto na Constituição Federal. Reforçou que, embora a comunidade esteja situada em zona rural, integra o território do Município de Santana e da Região Metropolitana de Macapá, o que não exclui a responsabilidade conjunta dos entes (ID 17658714). Com relação à CSA, apontou que o próprio contrato de concessão prevê a possibilidade de investimentos adicionais em áreas fora da área urbana, mediante determinação do Estado, sendo legítima a sua inclusão no polo passivo da demanda. Defendeu que a ausência de ações efetivas, mesmo diante de reuniões e tratativas extrajudiciais, evidencia a omissão conjunta dos entes públicos e privados, o que justifica o prosseguimento da ação e a condenação dos requeridos na obrigação de fazer pleiteada. Instadas a indicarem as provas pretendidas, o Ministério Público requereu a realização de inspeção judicial. O Estado do Amapá informou não ter interesse na produção de outras provas. Os demais requeridos não se manifetaram. Em seguida, vieram os autos conclusos. II - FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINARMENTE No que se refere à preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela Concessionária de Saneamento do Amapá SPE S.A. (CSA), não merece acolhimento. Sustenta a requerida que a localidade de Anauerapucu está situada em zona rural e, portanto, fora de sua área de concessão, a qual estaria restrita às zonas urbanas, conforme previsão contratual. Contudo, tal interpretação não se sustenta diante do ordenamento jurídico vigente nem do próprio contrato de concessão nº 001/2021. A Cláusula 50.2.1 do referido instrumento prevê expressamente a possibilidade de execução de investimentos em áreas fora da delimitação original da concessão, desde que por determinação do Estado, o que revela que a atuação da CSA não se limita, de forma absoluta, às zonas urbanas. Ademais, os princípios da função social do contrato e da supremacia do interesse público impõem que as cláusulas do contrato sejam interpretadas de maneira sistemática e teleológica, sobretudo diante do objetivo de universalização do serviço público de saneamento básico até 2033, conforme determina a Lei nº 14.026/2020. Importa registrar que a exclusão de áreas rurais da obrigação de atendimento comprometeria a efetividade dos direitos fundamentais à saúde, ao meio ambiente equilibrado e à dignidade da pessoa humana, especialmente em comunidades historicamente vulnerabilizadas. O contrato de concessão, além de prever a possibilidade de investimentos adicionais fora da área originalmente delimitada, submete a CSA às diretrizes do poder concedente (Estado do Amapá), de quem se espera a adoção de providências necessárias à universalização dos serviços públicos essenciais. Consta nos autos que a própria concessionária participou de tratativas extrajudiciais mediadas pelo Ministério Público, reconhecendo a gravidade da situação vivenciada pela comunidade e discutindo medidas emergenciais. Tal conduta revela, por si só, a existência de vinculação à cadeia de prestação do serviço e reforça o seu dever de agir, afastando a alegação de ilegitimidade. Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva formulada pelo Município de Santana, de igual modo não vinga. Explico. O art. 30, inciso V, da Constituição Federal estabelece que compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local. O fornecimento de água potável enquadra-se, inequivocamente, nessa categoria, sendo serviço essencial à saúde pública, à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente equilibrado. Além disso, o art. 23, IX, da Constituição impõe competência comum aos entes federativos para cuidar da saúde e do saneamento básico, o que resulta na existência de responsabilidade solidária entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ademais, a Lei nº 11.445/2007, atualizada pela Lei nº 14.026/2020 (Novo Marco Legal do Saneamento), reforça esse entendimento ao prever que os serviços de saneamento devem observar os princípios da universalização e da prestação eficiente e contínua, alcançando inclusive as áreas rurais. Acrescente-se que consta nos autos documento oficial do próprio Município reconhecendo que a UBS da comunidade de Anauerapucu encontra-se desprovida de sistema de abastecimento de água adequado, o que evidencia sua ciência e omissão diante da situação (ID 14200094 - Pag 41 e 42). Portanto, é inequívoca a legitimidade passiva do Município de Santana, que deve permanecer no polo passivo da presente ação na qualidade de ente coobrigado pela garantia da prestação do serviço público essencial em seu território. Sua alegação de ilegitimidade, ademais, afronta o regime constitucional de responsabilidade solidária e esvazia o alcance dos direitos fundamentais tutelados na presente ação. Por fim, o interesse processual deve ser aferido à luz da teoria da asserção, conforme pacífica jurisprudência do STJ. Assim, basta a narrativa fática contida na inicial para justificar a instauração do processo. O simples fato de haver previsão contratual para futura prestação do serviço não é hábil a afastar o interesse do Parquet, sobretudo diante de uma omissão que já perdura por mais de oito anos, como demonstrado nos autos. A atuação judicial visa justamente suprir a inércia e garantir a eficácia imediata de um direito fundamental, razão pela qual não se cogita de carência de ação. Deste modo, rejeito as preliminares arguidas pelas partes nas contestações. Da ilegitimidade passiva da Companhia de Água e Esgoto do Amapá – CAESA A requerida Companhia de Água e Esgoto do Amapá – CAESA figura no polo passivo da presente ação, em razão de sua antiga atuação como prestadora dos serviços de abastecimento de água no Estado. Contudo, após a celebração do Contrato de Concessão n.º 001/2021, firmado entre o Estado do Amapá e a Concessionária de Saneamento do Amapá SPE S.A., com interveniência da ARSAP, houve inequívoca transferência da titularidade e responsabilidade operacional dos serviços anteriormente prestados pela CAESA. O próprio contrato de concessão dispõe, de forma expressa, que a CAESA não mais integra a cadeia de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, cabendo ao Estado do Amapá assumir, inclusive, eventuais passivos da estatal. Veja-se o teor das cláusulas 23.2.17, 23.2.18 e 23.2.19: “23.2. Sem prejuízo das demais disposições deste CONTRATO, dos negócios jurídicos coligados e da legislação aplicável, são deveres do ESTADO, na qualidade de representante dos titulares dos SERVIÇOS: (...) 23.2.17. responsabilizar-se por eventuais indenizações devidas à CAESA decorrentes de investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizados ou depreciados (...);” “23.2.18. responsabilizar-se pelos riscos relacionados a determinações judiciais e administrativas para satisfação de obrigações originalmente imputáveis ao ESTADO, inclusive reclamações trabalhistas propostas por empregados ou terceiros vinculados à CAESA (...);” “23.2.19. rescindir, ou diligenciar junto à CAESA sua rescisão, antes da celebração do TERMO DE TRANSFERÊNCIA DO SISTEMA, dos contratos celebrados com empresas subcontratadas que possam interferir na execução do CONTRATO (...);” Essas cláusulas evidenciam que, a partir da nova modelagem contratual, a CAESA não possui mais competência ou obrigação operacional relacionada à execução dos serviços de saneamento, tampouco responsabilidade autônoma por eventuais omissões atuais. Ao contrário, eventuais vínculos remanescentes foram expressamente transferidos ao Estado do Amapá, que assumiu integralmente os riscos e responsabilidades decorrentes da atuação da empresa. Deste modo, não há como se reconhecer a legitimidade da CAESA para figurar no polo passivo da presente demanda, por ausência de vínculo jurídico atual com o objeto da ação, tampouco omissão imputável diretamente à empresa. Ante o exposto, reconheço, de ofício, a ilegitimidade passiva da Companhia de Água e Esgoto do Amapá – CAESA e JULGO EXTINTO o processo em relação a essa, com base no art. 485, inciso VI, §3º, do Código de Processo Civil. MÉRITO Antes de adentrar na análise das teses jurídicas suscitadas pelas partes, é necessário pontuar que não houve, por parte dos requeridos, impugnação específica quanto ao fato central alegado na inicial: a inexistência de sistema de abastecimento de água tratada na comunidade de Anauerapucu, localizada na zona rural do Município de Santana. As contestações apresentadas, tanto pelo Estado do Amapá, quanto pelo Município de Santana e pela Concessionária de Saneamento do Amapá SPE S.A. (CSA), limitam-se a atribuir a responsabilidade pela prestação do serviço a terceiros, ou a indicar entraves técnicos, contratuais ou administrativos para a efetiva implementação do sistema, sem, contudo, infirmar a existência da omissão estatal quanto ao fornecimento de água potável na localidade. Trata-se, portanto, de fato incontroverso nos autos, o que autoriza o seu reconhecimento como verdadeiro nos termos dos artigos 341, caput, e 374, inciso IV, do Código de Processo Civil, em razão da ausência de impugnação específica. Importa destacar que a realidade narrada na petição inicial, quanto à ausência de abastecimento de água tratada na UBS da comunidade, foi confirmada por vistoria técnica promovida pelo Ministério Público do Estado do Amapá, através do Relatório de Inspeção n.º 048/2023, cujas conclusões não foram infirmadas por qualquer prova técnica em sentido contrário. Ademais, os próprios requeridos reconhecem que não há sistema regular de abastecimento naquela localidade, afirmando apenas que a zona rural não integra a área de concessão da CSA, e que os entraves decorrem de delimitações contratuais. Assim, superada a controvérsia fática acerca da existência da falha na prestação do serviço essencial de fornecimento de água tratada à comunidade, passa-se à análise jurídica da obrigação dos réus, individual e solidariamente, frente ao ordenamento jurídico vigente. O presente litígio não versa sobre relação contratual entre particulares, tampouco se limita à discussão de competências administrativas abstratas. Trata-se da prestação ou, mais precisamente, da omissão de serviço público essencial, relacionado ao saneamento básico, cuja titularidade e execução envolvem entes federativos e concessionário. No caso concreto, há um contrato de concessão celebrado entre o Estado do Amapá, na qualidade de Poder Concedente, e a Concessionária de Saneamento do Amapá SPE S.A. (CSA), com efeitos diretos sobre a população do Município de Santana. Vê-se, assim, que a matéria possui fundamentos constitucionais, infraconstitucionais e contratuais específicos, sendo regida pela Constituição Federal, pela Lei n.º 8.987/1995 (Lei das Concessões), pela Lei n.º 11.445/2007 (Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico), alterada pela Lei n.º 14.026/2020, pelo Decreto n.º 7.217/2010, bem como pelas disposições expressas no Contrato de Concessão n.º 001/2021 e seus anexos (ID 17283915). Nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre com a obrigação de assegurar a sua adequação e continuidade. Tal comando foi regulamentado pela Lei n.º 8.987/1995, a qual estabelece que toda concessão pressupõe a prestação de serviço adequado, assim entendido como aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação e modicidade nas tarifas (art. 6º, §1º). O artigo 6º, caput, da mesma lei, impõe que o serviço seja prestado de forma a atender plenamente os usuários. Veja-se: Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifa. § 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. Já o artigo 7º, inciso I, consagra o direito do usuário de receber o serviço adequado, e o artigo 31, inciso I, obriga a concessionária a prestar os serviços nas condições estabelecidas no contrato, conforme a legislação pertinente e as normas do poder concedente, conforme segue: Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I - receber serviço adequado; (...) Art. 31. Incumbe à concessionária: I - prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato; No tocante ao saneamento básico, a Lei n.º 11.445/2007 estabelece, em seu artigo 2º, os princípios fundamentais que orientam a prestação do serviço público, destacando-se: I – universalização do acesso e efetiva prestação do serviço; II – integralidade, compreendida como o conjunto de atividades e componentes dos diversos serviços de saneamento; III – prestação adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente; V – adoção de métodos e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; (...) XI – segurança, qualidade, regularidade e continuidade na prestação dos serviços. A mencionada norma também define, no artigo 3º, inciso I, alínea "a", que o fornecimento de água potável integra o conceito de saneamento básico, sendo composto pelas atividades e infraestruturas necessárias desde a captação até as ligações prediais, além de conceituar a abrangência do núcleo urbano, nos seguintes termos: Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição; (...) X - núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias com área inferior à fração mínima de parcelamento prevista no art. 8º da Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural; O artigo 3º-A, incluído pela Lei nº 14.026/2020, detalha as etapas da prestação do serviço de abastecimento, que compreende a reserva, captação, adução, tratamento, distribuição de água tratada, dentre outras etapas. Ademais, a obrigação de planejamento e execução recai sobre o titular do serviço, a quem incumbe, nos termos da Lei n.º 11.445/2007, a elaboração do plano municipal (ou regional) de saneamento básico: Art. 8º Exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico: I - os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local; II - o Estado, em conjunto com os Municípios que compartilham efetivamente instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, instituídas por lei complementar estadual, no caso de interesse comum. (...) Art. 9o O titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto: I - elaborar os planos de saneamento básico, nos termos desta Lei, bem como estabelecer metas e indicadores de desempenho e mecanismos de aferição de resultados, a serem obrigatoriamente observados na execução dos serviços prestados de forma direta ou por concessão; Ressalte-se que os planos de saneamento não podem servir de escudo para a omissão, pois, segundo o art. 19, §1º, da mesma lei, são elaborados com base em estudos fornecidos pelos próprios prestadores, sendo, portanto, fruto da cooperação entre os entes e não justificativa autônoma para eventual falha ou inércia administrativa, conforme a seguir transcrito: Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo: I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; II - objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; III - programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento; IV - ações para emergências e contingências; V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas. Com efeito, o artigo 11, §1º, do mesmo diploma, exige que os planos de investimentos e os projetos vinculados ao contrato de concessão estejam compatibilizados com o respectivo plano de saneamento básico, sendo certo que o art. 19, inciso II, impõe que constem nesse plano os objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização dos serviços, ainda que por meio de soluções graduais e progressivas. O Decreto n.º 7.217/2010, por sua vez, reforça o princípio da continuidade do serviço, ao prever no artigo 17 que a interrupção do abastecimento somente pode ocorrer em hipóteses excepcionais, devidamente justificadas e comunicadas. Nenhuma dessas hipóteses, vale dizer, é aplicável ao caso da comunidade de Anauerapucu, onde não se trata de suspensão programada, inadimplência ou necessidade técnica momentânea, mas de ausência estrutural de prestação do serviço, em que pese todo o regime jurídico acima exposto. Diga-se ainda que o regulamento acima mencionado estabelece que é diretriz da Política Federal de Saneamento Básico a garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais peculiares (art. 54, VII). O instrumento pelo qual a CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO DO AMAPÁ SPE S.A. pactuou com o Estado do Amapá a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, nos termos do processo licitatório, foi o Contrato de Concessão da Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, firmado com interveniência da ARSAP – Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Amapá. O contrato, com vigência de 35 (trinta e cinco) anos, estabelece obrigações legais e contratuais claras no sentido da universalização dos serviços e sua efetiva ampliação, inclusive em áreas atualmente não atendidas. Segundo a cláusula 1.1.5 do contrato, a concessão compreende a área urbana das sedes dos municípios do Estado do Amapá, sendo essa definida como toda a macrozona urbana, delimitada nos Planos Diretores Municipais, ou, na ausência deles, com base na legislação municipal ou nos parâmetros fixados pelo IBGE. Nesse ponto, cabe destacar que, conforme a Lei Federal nº 11.445/2007 (marco legal do saneamento básico), o conceito de núcleo urbano não exclui áreas rurais organizadas com características de adensamento populacional e carência de infraestrutura básica, como é precisamente o caso da comunidade de Anauerapucu, localizada às margens da BR-156, com número significativo de habitantes e dotada de equipamentos públicos (como escola e unidade básica de saúde), a evidenciar seu caráter de comunidade/distrito em processo de urbanização. Além disso, o próprio contrato, em seu capítulo sobre os Direitos e Obrigações da Concessionária (Cláusula 24, páginas 46 a 51), estabelece que compete à concessionária propor, analisar e executar diretrizes e projetos de expansão da rede de abastecimento de água e esgotamento sanitário, visando à efetivação da universalização dos serviços. Em especial, destaca-se a obrigação prevista na Cláusula 24.1.3, de propor e aprovar projetos de expansão decorrentes de novos parcelamentos do solo, loteamentos e empreendimentos, além de elaborar e executar cronograma de obras de aperfeiçoamento do sistema, necessários ao cumprimento das metas de universalização do serviço, conforme Cláusula 11. Ressalte-se também que o poder concedente tem o direito de exigir da concessionária a prestação dos serviços em conformidade com os padrões de qualidade e metas de atendimento, com previsão, inclusive, de alteração unilateral do contrato, a fim de adequar a contratação ao interesse público, observadas as regras estabelecidas na Cláusula 32 e seguintes do contrato. Portanto, o contrato reafirma os princípios e deveres já estabelecidos na legislação federal: o serviço de abastecimento de água deve ser adequado, universal e contínuo, sendo inadmissível a exclusão de comunidades vulneráveis e densamente habitadas por omissão da concessionária em propor projetos de expansão ou por suposta limitação contratual inexistente. A alegação da ré de que a comunidade de Anauerapucu não está contemplada na área de concessão, além de violar o princípio da universalidade do serviço público essencial, ignora suas obrigações contratuais de planejamento e expansão territorial progressiva. Ademais, a simples leitura do contrato e dos documentos apresentados permite constatar que a concessionária, ao longo de sua defesa, não nega a ausência de fornecimento de água potável à comunidade de Anauerapucu, mas tenta justificá-la por critérios meramente formais de delimitação territorial, o que, em face da essencialidade do serviço, não se sustenta juridicamente. Além do mais, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que a privação do fornecimento de água e a irregularidade de tal serviço implicam violação à dignidade da pessoa humana, à saúde pública e ao meio ambiente equilibrado: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. IRREGULARIDADE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL ENCANDA. DANO MORAL COLETIVO CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. (...) 6. A privação do fornecimento de água e a irregularidade de tal serviço, lesa não só o indivíduo prejudicado pela falta de bem vital e pelo serviço deficiente, como também toda coletividade cujos diversos direitos são violados: dignidade da pessoa humana, saúde pública, meio ambiente equilibrado. O dano, portanto, decorre da própria circunstância do ato lesivo e prescinde de prova objetiva do prejuízo individual sofrido. (...) 9. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. ( REsp 1820000/SE , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2019, DJe 11/10/2019) Em igual sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem afirmado que o direito à água potável integra o núcleo essencial dos direitos fundamentais e constitui objeto de proteção imediata pelo Estado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. DANO MORAL COLETIVO. REEXAME DE PROVAS. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. IMPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. Trata-se de recurso extraordinário com agravo interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que manteve sentença condenatória em ação civil pública por falha na prestação do serviço público essencial de abastecimento de água, reconhecendo a ocorrência de dano moral coletivo e a possibilidade de liquidação individual de danos homogêneos. 2. A configuração do dano moral coletivo decorre da falha prolongada e injustificada na prestação de serviço público essencial, com impacto relevante sobre a coletividade, sendo prescindível a prova do prejuízo concreto (dano in re ipsa), conforme jurisprudência consolidada. A responsabilidade objetiva da concessionária subsiste na ausência de demonstração de culpa exclusiva dos consumidores ou de terceiro, nos termos do art. 14 do CDC. 3. A pretensão recursal exige o reexame do conjunto fático-probatório e a análise de normas infraconstitucionais (CDC, CC e CPC), o que inviabiliza o processamento do recurso extraordinário por afronta apenas indireta à Constituição Federal, conforme entendimento pacificado na Súmula 279 do STF. Não se configura violação ao dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF), tampouco ao devido processo legal (art. 5º, incisos XXXVI e LV, CF). 4. Recurso extraordinário com agravo conhecido e improvido. (STF - ARE: 1510355 MS, Relator.: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 12/09/2024, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13/09/2024 PUBLIC 16/09/2024) Não se trata, portanto, de uma escolha política ou conveniência contratual, mas de imposição constitucional inafastável. O direito à água potável não pode ser condicionado à titularidade formal do serviço, à delimitação urbanística prevista em contrato ou à existência de previsão orçamentária específica. Com base nos documentos constantes dos autos, notadamente o Inquérito Civil nº 0002479-32.2016.9.04.0002, em especial o Relatório Técnico n° 48/2023 - PJMAHU/STN, é possível afirmar com segurança que a Unidade Básica de Saúde da comunidade de Anauerapucu encontra-se sem sistema próprio de abastecimento de água, situação que configura grave afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde e do acesso universal à água potável, enquanto bem essencial à vida. A ausência de fornecimento regular de água na unidade de saúde não representa apenas uma falha na prestação do serviço público, mas um descaso reiterado com as condições mínimas de funcionamento de um equipamento público fundamental à promoção da saúde coletiva. Não há como se admitir que um posto de saúde, cuja função precípua é justamente a prevenção de doenças, a realização de atendimentos básicos e a promoção de campanhas sanitárias, funcione em condições precárias, sem acesso à água potável de forma contínua e segura. Trata-se de falha que compromete não apenas a integridade das instalações e equipamentos da unidade, mas, sobretudo, a segurança dos usuários e servidores. Como é possível garantir assepsia adequada de materiais, higienização de ambientes, lavagem das mãos pelos profissionais ou mesmo fornecimento de água para ingestão por pacientes em observação, se não há sequer fornecimento básico e estável desse recurso? Não há dúvida de que o resultado é a potencialização de riscos à saúde pública, especialmente em comunidades vulneráveis como a de Anauerapucu, onde a UBS constitui muitas vezes o único ponto de acesso a serviços médicos e sanitários. Além de sua dimensão fática concreta, esse quadro revela o profundo déficit estrutural na efetivação das políticas públicas de saneamento básico e saúde, áreas reconhecidamente interdependentes. No caso dos autos, a inércia quanto ao fornecimento à UBS da comunidade revela-se ainda mais grave, pois há farta documentação nos autos dando ciência da situação às autoridades responsáveis, que deixaram de agir de modo efetivo para corrigir o problema. A situação revela, portanto, a existência de um cenário incompatível com o mínimo existencial assegurado pela Constituição Federal, que impõe ao Estado o dever de assegurar condições para a promoção da saúde (art. 6º e art. 196 da CF/88), sendo a água potável elemento estruturante desse direito. É importante destacar, neste ponto, que se busca aqui não é a substituição da vontade do administrador ou a imposição de diretrizes específicas de gestão da coisa pública, mas sim a concretização de um direito fundamental que já se encontra plenamente reconhecido e assegurado pelo ordenamento jurídico brasileiro: o direito de acesso à água potável como expressão do direito à saúde, à vida digna e ao meio ambiente equilibrado. O fornecimento de água tratada não é uma escolha política eventual sujeita a juízos de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública. Trata-se de um dever jurídico imposto constitucionalmente, cuja não observância enseja omissão estatal inconstitucional e, por isso mesmo, passível de controle judicial. O Poder Judiciário, nesse contexto, atua como garantidor da ordem jurídica e dos direitos fundamentais, e não como formulador de políticas públicas alternativas. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o Judiciário pode e deve intervir sempre que houver lesão ou ameaça a direitos fundamentais, notadamente quando configurada a omissão do Estado na implementação de serviços públicos essenciais. Como assentado no julgamento da ADPF 45, a reserva do possível e o princípio da separação de poderes não podem ser invocados como escudo para justificar a perpetuação de situações de flagrante injustiça social ou de desassistência estatal prolongada, sobretudo quando se trata de direitos mínimos e indisponíveis (STF - ADPF: 45 DF, Relator.: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 29/04/2004, Data de Publicação: DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191). No caso concreto, restou amplamente demonstrado que a comunidade de Anauerapucu permanece, há anos, privada do acesso regular à água tratada — o que compromete, dentre outros aspectos, a funcionalidade da unidade básica de saúde local e coloca em risco a saúde e a dignidade de seus moradores. Assim, a atuação judicial aqui reclamada não invade a seara administrativa, mas antes a complementa, na medida em que visa a obrigar o cumprimento de dever legal e constitucional previamente definido. Em outras palavras, não se trata de criar políticas públicas, mas de exigir que as já existentes sejam efetivamente cumpridas e que os serviços públicos essenciais sejam prestados de forma universal, contínua e adequada, conforme impõem a Constituição e as leis que regem o saneamento básico. Portanto, diante do conjunto probatório constante nos autos, do reconhecimento expresso da situação de desassistência pela própria Administração Pública e da ausência de providências eficazes por parte dos entes demandados, não há dúvida de que o direito tutelado reveste-se de caráter fundamental, coletivo e indisponível, impondo ao Poder Judiciário o dever de atuação positiva para assegurar sua concretização, ainda que em face de omissão administrativa ou contratual. III - DISPOSITIVO Diante de todo o exposto: 1 - REJEITO as preliminares arguidas pelas requeridas; 2 - JULGO EXTINTO o processo, em face da Companhia de Água e Esgoto do Amapá – CAESA, nos termos do artigo 485, inciso VI, §3º, do Código de Processo Civil, 3 - JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial para: 3.1 - Condenar o ESTADO DO AMAPÁ, o MUNICÍPIO DE SANTANA e a CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO DO AMAPÁ SPE S.A. (CSA), de forma solidária, a implementarem sistema de abastecimento de água tratada na comunidade de Anauerapucu, localizada na zona rural do Município de Santana, a fim de garantir o fornecimento regular, contínuo, seguro e adequado de água potável, nos termos da legislação vigente e dos padrões mínimos de qualidade definidos pela ANVISA e demais órgãos reguladores competentes, cujo projeto de implantação do sistema de abastecimento deverá: a) Contemplar solução técnica compatível com as características geográficas e socioeconômicas da localidade; b) Prever captação, adução, tratamento, reservação e distribuição de água tratada; atender, de forma prioritária, à Unidade Básica de Saúde (UBS) da comunidade, bem como às demais instalações públicas e domicílios residenciais da localidade. 3.2 - Fixar o prazo de 8 (oito) meses, a contar do trânsito em julgado desta sentença, para que os requeridos iniciem as obras de implantação do sistema, devendo apresentar cronograma físico-financeiro detalhado no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85. Dou por resolvido o processo, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO DO AMAPÁ SPE S.A. (CSA) ao pagamento das custas judiciais e despesas processuais. Sem condenação em honorários, pois incabíveis na espécie (inteligência dos artigos 17 e 18 da Lei nº 7.347/85). Em caso de eventual interposição de apelação, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. Se a parte apelada interpuser apelação adesiva, intimem-se a parte apelante para apresentar contrarrazões (§§ 1º e 2º do art. 1.010 do CPC). Ato contínuo, cumpridas as determinações do parágrafo anterior, independentemente de juízo de admissibilidade, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, com as cautelas de praxe e homenagens de estilo (§ 3º do art. 1.010 do CPC). Certificado o trânsito em julgado, proceda à EVOLUÇÃO do registro no sistema para CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Após, adote as providências pertinentes à cobrança das custas processuais, observados o disposto no art. 30 da Portaria 001/2025, que dispõe acerca do Atos Ordinatórios deste Juízo. Intime-se o Ministério Público para requerer o cumprimento de sentença, no prazo de 15 (quinze) dias. Decorrido o prazo, sem manifestação, arquivem-se os autos. Publicação e registro eletrônicos. Intimem-se. Santana/AP, 14 de julho de 2025. ELIANA NUNES DO NASCIMENTO Juiz(a) de Direito da 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Santana

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Processo nº 6001252-38.2024.8.03.0000

ID: 334328270

Tribunal: TJAP Órgão: Gabinete 01 Classe: REVISãO CRIMINAL Nº Processo: 6001252-38.2024.8.03.0000

Data de Disponibilização: 25/07/2025

Polo Ativo:

MOISES REATEGUI DE SOUZA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

JOSE SEVERO DE SOUZA JUNIOR

OAB/AP XXXXXX Desbloquear

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAPÁ Processo Judicial Eletrônico GABINETE 01 PROCESSO: 6001252-38.2024.8.03.0000 - REVISÃO CRIMINAL REQUERENTE: MOISES REATEGUI DE SOUZA Advogado do(a) REQUERENTE: JOSE SEVER… TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAPÁ Processo Judicial Eletrônico GABINETE 01 PROCESSO: 6001252-38.2024.8.03.0000 - REVISÃO CRIMINAL REQUERENTE: MOISES REATEGUI DE SOUZA Advogado do(a) REQUERENTE: JOSE SEVERO DE SOUZA JUNIOR - AP1488-A REQUERIDO: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ RELATÓRIO RELATÓRIO Trata-se de revisão criminal proposta por Moises Reategui de Souza com vistas a anulação de condenação proferida nos autos da Ação Penal Originária 0000937-35.2012.8.03.0000, afirmando, em suas razões, existirem diversas nulidades processuais e vícios formais no julgamento, além de pleitear indenização por danos morais e materiais. Narrou que o Ministério Público do Amapá o denunciou em 2012, quando era Deputado Estadual e Presidente da Assembleia Legislativa do Amapá. A denúncia apontava fraudes em contratos da Casa de Leis, imputando-lhe a prática dos crimes descritos nos artigos 288 (quadrilha), artigo 89, parágrafo único e artigo 90 da Lei Federal 8.666/1993 (fraude em licitação); artigo 312, caput, CPB (peculato desvio; artigo 317 CPB (corrupção passiva) e artigo 1º, § 1º, II, da Lei 9.613/1998. Instruída, a ação penal foi levada a julgamento com a procedência parcial da denúncia para condená-lo por 3 votos a 2. O requerente alega nulidades processuais que teriam maculado a lisura do julgamento que resultou em sua condenação, requerendo a revisão da decisão com base no artigo 621, incisos I e II, do Código de Processo Penal. Afirma, entre outros pontos, que: a) O julgamento da ação penal originária ocorreu sem o quórum mínimo exigido pelo Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Amapá, tornando a decisão nula; O Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Amapá exige a presença de pelo menos seis desembargadores para o julgamento de ações penais originárias, excluindo-se o presidente do tribunal. No presente caso, verifica-se que o julgamento ocorreu com apenas cinco desembargadores, incluindo o presidente, em aparente afronta ao disposto nos artigos 172, § 1º, e 254, inciso I, do Regimento Interno. Assim, há indícios suficientes para reconhecer a nulidade da decisão condenatória por inobservância do quórum mínimo exigido. b) Houve cerceamento de defesa, uma vez que provas testemunhais relevantes não foram devidamente apreciadas pelo relator do acórdão condenatório; Constata-se que o acórdão condenatório não analisou de forma expressa os depoimentos de testemunhas de defesa que poderiam impactar na formação do convencimento dos julgadores. O princípio da ampla defesa exige que todos os elementos probatórios apresentados pelas partes sejam devidamente apreciados, o que não ocorreu no caso em exame. Tal omissão pode configurar cerceamento de defesa e comprometer a validade da condenação. c) A investigação que embasou a ação penal teve origem em um inquérito civil promovido por membro do Ministério Público sem a devida delegação de competência pela Procuradoria-Geral de Justiça, violando o princípio do promotor natural; O requerente sustenta que a operação que embasou a ação penal foi conduzida sem observância das normas processuais, sendo resultado de conluio entre membros do Ministério Público e magistrados. Alegou-se, ainda, que o promotor responsável pela investigação não possuía delegação expressa da Procuradoria-Geral de Justiça, o que poderia tornar as provas obtidas nulas. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabelece que a designação de promotores para casos envolvendo altas autoridades deve ser formalizada por ato expresso do Procurador-Geral de Justiça. Nos autos, verifica-se a ausência desse ato formal, o que compromete a regularidade da investigação e pode ensejar a declaração de nulidade das provas obtidas. d) A operação policial denominada “Eclésia” foi conduzida de maneira ilegal, com forte influência midiática e conluio entre Ministério Público e magistrados, com o objetivo de afastar o requerente de sua função pública. Após reafirmar a existência das nulidades, requereu, ao final, a concessão de liminar para suspender os efeitos da condenação. No mérito a procedência dos pedidos para: 4.1. 1ª ilicitude: Reconhecer a ausência de quórum na sessão de julgamento da ação pena originária 937-35.2012, devido ter participado na votação somente 05 julgadores, violando o artigos 172, § 1º e 254, I RITJAP e artigo 12 Lei 8.038/90, anulando o julgamento; o 4.2. 2ª ilicitude: Reconhecer que o acórdão rescindendo não valorou a prova testemunhal, deixando que sopesar o conluio na concessão da busca e apreensão, notadamente: § 1ª Fraude: Reconhecer ofensa ao postulado do promotor natural: Pedido de busca e apreensão firmada por agente sem delegação da PGJ; § 2ª Fraude: Reconhecer ofensa ao postulado do juízo natural. Busca e apreensão deferida na jurisdição do plantão judicial; § 3ª Fraude: Reconhecer o conluio na concessão da busca e apreensão. Liminar deferida em 19 minutos. Logística para execução da medida judicial executada dias antes da concessão da ordem de apreensão; § 4ª Fraude: Reconhecer a inexistência de prevenção da 4ª vara de fazenda pública de Macapá para deferir a busca e apreensão ante a ausência dos pressupostos legais, como identidade de partes, causa de pedir e objeto; § 5ª Fraude: Reconhecer a ofensa ao postulado do juízo natural. Pedido de quebra de sigilo bancário fundado na LC 105/2001. Norma penal-tributária. Somente o juízo criminal poderia deferir a medida. o 4.3. 3ª ilicitude: Reconhecer que o promotor de justiça confeccionou provas contra detentor de foro por prerrogativa sem supervisão do Juízo natural; o 4.4. 4ª ilicitude: Reconhecer que o Tribunal do Amapá julgou procedente incidente de assunção de competência no processo 0031392-09.2014.8.03.0001, assentando a nulidade das provas produzidas por promotor público contra detentor de foro por prerrogativa de função sem prévia delegação de competência; o 4.5. 5ª ilicitude: Reconhecer que o Tribunal do Amapá julgou procedente apelação no processo 45.398-26.2012.8.03.0001, assentando a nulidade das provas produzidas por promotor público contra detentor de foro por prerrogativa de função sem prévia delegação de competência; o 4.6. 6ª ilicitude: Reconhecer a nulidade do procedimento: promotor de justiça produziu provas conta Presidente de Poder em sede de inquérito civil e ações preparatórias e compartilhou com ações penais originárias, sem prévia determinação judicial; o 4.7. 7ª ilicitude: Reconhecer as provas coletadas no âmbito civil (improbidade administrativa) não poderá ser usada na esfera criminal contra Presidente de Poder; o 4.8. 1ª ilicitude de mérito: Reconhecer que pela descrição da conduta do acusado pelo órgão acusador atrai a figura do peculato culposo. Violação ao artigo 312 do Código Penal; o 4.9. 2ª ilicitude de mérito: Reconhecer que foi comprovado na instrução a existência de atestado na prestação do serviço pelo fiscal do contrato. Dolo afastado. STF Inquéritos 2930 e 2482. Violação ao artigo 312 do Código Penal; o 4.10. 3ª ilicitude de mérito: Reconhecer que a decisão rescindenda não comprovou o dolo na conduta e nem o prejuízo ao erário. Atuação do acusado após prévia manifestação dos órgãos técnicos da Assembleia do Amapá; o 4.11. 4ª ilicitude de mérito: Reconhecer que a decisão rescindenda adotou tese que não atrai o art. 288, pois considerou equivocadamente a mera existência de ações penais em curso, como elemento constitutivo do tipo;” Proferida decisão indeferindo o pedido liminar. Em manifestação, a d. Procuradoria de Justiça opinou pelo não conhecimento e, no mérito, acaso admitida, seja julgada improcedente. È o relatório. VOTO VENCEDOR VOTOS Excelentíssimo Senhor Juiz Convocado MARCONI PIMENTA – Conforme relatado, o revisionando busca a procedência da revisão criminal ao fundamento de terem ocorrido nulidades desde a deflagração da operação policial que deu ensejo à denúncia, aduzindo, para tanto, a ausência de quorum mínimo para julgamento da ação penal, a não valoração da prova testemunhal, ofensa ao principio do juiz e do promotor natural, conluio para concessão de decisão liminar e realização da Operação Eclésia, ausência de prevenção da 4ª Vara de Fazenda Pública para deferir a busca e apreensão, impossibilidade de utilização, na esfera criminal, de provas coletadas no Juízo cível, erro na valoração da prova, inclusive com afastamento do dolo. Faz mister ressaltar, inicialmente, que a revisão criminal é ação de natureza especial, porquanto, tem como objetivo a desconstituição de coisa julgada, expressamente protegida pela Constituição Federal (art. 5º, XXXVI), tendo em vista a necessidade de garantia da segurança jurídica. Por isso mesmo, o rol das hipóteses de seu ajuizamento é taxativo, consoante se extrai do art. 621 e seguintes do Código de Processo Penal, in verbis: Art. 621 – A revisão dos processos findos será admitida: I- quando sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidencia dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Com efeito, para o cabimento da revisão criminal quando a condenação é contrária ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento pelo seu não cabimento como mero mecanismo de reexame de fatos e provas, como se fosse um novo recurso. Vejamos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. ARTIGO 621, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. INEXISTENTE. CONSIDERAÇÃO DE PROVAS EM DETRIMENTO DE OUTRAS. REAPRECIAÇÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. In casu, a Corte de Justiça se baseou na prova testemunhal e nos depoimentos dos réus em juízo, afastando a prova documental produzida nos autos (em especial o auto de apreensão de fls. 243/245 e o Relatório onde consta a solução da sindicância instaurada pelo 369 BPM), no sentido de que esta seria suficiente para demonstrar, de forma incontroversa, a participação do acusado Geraldo no crime descrito na denúncia. Em verdade, com isso, se promoveu nova apreciação dos elementos probatórios para fins de verificação da autoria delitiva, que não encontra respaldo em revisão criminal. 2. O Superior Tribunal de Justiça - STJ pacificou o entendimento no sentido do não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vista ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1781148 RJ 2018/0311093-8, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 15/10/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/10/2019) Neste sentido, é a lição de Ada Pellegrini Grinover: "Exigência essencial à segurança jurídica, a coisa julgada tem, entre nós, assento constitucional (art. 5º, inc. XXXVI CF), exatamente porque a relevância da imutabilidade e da indiscutibilidade das sentenças concretiza o anseio de segurança do direito presente nas relações sociais. Só em casos excepcionais, taxativamente elencados pelo legislador, prevê o ordenamento jurídico a possibilidade de desconstituir-se a coisa julgada por intermédio da ação de revisão criminal e da ação rescisória para o juízo cível. Isto ocorre quando a sentença se reveste de vícios extremamente graves, que aconselham a prevalência do valor 'justiça' sobre o valor 'certeza'. No balanceamento dos valores em jogo, o legislador previu expressamente, no art. 621 CPP (e no art. 485 CPC), os casos de rescindibilidade da sentença passada em julgado. Mas, diante da relevância do instituto da coisa julgada, tais casos devem ter aplicação estrita. Assim, não se pode aplaudir a linha doutrinária que tende a ver na revisão criminal meio comum de impugnação da sentença, equiparável à apelação" (GRINOVER, Ada Pellegrini. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001. p. 305). Na mesma direção, adverte Guilherme de Souza Nucci ao afirmar que não se pode transformar a revisão criminal em nova apelação, objetivando-se um novo exame de provas. O processualista deixa claro que "o objetivo da revisão não é permitir uma 'terceira instância' de julgamento, garantindo ao acusado mais uma oportunidade de ser absolvido ou ter reduzida sua pena, mas, sim, assegurar-lhe a correção de um erro judiciário. [...] O acolhimento de pretensão revisional, na esfera criminal, há de ser excepcional, pois, o que se pretende é alterar a coisa julgada. Assim, eventual contradição à evidência dos autos deve exsurgir cristalina nos autos, sem a necessidade de interpretação duvidosa ou análise puramente subjetiva das provas” (Código de Processo Penal comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 962). In casu, todas as matérias suscitadas pelo revisionando em sua inicial foram devidamente analisadas pelo Pleno deste Tribunal, afastando as alegadas nulidades. Neste sentido, quanto a ausência de quorum para julgamento da ação penal, destaco trecho constante no acórdão: “Em atenção à proposição formulada pelo ilustre Desembargador João Lages, referente à ausência de quorum para julgamento, esta matéria já foi por diversas vezes debatida e a compreensão firmada foi a de que, para efeito do quorum, os presentes são contabilizados mesmo que não profiram votos. Neste sentido o Ministro Herman Benjamin, ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Regimental nº 766134, indicou que eventual impedimento conta para quantificação de quorum, no entanto sem voto, não vedando o julgamento da matéria. Necessário esclarecer que a tese do revisionando foi sustentada no julgamento de diversas outras ações penais e o TJAP a rechaçou em todas as oportunidades que instado a sobre ela decidir. Inclusive, buscou-se a alteração deste entendimento por meio de recursos interpostos as Instâncias Superiores, mas sem que o recorrente obtivesse êxito. Quanto a alegação de ofensa ao principio do promotor natural, verifica-se que este Tribunal de Justiça, no julgamento do IAC instaurado no Processo nº 0031392-09.2014.8.03.0001, reconheceu a nulidade, entretanto, em face de recurso interposto, não há decisão transitada em julgado acerca da matéria, o que torna inviável seu acolhimento por meio de revisão criminal. O requerente sustentou, ainda, violação ao princípio do juiz natural. No tocante a tal questão ressalto que, de igual forma as teses anteriores, o Tribunal de Justiça, analisou a questão e a rejeitou. Inclusive, em recente julgamento, do qual participei, o TJAP, seguindo entendimento firmado pelo e. STF, a rechaçou, consignando que: “Com efeito, embora seja incontroverso que entre os representados, alguns fizessem jus ao foro por prerrogativa de função, já que à época ocupavam cargos no parlamento estadual, o Supremo Tribunal Federal (STF), em recentíssimo julgamento, confirmou o entendimento de que “não há prerrogativa de foro para a apreciação de medidas cautelares requeridas durante as investigações promovidas no inquérito civil”. (grifo nosso): RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. INQUÉRITO CIVIL. PRERROGATIVA DE FORO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INEXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não há prerrogativa de foro para a apreciação de medidas cautelares requeridas durante as investigações promovidas no inquérito civil. 2. Agravo regimental desprovido. (STF - RHC: 118096 AP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 29/05/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-06-2023 PUBLIC 28-06-2023). Em outras palavras, durante a tramitação do Inquérito Civil Público de nº 0003086-19.2014.9.04.0001, que visava apurar atos de improbidade administrativa e da Ação Cautelar de Quebra de Sigilo Bancário e Fiscal nº 0059983-78.2014.8.03.0001, embora entre os investigados figurassem parlamentares estaduais, não existia, como não existe, a previsão de prerrogativa de foro, de modo que não há óbice para que ambos tenham tramitado no primeiro grau de jurisdição, já que naquele momento não existia qualquer ato de natureza criminal, o que prescinde de supervisão deste Tribunal de Justiça e tampouco representa usurpação da competência desta Corte. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), perfilhando o mesmo entendimento, em recente precedente, afirma que não configura usurpação da competência do tribunal de justiça local a instauração, pelo Ministério Público (MP), de investigação de natureza civil contra pessoa com foro por prerrogativa de função em que não tenha havido a abertura de Inquérito Policial ou procedimento criminal correspondente. Confira-se (grifo nosso): AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. INVESTIGADO. PRERROGATIVA DE FORO. SUPERVISÃO DA INVESTIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE NATUREZA CRIMINAL. NULIDADE. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO TJ-GO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Hipótese em que o representante ministerial de Formosa-GO instaurou Procedimento Preparatório para apurar irregularidades configuradoras de improbidade administrativa. Expirado o prazo de vigência do referido procedimento, este foi convertido em Inquérito Civil Público. 2. Embora o investigado exercesse cargo com foro privilegiado, não havia nenhum ato de investigação criminal iniciado na origem, mas apenas o inquérito de natureza civil, não havendo que se falar, até esse momento, em usurpação da competência do TJ-GO quanto à supervisão da investigação porque, na linha de precedentes do STJ e STF não há prerrogativa de foro em benefício de agentes públicos no âmbito de inquéritos civis e ações de improbidade administrativa, uma vez que elas não possuem natureza criminal. 3. Ausência de usurpação de competência do Tribunal de Justiça de Goiás na supervisão das investigações. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte "é plenamente legítimo o oferecimento de denúncia com escólio em inquérito civil público" (APn n. 527/MT, relatora Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 6/3/2013, DJe de 17/4/2013), não sendo o inquérito policial ou o procedimento investigativo criminal pressuposto necessário à propositura da ação penal. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl nos EDcl nos EDcl no RHC n. 171.760/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 27/4/2023). (PROCEDIMENTO CAUTELAR. Processo Nº 0002562-65.2016.8.03.0000, Relator ADÃO JOEL GOMES DE CARVALHO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 24 de Julho de 2024) Continuou o revisionando sustentando, ainda, a nulidade do julgamento por conta de nulidades decorrentes “da conduta do acusado pelo órgão acusador atrai a figura do peculato culposo. Violação ao artigo 312 do Código Penal;”, “Reconhecer que foi comprovado na instrução a existência de atestado na prestação do serviço pelo fiscal do contrato. Dolo afastado;”, “Reconhecer que a decisão rescindenda não comprovou o dolo na conduta e nem o prejuízo ao erário. Atuação do acusado após prévia manifestação dos órgãos técnicos da Assembleia do Amapá;” e “Reconhecer que a decisão rescindenda adotou tese que não atrai o art. 288, pois considerou equivocadamente a mera existência de ações penais em curso, como elemento constitutivo do tipo;”. Por meio da simples leitura das razões expostas pelo autor da revisão criminal em sua inicial, quanto as teses acima exposta, depreende-se que a pretensão ora deduzida cinge-se à mera tentativa de rediscutir tese já debatida, inexistindo, quanto a este aspecto, qualquer prova nova a respeito. Urge repisar que a revisão criminal não serve para expressar mera irresignação quanto ao conteúdo decisório proferido e, inclusive já transitado em julgado, haja vista que não serve tal ação como sucedâneo recursal, ou até mesmo como mais uma oportunidade de discutir teses já apreciadas. Nesse sentido: "Conceito de revisão criminal e natureza jurídica: é uma ação penal de natureza constitutiva e sui generis, de competência originária dos tribunais, destinada a rever decisão condenatória, com trânsito em julgado, quando ocorreu erro judiciário. Trata-se de autêntica ação rescisória na esfera criminal, indevidamente colocada como recurso neste Título do Código de Processo Penal." (STF, HC 75.627-SP, 2ª T., rel. Néri da Silveira, 16.12.1997, DJ 10.12.1999). In casu, vislumbra-se que o peticionário nada mais quer do que o reexame da decisão proferida pelo Pleno Judicial, e, como tal, elegeu a Revisão Criminal como via impugnativa, mostrando-se inviável que se discuta, nesta seara, questões relativas à valoração da prova, existência ou não de dolo ou a efetiva prestação dos serviços que teriam dado ensejo a deflagração da ação penal originária. Conclui-se, pois, a revisão criminal somente tem cabimento quando evidenciada a contrariedade flagrante da sentença/acórdão em confronto com a evidência dos autos, deixando o ato judicial de se lastrear em mínimo elemento de prova, ou seja, que tenha sido proferida em aberta afronta a tais elementos do processo. Neste sentido, eventual precariedade da prova, que possa gerar dúvida no espírito do julgador na fase de julgamento, não autoriza a revisão em face de nosso sistema processual. Deixando a revisão criminal de se fundar em qualquer dos incisos descritos no artigo 621, do CPP, inviável sua procedência. Posto isto, e por tudo o mais que dos autos consta, não se enquadrando a pretendida revisão em quaisquer das hipóteses taxativamente previstas no artigo 621 do Código de Processo Penal e 265, do RITJAP, dela não conheço. É o meu voto. EMENTA DIREITO PENAL - REVISÃO CRIMINAL – LEI DE LICITAÇÕES, QUADRILHA E CORRUPÇAO PASSIVA – AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA – NULIDADES – MATÉRIAS DEBATIDAS E DECIDIDAS EM ANTERIOR JULGAMENTO – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS A CONDUZIR A ALTERAÇÃO JULGADO – REANÁLISE DA MATÉRIA – SUCEDÂNEO RECURSAL – IMPOSSIBILIDADE. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de revisão criminal fundamentada no artigo 621, do Código de Processo Penal, com o objetivo de desconstituir acórdão condenatório 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, à base de 01 (um) salário mínimo vigente à época do fato, mais 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de detenção e o pagamento de multa de 4% (quatro por cento) do valor efetivamente despendido com o contrato celebrado, o que corresponde a R$ 219.066,00 (duzentos e dezenove mil e sessenta e seis reais), pela prática dos crimes de dispensa indevida de licitação, formação de quadrilha e peculato desvio. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Aferir a existência de nulidade do acórdão em razão da ausência de quórum mínimo para votação da ação penal, ausência de valoração da prova testemunhal, violação aos princípios do juiz e do promotor natural, conluio para concessão de liminar pelo primeiro grau de jurisdição e impossibilidade de utilização, pela esfera criminal, da prova obtida no Juízo cível e revaloração de elementos probantes. III. RAZÕES DE DECIDIR (i) Não cabe a utilização de revisão criminal como sucedâneo de recurso; (ii) revisão criminal é um direito de ação assegurado quando ocorrer alguma das hipóteses do artigo 621, do Código de Processo Penal, não se tratando de sucedâneo recursal, com a apresentação de argumentos que foram detidamente analisados por ocasião do julgamento da ação penal que se busca rescindir; e (iii) a revisão criminal somente tem cabimento quando evidenciada a contrariedade flagrante da sentença/acórdão em confronto com a evidência dos autos, deixando o ato judicial de se lastrear em mínimo elemento de prova, ou seja, que tenha sido proferida em aberta afronta a tais elementos do processo. IV. DISPOSITIVO 5. Revisão criminal não conhecida. DEMAIS VOTOS O Excelentíssimo Senhor Desembargador CARMO ANTÔNIO (Vogal) – Acompanho o Relator. O Excelentíssimo Senhor Desembargador ADÃO CARVALHO (Vogal) – Acompanho o Relator. O Excelentíssimo Senhor Desembargador MÁRIO MAZUREK (Vogal) – Acompanho o Relator. O Excelentíssimo Senhor Desembargador CARLOS TORK (Vogal) – Acompanho o relator, por tratar-se de hipótese de não conhecimento. A revisão criminal é ação de natureza especial, com o objetivo de desconstituição de coisa julgada, expressamente protegida pela Constituição Federal (art. 5º, XXXVI), tendo em vista a necessidade de garantia da segurança jurídica. Por isso, o rol das hipóteses de seu ajuizamento é taxativo, conforme se extrai do art. 621 do Código de Processo Penal. Sobre o tema Rogério Sanches discorre que “a revisão criminal é ação autônoma destinada a desfazer os efeitos de uma sentença transitada em julgado”, “CUNHA, Rogério Sanches Código de Processo Penal e Lei de execução penal comentado por artigos. São Paulo, JusPodivm, 2022, p. 1756) . Ou seja, não se presta como novo recurso, pois cuida-se de ação autônoma com finalidade taxativa prevista em Lei. DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. INDEFERIMENTO MONOCRÁTICO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.Agravo Interno interposto por WILSON CARDOSO MONTEIRO, por meio de advogado constituído, contra decisão monocrática que não conheceu da Revisão Criminal com base no § 3º do art. 625 do Código de Processo Penal e no § 2º do art. 271 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Amapá. O agravante foi condenado a 9 anos,7 meses e 6 dias de reclusão, diante da higidez da fração 1/5 pelo crime continuado, em regime fechado, pelo crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal). Sustenta que a condenação foi embasada exclusivamente na palavra da vítima, sem outros elementos probatórios que corroborassem a acusação, além de apontar contradições nos depoimentos da vítima e de seu genitor. A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo não provimento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.Há duas questões em discussão: (i) definir se a Revisão Criminal pode ser utilizada para reanálise de provas e rediscussão de assuntos já apreciados em instâncias ordinárias; (ii) verificar se a palavra da vítima, corroborada por outros elementos probatórios, é suficiente para manter a condenação do Réu pela prática do crime de estupro de vulnerável, considerando que, em sua maioria, ocorrem na clandestinidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.A revisão criminal é uma medida de caráter excepcional, destinada exclusivamente à correção de erros judiciários, sendo cabível apenas nas hipóteses expressamente previstas no art. 621 do Código de Processo Penal. Não se suporta o uso dessa ação para reanálise de provas ou rediscussão de matérias fáticas já apreciadas em instâncias ordinárias, sob pena de violação ao princípio da coisa julgada. 4.O agravo regimental apresentado pelo recorrente visa apenas rediscutir a valoração da prova testemunhal, especialmente a repetição da palavra da vítima, questão já comprovada e decidida tanto na sentença quanto no acórdão de apelação. A revisão criminal, no entanto, não pode ser utilizada como terceira instância recorrente. 5.A condenação do agravante foi baseada em um conjunto probatório sólido, que inclui o depoimento detalhado e coerente da vítima, corroborado por outras provas, como os relatos de testemunhas e documentos recolhidos durante as fases policial e judicial. A alegação de contradições nos depoimentos não se sustenta diante da robustez do acervo probatório. 6.Nos crimes contra a dignidade sexual, especialmente em casos de estupro de vulnerável, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que tais delitos são, em sua maioria, praticados na clandestinidade e sem testemunhas presenciais. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso não provido. Tese de julgamento : 1.A revisão criminal não pode ser utilizada como meio para reanálise de provas ou rediscussão de assuntos já apreciados em instâncias ordinárias, sendo cabível apenas nas hipóteses taxativas do art. 621 do Código de Processo Penal. 2.A palavra da vítima em crimes de estupro de vulnerabilidade possui especial relevância probatória e, quando coerente e corroborada por outros elementos, é suficiente para a manutenção da condenação. Dispositivos relevantes citados*: CF/1988, art. 5º, XXXVI; CPP, arts. 621 e 625, § 3º. Jurisprudência relevante relevante: STJ, AgRg no AREsp nº 2222784/SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, j. 21.03.2023; TJSC, AgInt em Revisão Criminal nº 0150028-15.2015.8.24.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 26.07.2017 (AGRAVO REGIMENTAL. Processo Nº 0007879-63.2024.8.03.0000, Relator Desembargador MÁRIO MAZUREK, SECÇÃO ÚNICA, julgado em 20 de Fevereiro de 2025) No caso dos autos, como indicado pela douta Procuradoria de Justiça, “não estão presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, não deve ser conhecida a Revisão Criminal.” Isso porque como bem pontuado pelo relator todas as matérias questionadas já foram objeto de análise do Pleno, e devidamente afastadas. O que pode ser depreendido do simples exame da ementa. Veja-se. PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PARLAMENTAR ESTADUAL. PRELIMINARES. INOVAÇÃO NA SUSTENTAÇÃO ORAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBICO. LICITUDE DAS PROVAS DA OPERAÇÃO ECLÉSIA. CERCEAMENTO DE DEFESA EM INQUÉRITO CIVIL. INIMIZADE CAPITAL EM ÂMBITO PROFISSIONAL. PROVA EMPRESTADA DE INQUÉRITO CIVIL. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO EM INQUÉRITO CIVIL. COAÇÃO DE TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE AUTO DE ARRECADAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO. PECULATO DESVIO. LAVAGEM DE DINHEIRO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. QUADRILHA. CORRUPÇÃO PASSIVA. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL. PERDA DE CARGO, FUNÇÃO PÚBLICA OU MANDATO ELETIVO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE REPARAÇÃO POR DANOS CAUSADOS. 1) Durante a sustentação oral em plenário de julgamento, não é possível à defesa inovar suas teses, trazendo preliminares estranhas às alegações finais apresentadas, sob pena de indevida inovação processual. 2) Apta é a denúncia que expõe o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, apresenta a qualificação dos acusados, aponta a classificação dos crimes imputados e oferece rol de testemunhas, tudo nos termos do art. 41 do CPP. 3) O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em sede de repercussão geral, a competência do Mistério Público para promover, por autoridade própria e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado (RE nº 593727). 4) A legalidade das provas obtidas na Operação Eclésia foi confirmada nos autos da Reclamação Constitucional nº 0000413-33.2015.8.03.0000, inexistindo vício no cumprimento da medida cautelar de busca e apreensão, uma vez que foram devidamente preenchidos os respectivos autos de arrecadação. 5) O inquérito policial e o procedimento investigatório ultimado pelo Ministério Público, por conterem elementos meramente informativos, não se submetem ao crivo do contraditório e não garantem ao indiciado o exercício da ampla defesa. 6) Para configurar a suspeição prevista na legislação processual penal, a inimizade entre as partes deve ser pública, recíproca e estar fundada em atritos ou agressões mútuas, razão pela qual os desentendimentos no ambiente profissional, em regra, não caracterizam suspeição, no sentido legal. 7) A prova produzida em inquérito civil público pode ser utilizada como elemento probatório hábil para embasar a propositura de ação penal. E, por ser peça informativa de natureza inquisitorial, o contraditório e a ampla defesa devem ter espaço no decorrer da instrução criminal, e não no âmbito do referido procedimento administrativo. 8) O oferecimento de denúncia com base em provas obtidas no curso de investigação de cunho civil com suporte em decisões de juízo de 1º grau não desrespeita o foro por prerrogativa de função. 9) Se as testemunhas, em juízo e, portanto, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, reiteraram seus depoimentos prestados na fase pré-processual, não procede a arguição de coação, sobretudo quando despida de qualquer elemento capaz de convencer quanto à veracidade da afirmação. 10) O Ministério Público do Estado do Amapá juntou em ações penais análogas a cópia dos autos circunstanciados de busca e arrecadação da Polícia Civil, referentes à decisão proferida na ação cautelar de busca e apreensão nº 0019541-41.2012.8.03.0001 (Operação Eclésia). E tais peças foram disponibilizadas aos réus, não se podendo alegar ausência, eis que se trata de documento comum a todos os feitos decorrentes da Operação Eclésia. 11) Comprovado nos autos terem os agentes promovido a dispensa ilegal de licitação para contratação direta de empresa terceirizada, para prestação de serviço, configurado o crime tipificado no art. 89, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993. 12) No peculato-desvio o agente dá destinação diversa à coisa, valendo-se do cargo público que exerce, por estar dentro de sua esfera de atribuições, não havendo necessidade da obtenção do proveito visado, bastando que ocorra o desvio. Precedentes STF e STJ. Praticam peculato-desvio os agentes que, em comunhão de desígnios, efetuam o pagamento de empresa terceirizada, que deixou de prestar os serviços contratados ao órgão legislativo, mormente quando o pagamento foi integralmente sacado em espécie, logo após os depósitos dos cheques, para rateamento entre os mesmos. 13) Para a consumação do crime de lavagem de capitais devem estar caracterizadas suas três etapas, quais sejam, conversão, dissimulação e integração. Afasta-se do tipo o mero proveito econômico do produto do crime, devendo o agente dar aparência de licitude aos valores provenientes de infrações penais ao tentar incorporá-los aos seus patrimônios ou de terceiros. 14) Aquele que omite, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele insere ou faz inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante pratica falsidade ideológica. Neste caso, o agente deve ter ciência da falsidade da declaração, sendo irrelevante que tenha obtido ou não a concretização posterior do fim buscado. 15) Para a configuração do crime de quadrilha é necessária a comprovação da união de no mínimo quatro pessoas, de forma estável e duradoura, com vistas à prática de um número indeterminado de crimes. 16) Se é o servidor público quem oferece ao particular a vantagem indevida, afasta-se o crime de corrução passiva, cabendo responsabilização por crime diverso de acordo com as circunstâncias do fato. 17) O cálculo da pena deve obedecer ao método trifásico disposto no art. 68 do Código Penal, cabendo ao julgador examinar e valorar fundamentadamente os critérios dispostos no art. 59 do mesmo Diploma Legal e aplicar a reprimenda penal necessária e suficiente para a prevenção e reprovação do crime. 18) O regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado com base no resultado da soma ou da unificação das penas arbitradas, independentemente da espécie de pena privativa de liberdade, seja reclusão ou detenção, consoante inteligência do art. 111 da Lei de Execuções Penais. Precedentes STF e STJ. 19) Consoante disposto no art. art. 92, I, do Código Penal, deve ser decretada a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo em face de condenação a pena privativa de liberdade superior a 01 (um) ano, por crime praticado com abuso de poder ou violação de dever funcional. 20) A condenação ao pagamento de indenização a título de reparação por danos causados deve ser precedida de pedido formal do Ministério Público ou do ofendido, para viabilizar o contraditório e a ampla defesa aos réus. Contudo, referido pedido não precisa compor a denúncia, podendo ser apresentado em qualquer momento no curso do processo. 21) Denúncia julgada parcialmente procedente. Quanto a ausência de quórum, o trecho citado pelo relator inclusive foi por mim proferido , enquanto Presidente do Pleno. Veja-se. “O Excelentíssimo Senhor Desembargador CARLOS TORK (Presidente) - Em atenção à proposição formulada pelo ilustre Desembargador João Lages, referente à ausência de quorum para julgamento, esta matéria já foi por diversas vezes debatida e a compreensão firmada foi a de que, para efeito do quorum, os presentes são contabilizados mesmo que não profiram votos. Neste sentido o Ministro Herman Benjamin, ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Regimental nº 766134, indicou que eventual impedimento conta para quantificação de quorum, no entanto sem voto, não vedando o julgamento da matéria. “ A tese referente ao principio do Promotor Natural está sendo debatida no IAC 0031392-09.2014.8.03.0001, entretanto pendente de julgamento de recurso do STJ. De qualquer forma, reiteradas vezes manifestei meu entendimento quanto à legalidade dos procedimentos adotados na operação Eclésia. Anoto apenas que em julgando Habeas Corpus o STJ assim compreendeu: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. LIMINAR DEFERIDA. REVISÃO POSTERIOR. POSSIBILIDADE. SUBMISSÃO AO COLEGIADO. DESNECESSIDADE. WRIT INADMISSÍVEL. ATAQUE A DECISÃO MONOCRÁTICA DE DESEMBARGADOR. DESCABIMENTO. POSSIBILIDADE DE RECURSO INTERNO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS. INVIABILIDADE. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. QUESTÃO JÁ RESOLVIDA REPETIDAMENTE NA ORIGEM E NO STJ. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. SERENDIPIDADE. VÍCIOS DA INVESTIGAÇÃO QUE NÃO CONTAMINAM A AÇÃO PENAL. PRERROGATIVA DE FORO. INQUÉRITO CIVIL E AÇÃO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA. DIMENSÃO TEMPORAL DE PRECEDENTES EM MATÉRIA DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. IRRELEVÂNCIA EM AÇÕES PENAIS TRANSITADAS EM JULGADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A decisão da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, proferida durante o recesso forense, tem natureza de provimento de urgência, na forma do art. 21, XIII, "c", do RISTJ, ainda estando submetida, após o processamento de habeas corpus, a um juízo de cognição exauriente, o qual, pode ser objeto de decisão monocrática do Relator, dentro das hipóteses do art. 34, XVIII e XX, do mesmo RISTJ. 2. A interposição de agravo regimental contra decisão que deferiu liminar em habeas corpus não obriga a submissão da questão ao colegiado competente quando, no juízo de cognição exauriente final, o Relator percebe que alguns aspectos omitidos na inicial conduzem ao não conhecimento da impetração, o que pode ser reconhecido monocraticamente (art. 43, XVIII, "a", e XX, do RISTJ), prejudicando o recurso interno. 3. Conforme o raciocínio jurídico que gerou o enunciado da Súmula 691/STF, aplicado por analogia a este Tribunal, não é cabível a impetração de habeas corpus perante o STJ contra decisão monocrática de Desembargador, por ser ela passível de recurso ao colegiado da própria Corte inferior. 4. Não é possível a análise da arguição das teses defensivas quando elas não foram previamente apreciadas na decisão impugnada, sob pena de indevida supressão de instância, vício processual que não pode ser contornado pelo argumento de ser cabível a concessão de ordem de ofício, uma vez que essa possibilidade decorre de iniciativa do julgador, em caso de manifesta ilegalidade, não decorrendo de pedido da parte baseado em sua própria interpretação dos fatos e do ordenamento jurídico. 5. Em sede de habeas corpus a prova deve vir previamente constituída com a petição inicial, não sendo admitida a realização de dilação probatória, muito menos após o julgamento monocrático da questão neste Tribunal, o que se agrava ainda mais diante da descabida necessidade de realização de aprofundado exame de provas, antigas e novas, para a aferição das teses apresentadas. 6. Não há que se falar em nulidade da ação penal quando um órgão fracionário do Tribunal de origem, uma única vez, em ação cível, caminhou nesse sentido, embora o Pleno da mesma Corte, em inúmeras outras ocasiões, tenha seguido trilha oposta, no âmbito criminal específico, por meio de entendimento ratificado várias vezes no STJ. 7. Não se cogita de violação à atribuição original de Procurador Geral de Justiça ou de Tribunal de 2º grau, quando os autos de uma investigação são imediatamente remetidos à autoridade competente, tão logo surjam indícios de envolvimento de agente com prerrogativa de foro nos fatos averiguados no inquérito civil, em face do encontro fortuito de provas - princípio da serendipidade, aceito pela jurisprudência pátria. 8. Eventuais nulidades ocorridas durante a etapa das investigações, meramente informativa, não têm o condão de contaminar a ação penal posteriormente instaurada. 9. Na linha de precedentes vinculantes do STJ e STF não há prerrogativa de foro em benefício de agentes públicos no âmbito de inquéritos civis e ações de improbidade administrativa, uma vez que elas não possuem natureza criminal. 10. Não há que se falar em dimensão temporal meramente prospectiva dos precedentes criminais vinculantes desfavoráveis ao acusado, sobretudo quando a discussão gira em torno de matéria processual de aplicação imediata, o que é reforçado pela ausência de demonstração de entendimento anterior contrário dos órgãos superiores. 11. O Incidente de Assunção de Competência, previsto no art. 947, do CPC, pode ser apresentado com o objetivo de prevenir divergência futura no Tribunal, devendo submeter a matéria de fundo ao órgão colegiado de maior composição para que seja formado o precedente a ser aplicado em casos iguais ou similares pendentes, não servindo o instituto, porém, para revisar a coisa julgada, mormente quando o Plenário do órgão competente já se posicionou inúmeras vezes no sentido adotado pela ação penal condenatória cujo resultado se pretende alterar. 12. Agravo regimental conhecido e improvido. (AgRg no HC n. 680.717/AP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 25/3/2022.) No mais, todas as provas foram examinadas, e sopesadas pelo relator, desembargador Carmo Antônio, quando do voto. E acompanhados, por maioria, pelo Pleno, acarretando na condenação do Revisionando pelo crime de prática do crime de dispensa de licitação (art. 89, Lei n. 8666/1993). Ao exposto, acompanho o relator pelo não conhecimento da ação revisional. É como voto. ADMISSIBILIDADE O Excelentíssimo Senhor Desembargador JOÃO LAGES (Vogal) – Senhor Presidente, Eminentes Pares, Pedi vista dos autos com o propósito de realizar uma análise mais aprofundada da matéria em exame. Após detido estudo do caso, adianto meu posicionamento no sentido de acompanhar integralmente o voto do eminente Relator, pelos fundamentos que passo a expor. No que tange à preliminar de nulidade por ausência de quórum mínimo para o julgamento da Ação Penal Originária, registro que, embora tenha suscitado questão de ordem sobre o tema no julgamento do Processo nº 0000937-35.2012.8.03.0000 (conforme consta do acórdão de mov. # 1459), a controvérsia já foi devidamente enfrentada pelo Tribunal Pleno desta Corte. Ficou expressamente consignado que os magistrados legalmente impedidos, apesar de não participarem da votação, devem ser computados para fins de aferição do quórum de julgamento. Tal entendimento foi construído com base, inclusive, no voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin, nos autos do Agravo Regimental nº 766134, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ), reafirmando a validade da formação do quórum sob esse critério. No mesmo julgamento da ação penal de referência, este magistrado acolheu diversas preliminares suscitadas pela defesa, relativas à violação dos princípios constitucionais do juiz natural e do promotor natural, à ilicitude de provas, ao cerceamento de defesa, à ausência de individualização das provas apreendidas e à inexistência de perícia contábil. Todavia, registre-se que fui voto vencido em todas essas matérias, prevalecendo, por maioria, o entendimento contrário. Relativamente às demais nulidades arguidas nesta revisão criminal, a exemplo das alegações de conluio entre agentes públicos, irregularidades no plantão judicial, quebra indevida de sigilo bancário e ausência de dolo, compartilho do entendimento do Relator no sentido de que tais questões não configuram vícios processuais ou nulidades absolutas aptas a justificar a revisão da condenação. Trata-se, na realidade, de tentativa de reexame de matéria de fato e de valoração probatória, providência que encontra vedação expressa na via da revisão criminal, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da doutrina especializada, que restringem a revisão criminal às hipóteses legalmente previstas. No tocante ao mérito das condenações, destaco que as teses defensivas giram em torno de suposta configuração de peculato culposo, inexistência de dolo específico, ausência de prejuízo ao erário público e atipicidade da conduta em relação ao crime de associação criminosa previsto no art. 288 do Código Penal. Entretanto, consoante bem fundamentado pelo Relator, a revisão criminal não é meio processual adequado para nova análise de elementos subjetivos do tipo penal, revaloração de conduta ou reinterpretação da tipicidade. Não restam caracterizadas, no caso concreto, quaisquer das hipóteses autorizadoras elencadas no art. 621 do Código de Processo Penal. Diante de todo o exposto, voto pelo não conhecimento da presente revisão criminal, nos exatos termos do voto do eminente Relator. É como voto. ACÓRDÃO Certifico que o presente processo foi levado a julgamento na 31ª Sessão Virtual PJE do Tribunal Pleno, realizada no período de 11/07/2025 a 17/07/2025, quando foi proferida a seguinte decisão: O Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, por unanimidade, NÃO CONHECEU da Revisão Criminal, tudo nos termos do voto do Relator. Tomaram parte do julgamento os Excelentíssimos Senhores: Juiz Convocado MARCONI PIMENTA (Relator), Desembargador CARLOS TORK (Revisor), Desembargador CARMO ANTÔNIO (1º Vogal), Desembargador JOÃO LAGES (2º Vogal), Desembargador ADÃO CARVALHO (3º Vogal), Desembargador MÁRIO MAZUREK (4º Vogal) e Desembargador JAYME FERREIRA (Presidente). Macapá, 18 de julho de 2025

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