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Resultados para "REMOçãO, MODIFICAçãO E DISPENSA DE TUTOR OU CURADOR" – Página 275 de 316
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Acácia De Ferreti E Santos
OAB/BA 22.985
ACÁCIA DE FERRETI E SANTOS consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça como advogado.
ID: 311771435
Tribunal: TJBA
Órgão: 1ª V DOS FEITOS REL A RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEL, COM, FAM E SUC DE REG PUBLICOS DA COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA
Classe: MONITóRIA
Nº Processo: 8000027-54.2021.8.05.0078
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
AGAMENON FELIX ELPIDIO
OAB/BA XXXXXX
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ALTAMIR EDUARDO SANTANA GOMES
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA 1ª Vara de Registros Públicos, Família, Órfãos, Sucessões e Interditos DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROCESSO: 8000027-54.2021.8.…
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Processo nº 8000027-54.2021.8.05.0078
ID: 311771445
Tribunal: TJBA
Órgão: 1ª V DOS FEITOS REL A RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEL, COM, FAM E SUC DE REG PUBLICOS DA COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA
Classe: MONITóRIA
Nº Processo: 8000027-54.2021.8.05.0078
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
AGAMENON FELIX ELPIDIO
OAB/BA XXXXXX
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ALTAMIR EDUARDO SANTANA GOMES
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA 1ª Vara de Registros Públicos, Família, Órfãos, Sucessões e Interditos DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROCESSO: 8000027-54.2021.8.…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA 1ª Vara de Registros Públicos, Família, Órfãos, Sucessões e Interditos DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROCESSO: 8000027-54.2021.8.05.0078 CLASSE: MONITÓRIA (40) / [Fraude no Pagamento por Meio de Cheque, Cheque] AUTOR:ALTAMIR EDUARDO SANTANA GOMES registrado(a) civilmente como ALTAMIR EDUARDO SANTANA GOMES RÉU: TARCISIO CAMPOS MACEDO PARANHOS registrado(a) civilmente como TARCISIO CAMPOS MACEDO PARANHOS e outros Vistos, etc. Trata-se de ação monitória, posteriormente convertida em ação de execução de título judicial, ajuizada por Altamir Eduardo Santana Gomes em face de Tarcísio Campos Macedo Paranhos e Ubiracy Santana de Moura Paranhos, visando à satisfação de crédito decorrente de cheques não pagos e de acordo homologado judicialmente. O acordo previa o pagamento de R$ 72.000,00, em 72 parcelas mensais de R$ 1.000,00, com cláusula de vencimento antecipado e aplicação de penalidades em caso de inadimplência. Os réus não cumpriram o acordo, resultando no prosseguimento da execução, com débito atualizado de R$ 336.072,25, conforme memória de cálculo apresentada pelo exequente (ID 391125740). O exequente pugnou: Inclusão de restrições RENAJUD sobre veículos dos executados; Adjudicação dos veículos penhorados e homologação dos valores pela Tabela FIPE; Penhora parcial de 30% dos rendimentos líquidos do executado Ubiracy Santana de Moura Paranhos; Inclusão dos réus em cadastros de inadimplentes (via SERASAJUD); Protesto da dívida; Expedição de mandados de remoção e avaliação dos veículos. Em sede de impugnação de ID 445922369, os executados: Alegam impenhorabilidade de valores bloqueados em conta poupança (R$ 26.625,16); Apontam que os veículos penhorados estão alienados fiduciariamente e não integram o patrimônio para fins de execução; Requerem revisão dos cálculos apresentados pelo exequente, sob alegação de excesso de execução. Os autos vieram conclusos para decisão. I. DA AVALIAÇÃO JUDICIAL DOS VEÍCULOS O exequente solicitou a homologação dos valores dos veículos penhorados com base na Tabela FIPE. Contudo, os executados apontaram que os veículos estão em estado de uso avançado e que alguns deles estão alienados fiduciariamente. Diante disso, a homologação dos valores exclusivamente com base na Tabela FIPE é inviável, pois o estado de conservação dos bens pode impactar significativamente o valor atribuído. Assim, com fundamento no art. 870 do CPC, determino a realização de avaliação judicial dos veículos penhorados por oficial de justiça ou perito avaliador, considerando: O estado de conservação dos veículos; Eventuais gravames ou alienações fiduciárias. II. DA ADJUDICAÇÃO DOS VEÍCULOS A adjudicação dos veículos será analisada após a conclusão da avaliação judicial. Somente após a apuração do valor real dos bens será possível decidir sobre a adjudicação e o abatimento proporcional do débito. III. DA IMPENHORABILIDADE DE VALORES EM CONTA POUPANÇA Consta nos autos que o bloqueado em conta poupança está protegido pela impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC, pois não excede o limite de 40 salários mínimos. Em decisão id. 472942580, foi deferido o desbloqueio imediato do referido valor, e expedido alvará para sua liberação. IV. DOS VEÍCULOS ALIENADOS FIDUCIARIAMENTE Os executados afirmam que alguns veículos penhorados estão alienados fiduciariamente, quais sejam, placas SJL-3G89, modelo CHEV TRACKER T A LTZ, o Ford F14000 de placa JNW5580 e o Ford F14000 de placa JLY1733, o que os exclui do patrimônio executável, conforme o art. 66 da Lei nº 4.728/65. Determino que seja oficiado o credor fiduciário do veículo descrito, qual seja, Banco Safra, no prazo de 10 (dez) dias, para que informem a atual situação contratual. Caso confirmada a alienação fiduciária, as penhoras sobre os referidos bens deverão ser levantadas. V. DO EXCESSO DE EXECUÇÃO Em razão do inadimplemento do acordo, o exequente apresentou memória de cálculo (ID 391125740), atualizando o débito para R$ 336.072,25. Os executados, por sua vez, alegam excesso de execução, apresentando cálculos alternativos e requerendo a revisão do valor. Alegam que o débito atualizado deveria ser de R$ 275.228,51, considerando: A aplicação de juros simples de 1% ao mês; A dedução de valores pagos (R$ 7.000,00 em parcelas e R$ 11.750,00 em materiais de obra fornecidos); A inclusão de valores bloqueados em conta corrente (R$ 3.108,81). O exame dos cálculos apresentados pelo exequente e pelos executados revela inconsistências substanciais na apuração do débito, especialmente no que tange à: Aplicação de juros compostos: O exequente utilizou juros compostos na atualização do débito, o que contraria o entendimento consolidado do STF (Súmula 121) e do STJ, que determina a aplicação de juros simples em demandas executórias. Correção monetária: O exequente utilizou a tabela TJSE, mas não apresentou memória detalhada que permita verificar o período exato de incidência e as bases utilizadas. Dedução de valores pagos: Os executados apresentaram comprovantes que demonstram o pagamento de R$ 7.000,00 (7 parcelas de R$ 1.000,00), que devem ser considerados na apuração do débito. Quanto aos R$ 11.750,00 alegados como materiais fornecidos ao exequente, não há prova inequívoca de que tais valores foram destinados à quitação da dívida. Assim, indefiro, por ora, a dedução desse valor, salvo posterior comprovação. O valor de R$ 3.108,81, bloqueado em conta corrente, deve ser considerado na apuração do débito. Diante das inconsistências detectadas, é indispensável que o exequente apresente novo cálculo, corrigindo os erros apontados e detalhando os seguintes pontos: Aplicação de juros simples, conforme art. 591 do Código Civil e Súmula 121 do STF; Correção monetária, detalhando o período de incidência; Dedução dos valores pagos pelos executados e dos valores bloqueados. VI. DA NECESSIDADE DE NOVA MEMÓRIA DE CÁLCULO Nos termos do art. 524, § 2º, do CPC, o exequente deve apresentar a memória de cálculo de forma detalhada, especificando os critérios utilizados para a atualização do débito. A ausência de clareza nos cálculos apresentados até o momento impede a continuidade da execução nos moldes requeridos. Diante do exposto, DECIDO: Determinar que o exequente, no prazo de 10 (dez) dias, apresente nova memória de cálculo, detalhando: a) A aplicação de juros simples, conforme entendimento consolidado; b) A correção monetária, especificando o período de incidência e o índice utilizado; c) A dedução dos valores pagos (R$ 7.000,00) e de eventual valor bloqueado em conta corrente; Intimar os executados, após a apresentação dos novos cálculos, para, querendo, se manifestarem no prazo de 10 (dez) dias; Suspender os atos executórios relacionados ao montante atualmente apresentado pelo exequente, até a apresentação da nova memória de cálculo corrigida. Intimem-se as partes. Cumpra-se. Euclides da Cunha-BA, 17 de junho de 2025 Sirlei Caroline Alves SantosJuíza de Direito
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Geisa Dos Santos x Banco Original S/A
ID: 290847758
Tribunal: TJBA
Órgão: 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE DIAS D'ÁVILA
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 8005738-47.2024.8.05.0074
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NEILDES ARAUJO AGUIAR DI GESU
OAB/SP XXXXXX
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RYAN ANDRE CURVO DE CARLOS
OAB/MT XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA 1ª Vara Cível da Comarca de Dias D'Ávila Endereço: Praça dos Três Poderes, Centro, CEP 42.850-000 Telefones: (71) 3625-2035 / 1627 - E-mail: diasdavila1vcivel@t…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA 1ª Vara Cível da Comarca de Dias D'Ávila Endereço: Praça dos Três Poderes, Centro, CEP 42.850-000 Telefones: (71) 3625-2035 / 1627 - E-mail: diasdavila1vcivel@tjba.jus.br Processo nº: 8005738-47.2024.8.05.0074 Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Assunto: [Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes] AUTOR: GEISA DOS SANTOS REU: BANCO ORIGINAL S/A SENTENÇA Vistos. Dispensado o relatório (art. 38, da Lei 9.099/95). Narra a parte autora que foi surpreendida com a inscrição de seus dados nos órgãos de proteção ao crédito, a pedido do réu, em virtude de uma suposta dívida, que alega desconhecer. Assim, requer a exibição obrigatória de eventual contrato, a remoção imediata e a declaração de inexistência de débito, mais reparação moral. O réu, em sede de defesa, argui preliminares processuais. No mérito, pugna pela improcedência da ação, ante a comprovação de relação jurídica preexistente entre as partes inadimplida, conforme contrato de empréstimo assinado através de validação da fotografia da face. DECIDO. A análise das preliminares ganhou novos contornos com o Novo Código de Processo Civil. E isso porque, de acordo com o art. 488, "Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485". Desse modo, em observância aos princípios da primazia da decisão de mérito, da instrumentalidade das formas e da eficiência, e pela dicção dos artigos 4º, 282, § 2º, e 488, todos do CPC/2015, é dispensável o exame de questões preliminares, quando o julgamento de mérito for favorável à parte a quem aproveitaria o acolhimento daquelas arguições. Sabendo que a análise do mérito será favorável à parte ré, deixo de apreciar as preliminares arguidas. No mérito, a queixa é IMPROCEDENTE. De pórtico, observa-se que a relação jurídica tratada se subsume entre as de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, na medida em que a parte requerida se enquadra no artigo 3º do diploma em questão, pois se apresenta como fornecedora do produto/serviço objeto da lide, do qual a parte requerente, pessoa física, é eventualmente consumidora, tomadora da prestação como usuária final, na forma do artigo 2º do texto referido. No mais, cumpre registrar que o artigo 6º da Lei 9.099/95 estabelece que 'O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da Lei e às exigências do bem comum'. Além disso, o artigo 371 do CPC dispõe que 'O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento'. Ademais, analisando os fatos e documentos postos de parte a parte, tem-se que as pretensões autorais também não merecem prosperar, ante inverossimilhança de suas alegações. Isso porque o promovido colacionou contrato assinado digitalmente pela parte autora, referente a certo empréstimo aderido voluntariamente, com a apresentação de data, horário, IP e validação por reconhecimento facial. Somado a isso, o promovido colacionou ao corpo da defesa e em apartado fotografia que aponta a captura da biometria facial da parte promovente quando adesão (acompanhada de fotocópia do RG), sem haver qualquer demonstração ou mero indício de vício de vontade, corroborando a tese de defensiva de adesão voluntária. Sucede que, muito embora este Juízo, via de regra, não aceite telas sistêmicas como meio de prova, reputo verossímil a tese defensiva, haja vista que, na oportunidade de se manifestar acerca desses fatos e documentos desconstitutivos, a parte promovente se ateve a ilações genéricas, sendo prescindível qualquer alegação de necessidade perícia grafotécnica para eventual confirmação. Nesse contexto, é importante mencionar que segundo a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova - que inclusive embasa o art. 6°, VIII, do CDC e art. 373, §§1° e 2°, do CPC - o ônus probatório deve recair sobre a parte que tenha condições de dele se desincumbir. Ademais, não é demais recordar que, inobstante se tratar de relação de consumo, a inversão do ônus da prova, com fundamento nos dispositivos retromencionados, não se dá de forma automática, mas a critério do magistrado das vias ordinárias (STJ-AgRg no Ag: 955934 DF). Portanto, inexistindo a verossimilhança nas alegações autorais, não há que se falar em inversão do ônus probatório, devendo então ser aplicada a regra do art. 373, I, do CPC. Logo, sendo controversos os fatos mencionados, o ônus da prova de sua verificação recaía sobre a parte autora, afinal estava ao seu alcance a demonstração do que narrou. Contudo, a parte requerente não trouxe aos autos prova sólida de suas alegações. E mesmo que fosse invertido o ônus probatório, conclui-se que os acionados se desincumbiram do dever imposto pelo art. 373, II, do CPC, pois trouxe à lide comprovação da relação jurídica entre as partes, bem como da legitimidade da cobrança e, consequentemente, da anotação. Com efeito, o devedor que não cumpre a obrigação no vencimento se sujeita às consequências do inadimplemento. E a exibição do recibo de quitação é o meio idôneo de comprovação do pagamento, sendo ônus da parte a prova de sua alegação. No caso, ausentes indícios mínimos de que a parte promovente tenha quitado a dívida vinculada ao indigitado contrato, competia-lhe produzir prova documental acerca do pagamento, o que não consta nos autos. Por isso, não se pode reputar ilícita a conduta praticada pela instituição financeira, que agiu no exercício regular de direito de credora, o que afasta a responsabilidade pretendida, sendo forçoso reconhecer a improcedência de TODOS os pleitos exordiais. Nesse sentido: RECURSO INOMINADO. CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE DÍVIDA DESCONHECIDA. NEGATIVAÇÃO DO NOME DO AUTOR PERANTE OS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. O AUTOR NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DA PROVA QUE LHE COMPETIA. NÃO JUNTOU COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA COM DATA CONTEMPORÂNEA AO PERÍODO DA NEGATIVAÇÃO. PROVA FRÁGIL E INCONSISTENTE. JÁ O BANCO RÉU COMPROVOU O FATO DESCONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR, ATRAVÉS DE DIVERSOS DOCUMENTOS ACOSTADOS AO EVENTO N. 9. DEMONSTRADA A RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES. O BANCO JUNTOU FATURAS, SENDO UMAS PAGAS E OUTRAS PENDENTES DE PAGAMENTO, COMPROVANDO A DÍVIDA DO AUTOR. COBRANÇA DEVIDA. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE ATO ILÍCITO OU MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA PARA IMPROCEDÊNCIA. RECURSO ACIONADO CONHECIDO E PROVIDO. (...) (TJ/BA - QUARTA TURMA RECURSAL. Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0002207-64.2020.8.05.0063, Relator(a): MARY ANGELICA SANTOS COELHO, em: 17/02/2021) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a queixa. Por conseguinte, extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do Art. 487, inc. I, CPC. No caso da interposição de recurso, atentem as partes para o quanto estabelecido na Lei estadual nº 13.600/2016, concernente aos atos que devem compor o preparo recursal. Sem custas e honorários, porquanto não cabíveis nesta fase processual. P. R. I. Dias D'Ávila(BA), data da assinatura eletrônica. MARIANA FERREIRA SPINA Juíza de Direito Documento Assinado Eletronicamente
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Processo nº 8004628-72.2022.8.05.0271
ID: 322788393
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 8004628-72.2022.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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SERGIO CELSO NUNES SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA AUTOR: JEIZA PRAZERES DOS SANTOS registrado(a) civilmente como JEIZA PRAZERES DOS SANTOS Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756) REU: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por JEIZA PRAZERES DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde construiu sua casa. Alegou a parte autora que o imóvel possuía o valor estimado em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 413973490). Em ID's 422020677, o réu, Município de Valença, pugnou pela rejeição da tutela provisória por ausência de pressupostos. Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Em prejudicial, alegou sobre a prescrição da demanda. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) reconhecimento da prescrição; b) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; c) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; d) improcedência dos pedidos autorais; e) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; f) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela revogação da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Alegou, em sede de prejudicial, a prescrição da demanda. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) e a moradia da autora era precária, sem alvenaria ou saneamento básico, e sem documentação de posse ou propriedade. Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu o reconhecimento da prescrição e, no mérito, a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se arguindo sobre a responsabilidade solidária e objetiva das rés diante dos danos causados à parte. Alegou que o imóvel em que morava estava localizado na área onde se realizou a obra das rés, bem como, que em razão da demolição, necessitou morar na casa de terceiros sem receber ajuda por meio do aluguel social. Ao final, pugnou pela procedência da demanda. Este juízo intimou as partes para se manifestarem sobre o interesse na produção de provas (Id. 428080642). A autora requereu a produção de prova oral na modalidade de depoimento pessoal das requeridas e oitiva de testemunhas, bem como prova pericial (Id429505398). O réu, Município de Valença, requereu a produção de prova oral na modalidade oitiva de testemunha e produção de provas periciais recaída no imóvel da autora (id. 431225029). O réu, Andrade Galvão Engenharia, requereu a produção de provas orais nas modalidades depoimento pessoal e oitiva de testemunhas, bem como a produção de prova pericial recaída no imóvel da autora (Id. 430478503). Este juízo deferiu a produção das provas requeridas. Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 447268222. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 469084296). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491640894). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor'. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada a autora, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como não apresentou contrato de compra e venda do imóvel. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares e prejudiciais. Passo a apreciar a tese de prescrição. Em suas contestações, a ré Município de Valença e Andrade Galvão Engenharia alegaram que a pretensão autoral encontra-se fulminada pela prescrição. O Município de Valença argumentou que os fatos ocorreram antes de 2015, e que, seja considerando o prazo prescricional de 3 anos para pretensão indenizatória nos termos do Código Civil, ou seja considerando o prazo de 5 anos para a ajuizamento de ações contra a Fazenda Pública, houve a prescrição no caso concreto. A Andrade Galvão Engenharia argumentou que a prescrição intercorrente deveria ter sido contada da data do fato danoso, qual seja, agosto de 2017, no entanto, a ação somente fora distribuída em novembro de 2022. Em leitura dos autos, verifico que a tese não merece prosperar. As pretensões movidas em face da fazenda pública prescrevem em 5 anos nos termos do 20.910/1932. Em regra, a contagem do prazo ocorre de forma objetiva, ou seja, a partir do evento danoso. Todavia, diante de circunstâncias ligadas ao caso concreto, segundo entendimento do STJ, pode-se analisar o prazo prescricional segundo a actio nata em seu viés subjetivo, ou seja, o início da contagem do prazo de prescrição ocorre quando o titular tem o conhecimento da lesão do seu direito. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO ADMINISTRADOR. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ACTIO NATA EM SUA VERTENTE SUBJETIVA. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA NA ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O STJ adota como regra para o cômputo da prescrição a teoria da actio nata em sua vertente objetiva, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem. 2. Em situações excepcionais em que demonstrada a inviabilidade de conhecimento dos demais sócios acerca da gestão fraudulenta da sociedade pelo administrador, a regra do art. 189 do CC, assume viés humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir. 3. A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva admite a fluência do prazo prescricional a partir do conhecimento da violação da lesão ao direito subjetivo pelo seu titular e não da violação isoladamente considerada. 4. Identificado que a aplicação da actio nata para fundamentar o termo inicial do prazo prescricional no caso concreto baseou-se em premissa fático-probatória acostada aos autos, sobretudo quanto à vulnerabilidade da publicidade dos atos de administração, sua revisão nesta instância extraordinária encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ. 5. A incidência da Súmula n. 7 do STJ quanto à interposição pela alínea a do permissivo constitucional impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial sobre a mesma questão. 6. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1494347 SP 2013/0350975-3, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2024) Na situação em epígrafe, as circunstâncias do caso concreto direcionam o juízo a analisar o prazo prescricional segundo a actio nata subjetiva. Conforme consta no relatório, a autora foi retirada da sua propriedade com a promessa de que receberia uma nova residência em local diverso, mas, não foi estabelecido um termo final por parte do ente público para a entrega das moradias, logo, não houve o estabelecimento de um prazo certo para entrega do direito do autor. Nos termos da inicial e demais documentações, considerando a mora do ente público, os atrasos nas obras e a invasão das moradias prometidas por terceiros estranhos, o autor, junto com outros demandantes, sentiram-se lesados nos seus direitos e acionaram o judiciário. Nessa intelecção, o acionamento do judiciário se deu a partir do conhecimento da lesão dos direitos do autor, logo, devida a aplicação da ação subjetiva para afastar as teses suscitadas pelo réu. Considerando o quanto exposto, entendo que a ação foi movida tempestivamente, e assim, afasto a tese de prescrição. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora alegou a solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"[1]. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual[2]. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 419944904 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Amsterdã, Trav. 06, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 81,60m² (Id. 299630692, às fls. 03), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 299630692, às fls. 01). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a moradia da autora era precária, sem alvenaria, saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do imóvel da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor que fora anexada em processos similares a estes que tramitam nesta unidade. Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 299630692, às fls. 03) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 299630692, às fls. 01). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 447268222), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia (conforme documento que fora juntado em processos similares a este que tramitam nesta unidade), indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 419945610, cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 419944886 consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020) A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu imóvel entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 100.000,00 (cem mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do imóvel conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 81,60m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu imóvel passou anos morando em casas de terceiros, sem devido auxílio por parte do ente municipal, o que lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.[3] Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".[4] Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora foi retirada de imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.[5] Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1) No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2) Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C [1] STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 [2] (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) [3] (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) [4] (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). [5] STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 8004628-72.2022.8.05.0271
ID: 322788412
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 8004628-72.2022.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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SERGIO CELSO NUNES SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA AUTOR: JEIZA PRAZERES DOS SANTOS registrado(a) civilmente como JEIZA PRAZERES DOS SANTOS Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756) REU: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por JEIZA PRAZERES DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde construiu sua casa. Alegou a parte autora que o imóvel possuía o valor estimado em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 413973490). Em ID's 422020677, o réu, Município de Valença, pugnou pela rejeição da tutela provisória por ausência de pressupostos. Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Em prejudicial, alegou sobre a prescrição da demanda. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) reconhecimento da prescrição; b) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; c) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; d) improcedência dos pedidos autorais; e) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; f) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela revogação da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Alegou, em sede de prejudicial, a prescrição da demanda. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) e a moradia da autora era precária, sem alvenaria ou saneamento básico, e sem documentação de posse ou propriedade. Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu o reconhecimento da prescrição e, no mérito, a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se arguindo sobre a responsabilidade solidária e objetiva das rés diante dos danos causados à parte. Alegou que o imóvel em que morava estava localizado na área onde se realizou a obra das rés, bem como, que em razão da demolição, necessitou morar na casa de terceiros sem receber ajuda por meio do aluguel social. Ao final, pugnou pela procedência da demanda. Este juízo intimou as partes para se manifestarem sobre o interesse na produção de provas (Id. 428080642). A autora requereu a produção de prova oral na modalidade de depoimento pessoal das requeridas e oitiva de testemunhas, bem como prova pericial (Id429505398). O réu, Município de Valença, requereu a produção de prova oral na modalidade oitiva de testemunha e produção de provas periciais recaída no imóvel da autora (id. 431225029). O réu, Andrade Galvão Engenharia, requereu a produção de provas orais nas modalidades depoimento pessoal e oitiva de testemunhas, bem como a produção de prova pericial recaída no imóvel da autora (Id. 430478503). Este juízo deferiu a produção das provas requeridas. Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 447268222. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 469084296). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491640894). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor'. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada a autora, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como não apresentou contrato de compra e venda do imóvel. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares e prejudiciais. Passo a apreciar a tese de prescrição. Em suas contestações, a ré Município de Valença e Andrade Galvão Engenharia alegaram que a pretensão autoral encontra-se fulminada pela prescrição. O Município de Valença argumentou que os fatos ocorreram antes de 2015, e que, seja considerando o prazo prescricional de 3 anos para pretensão indenizatória nos termos do Código Civil, ou seja considerando o prazo de 5 anos para a ajuizamento de ações contra a Fazenda Pública, houve a prescrição no caso concreto. A Andrade Galvão Engenharia argumentou que a prescrição intercorrente deveria ter sido contada da data do fato danoso, qual seja, agosto de 2017, no entanto, a ação somente fora distribuída em novembro de 2022. Em leitura dos autos, verifico que a tese não merece prosperar. As pretensões movidas em face da fazenda pública prescrevem em 5 anos nos termos do 20.910/1932. Em regra, a contagem do prazo ocorre de forma objetiva, ou seja, a partir do evento danoso. Todavia, diante de circunstâncias ligadas ao caso concreto, segundo entendimento do STJ, pode-se analisar o prazo prescricional segundo a actio nata em seu viés subjetivo, ou seja, o início da contagem do prazo de prescrição ocorre quando o titular tem o conhecimento da lesão do seu direito. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO ADMINISTRADOR. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ACTIO NATA EM SUA VERTENTE SUBJETIVA. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA NA ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O STJ adota como regra para o cômputo da prescrição a teoria da actio nata em sua vertente objetiva, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem. 2. Em situações excepcionais em que demonstrada a inviabilidade de conhecimento dos demais sócios acerca da gestão fraudulenta da sociedade pelo administrador, a regra do art. 189 do CC, assume viés humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir. 3. A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva admite a fluência do prazo prescricional a partir do conhecimento da violação da lesão ao direito subjetivo pelo seu titular e não da violação isoladamente considerada. 4. Identificado que a aplicação da actio nata para fundamentar o termo inicial do prazo prescricional no caso concreto baseou-se em premissa fático-probatória acostada aos autos, sobretudo quanto à vulnerabilidade da publicidade dos atos de administração, sua revisão nesta instância extraordinária encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ. 5. A incidência da Súmula n. 7 do STJ quanto à interposição pela alínea a do permissivo constitucional impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial sobre a mesma questão. 6. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1494347 SP 2013/0350975-3, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2024) Na situação em epígrafe, as circunstâncias do caso concreto direcionam o juízo a analisar o prazo prescricional segundo a actio nata subjetiva. Conforme consta no relatório, a autora foi retirada da sua propriedade com a promessa de que receberia uma nova residência em local diverso, mas, não foi estabelecido um termo final por parte do ente público para a entrega das moradias, logo, não houve o estabelecimento de um prazo certo para entrega do direito do autor. Nos termos da inicial e demais documentações, considerando a mora do ente público, os atrasos nas obras e a invasão das moradias prometidas por terceiros estranhos, o autor, junto com outros demandantes, sentiram-se lesados nos seus direitos e acionaram o judiciário. Nessa intelecção, o acionamento do judiciário se deu a partir do conhecimento da lesão dos direitos do autor, logo, devida a aplicação da ação subjetiva para afastar as teses suscitadas pelo réu. Considerando o quanto exposto, entendo que a ação foi movida tempestivamente, e assim, afasto a tese de prescrição. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora alegou a solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"[1]. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual[2]. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 419944904 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Amsterdã, Trav. 06, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 81,60m² (Id. 299630692, às fls. 03), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 299630692, às fls. 01). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a moradia da autora era precária, sem alvenaria, saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do imóvel da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor que fora anexada em processos similares a estes que tramitam nesta unidade. Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 299630692, às fls. 03) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 299630692, às fls. 01). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 447268222), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia (conforme documento que fora juntado em processos similares a este que tramitam nesta unidade), indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 419945610, cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 419944886 consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020) A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu imóvel entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 100.000,00 (cem mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do imóvel conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 81,60m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu imóvel passou anos morando em casas de terceiros, sem devido auxílio por parte do ente municipal, o que lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.[3] Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".[4] Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora foi retirada de imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.[5] Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1) No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2) Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C [1] STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 [2] (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) [3] (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) [4] (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). [5] STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 8004628-72.2022.8.05.0271
ID: 322788431
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 8004628-72.2022.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO
OAB/BA XXXXXX
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SERGIO CELSO NUNES SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA AUTOR: JEIZA PRAZERES DOS SANTOS registrado(a) civilmente como JEIZA PRAZERES DOS SANTOS Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756) REU: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por JEIZA PRAZERES DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde construiu sua casa. Alegou a parte autora que o imóvel possuía o valor estimado em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 413973490). Em ID's 422020677, o réu, Município de Valença, pugnou pela rejeição da tutela provisória por ausência de pressupostos. Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Em prejudicial, alegou sobre a prescrição da demanda. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) reconhecimento da prescrição; b) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; c) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; d) improcedência dos pedidos autorais; e) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; f) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela revogação da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Alegou, em sede de prejudicial, a prescrição da demanda. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) e a moradia da autora era precária, sem alvenaria ou saneamento básico, e sem documentação de posse ou propriedade. Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu o reconhecimento da prescrição e, no mérito, a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se arguindo sobre a responsabilidade solidária e objetiva das rés diante dos danos causados à parte. Alegou que o imóvel em que morava estava localizado na área onde se realizou a obra das rés, bem como, que em razão da demolição, necessitou morar na casa de terceiros sem receber ajuda por meio do aluguel social. Ao final, pugnou pela procedência da demanda. Este juízo intimou as partes para se manifestarem sobre o interesse na produção de provas (Id. 428080642). A autora requereu a produção de prova oral na modalidade de depoimento pessoal das requeridas e oitiva de testemunhas, bem como prova pericial (Id429505398). O réu, Município de Valença, requereu a produção de prova oral na modalidade oitiva de testemunha e produção de provas periciais recaída no imóvel da autora (id. 431225029). O réu, Andrade Galvão Engenharia, requereu a produção de provas orais nas modalidades depoimento pessoal e oitiva de testemunhas, bem como a produção de prova pericial recaída no imóvel da autora (Id. 430478503). Este juízo deferiu a produção das provas requeridas. Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 447268222. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 469084296). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491640894). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor'. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada a autora, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como não apresentou contrato de compra e venda do imóvel. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares e prejudiciais. Passo a apreciar a tese de prescrição. Em suas contestações, a ré Município de Valença e Andrade Galvão Engenharia alegaram que a pretensão autoral encontra-se fulminada pela prescrição. O Município de Valença argumentou que os fatos ocorreram antes de 2015, e que, seja considerando o prazo prescricional de 3 anos para pretensão indenizatória nos termos do Código Civil, ou seja considerando o prazo de 5 anos para a ajuizamento de ações contra a Fazenda Pública, houve a prescrição no caso concreto. A Andrade Galvão Engenharia argumentou que a prescrição intercorrente deveria ter sido contada da data do fato danoso, qual seja, agosto de 2017, no entanto, a ação somente fora distribuída em novembro de 2022. Em leitura dos autos, verifico que a tese não merece prosperar. As pretensões movidas em face da fazenda pública prescrevem em 5 anos nos termos do 20.910/1932. Em regra, a contagem do prazo ocorre de forma objetiva, ou seja, a partir do evento danoso. Todavia, diante de circunstâncias ligadas ao caso concreto, segundo entendimento do STJ, pode-se analisar o prazo prescricional segundo a actio nata em seu viés subjetivo, ou seja, o início da contagem do prazo de prescrição ocorre quando o titular tem o conhecimento da lesão do seu direito. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO ADMINISTRADOR. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ACTIO NATA EM SUA VERTENTE SUBJETIVA. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA NA ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O STJ adota como regra para o cômputo da prescrição a teoria da actio nata em sua vertente objetiva, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem. 2. Em situações excepcionais em que demonstrada a inviabilidade de conhecimento dos demais sócios acerca da gestão fraudulenta da sociedade pelo administrador, a regra do art. 189 do CC, assume viés humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir. 3. A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva admite a fluência do prazo prescricional a partir do conhecimento da violação da lesão ao direito subjetivo pelo seu titular e não da violação isoladamente considerada. 4. Identificado que a aplicação da actio nata para fundamentar o termo inicial do prazo prescricional no caso concreto baseou-se em premissa fático-probatória acostada aos autos, sobretudo quanto à vulnerabilidade da publicidade dos atos de administração, sua revisão nesta instância extraordinária encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ. 5. A incidência da Súmula n. 7 do STJ quanto à interposição pela alínea a do permissivo constitucional impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial sobre a mesma questão. 6. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1494347 SP 2013/0350975-3, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2024) Na situação em epígrafe, as circunstâncias do caso concreto direcionam o juízo a analisar o prazo prescricional segundo a actio nata subjetiva. Conforme consta no relatório, a autora foi retirada da sua propriedade com a promessa de que receberia uma nova residência em local diverso, mas, não foi estabelecido um termo final por parte do ente público para a entrega das moradias, logo, não houve o estabelecimento de um prazo certo para entrega do direito do autor. Nos termos da inicial e demais documentações, considerando a mora do ente público, os atrasos nas obras e a invasão das moradias prometidas por terceiros estranhos, o autor, junto com outros demandantes, sentiram-se lesados nos seus direitos e acionaram o judiciário. Nessa intelecção, o acionamento do judiciário se deu a partir do conhecimento da lesão dos direitos do autor, logo, devida a aplicação da ação subjetiva para afastar as teses suscitadas pelo réu. Considerando o quanto exposto, entendo que a ação foi movida tempestivamente, e assim, afasto a tese de prescrição. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora alegou a solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"[1]. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual[2]. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 419944904 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Amsterdã, Trav. 06, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 81,60m² (Id. 299630692, às fls. 03), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 299630692, às fls. 01). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a moradia da autora era precária, sem alvenaria, saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do imóvel da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor que fora anexada em processos similares a estes que tramitam nesta unidade. Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 299630692, às fls. 03) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 299630692, às fls. 01). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 447268222), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia (conforme documento que fora juntado em processos similares a este que tramitam nesta unidade), indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 419945610, cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 419944886 consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020) A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu imóvel entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 100.000,00 (cem mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do imóvel conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 81,60m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu imóvel passou anos morando em casas de terceiros, sem devido auxílio por parte do ente municipal, o que lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.[3] Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".[4] Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora foi retirada de imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.[5] Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1) No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2) Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C [1] STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 [2] (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) [3] (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) [4] (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). [5] STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 8004628-72.2022.8.05.0271
ID: 322788444
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 8004628-72.2022.8.05.0271
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LAIANE DE SOUSA SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8004628-72.2022.8.05.0271 Órgão Julgador: 2ª V DOS FEITOS DE REL. DE CONS. CÍVEIS COM. FAZ. PUB. E ACID. TRAB. DE VALENÇA AUTOR: JEIZA PRAZERES DOS SANTOS registrado(a) civilmente como JEIZA PRAZERES DOS SANTOS Advogado(s): LAIANE DE SOUSA SANTOS registrado(a) civilmente como LAIANE DE SOUSA SANTOS (OAB:BA34756) REU: ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA e outros Advogado(s): SERGIO CELSO NUNES SANTOS (OAB:BA18667), ANTONIO LUIZ CALMON NAVARRO TEIXEIRA DA SILVA FILHO (OAB:BA14589) SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE URGÊNCIA, proposta por JEIZA PRAZERES DOS SANTOS, em face de MUNICÍPIO DE VALENÇA e ANDRADE GALVAO ENGENHARIA LTDA. Acerca dos fatos, narrou a demandante em sua petição inicial, em síntese, que era proprietária de um terreno onde construiu sua casa. Alegou a parte autora que o imóvel possuía o valor estimado em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). Segundo a demandante, em virtude das obras realizadas pelas requeridas, ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, a mesma necessitou desocupar o seu imóvel, sob a alegação inicial de que seria indenizada posteriormente por isso. Por fim, a autora alega que em razão da perda da sua propriedade ficou sem moradia e sem percepção de aluguel social. Apresentada a fundamentação jurídica, requereu: a) deferimento de tutela de urgência para compelir a prefeitura a cadastrar a autora em programa de recebimento de aluguel social; b) concessão da gratuidade de justiça; c) procedência da ação para condenar as rés no pagamento de indenização a título de danos materiais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) somados a condenação em danos extrapatrimoniais no importe de R$ 100.000,0 (cem mil reais), mais custas e honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da causa. Juntou documentos. Este juízo, antes de decidir o pedido de tutela de urgência, deferiu a gratuidade de justiça e determinou a manifestação das requeridas sobre o pedido em questão (Id. 413973490). Em ID's 422020677, o réu, Município de Valença, pugnou pela rejeição da tutela provisória por ausência de pressupostos. Em sua CONTESTAÇÃO, a requerida ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, alegou em sede de preliminares, que é não é parte legitima a figurar na presente demanda, pois não possui nenhuma relação jurídica de direito material com a parte autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Ainda em preliminares, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial em razão da confusão da narração fática e impertinência dos documentos juntados, bem como argumentou pela falta de interesse de agir por parte da autora em razão da ausência de relação jurídica entre as partes. Em prejudicial, alegou sobre a prescrição da demanda. Sobre os fatos, foi alegado pela requerida, em síntese que em 02 de junho de 2008, a empresa firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para a execução de serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida de R$ 3.494.743,65, a ser paga em 21 parcelas. De acordo com a ré, após a celebração do acordo, a obra foi retomada. No entanto, o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive serviços anteriores ao acordo. A empresa buscou resolver a questão com o Município, mas sem sucesso. O Município de Valença procedeu com a rescisão unilateral do contrato em 13 de março de 2017, após o vencimento do prazo contratual, levando a empresa a impetrar Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. Ao fim, o Município foi obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. A partir de tais informações, alega que as pretensões movidas pela autora são de atribuição do ente municipal, responsável pelos supostos danos praticados, haja vista que a ônus da ré era tão somente entregar as obras contratadas, o que o fez. Ante ao mérito, pugnou pela inexistência de dano material de sua responsabilidade em razão de danos ocasionados por fato da administração que violou o contrato firmado e atrasou as obras. Ainda, argumentou que o município de Valença procedeu com a devida indenização a todos os moradores locais, e que o autor não fez juntada de laudo ou elementos de prova que apontem aos danos materiais. Neste mesmo sentido, pugnou pelo não reconhecimento dos danos morais. Ao fim da sua peça, a parte requereu o reconhecimento de prática de litigância de má-fé pela requerente, tendo em vista que alterou a verdade dos fatos e busca usar o processo para conseguir objetivo ilegal. Em conclusão, requereu: a) reconhecimento da prescrição; b) extinção do processo sem resolução do mérito pela ausência de interesse de agir e inépcia da inicial; c) extinção do processo em razão da ilegitimidade passiva; d) improcedência dos pedidos autorais; e) intimação do município de Valença para comprovar a indenização paga a autora; f) condenação da autora em multa por litigância de má-fé. Juntou documentos. Em sua CONTESTAÇÃO, o réu, MUNICÍPIO DE VALENÇA, pugnou pela revogação da tutela provisória concedida por ausência de pressupostos. Alegou, em sede de prejudicial, a prescrição da demanda. Adentrando ao mérito, argumentou a ré que a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) e a moradia da autora era precária, sem alvenaria ou saneamento básico, e sem documentação de posse ou propriedade. Alegou que por tratar-se de local de "invasão" de área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, inclusive a da parte autora, seja pela preservação ambiental, seja pela saúde dos moradores que moravam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Este foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, dentre elas a da parte autora. Ademais, argumentou que não haveria nos autos provas de despesas da parte autora com aluguéis ou mesmo o valor efetivo do custo da casa da parte autora que justificassem o pedido por danos materiais ou lucros cessantes. Sobre o projeto habitacional, declarou que este não foi realizado no local da antiga residência da autora, sendo que lá foi construído um sistema de esgoto, e que a empresa Andrade Galvão é a responsável pelo atraso das obras, não havendo que se falar em ato ilícito passível de indenização. Ainda sobre o projeto em questão, informou que as casas onde as pessoas retiradas das suas casas seriam assentadas, ficaram prontas em meados de 2014, todavia, por suposta omissão da empresa ré 131 unidades habitacionais no Bairro Novo Horizonte foram invadidas por populares, deixando de contemplar os reis legitimados inscritos no programa de habitação. Sobre estes fatos, informou em caráter complementar, que em 10 de junho de 2014 as unidades foram reintegradas. Em conclusão, assentou as teses de que não há danos a serem indenizados, tendo em vista a ausência de ato ilícito, não figurando o mero atraso de obras objeto passível de justificar o dever de indenizar. Ao final, requereu o reconhecimento da prescrição e, no mérito, a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documento. Em RÉPLICA, a autora reiterou os termos da inicial e ainda, manifestou-se arguindo sobre a responsabilidade solidária e objetiva das rés diante dos danos causados à parte. Alegou que o imóvel em que morava estava localizado na área onde se realizou a obra das rés, bem como, que em razão da demolição, necessitou morar na casa de terceiros sem receber ajuda por meio do aluguel social. Ao final, pugnou pela procedência da demanda. Este juízo intimou as partes para se manifestarem sobre o interesse na produção de provas (Id. 428080642). A autora requereu a produção de prova oral na modalidade de depoimento pessoal das requeridas e oitiva de testemunhas, bem como prova pericial (Id429505398). O réu, Município de Valença, requereu a produção de prova oral na modalidade oitiva de testemunha e produção de provas periciais recaída no imóvel da autora (id. 431225029). O réu, Andrade Galvão Engenharia, requereu a produção de provas orais nas modalidades depoimento pessoal e oitiva de testemunhas, bem como a produção de prova pericial recaída no imóvel da autora (Id. 430478503). Este juízo deferiu a produção das provas requeridas. Realizada a perícia, foi apresentado Laudo em Id. 447268222. Foi apresentada impugnação ao laudo, havendo a devida resposta do perito nomeado (Id. 469084296). Procedida com as demais providências, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento (Id. 491640894). Ao final, foi aberto prazo para apresentação das alegações finais. A autora, em suas alegações finais, reiterou os termos da inicial, argumentando que o nome da autora consta na lista dos beneficiados do projeto 'viver melhor'. Ao final, reiterou os pedidos da inicial. A ré Andrade Galvão em suas alegações finais, pugnou pelo afastamento da sua responsabilidade pela situação narrada nos presentes autos, bem como pelo afastamento dos pedidos autorais. A ré, Município de Valença, em suas alegações finais, reiterou os termos da contestação. Alegou que os atrasos ocorreram em razão das ações da ré Andrade Galvão, e que não foi comprovado que nenhuma das residências do conjunto habitacional seria destinada a autora, o qual, inclusive, não demonstrou que residia no local onde ocorreram as obras, bem como não apresentou contrato de compra e venda do imóvel. Assim, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Eis o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO. Como tido no relatório da presente decisão, trata-se de ação com objetivo central de verificar potencial prática de ato ilícito por parte das requeridas, ensejando no dever de indenizar. Segundo a exordial, o ato ilícito praticado pelas requeridas seria a desocupação do imóvel somada a ausência da devida contraprestação, que por consequência trouxe danos de natureza material e moral a parte demandante. Antes de adentrar ao mérito, passo a analisar as preliminares e prejudiciais. Passo a apreciar a tese de prescrição. Em suas contestações, a ré Município de Valença e Andrade Galvão Engenharia alegaram que a pretensão autoral encontra-se fulminada pela prescrição. O Município de Valença argumentou que os fatos ocorreram antes de 2015, e que, seja considerando o prazo prescricional de 3 anos para pretensão indenizatória nos termos do Código Civil, ou seja considerando o prazo de 5 anos para a ajuizamento de ações contra a Fazenda Pública, houve a prescrição no caso concreto. A Andrade Galvão Engenharia argumentou que a prescrição intercorrente deveria ter sido contada da data do fato danoso, qual seja, agosto de 2017, no entanto, a ação somente fora distribuída em novembro de 2022. Em leitura dos autos, verifico que a tese não merece prosperar. As pretensões movidas em face da fazenda pública prescrevem em 5 anos nos termos do 20.910/1932. Em regra, a contagem do prazo ocorre de forma objetiva, ou seja, a partir do evento danoso. Todavia, diante de circunstâncias ligadas ao caso concreto, segundo entendimento do STJ, pode-se analisar o prazo prescricional segundo a actio nata em seu viés subjetivo, ou seja, o início da contagem do prazo de prescrição ocorre quando o titular tem o conhecimento da lesão do seu direito. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO ADMINISTRADOR. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ACTIO NATA EM SUA VERTENTE SUBJETIVA. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. EXCEPCIONALIDADE DEMONSTRADA NA ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O STJ adota como regra para o cômputo da prescrição a teoria da actio nata em sua vertente objetiva, considerando a data da efetiva violação ao direito como marco inicial para a contagem. 2. Em situações excepcionais em que demonstrada a inviabilidade de conhecimento dos demais sócios acerca da gestão fraudulenta da sociedade pelo administrador, a regra do art. 189 do CC, assume viés humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir. 3. A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva admite a fluência do prazo prescricional a partir do conhecimento da violação da lesão ao direito subjetivo pelo seu titular e não da violação isoladamente considerada. 4. Identificado que a aplicação da actio nata para fundamentar o termo inicial do prazo prescricional no caso concreto baseou-se em premissa fático-probatória acostada aos autos, sobretudo quanto à vulnerabilidade da publicidade dos atos de administração, sua revisão nesta instância extraordinária encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ. 5. A incidência da Súmula n. 7 do STJ quanto à interposição pela alínea a do permissivo constitucional impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial sobre a mesma questão. 6. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1494347 SP 2013/0350975-3, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2024) Na situação em epígrafe, as circunstâncias do caso concreto direcionam o juízo a analisar o prazo prescricional segundo a actio nata subjetiva. Conforme consta no relatório, a autora foi retirada da sua propriedade com a promessa de que receberia uma nova residência em local diverso, mas, não foi estabelecido um termo final por parte do ente público para a entrega das moradias, logo, não houve o estabelecimento de um prazo certo para entrega do direito do autor. Nos termos da inicial e demais documentações, considerando a mora do ente público, os atrasos nas obras e a invasão das moradias prometidas por terceiros estranhos, o autor, junto com outros demandantes, sentiram-se lesados nos seus direitos e acionaram o judiciário. Nessa intelecção, o acionamento do judiciário se deu a partir do conhecimento da lesão dos direitos do autor, logo, devida a aplicação da ação subjetiva para afastar as teses suscitadas pelo réu. Considerando o quanto exposto, entendo que a ação foi movida tempestivamente, e assim, afasto a tese de prescrição. A ré Andrade Galvão Engenharia, arguiu três preliminares: inépcia da inicial, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. Analisando a preliminar de inépcia da inicial, tem-se que para fundamentar o requerimento, os réus limitaram-se a alegar que haveria uma confusão da narração fática e impertinência documental no requerimento autoral. Nos termos do artigo 330, §1° do Código de Processo Civil, considera-se inepta uma petição inicial quando: I) lhe faltar pedido ou causa de pedir; II) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV) contiver pedidos incompatíveis entre si. A título didático, tem-se que uma inicial inepta, segundo a doutrina, é aquela que possui defeitos vinculados a causa de pedir e ao pedido que dificultam e impedem o julgamento do mérito da causa, tendo em vista evidentes vícios na identificação e formulação dos elementos da demanda (DIDIER, 2015). Em análise a petição inicial, este juízo não vislumbra os vícios que caracterizam a inépcia. A partir da leitura da exordial é possível delimitar os pedidos certos - pleito indenizatório -, e a causa de pedir - suposto ilícito praticado pelas rés. Mais além, não verifico narração ilógica dos fatos ou incompatibilidade dos requerimentos, de tal modo que não merece prosperar a tese arguida pelas requeridas. Neste sentido, rejeito a tese de inépcia da inicial tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese preliminar de ausência de interesse de agir, observo que a ré Andrade Galvão Engenharia, fundamentou seu requerimento em suposta ausência de relação jurídica material entre as partes que justificasse a propositura da ação. A autora alegou a solidariedade entre as rés, justificando o interesse em demandar contra ambas. Nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, o interesse é configurado como uma das condições da ação. Nos termos doutrinários a ideia de interesse de agir, também conhecido como interesse processual, está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional buscada por meio da ação judicial. O autor deve demonstrar que a decisão judicial pretendida trará uma melhora em sua situação, justificando assim os recursos gastos pelo Poder Judiciário na resolução do caso (NEVES, 2018). In casu, é evidente o interesse de agir da autora, tendo em vista que buscou o Poder Judiciário para obter reparação a seus direitos supostamente lesados pelas partes. A argumentação da ré no sentido de ausência de relação jurídica material entre esta e a autora descabe para fins de configuração de interesse processual. Neste sentido, rejeito a tese de ausência de interesse de agir tendo em vista o seu não cabimento. Analisando a tese de ilegitimidade passiva arguida pela ré Andrade Galvão Engenharia, tem-se que a argumentação principal foi no sentido de inexistir relação jurídica de direito material entre esta e a autora, tendo em vista que celebrou contrato de obras com o Município de Valença sem a existência de responsabilidade por indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social. Sobre a questão da legitimidade, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que "para que se caracterize a legitimidade das partes, é necessário que elas sejam sujeitos da relação jurídica de direito material"[1]. Em desdobramento de tal entendimento, encontra-se em alguns julgados afirmações no sentido de que: A relação jurídica processual deve ser composta pelas mesmas partes que compõem a relação jurídica de direito material que originou a lide. Sendo assim, autor e réu devem ter uma relação jurídica de direito material que os una para que sejam partes legítimas para integrarem a relação jurídica processual[2]. Na presente situação sub judice, denota-se que de fato, não há uma relação jurídica material entre a ré Andrade Galvão Engenharia e a parte autora, mas tão somente entre a parte autora e a ré Município de Valença, pelas razões que se passa a expor. A título de contexto, sem prejuízo da análise do mérito, as obras realizadas na localidade onde se encontrava o imóvel da autora são ligadas ao Projeto de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2ª Etapa, no Município de Valença-BA, de responsabilidade do ente municipal. Nesse sentido, tem-se que há duas relações jurídicas paralelas. A primeira entre o Município de Valença e a ré Andrade Galvão Engenharia, e a segunda entre o Município de Valença e a parte autora. Em ID. 419944904 consta documentações relativas ao processo de N° 1004150-40.2017.4.01.3300. Na aludida documentação, consta o contrato de concorrência pública 007/2008 firmados entre a Prefeitura de Valença e a Andrade Galvão Engenharia para fins de contratação de empresa do ramo da construção civil para execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia. Na aludida contratação entre as partes não consta nenhuma cláusula relativa a responsabilidade da empresa contratada em relação a indenização, desapropriação ou pagamento de aluguel social, mas tão somente a execução das obras. Sobre tal tema, inclusive, no laudo pericial acostado aos autos, o profissional atestou que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Sabe-se que nos termos das normas de licitação, caso o ente público contratante entenda que é de responsabilidade da contratada proceder com desocupações/desapropriações, deve consignar tal dever em edital de convocação (art. 25, §5°, inciso II, da Lei 14.133/2021) e no contrato firmado entre as partes. Nestes termos, documentalmente, não há relação jurídica material que ligue a ré Andrade Galvão aos fatos narrados pela autora, haja vista que operou nos termos do contrato firmado com o ente municipal, cujo teor não aponta responsabilidades da empresa contratada nos termos dos requerimentos autorais. Por outro lado, é evidente a relação jurídica deduzida entre a autora e o Município de Valença, que pode ser demonstrada, em primeiro momento, a partir do Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. Ainda é necessário pontuar que descabe, na situação em análise, potencial solidariedade entre as partes. Nos termos do artigo 265 do Código Civil, "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Como já pontuado, não há previsão contratual no sentido de atribuir a responsabilidade da ré Andrade Galvão por potenciais indenizações em razão de desocupações, sendo está uma incumbência - na ausência de previsão contratual -, do ente municipal, que inclusive, foi responsável pela confecção do termo de ciência das desocupações, pagamento de aluguéis sociais e inclusão dos desalojados em programa de construção de unidades habitacionais. Assim, não há que se falar na existência de relação jurídica de direito material entre a autora e a ré Andrade Galvão Engenharia, haja vista que a empresa atuou nos termos do contrato firmado junto a ré Município de Valença, a qual, nos termos da análise dos autos, possui a relação jurídica de direito material e responsabilidade junto a autora, sendo, portanto, a única legitimada a figurar na presente demanda. Nestes termos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da ré ANDRADE GALVÃO ENGENHARIA LTDA, determinando a sua exclusão do presente processo. Superadas as preliminares, passo ao mérito. O objeto de mérito central da ação é o seu pleito indenizatório em razão da desocupação do imóvel de titularidade da autora, localizado na Rua Amsterdã, Trav. 06, Bairro da Bolívia, Valença-BA, com dimensão total de 81,60m² (Id. 299630692, às fls. 03), em razão da execução dos serviços de urbanização da Comunidade do Porto dos Milagres; de urbanização da área de entorno da Comunidade de Porto dos Milagres no Bairro da Bolívia e de ampliação do Loteamento Novo Horizonte - 2° Etapa, no Município de Valença, Bahia, diante do não cumprimento, até a presente data, de qualquer contraprestação por parte do ente municipal. De início, infere-se que a autora, junto de sua petição inicial, fez prova da titularidade do seu imóvel, ao juntar o contrato de compra e venda do bem (Ids. 299630692, às fls. 01). Em seguida foi juntado Termo de Autorização e Ciência (Id. 299630692, às fls. 03), no qual a demandante autoriza e toma ciência de que o terreno de sua titularidade será destinado a obras do PTTS Viver Melhor na Bolívia, comprometendo-se a não executar obras particulares na área, que pelo aludido instrumento passaram a ser geridas pelo município. De acordo com o próprio ente municipal, ora parte ré, a demolição ocorreu em uma área de preservação permanente (manguezal) - sem a devida comprovação - onde a moradia da autora era precária, sem alvenaria, saneamento básico ou documentação de posse. Foi alegado que, por tratar-se de uma invasão em área de manguezal, era necessária a remoção das habitações irregulares, incluindo a da autora, tanto para a preservação ambiental quanto para a saúde dos moradores que viviam em palafitas, sem qualquer saneamento básico. Esse foi o motivo da remoção de dezenas de habitações precárias, incluindo a da autora. Pois bem. O ato praticado pelo réu, qual seja a desocupação de imóveis para execução de programa de obras de urbanização, é condizente com o seu dever constitucional em "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (Art. 23, inciso IX, CFRB/88). De acordo com o réu, na situação sub judice, a localização do imóvel da autora - e de muitos outros -, era irregular, em suposta área de preservação ambiental, marcada pela informalidade e ausência de documentos de posse e propriedade, justificando, para finalidades de saneamento básico e análogas, a desocupação para obras de requalificação urbana. Para cumprir com tais finalidades, foi aberto processo licitatório, havendo por vencedora a empresa Andrade Galvão, sendo a responsável pela consecução das obras em questão. Por outro lado, denota-se que a responsabilidade pela desocupação dos imóveis ficou a cargo do ente municipal, o que pode ser comprovado pelo termo de adesão já mencionado nestes autos de evidente autoria do Município de Valença. Importante pontuar que no aludido termo não consta qualquer informação sobre a destinação dos moradores, ou sequer uma promessa de indenização ou contraprestação, sendo apurado durante a instrução processual que de forma não documentada o município se predispôs a proceder com o realojamento das famílias desalojadas em novas unidades habitacionais que seriam construídas no Bairro Novo Horizonte, que pode ser confirmado a partir da lista de contemplados do projeto viver melhor que fora anexada em processos similares a estes que tramitam nesta unidade. Em primeira análise, pode parecer verossímil a tese da ré de que não houve ato ilícito nas suas condutas, eis que amparadas por justificativas de potencial interesse público. Todavia, durante o curso da instrução foram constatadas pelo juízo um rol de ilicitudes e práticas de quebra de confiança que ocasionaram no agravamento de vulnerabilidades de uma população reconhecidamente carente do município de Valença, bem como irregularidades diametralmente desviantes das normas que regem obras e construções públicas tal como se passa a expor. De início é de conhecimento público da localidade, que parte do Bairro da Bolívia, na cidade de Valença-Bahia, é ocupada por pessoas economicamente vulneráveis em residências simples - muitas delas com estruturação precária -, em proximidade relativa com áreas de manguezais ou terrenos baldios. Nesse mesmo sentido foi o posicionamento do ente municipal que entendeu que tais irregularidades justificariam a obra realizada. Contudo, a tese de que os residentes não possuíam documento de comprovação das suas residências não procede, seja conforme próprio documento municipal reconhecendo que os moradores - como a autora - possuíam um imóvel na localidade (termo de autorização Id. 299630692, às fls. 03) ou seja pela própria documentação autoral apontando a devida titularidade do imóvel (Id. 299630692, às fls. 01). Neste mesmo sentido, o laudo pericial (Id. 447268222), constata que a partir da avaliação do Termo de Autorização e Ciência apresentado, emitido pela Secretaria de Promoção Social e assinado pela autora, restou evidenciado o reconhecimento por parte do município, da existência da posse do imóvel. Assim, tem-se que, apesar de serem residências carentes e em área de evidente vulnerabilidade social, muitos moradores gozaram de documentação que comprovou a aquisição onerosa e devida posse e titularidade dos imóveis que foram desocupados pelo ente municipal. Logo, descabe a tese do réu de que os imóveis não possuíam documentação de posse/propriedade. Neste caso, sendo evidenciada a posse e/ou propriedade da autora - e dos demais moradores -, é necessário que seja imposto o dever de proteção constitucional ao seu direito, que somente é mitigado face a função social da propriedade (Art. 5°, inciso XXIII, CFRB/88), qual, in casu, se materializa na necessidade de realização das obras públicas. Sabe-se que, caso um ente público considere mitigar o direito de propriedade em razão de justificativas de interesse público - como é o caso -, ele encontrará amparo legal na própria Carta Magna. Na situação em análise, o ente municipal identificou que muitas residências deveriam ser desocupadas para que fosse realizada uma obra pública de requalificação. Todavia, ao longo da instrução, não foram apresentadas documentações ou elementos indiciários que apontassem um devido planejamento legal para a desocupação/desapropriação das casas nos termos, seja da lei de desapropriação ou seja na lei de licitações. A título meramente didático, nos termos do Decreto Lei 3.365/41, construções como a intentada pelo município são qualificadas como de utilidade pública. Nessa situação, a norma de regência determina a desapropriação, seja pelo próprio ente ou seja pelo concessionário de serviço/obra pública devidamente autorizado. Todavia, tais previsões não foram observadas na presente situação, haja vista que não foram intentados procedimentos de desapropriação/desocupação pelo município e nem atribuída tal responsabilidade a empresa contratada, como demonstra tanto em leitura do contrato firmado pelo município com a tomadora de serviços, quanto em leitura do laudo pericial, apontando que não foram encontrados documentos que atribuam a Andrade Galvão a responsabilidade de pagamentos de Aluguéis Sociais, Indenizações, Desapropriações e demais assuntos citados. Nestes termos, seria juridicamente viável a existência de procedimentos desta natureza, haja vista a segurança jurídica para todas as partes, seja para garantir a efetiva destinação do imóvel para fins de interesse público, ou seja, para assegurar a devida indenização - direta ou indireta -, por parte dos desapropriados ou desocupados dos seus bens - o que não foi observado na presente situação. Durante a audiência de instrução e julgamento e considerando a multiplicidade de casos sobre a mesma situação fática, restou evidenciado que o município - ainda que de forma distinta das previsões legais -, havia se comprometido a, em ato seguinte a desocupação, proceder com o cadastramento dos desalojados para receberem unidades habitacionais a serem construídas e que, durante tal a construção, seriam pagos aluguéis sociais aos que necessitassem. Não obstante não tenha sido apresentado documento formal apontando um devido planejamento de realocação dos habitantes desalojados de suas residências, bem como planos de aluguéis sociais, consta uma lista de contemplados a residências no Bairro do Novo Horizonte, Valença-Bahia, dentre os quais, aqueles residentes no Bairro da Bolívia (conforme documento que fora juntado em processos similares a este que tramitam nesta unidade), indicando que houve, ainda que informalmente, uma promessa de contraprestação para aqueles que foram desocupados das suas propriedades. Todavia, apesar de não ter sido estabelecido um prazo formal para a entrega das residências, denota-se que, desde a desocupação até o momento da prolação da presente decisão decorreram mais de 12 anos sem que houvesse a entrega das unidades habitacionais prometidas. Durante este período a autora, junto com inúmeros outros moradores, se encontram sem casa, indenização ou qualquer outro tipo de contraprestação, residindo, muitos deles, em casas alugadas as custas de aluguéis sociais - muitos dos quais implementados por decisões judiciais - em residências marcadas pela sua falta de estrutura e precariedade. Segundo o ente municipal, não há ilícito praticado na situação em análise tendo em vista que o mero atraso de obras desta natureza não enseja o dever de indenizar, bem como as intercorrências são atribuídas a empresa prestadora de serviços de construção. A título de menção, a aludida obra pública é eivada de intercorrências entre o Município contratante e a empresa contratada. Unicamente a título de menção, nos termos do que consta aos autos, em 2 de junho de 2008, a empresa Andrade Galvão firmou o Contrato nº 395/2008 com o Município de Valença para serviços de urbanização, parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Município atrasou os repasses financeiros, levando a empresa a continuar os serviços sem pagamento. Após atraso superior a 90 dias, a empresa ingressou com Ação Cautelar, resultando em acordo judicial reconhecendo a dívida. Após a celebração do acordo, a obra foi retomada, mas o Município voltou a atrasar os pagamentos, inclusive de serviços anteriores ao acordo. A empresa tentou resolver a questão com o Município, sem sucesso. Em 13 de março de 2017, o Município rescindiu unilateralmente o contrato após o vencimento do prazo contratual. A empresa impetrou Mandado de Segurança, conseguindo a suspensão da rescisão. O Município foi então obrigado a receber a obra no estado em que se encontrava, conforme liminar concedida pelo juízo. Tais informações foram corroboradas pelo laudo pericial acostado em juízo, bem como consta em ID. 419945610, cópia de decisão liminar prolatada nos autos 0501168-35.2017.8.05.0271, determinando que o Município receba a obra objeto do Contrato nº 395/2008 no estado em que ela se encontra, devendo recebê-la lavrando-se o necessário termo de recebimento. Em documentação Id. 419944886 consta o termo de entrega da obra entre a empresa Andrade Galvão e o Município de Valença, datada em 04 de agosto de 2017. Ou seja, a obra em si demorou cerca de 5 anos para ficar pronta, sendo a obra entregue desde o ano de 2017, todavia, até o presente momento, a autora - e outros moradores da região desocupada -, não receberam as unidades habitacionais, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social e sem qualquer contraprestação pelos danos sofridos a título da perda de suas propriedades. Além disto, denota-se que as unidades habitacionais que, em tese, seriam destinadas aos moradores da região desocupada, nos termos do laudo pericial juntado aos autos, encontram-se ocupadas por invasores de forma irregular, sem adoção de quaisquer medidas para proceder com a entrega das unidades habitacionais a quem de direito. Diante de todos estes fatos analisados, se torna evidente a prática de ilícitos e irregularidades por parte do réu que trouxeram danos a parte autora, justificando o dever de indenizar. É evidente que, em razão de práticas atribuídas ao ente municipal - ora réu -, a autora teve fragilizada a sua dignidade enquanto pessoa humana, em decorrência da perda de sua propriedade sem devida indenização ou contraprestação, vulnerando sobremaneira o seu direito fundamental a moradia, com danos nas esferas patrimoniais - condizentes ao valor do imóvel perdido - e morais - decurso de mais de uma década sem residência e residindo na casa de terceiros ou por meio de aluguel social. Como reiterado no curso da presente decisão, foi determinada desocupação de imóvel em detrimento as disposições da lei de desapropriação e lei de licitações, havendo uma promessa de permuta entre residências não cumprida. É evidente que houve lesão ao direito de propriedade da autora, ensejando o dever de indenização por parte do ente público, sob pena de figurar hipótese de enriquecimento sem causa. A título de analogia, a situação analisada se assemelha bastante com os institutos da desapropriação indireta e apossamento administrativo, sendo ambas situações fatos administrativos pelos quais o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia (FILHO, 2020). Em situações desta natureza, os titulares lesados fazem jus ao direito de indenização. Neste sentido se posiciona o TJBA: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA . ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, REJEITADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 35, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41. INDENIZAÇÃO. ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. ANULAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL PARA APLICAÇÃO DO VALOR PACTUADO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR CONTEMPORÂNEO À AVALIAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Município de Salvador em face da sentença proferida pelo M .M. Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador/BA, nos autos da Ação indenizatória por Desapropriação Indireta com Pedido Liminar tombada sob 8033383-48.2019.8.05.0001, julgou procedente o pleito autoral e declarou expropriado o bem imóvel descrito na exordial. A desapropriação indireta ocorre quando o Estado se apropria de bem particular sem que haja essa declaração de utilidade pública e sem oferta de indenização prévia. O artigo 35, do Decreto-lei nº 3.365/41, dispõe: "Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvidicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. No que tange ao pleito de anulação da perícia judicial para constar à título de indenização o valor pactuado em R$ 707.000,00 (setecentos e sete mil reais), ratificado para R$827.456,00 e (oitocentos e vinte e sete mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais) , razão não assiste ao apelante, em que pese o acordo firmado, entretanto, o próprio recorrente não deu cumprimento o acordado, de forma que deu azo ao ajuizamento do pleito indenizatório, em razão de sua inadimplência. Outrossim, o artigo. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, prevê que o valor da indenização, em caso de desapropriação, é contemporâneo à avaliação e não ao valor do bem à época da desapropriação ou de acordo firmado. Art. 26: No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 8033383-48.2019.8.05.0001, de Salvador/BA, apelante MUNICÍPIO DE SALVADOR, apelada PIATÃ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do voto da Relatora. (TJ-BA - APL: 80333834820198050001 6ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR, Relator: MARIA DE FATIMA SILVA CARVALHO, SEGUNDA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/02/2022) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. DESTINAÇÃO PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. VIA ORDINÁRIA. I - O ato de desapropriação consiste na possibilidade de o Poder Público, fundado em interesse público, despojar, compulsoriamente, indivíduo de bem particular, mediante pagamento de indenização prévia, justa e, em regra, em dinheiro. II - A imissão do Poder Público na posse do bem expropriado, antes do pagamento da referida indenização, configura a desapropriação indireta, cabendo ao particular às vias judiciais para o recebimento do quantum correlato. III - Evidenciado que no curso da ação de interdito proibitório foi concluída a obra no interesse da coletividade, sendo o bem integrado ao domínio público, deve o proprietário do bem desapropriado indiretamente utilizar a via ordinária para a obtenção da indenização correlata. RECURSO NÃO PROVIDO (TJ-BA - APL: 05708329520148050001, Relator: HELOISA PINTO DE FREITAS VIEIRA GRADDI, QUARTA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2020) A menção aos institutos da desapropriação indireta e desapossamento administrativo são importantes para destacar que todas as vezes que o Estado utilizar do seu poder para proceder com a tomada da propriedade de sujeitos de direitos fora dos padrões determinados em lei, praticará ato ilícito passível de indenização. Na situação exposta é evidente que houve um ato de retirada da propriedade a margem de previsões legais, sem indenização prévia, com base em uma permuta de imóveis sem previsão contratual expressa, de tal forma que é evidenciado ato irregular e ilícito do Estado passível de reparação. É importante que se frise que, na situação fática, foram violados os direitos de propriedade e moradia, em verdadeira quebra de confiança por parte do Estado para com a autora. Assim, nos termos do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, e aquele que comete ato ilícito e causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 186 e 927, ambos do Código Civil). In casu, considerando que se trata de entidade da Administração Direta, qual seja o município, a sua responsabilidade por danos é objetiva nos termos do artigo 37, §6° da CFRB/88, dispensando comprovação de dolo ou culpa. Contudo, unicamente a título de argumentação, descabe a tese da ré de que o atraso das obras são atribuídos a empresa contratada, haja vista o fato incontestável que os atrasos foram imputados a ausência de repasse de verbas por parte do município, elemento este inclusive reconhecido por meio de laudo pericial, processo instaurado e provas documentais. Ainda, descabe a tese de ausência de entrega das residências também por culpa da empresa contratada, pois, desde o ano de 2017 a obra foi entregue e até a presente data não foram entregues as unidades habitacionais prometidas ou algum tipo de indenização, não cabendo alegar que as unidades estão invadidas, pois, havendo ciência de tamanha ilicitude, o réu poderia e deveria ter adotado as medidas necessárias para proceder com a regularização da situação. Ainda é crível que se pontue que, apesar de não haver uma estipulação de prazo para entrega das unidades supostamente permutadas - haja vista ausência de termo nesse sentido, restando tão somente elementos indiciários -, não se mostra razoável o transcurso de mais de 12 anos para a entrega de unidades habitacionais, prazo este excessivo e em descompasso com sua potencial finalidade indenizatória. Além disto, é irrazoável prolongar o cumprimento de tal determinação ad eternum, haja vista que, a uma, a autora segue sem seu imóvel ou indenização, e a duas, o ente municipal segue custeando aluguéis sociais a todas as pessoas que foram desalojadas e não receberam seus imóveis. Nestes termos, configurado o ilícito, passo a apreciar os requerimentos de indenização a título de danos materiais e morais. Como visto nos autos, a parte autora vem a juízo requerer a indenização material ligada a potencial indenização pelo seu imóvel entregue ao município, cujo valor, nos termos da inicial seria de aproximadamente em R$ 100.000,00 (cem mil reais). O dano material é decorrente de um dever de indenizar, pautado em pressupostos estabelecidos em lei. Segundo a obra de Tartuce (2020), em vistas ao quanto estabelecido em lei, os quatro pressupostos para elencar o dever de indenizar são: 1) conduta; 2) culpa; 3) nexo de causalidade; 4) dano. Importante novamente salientar que por expressa previsão legal, ao se tratar de entidade da administração pública o elemento culpa é dispensado, em razão da responsabilidade objetiva derivada da Teoria do Risco Administrativo. Nesse sentido é a previsão do artigo 37, §6° da Constituição Federal e Artigo 43 do Código Civil. Na situação em análise é evidente a conduta - retirada de propriedade sem contraprestação e regularidade legal -, o nexo de causalidade, sendo dispensada a culpa. Assim, do ponto de vista procedimental, verifica-se que a parte autora conseguiu apresentar fatos constitutivos do seu direito, ao passo que o réu não logrou êxito em apresentar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões autorais (Art. 373 do CPC), configurando então os elementos autorizadores da configuração da responsabilidade e dever de indenizar. No que tange a quantificação do dano, a autora arbitrou o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) sem apresentação de lastro documental que embase a quantificação deste dano. Todavia, em leitura do laudo pericial acostado aos autos, o perito, considerando as características do imóvel conforme fotografias apresentadas nos autos, com área total informada no Termo de Ciência de 81,60m² e com base em pesquisa realizada sobre terrenos e casas à venda na região deste objeto, calcula-se o valor atualizado do terreno e sua construção em R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais), servindo, portanto, para a devida quantificação do dano. Deste modo, ao caso estão preenchidos os elementos caracterizadores de dano material, motivo pelo qual reconheço o dever de indenização em razão de danos materiais no valor quantificado pelo perito. Sobre os danos morais, tem-se que a autora formulou sua pretensão alegando que em razão da perda do seu imóvel passou anos morando em casas de terceiros, sem devido auxílio por parte do ente municipal, o que lhe ocasionou danos na esfera de personalidade, haja vista o sofrimento e estresse emocional em razão da perda de seus bens e agravamento de situação de vulnerabilidade social. Em relação ao dano moral, cumpre esclarecer que não há neste instituto, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. O grau de culpa do ofensor ou a sua eventual conduta intencional deve ser levado em conta pelo juiz para a quantificação do dano moral (Enunciado n. 458). Maria Helena Diniz aponta a existência de três elementos para a configuração do dano moral a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade. Deve ficar claro que para a caracterização do dano moral não há obrigatoriedade da presença de sentimentos humanos negativos, conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil: "o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento". Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral.[3] Nesse contexto, "sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para configuração de dano moral". Segundo doutrina e jurisprudência do STJ, onde se vislumbra a violação de um direito fundamental, assim eleito pela Constituição Federal, também se alcançará, por consequência, uma inevitável violação da dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano. Aliás, cumpre ressaltar que essas sensações (dor e sofrimento), que costumeiramente estão atreladas à experiência das vítimas de danos morais, não se traduzem no próprio dano, mas têm nele sua causa direta".[4] Na situação em análise é evidente a ocorrência dos danos morais, tendo em vista que a autora foi retirada de imóvel da sua propriedade, com uma promessa não cumprida de permuta de imóveis a titulo de indenização, havendo o decurso de 12 anos sem resposta ou contraprestação por parte do réu, em evidente quebra de confiança, lesão ao direito de propriedade, fragilidade do direito a moradia e violação a dignidade da pessoa humana, que justificam o dever de indenização a titulo de danos morais. Uma vez verificada a presença do dano moral, é momento de atribuir a devida quantificação da referida indenização. O magistrado, ao quantificar o dano moral, deve considerar as circunstâncias do caso e agir com a devida proporcionalidade considerando tanto o caráter ressarcitório, quanto o pedagógico da referida medida. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predisposta.[5] Assim, verifica-se que o valor requerido pela parte autora exorbita a proporcionalidade. Ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) não parece cabível ao presente caso, ainda quando considerados os danos acarretados para a sua vida, pois caso deferido o pedido, se estaria diante de potencial enriquecimento indevido, razão pela qual este magistrado alterará o valor a ser pago, razão pela qual entendo pela redução do montante para o quantum de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais). DISPOSITIVO. Ante ao exposto, defiro a preliminar arguida pelo réu Andrade Galvão Engenharia, reconhecendo a sua ilegitimidade passiva com consequente exclusão do presente processo, bem como JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS E EXTINGO O FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NOS TERMOS DO ARTIGO 487, INCISO I, DO CPC, para condenar o réu MUNICÍPIO DE VALENÇA: a) pagar indenização a titulo de danos materiais condizentes ao valor do imóvel desocupado nos termos do laudo pericial no valor de R$ 13.160,00 (treze mil cento e sessenta reais); b) pagar indenização a titulo de danos morais no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais); c) proceder ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor da condenação. Consigno que por se tratar de condenação imposta à Fazenda Pública, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, o cálculo dos juros de mora e da correção monetária incidirá, uma única vez, até o efetivo pagamento, pelo índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, acumulado mensalmente. Ainda registre-se que, relativamente à indenização concedida por danos morais, o termo inicial para incidência dos juros de mora é a data do evento danoso, em aplicação à Súmula 54 do STJ. Já a correção monetária deve incidir desde a data do julgamento em que a indenização foi arbitrada, de acordo com a súmula 362 do STJ Considerando as situações fáticas que norteiam a presente ação, ainda determino o que se segue: 1) No caso de pagamento de aluguel social, deve o mesmo ser mantido até que haja o efetivo trânsito em julgado da presente decisão ou cumprimento da sentença; 2) Caso as partes, em cooperação e prezando pela autocomposição, entendam que o cumprimento da decisão pode ser substituído por obrigação de fazer pautada na entrega da unidade habitacional objeto da suposta permuta ao invés ou em redução a indenização material, manifestem-se em juízo na fase de cumprimento de sentença. Transitada em julgado a presente decisão, certifique-se e após promova-se a baixa e arquivamento caso necessários. Vistas ao MP para que tenha ciência da presente decisão. Intime-se as partes. P.R.I.C [1] STJ - AgInt no REsp: 1617147 TO 2016/0199197-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 04/09/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/09/2023 [2] (TJ-MG - Apelação Cível: 5016954-92.2021.8.13.0024, Relator: Des.(a) Baeta Neves, Data de Julgamento: 03/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2024) [3] (STJ, REsp 1.245.550/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2015, DJe 16.04.2015) [4] (REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no seu Informativo n. 513). [5] STJ - REsp: 318379 MG 2001/0044434-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.02.2002 VALENÇA/BA, data da assinatura eletrônica. Leonardo Rulian Custódio Juiz de Direito
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Processo nº 8006020-17.2025.8.05.0150
ID: 297528859
Tribunal: TJBA
Órgão: 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS
Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública
Nº Processo: 8006020-17.2025.8.05.0150
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA n. 8006020-17.2025.8.05.0150…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA n. 8006020-17.2025.8.05.0150 Órgão Julgador: 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS REQUERENTE: NILZELIA GONZAGA MACHADO e outros Advogado(s): ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA registrado(a) civilmente como ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA (OAB:BA58906) REQUERIDO: DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN Advogado(s): DECISÃO Cuida-se de PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA formulado no bojo da AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO DE BLOQUEIO DE CNH DEFINITIVA C/C DANOS MORAIS, apresentado por NILZELIA GONZAGA MACHADO e IURI MACHADO TOMAS, devidamente qualificados, em face do DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN/BA, igualmente qualificado. Inicialmente, nota-se pedido de gratuidade judiciária. Alegam os autores que a primeira requerente é a legítima proprietária do veículo automotor registrado sob a placa QTP5H72/BA, modelo FIAT/ARGO TREKKING 1.3, ano 2020, RENAVAM registrado sob o n.° 01222372034, sobre o qual recaiu autuação de trânsito. Contudo, à época do cometimento da infração, o referido automóvel não se encontrava sob sua posse ou condução, mas sim do segundo requerente. Constata que a infração em questão ocorreu em 21 de novembro de 2024, porquanto fora lavrado o Auto de Infração de Trânsito (AIT) de n.° M000229804, nos termos do art. 181, inciso XVII, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Ressaltam que a infração foi registrada sem abordagem do veículo, razão pela qual não houve identificação imediata do condutor infrator no momento da autuação. Portanto, a autora obteve ciência do bloqueio após a emissão da CNH definitiva. Aduzem que, a primeira requerente não foi cientificada tempestivamente da autuação, sendo surpreendida com o lançamento da pontuação correspondente em seu prontuário ao realizar consulta em sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Em razão dessa ausência de notificação eficaz, restou inviabilizada a adoção de providências administrativas para a indicação do condutor dentro do prazo legal. Sinalizam que, à época da infração, a primeira requerente era detentora de Permissão para Dirigir (PPD), com validade até 30 de novembro de 2024. Informam que a pontuação indevidamente atribuída ao seu registro ensejou, como consequência direta, a imposição de bloqueio de sua CNH pelo referido órgão, que comprova a inserção da penalidade em seu prontuário na data de 25 de maio de 2025. Argumenta-se que, o segundo requerente, por meio ainda de declaração expressa, reconheceu que conduzia o veículo na data e horário da infração, assumindo integralmente a responsabilidade pelos efeitos da autuação, uma vez que o prazo administrativo para indicação tenha expirado. Assim, pretendem os autores a concessão da medida liminar, objetivando o desbloqueio imediato da CNH da primeira parte autora, de modo a possibilitar o pleno exercício do direito de dirigir, ante os fatos expostos. Com a inicial, foram juntados documentos. Vieram-me os autos conclusos. É o breve relatório. Decido. No caso em apreço, cumpre pontuar que a ação tramitará sob o rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, com o intuito de que não são devidas as custas e honorários em primeiro grau de jurisdição, salvo litigância de má-fé, diante da previsão legal. Primordialmente, nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Sem adentrar ao mérito da causa, mas apenas considerando as provas constituídas e a argumentação inicial trazida pela parte autora, num juízo de cognição sumária, entendo que se encontram presentes ambos os requisitos. Na situação relatada, NILZELIA GONZAGA MACHADO possuía uma multa à época do fato, sendo de natureza grave, aplicada enquanto usufruía da Permissão para Dirigir (PPD), vejamos o que dispõe o CTB: Art. 181. Estacionar o veículo: […] XVII - em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização (placa - Estacionamento Regulamentado): Infração - grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) Penalidade - multa; Medida administrativa - remoção do veículo; […] Art. 259. A cada infração cometida são computados os seguintes números de pontos: I - gravíssima - sete pontos; II - grave - cinco pontos; III - média - quatro pontos; IV - leve - três pontos. Nesse passo, claramente há previsão no CTB sobre a concessão da CNH definitiva ao condutor, nos termos do art. 148, §3°, vejamos: Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN. […] §3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima, ou seja, reincidente em infração média. (grifo nosso) Cumpre sinalizar que o Superior Tribunal de Justiça, através do informativo n.° 550, afirma que não é necessário um processo administrativo prévio para negar a expedição da CNH definitiva, conforme análise do artigo supracitado. Entretanto, dada a especificidade do caso em discussão, impende destacar que a autora afirma já possuía CNH definitiva quando ocorreu o bloqueio/restrição, conforme informação constante na inicial, tal qual no ID 504241444 (motivo e dados pertinentes). Como forma de aclarar, vejamos: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 6ª Turma Recursal Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8000779-95.2022.8 .05.9000 Órgão Julgador: 6ª Turma Recursal AGRAVANTE: CAMILO LIMA DA SILVA VILA FLOR Advogado (s): ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA AGRAVADO: SUPERINTENDENCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES E TRÂNSITO e outros Advogado (s):LUIS HENRIQUE SACRAMENTO SALDANHA ACORDÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO ANULATÓRIA DE CASSAÇÃO DE CNH APÓS PERMISSÃO COM PEDIDO LIMINAR C/C DANOS MORAIS . INFRAÇÃO GRAVÍSSIMA COMETIDA NO PERÍODO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). NEGATIVA DE RENOVAÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) DEFINITIVA. INÉRCIA ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA VIOLADO . NEGATIVA DE RENOVAÇÃO ANULADA. ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE ORIGEM. CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. PRESENTES OS REQUISITOS DO ART . 300 DO CPC. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de n. 8000779-95 .2022.8.05.9000, em que figuram como agravante CAMILO LIMA DA SILVA VILA FLOR e como agravada SUPERINTENDENCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES E TRÂNSITO e outros . ACORDAM os magistrados integrantes da 6ª Turma Recursal do Estado da Bahia, por UNANIMIDADE, em CONHECER E DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, nos termos do voto do relator. (TJ-BA1 - AI: 80007799520228059000 1º Julgador da 6ª Turma Recursal, Relator.: MARINEIS FREITAS CERQUEIRA, SEXTA TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 01/06/2023) (grifo nosso) Analisando os fatos expostos, tal e qual a documentação colacionada, em análise apriorística, percebo que o ato do órgão, ora impugnado, não se apresenta devido, haja vista que o referido documento foi emitido sem qualquer restrição e/ou impedimentos e, conforme exposto, a autora somente obteve ciência do bloqueio quando estava em posse da CNH definitiva, em razão da infração cometida em novembro de 2024. Neste limiar, resta caracterizada a probabilidade do direito alegado pela parte autora, bem como o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, vez que a mesma corre o risco de sofrer sanções, a priori, indevidas, como autuações por condução de veículo, conforme dispõe o art. 162, II, do Código de Trânsito Brasileiro, e prejuízos de caráter econômico. É forçoso convir, neste caso, que a concessão da medida liminar, mostra-se viável, diante da sucessão de fatos/atos e ponderando ainda, o princípio da segurança jurídica, face à aplicação das normas de forma coerente, bem como a evidente inércia do departamento estadual de trânsito no que concerne a concessão da CNH definitiva e a ausência de processo administrativo, diante do enquadramento de seu caráter definitivo. Por tudo quanto exposto, DEFIRO a tutela de urgência requisitada, para determinar que o DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN/BA, proceda, no prazo de 5 (cinco) dias, na suspensão dos efeitos do bloqueio, no prontuário da autora e na Carteira Nacional de Habilitação definitiva, de NILZELIA GONZAGA MACHADO, com documento registrado sob o n.° 08399892160, de modo que possibilite a autora o pleno exercício de seu direito de dirigir até o julgamento final da presente demanda. Na hipótese de descumprimento da presente decisão, fixo a multa diária em R$ 200 (duzentos reais), limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem prejuízo de outras medidas coercitivas cabíveis para efetivação da tutela concedida. Em que pese o rito da Lei dos Juizados preveja a marcação de audiência de conciliação, instrução e julgamento, considerando a impossibilidade de acordo entre as partes e visando evitar a prática de atos processuais inúteis, deixo de designar audiência. Cite(m)-se a(s) parte(s) requerida(s) para, querendo, apresentar(em) defesa no prazo de 60 (sessenta) dias. Apresentada a contestação, intimem-se os autores para réplica no prazo de 15 (quinze) dias. Sem custas (Lei 12.153/2009 c/c Lei 9.099/95). Atribuo à presente decisão força de mandado/ofício. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Lauro de Freitas-BA, 9 de junho de 2025. BRUNO BORGES LIMA DAMAS Juiz de Direito Auxiliar Decreto Judiciário n.º 267/2025 1https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ba/1854784623?origin=serp
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Processo nº 8006020-17.2025.8.05.0150
ID: 321267030
Tribunal: TJBA
Órgão: 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS
Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública
Nº Processo: 8006020-17.2025.8.05.0150
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA n. 8006020-17.2025.8.05.0150…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA n. 8006020-17.2025.8.05.0150 Órgão Julgador: 1ª V DE FAZENDA PÚBLICA DE LAURO DE FREITAS REQUERENTE: NILZELIA GONZAGA MACHADO e outros Advogado(s): ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA registrado(a) civilmente como ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA (OAB:BA58906) REQUERIDO: DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN Advogado(s): DECISÃO Cuida-se de PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA formulado no bojo da AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO DE BLOQUEIO DE CNH DEFINITIVA C/C DANOS MORAIS, apresentado por NILZELIA GONZAGA MACHADO e IURI MACHADO TOMAS, devidamente qualificados, em face do DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN/BA, igualmente qualificado. Inicialmente, nota-se pedido de gratuidade judiciária. Alegam os autores que a primeira requerente é a legítima proprietária do veículo automotor registrado sob a placa QTP5H72/BA, modelo FIAT/ARGO TREKKING 1.3, ano 2020, RENAVAM registrado sob o n.° 01222372034, sobre o qual recaiu autuação de trânsito. Contudo, à época do cometimento da infração, o referido automóvel não se encontrava sob sua posse ou condução, mas sim do segundo requerente. Constata que a infração em questão ocorreu em 21 de novembro de 2024, porquanto fora lavrado o Auto de Infração de Trânsito (AIT) de n.° M000229804, nos termos do art. 181, inciso XVII, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Ressaltam que a infração foi registrada sem abordagem do veículo, razão pela qual não houve identificação imediata do condutor infrator no momento da autuação. Portanto, a autora obteve ciência do bloqueio após a emissão da CNH definitiva. Aduzem que, a primeira requerente não foi cientificada tempestivamente da autuação, sendo surpreendida com o lançamento da pontuação correspondente em seu prontuário ao realizar consulta em sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Em razão dessa ausência de notificação eficaz, restou inviabilizada a adoção de providências administrativas para a indicação do condutor dentro do prazo legal. Sinalizam que, à época da infração, a primeira requerente era detentora de Permissão para Dirigir (PPD), com validade até 30 de novembro de 2024. Informam que a pontuação indevidamente atribuída ao seu registro ensejou, como consequência direta, a imposição de bloqueio de sua CNH pelo referido órgão, que comprova a inserção da penalidade em seu prontuário na data de 25 de maio de 2025. Argumenta-se que, o segundo requerente, por meio ainda de declaração expressa, reconheceu que conduzia o veículo na data e horário da infração, assumindo integralmente a responsabilidade pelos efeitos da autuação, uma vez que o prazo administrativo para indicação tenha expirado. Assim, pretendem os autores a concessão da medida liminar, objetivando o desbloqueio imediato da CNH da primeira parte autora, de modo a possibilitar o pleno exercício do direito de dirigir, ante os fatos expostos. Com a inicial, foram juntados documentos. Vieram-me os autos conclusos. É o breve relatório. Decido. No caso em apreço, cumpre pontuar que a ação tramitará sob o rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, com o intuito de que não são devidas as custas e honorários em primeiro grau de jurisdição, salvo litigância de má-fé, diante da previsão legal. Primordialmente, nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Sem adentrar ao mérito da causa, mas apenas considerando as provas constituídas e a argumentação inicial trazida pela parte autora, num juízo de cognição sumária, entendo que se encontram presentes ambos os requisitos. Na situação relatada, NILZELIA GONZAGA MACHADO possuía uma multa à época do fato, sendo de natureza grave, aplicada enquanto usufruía da Permissão para Dirigir (PPD), vejamos o que dispõe o CTB: Art. 181. Estacionar o veículo: […] XVII - em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização (placa - Estacionamento Regulamentado): Infração - grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) Penalidade - multa; Medida administrativa - remoção do veículo; […] Art. 259. A cada infração cometida são computados os seguintes números de pontos: I - gravíssima - sete pontos; II - grave - cinco pontos; III - média - quatro pontos; IV - leve - três pontos. Nesse passo, claramente há previsão no CTB sobre a concessão da CNH definitiva ao condutor, nos termos do art. 148, §3°, vejamos: Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN. […] §3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima, ou seja, reincidente em infração média. (grifo nosso) Cumpre sinalizar que o Superior Tribunal de Justiça, através do informativo n.° 550, afirma que não é necessário um processo administrativo prévio para negar a expedição da CNH definitiva, conforme análise do artigo supracitado. Entretanto, dada a especificidade do caso em discussão, impende destacar que a autora afirma já possuía CNH definitiva quando ocorreu o bloqueio/restrição, conforme informação constante na inicial, tal qual no ID 504241444 (motivo e dados pertinentes). Como forma de aclarar, vejamos: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 6ª Turma Recursal Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8000779-95.2022.8 .05.9000 Órgão Julgador: 6ª Turma Recursal AGRAVANTE: CAMILO LIMA DA SILVA VILA FLOR Advogado (s): ALLDES ALLAN PEREIRA FERREIRA AGRAVADO: SUPERINTENDENCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES E TRÂNSITO e outros Advogado (s):LUIS HENRIQUE SACRAMENTO SALDANHA ACORDÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO ANULATÓRIA DE CASSAÇÃO DE CNH APÓS PERMISSÃO COM PEDIDO LIMINAR C/C DANOS MORAIS . INFRAÇÃO GRAVÍSSIMA COMETIDA NO PERÍODO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). NEGATIVA DE RENOVAÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) DEFINITIVA. INÉRCIA ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA VIOLADO . NEGATIVA DE RENOVAÇÃO ANULADA. ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE ORIGEM. CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. PRESENTES OS REQUISITOS DO ART . 300 DO CPC. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de n. 8000779-95 .2022.8.05.9000, em que figuram como agravante CAMILO LIMA DA SILVA VILA FLOR e como agravada SUPERINTENDENCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES E TRÂNSITO e outros . ACORDAM os magistrados integrantes da 6ª Turma Recursal do Estado da Bahia, por UNANIMIDADE, em CONHECER E DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, nos termos do voto do relator. (TJ-BA1 - AI: 80007799520228059000 1º Julgador da 6ª Turma Recursal, Relator.: MARINEIS FREITAS CERQUEIRA, SEXTA TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 01/06/2023) (grifo nosso) Analisando os fatos expostos, tal e qual a documentação colacionada, em análise apriorística, percebo que o ato do órgão, ora impugnado, não se apresenta devido, haja vista que o referido documento foi emitido sem qualquer restrição e/ou impedimentos e, conforme exposto, a autora somente obteve ciência do bloqueio quando estava em posse da CNH definitiva, em razão da infração cometida em novembro de 2024. Neste limiar, resta caracterizada a probabilidade do direito alegado pela parte autora, bem como o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, vez que a mesma corre o risco de sofrer sanções, a priori, indevidas, como autuações por condução de veículo, conforme dispõe o art. 162, II, do Código de Trânsito Brasileiro, e prejuízos de caráter econômico. É forçoso convir, neste caso, que a concessão da medida liminar, mostra-se viável, diante da sucessão de fatos/atos e ponderando ainda, o princípio da segurança jurídica, face à aplicação das normas de forma coerente, bem como a evidente inércia do departamento estadual de trânsito no que concerne a concessão da CNH definitiva e a ausência de processo administrativo, diante do enquadramento de seu caráter definitivo. Por tudo quanto exposto, DEFIRO a tutela de urgência requisitada, para determinar que o DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN/BA, proceda, no prazo de 5 (cinco) dias, na suspensão dos efeitos do bloqueio, no prontuário da autora e na Carteira Nacional de Habilitação definitiva, de NILZELIA GONZAGA MACHADO, com documento registrado sob o n.° 08399892160, de modo que possibilite a autora o pleno exercício de seu direito de dirigir até o julgamento final da presente demanda. Na hipótese de descumprimento da presente decisão, fixo a multa diária em R$ 200 (duzentos reais), limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem prejuízo de outras medidas coercitivas cabíveis para efetivação da tutela concedida. Em que pese o rito da Lei dos Juizados preveja a marcação de audiência de conciliação, instrução e julgamento, considerando a impossibilidade de acordo entre as partes e visando evitar a prática de atos processuais inúteis, deixo de designar audiência. Cite(m)-se a(s) parte(s) requerida(s) para, querendo, apresentar(em) defesa no prazo de 60 (sessenta) dias. Apresentada a contestação, intimem-se os autores para réplica no prazo de 15 (quinze) dias. Sem custas (Lei 12.153/2009 c/c Lei 9.099/95). Atribuo à presente decisão força de mandado/ofício. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Lauro de Freitas-BA, 9 de junho de 2025. BRUNO BORGES LIMA DAMAS Juiz de Direito Auxiliar Decreto Judiciário n.º 267/2025 1https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ba/1854784623?origin=serp
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Sul America Companhia De Seguro Saude x Nilzete Caria Percontini
ID: 328986936
Tribunal: TJBA
Órgão: Des. Rolemberg José Araújo Costa
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 8037554-41.2025.8.05.0000
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
QUENIA ALMEIDA FIGUEIREDO
OAB/BA XXXXXX
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WELLINGTON SANTOS FIGUEIREDO
OAB/BA XXXXXX
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SUIA SANTANA FIGUEIREDO DE VIVEIROS
OAB/BA XXXXXX
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THIAGO PESSOA ROCHA
OAB/PE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Terceira Câmara Cível Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8037554-41.2025.8.05.0000 Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível AGRAVANTE…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Terceira Câmara Cível Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8037554-41.2025.8.05.0000 Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível AGRAVANTE: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE Advogado(s): THIAGO PESSOA ROCHA (OAB:PE29650-A) AGRAVADO: NILZETE CARIA PERCONTINI Advogado(s): SUIA SANTANA FIGUEIREDO DE VIVEIROS (OAB:BA40955-A), WELLINGTON SANTOS FIGUEIREDO (OAB:BA12777-A), QUENIA ALMEIDA FIGUEIREDO (OAB:BA30377-A) DECISÃO I - RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, interposto por Sul América Companhia de Seguro Saúde, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais nº 8103637-36.2025.8.05.0001, movida por Nilzete Caria Percontini, em face de decisão interlocutória que deferiu tutela de urgência determinando a autorização de procedimentos cirúrgicos e fornecimento de materiais específicos prescritos por equipe médica, sob pena, em caso de descumprimento, de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada ao valor atribuído à causa. Na origem, trata-se de ação proposta por Nilzete Caria Percontini, de 73 anos, que após procedimento de ressecção de meningioma craniano, evoluiu com complicações pós-operatórias, incluindo osteomielite e Síndrome do Crânio Trefinado, sendo necessária nova intervenção cirúrgica para reabilitação, com procedimentos e fornecimento de OPME (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) específicos. Irresignado, o agravante interpôs o presente recurso, objetivando reformar a decisão agravada, sustentando, em síntese, que a cláusula de carência é legal; que não há nos autos comprovação de urgência ou emergência real que justifique a superação da carência contratual; que o relatório médico seria genérico; que a operadora garantiu o atendimento emergencial por 12 horas e ofereceu alternativa de remoção para a rede pública, não havendo negativa de atendimento essencial e; que a multa diária de R$ 1.000,00 é desproporcional, especialmente considerando o prazo exíguo fixado para cumprimento. À vista disso, requer a concessão de efeito suspensivo para suspender os efeitos da decisão agravada e, no mérito, a sua reforma, afastando a obrigatoriedade de cobertura integral. Custas recursais recolhidas no ID 85442415. II- FUNDAMENTAÇÃO É importante mencionar que a decisão proferida em sede de liminar recursal deve, obrigatoriamente, revestir-se de elementos sobejamente sólidos no sentido de que a decisão na origem restou equivocada, sobretudo por se tratar de decisão proferida com contraditório postecipado, impondo, em verdade, juízo de cautela, sob pena de supressão de instância. Em análise inaugural, característica do atual momento processual, conforme se depreende dos documentos acostados, não há elementos essenciais à concessão de efeito suspensivo à decisão agravada. No caso concreto, a decisão agravada determinou o custeio imediato da internação de idosa beneficiária de plano de saúde, com base em relatório médico (ID 504810495) que indica a necessidade da intervenção de urgência. Primeiramente importante registrar que a demanda em análise é genuína relação de consumo, de forma que se aplica à espécie as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, lei especial com conotação ampla e fruto de determinação constitucional, que ordena a proteção do consumidor, conforme previsão do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal. Neste passo, a causa adequa-se, portanto, aos conceitos explicitados nos arts. 2º e 3º, § 2º, do CDC (Lei nº 8.078/1990), aplicando-se, diante disso, as normas jurídicas constantes da referida lei, tais como: vulnerabilidade do consumidor, inversão do ônus da prova, necessidade de redação destacada das cláusulas limitativas de direitos, interpretação das cláusulas contratuais de modo favorável ao consumidor, boa-fé objetiva e vedação de cláusulas abusivas, como estabelecem os arts. 4º, I e III, 6º, IV e VIII, 39, 47, 51 e 54, § 4º, do CDC. O regramento consumerista é fundado em princípios, dentre os quais o da boa-fé objetiva, estampado no inciso III, do artigo 4º, do CDC e como cláusula geral, no seu art. 51, que impõe às partes o dever de cuidado, de modo a garantir que o contrato atinja o fim desejado. Neste sentido, valem as lições do Prof. Rizzatto Nunes, em seu Curso de Direito do Consumidor, 2ª. edição, pg. 128: Deste modo, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes. Aplicando tais lições à hipótese em exame, deflui-se que sendo o contrato de plano de saúde um contrato de serviço de duração continuada, tem-se por habitual que surjam enfermidades que atraiam a necessidade de cuidados médicos peculiares e especiais, mas que pela finalidade da contratação, qual seja, a cobertura de saúde, não podem ser negadas pela seguradora. Em razão disso, não pode, o plano ou seguro de saúde, impor obrigações abusivas que coloquem o consumidor em manifesta desvantagem, consoante expressa previsão no artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: Omissis. IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Omissis. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual. (grifei) Verifico que houve a demonstração de que a Agravada foi submetida a procedimento cirúrgico para ressecção de meningioma de asa do esfenoide no ano de 2023. No pós-operatório, apresentou deiscência de ferida operatória e desenvolveu osteomielite, o que levou à necessidade de retirada de um flap ósseo craniano. Como consequência, desenvolveu a Síndrome do Crânio Trefinado, caracterizada por afundamento do tecido cutâneo na região do crânio, deterioração neurológica, cefaleia persistente, confusão mental, dificuldade de cicatrização com episódios de sangramento, disartria e hemiparesia sequelar. O relatório médico pormenorizado (ID 504810495) indica a urgência na realização dos seguintes procedimentos: cranioplastia, reconstrução com rotação de músculo temporal, reconstrução craniana, reconstrução com retalho ou galea aponeurótica, ressecção do osso temporal e reanimação muscular temporal (orbitária/oral) com neurorrafia, indicada para tratamento de paralisia facial, bem como o fornecimento de materiais OPME específicos. Por outro lado, foi comprovada a negativa de boa parte das solicitações realizadas, conforme documento de ID 504810496. É imperioso se atentar ao §13 do art. 10 da Lei nº 9.656/98, incluído pela Lei nº 14.454/2022, o qual dispõe que: Art. 10. Omissis. § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências de saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. De fato, a Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022, afastou a conclusão alcançada pela Segunda Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça em 08/06/2022, no julgamento do EREsp nº 1.889.704/SP, publicado em 03/08/2022, correspondente à taxatividade do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar da ANS. Uma vez configurado um dos requisitos alternativos estabelecidos nos incisos ora transcritos, impõe-se a cobertura do tratamento ou procedimento prescrito pelo profissional assistente. Assim, correta a conclusão pelo preenchimento do requisito trazido no art. 10, § 13, I, da Lei nº 9.656/1998, de forma a tornar devida a cobertura pleiteada. Observa-se que a prova acostada aos autos demonstra que o argumento utilizado pela Agravante não supera o sustentado pela Agravada, restando, assim, comprovada a indispensabilidade do tratamento em questão para a preservação de sua saúde, direito este que lhe é assegurado pelo art. 196, da Constituição. Ademais, o Colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 608, afirmando que "aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão" e, como a parte Agravante não se enquadra na exceção retromencionada, aplica-se o Diploma Consumerista ao caso concreto. O caso reclama a aplicabilidade do art. 51 do Diploma Consumerista: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: Omissis. IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Omissis. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual. (grifei) Ressalte-se que o direito à saúde é direito fundamental previsto na Constituição, conforme já dito anteriormente, assim, a cláusula que impõe ausência de cobertura contratual, mostra-se, a princípio, exagerada e abusiva. Não obstante, ainda que a operadora afirme ter oferecido suporte por 12 horas e alternativa na rede pública, não demonstrou, de forma clara, a viabilidade e segurança dessas opções, especialmente considerando a condição de saúde relatada da paciente. A agravante impugna também a multa cominatória imposta na decisão agravada (R$ 1.000,00 por dia, até o limite do valor da causa), sustentando sua desproporcionalidade frente à conduta praticada e ao prazo de 48 horas fixado para cumprimento da obrigação. Contudo, esta Corte compreende que a multa cominatória (astreintes), prevista no art. 537 do CPC, deve ser analisada à luz da finalidade a que se destina: assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, especialmente em casos de cumprimento de obrigação de fazer. No caso em apreço, a ordem judicial tem por escopo garantir imediato acesso da autora - uma idosa bem fragilizada - ao tratamento hospitalar prescrito, diante de quadro clínico que justifica em sede liminar a medida excepcional adotada. A saúde e a vida constituem bens de máxima relevância constitucional, assegurados no art. 6º e art. 196 da Constituição Federal. A multa fixada revela-se instrumento necessário à efetividade da decisão, sobretudo diante da resistência da agravante, que insiste em se amparar em cláusula contratual de carência mesmo diante de alegada urgência médica. Ademais, o valor diário de R$ 1.000,00 e o teto do valor da causa representam quantia proporcional à obrigação imposta (em especial se comparada ao custeio do procedimento), sendo compatível com a capacidade econômica da operadora agravante e com a gravidade da omissão impugnada, que pode comprometer a saúde ou a vida da beneficiária. Assim, à míngua de probabilidade do direito ou de provimento do recurso, e de ausência de demonstração de risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, em sede liminar, melhor direito não assiste ao Agravante, devendo a decisão ser mantida. III- DISPOSITIVO Posto isso, INDEFIRO EFEITO SUSPENSIVO, mantendo-se por ora a decisão vergastada intacta em todos os seus fundamentos. Comunique-se ao juízo de primeiro grau o conteúdo desta decisão, encaminhando-se-lhe cópia do seu inteiro teor (art. 1019, I, CPC). Intime-se a parte agravada para apresentar contrarrazões em 15 dias. Decisão com força de mandado/ofício. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Salvador, 07 de julho de 2025. Desembargador ROLEMBERG COSTA - Relator
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