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Acácia De Ferreti E Santos
OAB/BA 22.985
ACÁCIA DE FERRETI E SANTOS consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 323383225
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública
Nº Processo: 8105880-84.2024.8.05.0001
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ERIKA KELLER DIAS
OAB/BA XXXXXX
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EDUARDO JORGE ALBUQUERQUE DE MENEZES FILHO
OAB/PB XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE SALVADOR | FÓRUM REGIONAL DO IMBUÍ 2ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA Rua Padre Cassimiro Quiroga, Loteamento Rio das Pedras, …
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Processo nº 8010841-56.2020.8.05.0274
ID: 310550073
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DE FAMÍLIA, ÓRFÃO, SUCESSÕES E INTERD. DE VITÓRIA DA CONQUISTA
Classe: INVENTáRIO
Nº Processo: 8010841-56.2020.8.05.0274
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELIENE MACIEL DE ALMEIDA
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DE FAMÍLIA, ÓRFÃO, SUCESSÕES E INTERD. DE VITÓRIA DA CONQUISTA Processo: INVENTÁRIO n. 8010841-56.2020.8.05.0274 Órgão Julgador…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DE FAMÍLIA, ÓRFÃO, SUCESSÕES E INTERD. DE VITÓRIA DA CONQUISTA Processo: INVENTÁRIO n. 8010841-56.2020.8.05.0274 Órgão Julgador: 2ª V DE FAMÍLIA, ÓRFÃO, SUCESSÕES E INTERD. DE VITÓRIA DA CONQUISTA INVENTARIANTE: ERENICE FERREIRA MORAES Advogado(s): ELIENE MACIEL DE ALMEIDA (OAB:BA22681) INVENTARIADO: JARDILINA ROMUALDO DOS SANTOS Advogado(s): SENTENÇA I - RELATÓRIO 1. Trata-se de INVENTÁRIO dos bens deixados por JARDILINA ROMUALDO DOS SANTOS, falecida em 07 de janeiro de 2001, conforme certidão de óbito acostada aos autos, aberto a requerimento de ERENICE FERREIRA MORAES, sua filha e herdeira legítima, tendo sido esta nomeada inventariante. 2. Depreende-se dos autos que a autora da herança era solteira e deixou como sucessores seus descendentes, quais sejam: (a) ERENICE FERREIRA MORAES e (b) RAIMUNDA FERREIRA MORAES, ambas filhas, bem como os netos (c) TAINARA DE JESUS MORAES, (d) THALITA DE JESUS MORAES, (e) HENRIQUE DE JESUS MORAES, (f) ALANA DE JESUS MORAES e (g) LEONARDO DE JESUS MORAES, todos filhos de VALDEMIR FERREIRA MORAES, filho pré-morto da inventariada, os quais herdam por representação. 3. Foram prestadas as primeiras declarações (ID 183007586), informando como único bem da herança uma posse imobiliária situada no Bairro Patagônia, nesta cidade, medindo 6 (seis) metros de largura por 30 (trinta) metros de comprimento, limitando-se pela frente com a Rua Farroupilha, além da inexistência de dívidas e obrigações conhecidas. 4. Em despacho de ID 321669435, este Juízo determinou a juntada da certidão de inteiro teor do imóvel arrolado, para verificação da titularidade, sob pena de remoção do cargo de inventariante. 5. A parte autora peticionou requerendo a suspensão do processo (ID 393964547), o que foi indeferido por decisão proferida em 27/11/2024 (ID 474575634), tendo sido reiterada a determinação para cumprimento do despacho anterior no prazo improrrogável de 15 dias. 6. Em 06/03/2025, a inventariante manifestou-se requerendo a desistência do presente inventário judicial (ID 489149728), argumentando não ter logrado êxito em obter a documentação complementar exigida, mesmo após diligências junto à Administração Municipal, Tabelionatos e Cartórios registrais. 7. Posteriormente, em 06/05/2025 (ID 499215980), informou a existência de depósito judicial no valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) efetuado em 2020, pertencente ao espólio, requerendo a expedição de alvará para levantamento dos valores e seus acréscimos legais. 8. Em decisão de ID 499658500, foi determinada a comprovação da existência do depósito e apresentação de procuração com poderes específicos para levantamento dos valores. 9. Certidão cartorária (IDs 501878887 e 501878902) confirmou a existência do depósito judicial na conta nº 345.109.321-0, com saldo atualizado de R$ 20.306,44 (vinte mil, trezentos e seis reais e quarenta e quatro centavos), conforme extrato anexado (ID 501878904). 10. A inventariante apresentou procuração com poderes específicos para levantamento dos valores (ID anexo à petição posterior), reiterando o pedido de desistência do inventário judicial e de expedição de alvará. É o relatório. DECIDO. II - FUNDAMENTAÇÃO 11. Inicialmente, cumpre apreciar o pedido de desistência do inventário judicial formulado pela inventariante. 12. O artigo 485, VIII, do Código de Processo Civil dispõe que o juiz não resolverá o mérito quando homologar a desistência da ação. E, nos termos do § 4º do mesmo dispositivo, oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. 13. In casu, não há óbice à homologação da desistência, porquanto não houve contestação ou impugnação, tratando-se de procedimento de jurisdição voluntária, inexistindo interesse contrário de qualquer dos herdeiros ou terceiros. 14. Quanto ao pedido de expedição de alvará para levantamento dos valores depositados, restou devidamente comprovada a existência do depósito judicial na conta nº 345.109.321-0, vinculada ao presente processo, no montante atualizado de R$ 20.306,44 (vinte mil, trezentos e seis reais e quarenta e quatro centavos), conforme certidão e extrato de IDs 501878887, 501878902 e 501878904. 15. Ademais, a inventariante apresentou procuração com poderes específicos outorgados à sua advogada para promover o levantamento dos referidos valores. 16. Considerando que a desistência do inventário judicial não implica renúncia ao direito material subjacente, mas tão somente a opção pela via extrajudicial para a resolução da questão sucessória, mostra-se plenamente cabível a expedição do alvará para levantamento dos valores depositados em juízo, os quais incontestavelmente pertencem ao espólio. 17. Importante ressaltar que o presente caso apresenta peculiaridades que merecem atenção especial, notadamente a existência de herdeiros menores impúberes (TAINARA DE JESUS MORAES e THALITA DE JESUS MORAES) que sucedem por direito de representação. 18. No entanto, considerando que o alvará ora deferido visa tão somente possibilitar o levantamento de valores já reconhecidos como pertencentes ao espólio, para posterior destinação aos herdeiros conforme seus respectivos quinhões, não há prejuízo aos interesses dos incapazes, desde que observadas as formalidades legais na partilha que se sucederá por via extrajudicial, com a devida representação legal e intervenção do Ministério Público quando necessária. 19. Ressalte-se que a decisão ora proferida não importa em adjudicação ou partilha definitiva dos bens deixados pela de cujus, limitando-se a autorizar o levantamento dos valores depositados judicialmente, os quais serão objeto de futura partilha entre os herdeiros, observando-se os quinhões estabelecidos por lei. III - DISPOSITIVO 20. Ante o exposto, com fundamento no artigo 485, VIII, do Código de Processo Civil, HOMOLOGO a desistência manifestada pela parte autora e, por conseguinte, JULGO EXTINTO o processo sem resolução do mérito. 21. Outrossim, DEFIRO o pedido de expedição de alvará judicial para levantamento dos valores depositados na conta judicial nº 345.109.321-0, no montante de R$ 20.306,44 (vinte mil, trezentos e seis reais e quarenta e quatro centavos), conforme extrato de ID 501878904, em favor da advogada ELIENE MACIEL DE ALMEIDA, OAB/BA nº 22.681, que possui poderes específicos para tal, conforme procuração apresentada. 22. O alvará deverá ser expedido para transferência dos valores para a conta bancária indicada na petição de ID 499215980: agência 270-4, conta corrente: 0392100-0, Bradesco, CPF nº 624.406.755-04, chave pix: 77998272809 (celular), de titularidade da advogada. 23. Advirto à procuradora constituída quanto à sua responsabilidade na posterior prestação de contas e distribuição dos valores aos herdeiros conforme seus respectivos quinhões hereditários, observando-se as formalidades legais, especialmente no que concerne aos herdeiros menores impúberes. 24. Sem custas. Sem honorários, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária. 25. Após o trânsito em julgado e cumpridas todas as diligências necessárias, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vitória da Conquista/BA, 06 de junho de 2025. RAIMUNDO SARAIVA BARRETO SOBRINHO JUIZ DE DIREITO AUXILIAR - DEC 257/2025
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739712
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA
OAB/BA XXXXXX
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DIEGO FREITAS RIBEIRO
OAB/BA XXXXXX
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MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739718
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA
OAB/BA XXXXXX
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DIEGO FREITAS RIBEIRO
OAB/BA XXXXXX
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MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739732
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO CELSO NUNES SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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LAIANE DE SOUSA SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739742
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO CELSO NUNES SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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LAIANE DE SOUSA SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739749
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA
OAB/BA XXXXXX
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DIEGO FREITAS RIBEIRO
OAB/BA XXXXXX
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MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739755
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA
OAB/BA XXXXXX
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DIEGO FREITAS RIBEIRO
OAB/BA XXXXXX
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MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739764
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA
OAB/BA XXXXXX
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DIEGO FREITAS RIBEIRO
OAB/BA XXXXXX
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MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 0500524-24.2019.8.05.0271
ID: 322739770
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0500524-24.2019.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA
OAB/BA XXXXXX
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DIEGO FREITAS RIBEIRO
OAB/BA XXXXXX
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MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO
OAB/BA XXXXXX
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JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0500524-24.2019.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA INTERESSADO: UILMA FREITAS PINTO Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756), SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667) INTERESSADO: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY registrado(a) civilmente como JENNER AUGUSTO DA SILVEIRA KRUSCHEWSKY (OAB:BA15631), MARCELO FARIAS KRUSCHEWSKY FILHO (OAB:BA24003), DIEGO FREITAS RIBEIRO (OAB:BA22096), JULIANA CASTRO DE ANDRADE GAVAZZA (OAB:BA23215), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por UILMA FREITAS DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde tinha pretensão de construir sua casa. Alegou a parte autora que possuía o terreno por mais de 02 (dois) anos consecutivos. Informou que o terreno possuía o valor estimado em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social, arcando mensalmente com aluguel de R$ 300,00 (trezentos reais) por conta própria. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 307734184). Foi intentada audiência de conciliação, cujo êxito foi negativo (Id. 307735076). Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; b) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; c) improcedência dos pedidos autorais; d) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; e) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela não concessão da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal). Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, alegou que no terreno da autora foi construído sistema de esgotamento sanitário e muros de contenção. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu a revogação da tutela e a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se no sentido de afastar a ilegitimidade da empresa ré em vistas a responsabilidade solidária deduzida da relação contratual firmada entre as requeridas, justificando a sua presença na demanda. Sobre a preliminar da inépcia, alegou que descabe tal tese em razão da regularidade da inicial, bem como subsiste claro interesse de agir na ação, face a tentativa de reparação dos ilícitos supostamente praticados. Ao fim, considera descabida a tese de litigância de má-fé em razão do não preenchimento e comprovação dos pressupostos. Diante do requerimento da prova pericial pela parte autora, fora nomeado perito (id. 402437768). Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 415776024. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 454470833 e 469084261). Foi juntado pelo requerido Município de Valença, dados sobre os contemplados no projeto viver melhor (Id. 454165666). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491637500). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor' e que está comprovada a sua propriedade pelo termo de autorização e ciência. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada ao autor, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como arguiu que o muro de contenção não foi executado sobre o terreno da autora. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. A autora se defendeu afirmando a regularidade do seu pleito inicial, pugnando pela rejeição da tese preliminar. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora se contrapôs a tal requerimento, alegando que haveria uma relação de solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. A autora contrapôs tal tese pugnando pelo reconhecimento da solidariedade entre as rés. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"1. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual2. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 307734743 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Djalma Menezes, n. 08, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 64m² (sessenta e quatros metros quadrados) (Id. 307734181, fls. 04), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 307734181, fls. 02). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 307734181, fls. 04), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a bem da autora era precário, sem saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do terreno da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor (ID. 454165666). Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 307734181, fls. 04) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 307734181, fls. 02). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 415776024), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia conforme documento em Id. 454165666, indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 307734758 cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 307734714, consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020). A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu terreno entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 28.000,00 (vinte e oito mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do terreno conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 64m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu terreno e sem devido auxílio por parte do ente municipal, isto lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.3 Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".4 Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora teve retirado o imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.5 Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 22.400,0 (vinte e dois mil e quatrocentos reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1. No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2. Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C 1 STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 2 (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) 3 (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) 4 (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). 5 STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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