Processo nº 8000968-22.2023.8.05.0114
ID: 309828672
Tribunal: TJBA
Órgão: VARA CRIMINAL DE ITACARÉ
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 8000968-22.2023.8.05.0114
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIS FELIPE MUNIZ MELO
OAB/BA XXXXXX
Desbloquear
HARRISON FERREIRA LEITE
OAB/BA XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA VARA CRIMINAL DE ITACARÉ Processo: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO n. 8000968-22.2023.8.05.0114 Órgão Julgador: VARA CRIMINAL DE …
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA VARA CRIMINAL DE ITACARÉ Processo: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO n. 8000968-22.2023.8.05.0114 Órgão Julgador: VARA CRIMINAL DE ITACARÉ AUTORIDADE: Ministério Público do Estado da Bahia Advogado(s): REU: HERBERT MOREIRA DIAS Advogado(s): HARRISON FERREIRA LEITE registrado(a) civilmente como HARRISON FERREIRA LEITE (OAB:BA17719), LUIS FELIPE MUNIZ MELO (OAB:BA76624) SENTENÇA I. RELATÓRIO HERBERT MOREIRA DIAS foi denunciado pelo Ministério Público como incurso no art. 129, §1º, inciso I, art. 147 e art. 163, III, todos do Código Penal Brasileiro, e artigo 20 da Lei nº 7.716/85. Narra a Denúncia, em síntese: "[...] Consta dos autos, que no dia 05 de junho de 2021, por volta das 10h00min, na rua da servidão que dá acesso à praia, bairro centro, de Maraú/BA, o denunciado praticou discriminação e preconceito por motivos de orientação sexual contra as vítimas Carlos Alberto Amaral Novaes e Lucas Márcio Bahia de Menezes, proferindo expressões homofóbicas. No mesmo dia e local supramencionados, por volta das 19h00min, o denunciado também ofendeu a integridade corporal da vítima Carlos Alberto, através de um soco no rosto, resultando na sua incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias, tendo, novamente praticado discriminação e preconceito por motivos de orientação sexual, e prometido causar mal injusto e grave às vítimas Carlos Alberto e Lucas Márcio. Segundo restou apurado, no dia e local acima informados, por volta das 10h00min da manhã, o denunciado, em evidente atitude de discriminação, proferiu os seguintes xingamentos de cunho homofóbico contra as vítimas: "os viados querem tomar a praia...", em virtude de um bloqueio para carros construído pela Prefeitura de Maraú/BA, afirmando ainda que retornaria posteriormente com um motoserra para retirar o bloqueio, deixando o local neste momento. Depreende-se dos elementos informativos, que no mesmo dia e local, por volta das 19h00min, ao retornar de um passeio, cumprindo o que prometera, munido efetivamente de uma máquina do tipo motoserra, o denunciado novamente discriminou as vítimas por motivo de orientação sexual, ao proferir as seguintes expressões ofensivas homofóbicos e ameaça contra as vítimas: "viados, filhos da puta, vou dar um tiro na cara de cada um...", e na presença de uma senhora que se encontrava próxima à barreira, iniciou a destruição da coisa pública, momento no qual, as vítimas foram ao seu encontro, educadamente e temendo alguma agressão contra a idosa, tentar esclarecer a situação de que o bloqueio havia sido colocado pelo ente municipal. Diante da simples aproximação das vítimas, com a frase "Boa noite", o denunciado desferiu um soco no rosto da vítima Carlos Alberto, provocando uma fratura no osso do nariz e um intenso sangramento. Não satisfeito, o denunciado tentou agredir novamente a vítima Carlos Alberto, que estava caída no chão, porém vendo que a vítima Lucas Márcio e gritava com o intuito de que parasse, o denunciado passou a perseguir esta segunda vítima que correu temendo ser agredida também. Extrai-se dos autos, que após ser parcialmente contido por populares, um funcionário e a esposa, que estavam presentes no local, o denunciado continuou a proferir os xingamentos homofóbicos, e reiterou as ameaças de morte [...]" A denúncia foi recebida sob o ID. 395202445. Nesta ocasião, este Juízo acatou o requerimento do Ministério Público e impôs ao acusado medidas cautelares alternativas à prisão, consistindo em: (a) comparecimento em juízo a cada dois meses para informar suas atividades e residência, comunicando qualquer alteração de endereço; (b) recolhimento domiciliar noturno das 20h às 5h, inclusive nos finais de semana e feriados; (c) proibição de contato ou aproximação das vítimas e testemunhas, mantendo distância mínima de 300 metros. Após ser devidamente citado, o Réu apresentou resposta à acusação (ID. 401305831), na qual pleiteou a revogação das medidas cautelares. Este pedido foi indeferido por este juízo (ID. 410710481) após manifestação contrária do Ministério Público (ID. 404081156). Inconformado, o Acusado impetrou habeas corpus com pedido liminar (ID. 413010848), que foi negado pelo Tribunal de Justiça da Bahia. Posteriormente, interpôs recurso contra o acórdão que denegou o habeas corpus (ID. 424787238), ocasião em que este juízo prestou as informações necessárias (ID. 425442439). Adicionalmente, o Réu anexou documentação comprobatória ao processo (ID. 418861257). Foi realizada audiência de instrução e julgamento (ID. 410710481), na qual foram ouvidas as Vítimas Lucas Márcio Bahia de Menezes e Carlos Alberto Amaral Novaes, além das testemunhas de acusação e defesa, culminando no interrogatório do Réu (ID. 419139809). Em sede de alegações finais em forma de memoriais escritos, o Ministério Público reiterou a acusação e pugnou pela condenação do Réu (ID. 422179721), enfatizando a comprovação dos fatos durante a instrução processual. Em contraposição, em alegações finais escritas, o Réu requereu a revogação das medidas cautelares e defendeu a impossibilidade de configuração do crime de racismo, pleiteando a desclassificação para injúria racial e alegando falta de provas para os crimes de ameaça e lesão corporal grave. Argumentou ainda pela legítima defesa putativa e pela absolvição no crime de dano qualificado, e invocando a atenuante da confissão espontânea (ID. 423181273). Após o encerramento da instrução criminal, foi anexado ao processo o laudo pericial de lesões corporais (ID. 432084124), sobre o qual foi concedida oportunidade para manifestação da defesa. A defesa impugnou o laudo pericial (ID. 435517227), contestando os achados nele apresentados. Este juízo deu vistas ao Ministério Público que se manifestou ao ID. 441619341 sobre a referida impugnação. É o que importa relatar. DECIDO. II. DA FUNDAMENTAÇÃO A. PRELIMINARES II.I - DA IMPUGNAÇÃO AO LAUDO PERICIAL DE LESÕES CORPORAIS Após o encerramento da instrução criminal, foi juntado ao processo o laudo pericial de lesões corporais, ID. 432084124. A defesa do Acusado teve oportunidade de acessar o conteúdo do laudo e, consequentemente, apresentou impugnação sob o ID. 435517227. A impugnação argumentou, inicialmente, que ocorreu preclusão para a juntada do laudo pericial. Adicionalmente, a defesa alegou que o laudo não atendeu aos requisitos técnicos especificados no art. 473 do Código de Processo Penal, contestando também a desnecessidade de concordância do juízo com o conteúdo do laudo pericial. Subsidiariamente, foi solicitada a intimação do perito médico-legal para que este respondesse aos quesitos formulados pela defesa. No tocante à alegação de preclusão para a juntada do laudo, inicialmente, não se verifica a procedência deste argumento. Com efeito, o prazo de dez dias estipulado pelo art. 160 do Código de Processo Penal para a apresentação de laudos periciais é orientativo e não preclusivo, não se aplicando, portanto, o conceito de preclusão neste contexto. Ademais, o art. 156, II do Código de Processo Penal expressamente permite que o processo seja convertido em diligência para esclarecer questões pertinentes quando há dúvidas sobre pontos relevantes. Diante do exposto, rejeito a impugnação do laudo pericial apresentada pela defesa e considero o laudo como válido e apto a fornecer subsídios para a análise dos fatos em discussão neste processo. II.II - DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO Por ocasião de suas alegações finais, a Defesa reiterou o pedido de revogação das medidas cautelares impostas. Entretanto, destaco que a aplicação de medidas cautelares não depende exclusivamente da contemporaneidade dos fatos, mas sim da necessidade de garantir a integridade das Vítimas e a ordem pública. No caso em questão, as Vítimas expressaram receio significativo de represálias por parte do Acusado, o que se reflete na alteração significativa de suas vidas, incluindo mudança de domicílio. Este temor não pode ser desconsiderado, especialmente em razão do suposto e grave vínculo de amizade entre o Réu e a autoridade policial local, que, segundo os autos, retardou injustificadamente a investigação. É importante ressaltar que as medidas cautelares não são punições antecipadas, mas sim ferramentas processuais destinadas a prevenir a ocorrência de novos delitos e garantir a segurança das Vítimas. No caso dos Autos, as Vítimas comunicaram explicitamente seu medo contínuo em relação ao Acusado, fator que, por si só, justifica a manutenção das medidas impostas. Feitas tais considerações, verifico, portanto, que estão presentes os pressupostos processuais de existência e validade, bem como as condições da ação, motivo pelo qual passo ao exame do mérito. B. MÉRITO I - DO CRIME DE HOMOFOBIA (ART. 20 DA LEI Nº 7.716/89) A materialidade e a autoria do crime de homofobia, praticado em um contexto de discriminação por orientação sexual, restaram sobejamente comprovadas nos autos. A conduta do Réu, ao proferir expressões como "os viados querem tomar a praia" e, posteriormente, "viados, filhos da puta, vou dar um tiro na cara de cada um", não deixa margem para dúvidas sobre a motivação odiosa e discriminatória de seus atos. Tais expressões, carregadas de preconceito, foram dirigidas às Vítimas com o claro e inequívoco intuito de ofender, intimidar e subjugar em razão de sua orientação sexual. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento histórico da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, estabeleceu que as condutas homofóbicas e transfóbicas, por representarem manifestações de aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, se enquadram no conceito de racismo em sua dimensão social. A Corte Suprema, em decisão com eficácia geral e efeito vinculante, reconheceu que o racismo não se limita a aspectos estritamente fenotípicos ou biológicos, mas resulta de um processo de construção histórico-cultural que visa justificar a desigualdade e viabilizar a dominação de um grupo majoritário sobre grupos vulneráveis. Nas palavras do Ministro Celso de Mello, Relator da ADO 26, o racismo social se manifesta como um instrumento de "controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico". A conduta do Réu neste processo é um exemplo cristalino e agravado dessa dinâmica. A ilicitude de seus atos é potencializada pelo fato de que sua manifestação de ódio não se dirigiu à política pública em si - a instalação de uma barreira pela Prefeitura Municipal de Maraú -, mas foi deliberadamente canalizada para as Vítimas, que se encontravam no legítimo exercício de seu trabalho, cumprindo determinações do poder público. O Réu, em vez de utilizar os canais civilizados e legais para contestar o ato administrativo, como um requerimento à Prefeitura ou uma medida judicial, escolheu o caminho da violência e da discriminação. Ele não atacou a política, mas as pessoas, utilizando-se da orientação sexual delas como arma para humilhar, subjugar e desumanizar. A culpabilidade do Réu é exacerbada por sua condição socioeconômica privilegiada e por sua confessada proximidade com o poder estatal local. É fato público e notório que o Acusado é proprietário de uma relevante rede de supermercados na região de Ilhéus. Mais grave ainda, em seu próprio interrogatório, o Réu admitiu ter passado o dia na companhia da Delegada de Polícia de Maraú, Sra. Andreia, que, surpreendentemente, também figurou como testemunha de defesa. Tal contexto sugere que o Réu não agiu apenas movido por um impulso momentâneo, mas sentindo-se fortalecido e talvez até imune às consequências de seus atos, dada a sua influência e sua familiaridade com a autoridade policial local. A homofobia, neste caso, não foi apenas um ato de preconceito, mas um ato de poder, uma demonstração de que, em sua visão distorcida, sua posição social lhe conferia o direito de agredir e discriminar, acreditando contar com a complacência ou o respaldo de uma representante do Estado. A tentativa da defesa de descaracterizar a conduta, sugerindo que as ofensas foram proferidas no "calor da emoção", é completamente rechaçada pelas provas. A ação foi premeditada e reiterada, como demonstra o fato de o Réu ter retornado ao local horas depois, munido de uma motosserra, para dar continuidade à sua empreitada de ódio. Assim, a conduta do Réu de praticar a discriminação e o preconceito em razão da orientação sexual das Vítimas amolda-se perfeitamente ao tipo penal do art. 20 da Lei nº 7.716/89, conforme interpretação vinculante conferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADO nº 26. A condenação, portanto, é medida de rigor que se impõe, não apenas como resposta penal ao ato ilícito, mas como afirmação do compromisso do Estado brasileiro com a dignidade da pessoa humana e com a construção de uma sociedade livre de preconceitos, conforme ditames da Constituição da República. II - DO CRIME DE AMEAÇA Os fatos narrados na Denúncia, em cotejo com o que foi apurado no curso da instrução processual, dão conta de que o Acusado, no dia 05 de junho de 2021 teria prometido causar mal injusto e grave às Vítimas Carlos Alberto e Lucas Márcio. Consonante preceitua o Código Penal Brasileiro: Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Para a configuração do crime de ameaça é indispensável que o sujeito ativo tenha perfeita compreensão do temor que pretende provocar à Vítima, de modo que oriente sua conduta diretamente pela intenção de ameaçá-la de mal grave e injusto, ainda que não tenha efetivamente a intenção de cumprir a ameaça. Para NELSON HUNGRIA "são elementos do crime de ameaça: "a) manifestação do propósito de fazer a alguém um mal futuro; b) injustiça e gravidade desse mal; c) conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo; d) dolo específico." No caso presente, embora a defesa tenha pugnado a absolvição do Réu por insuficiência de provas, não restaram dúvidas quanto a materialidade delitiva e autoria, que foram comprovadas através do depoimento das Vítimas e da testemunha de acusação. Em trecho do seu depoimento, a testemunha Silvana Fair relatou: [...] ele falou "você pensa que vai ficar nisso? Eu vou te dar um tiro, seu xibungo; esse nome "xibungo" ele falava direto [...] Vejamos trecho do depoimento da Vítima Lucas: [...] E ele vem pra cima de mim, aí ele fala um monte de palavra assim "eu vou te matar seu viado" e tudo mais ele sai correndo atrás de Fernando e diz "eu vou dar um tiro na sua cara" e depois sai correndo; [...] No mesmo sentido, extrai-se do depoimento da Vítima Carlos Alberto: [...] aí ele veio correndo, me chamando de viado, que ia me dar um tiro na cara, que ia matar as bichas escrotas, que era nós dois; e aí fiquei correndo e ele ficou um bom pedaço atrás de mim, num ódio, numa raiva, que ele corre muito atrás de mim; se eu não fosse esperto, ele tinha me pego de novo; ele estava me ameaçando o tempo todo; quando ele cansa e ele volta, o Lucas vai pra frente, começa chamando a polícia, a vizinha, todo mundo, quando eu to chegando mais próximo dele, ele volta de novo, e diz que vai esvaziar a arma na minha cara e isso ele fala várias vezes, correndo atrás de mim na praia [...] Por arremate, restou evidenciado através das provas produzidas nos autos que o Réu praticou o delito previsto no art. 147 do CP, em relação a ambas as Vítimas em concurso material, não havendo maiores discussões acerca da autoria e materialidade delitiva, sendo imperiosa a condenação. III - DO CRIME DE LESÃO CORPORAL GRAVE O Réu também foi denunciado pela prática do crime de lesão corporal grave contra a Vítima Carlos Alberto, em virtude de ter ofendido a integridade física deste através de um soco no rosto, o que resultou na incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias (art. 129, §1, I do Código Penal). No caso dos Autos, a materialidade e a autoria do crime de lesão corporal são comprovadas pelo laudo pericial (ID. 432084124), depoimentos testemunhais colhidos em juízo, incluindo o interrogatório do Acusado, um atestado de atendimento emitido pelo posto de saúde municipal (ID. 394182165 - fl. 18), relatório médico (fl. 16 - ID. 394182165), um atestado adicional (ID. 394182165) e uma série de fotografias (ID. 394182165 - fls. 28 a 33) que documentam as lesões. A Vítima Lucas Márcio Bahia de Meneses relatou: […] O fato ocorreu no dia 05/06/2021, no dia do meio ambiente e neste dia eu me recordo que amanheci com a finalidade de construir um projeto, porque eu sou presidente do Instituto Brasileiro de Avivamento e Desenvolvimento Humano; quando ouvi alguns gritos (...) de lá de trás eu conseguia ouvir tudo; a Prefeitura tinha feito uma barreira para servidão entre a casa e as duas casas dos meus dois vizinhos, Silvana a frente e Luís e Rafael atrás; quando nós ouvimos gritos do Herbert Moreira Dias, quando ele começou a gritar que os viados queriam invadir a praia, que nós tinhamos nos mancomunado com o SPU para invadir a praia e tudo mais; só que ele gritava isso de manhã cedo; esse fato ocorreu cedo, antes de 12:00 h, por volta das 10:00 h; ele já tinha a prática de descer pela servidão para pegar o barco dele e sair (...) quando ele viu a barreira que foi feita pela Prefeitura, ele achou que fomos nós que fizemos, porque como eu sou envolvido com essas coisas de proteção ambiental, e estou dentro da associação de moradores e nativos de Barra Grande, entre outras coisas, ele pode ter achado que foi nós que fizemos; e simplesmente ele voltou e foi falar com alguém, parece que foi pra casa dele e um pouco despois ele desce, e desce o grupo que vai descer para o passeio de barco dele, e ele diz que ia voltar com a motoserra e que ia destruir, que aquilo não ia ficar assim, que viado nenhum ia conseguir invadir a praia; no momento do fato eu nem estava entendendo, porque eu estava fazendo um projeto; (...) ele passou o dia fora e quando ele voltou, já era de noitinha, e eu começo a ouvir os gritos e ouvir os gritos da vizinha também; um grupo passou e foi embora e ele ficou e depois desceu e continuou gritando; eu ligo pra Pedro que é o administrador de Barra Grande (...) e Pedro me disse que se ele passasse a motoserra, que era pra eu filmar e mandar para ele, porque era um crime contra a Administração Pública; (...) só que ele já estava discutindo com D. Silvana, também; a nossa rua não tem iluminação pública, então quando a gente vem vindo, está tudo escuro, só tem a luz do nosso celular e a gente está com a luz do celular incidindo no nosso rosto e não tem nada; eu estava tentando gravar e o apelido do meu marido é Fernando, então a Sra. vai ouvir várias vezes as pessoas chamando Carlos de Fernando aqui (...) e aí Carlos/Fernando vem na minha frente e eu venho atrás tentando botar a câmera; quando eu chego lá e dou boa noite, ele simplesmente da um soco na cara de Fernando, ele cai no chão e eu "oxe, oxe, oxe" vou pra cima dele, pra atrair a atenção dele porque ele só estava de sunga e tênis, e eu estava com medo dele ir bem pra frente de Fernando, querendo dar um chute na cabeça dele; eu estava com medo dele dar um chute na cabeça de Fernando, tanto que em todo tempo ele estava correndo atrás de Fernando, e estava correndo atrás de mim; aí ele parte na minha direção, eu me esquivo, e tento fazer com que Fernando consiga reagir, porque ele tinha acabado de tomar um soco no nariz e caiu no chão, e ele vem pra cima de mim, aí ele fala um monte de palavra assim "eu vou te matar seu viado" e tudo mais; é o tempo que Fernando está se levantando e está falando "meu nariz está quebrado, olha o que você fez com meu nariz", as vizinhas gritavam para gravar e eu paro de gravar e digo que vou ligar pra polícia, e enquanto eu estou tentando ligar pra polícia, ele estava correndo atrás de mim e depois passa a correr atrás de Fernando e disse "vou te matar seu viado" e sai correndo atrás de Fernando; Fernando diz "olha o que você fez, não fomos nós que fizemos"; em todo momento ele fala "olha o que você fez, foi a Prefeitura que mandou, foi a Prefeitura que fez"; a vizinha também diz a ele, grita a ele e ele simplesmente estava possesso, não sei se ele estava usando algum tipo de substância, sei lá o que ele estava fazendo lá dentro do barco; ele sai correndo atrás de Fernando e diz "eu vou dar um tiro na sua cara" e depois sai correndo; (...) depois disso tudo, Fernando não tem como voltar pra casa, porque a gente está num beco que é uma servidão, eu estou aqui, eu saio correndo pra servidão pra ver se ele corre atrás de mim; Fernando vai pra praia e não tem como atravessar, porque tem ele, a mulher dele, a amiga da mulher dele e um funcionário; nessa euforia dele, o funcionário tentar segurar ele, pra ver se ele parava e ele da um chega pra lá no funcionário, uma cotovelada no funcionário e ninguém conseguia parar ele; a mulher dele só ficava falando "você já fez o que você queria, agora vamos embora"; então já era uma coisa premeditada, porque estava na fala dela, e quando ela passa pela frente da minha casa, que só tem um muro de cerca viva, de árvore, ela fala "você já fez o que você queria, pode ficar relaxado, agora venha pra casa, bora pra casa"; eu pego Fernando, todo ensanguentado e aí é que Fernando consegue voltar pra casa, pego ele, levo para o posto de saúde, tento ligar para Delegada, não consigo, falo com o policial que sabia onde ele morava, não prende ele porque não quis mesmo; inclusive nesse mesmo dia específico ele estava passando a tarde toda com a Delegado no barco; e aí o próprio policial disse assim " eu aconselho o senhor a sair daqui, e não ficar aqui; (...) Fernando começou a ter crises de ansiedade; o nariz de Fernando quebrou, fraturou, inclusive a gente tem raio-x, que a gente fez tanto pelo IML, como o boletim de ocorrência encaminha a gente pra fazer a lesão corporal pelo IML, e a gente fez, e fizemos também para ter o laudo, a gente fez também particular; quando o médico viu, ele disse que tinha que fazer cirurgia, porque não tinha como não fazer; Fernando não roncava, agora roca; Fernando acorda de noite; a gente não está mais morando no município de Maraú, para a nossa salvaguarda; Fernando teve uma fratura no dente porque ele está desenvolvendo bruxismo; eu fiquei com insônia, essas coisas assim, mas a pior parte foi dele mesmo; Fernando passou mais de 30 dias impossibilitado das atividades habituais por conta disso, porque como se trata de nariz, não tem muito o que fazer ou refaz o nariz com uma peça cirúrgica, bem dispendiosa, na época inclusive, nós estávamos sem plano de saúde, então não tinha condições de fazer; ele ainda tem que fazer a cirurgia e criou um calo ósseo, então agora vai ter que fazer uma raspagem pra fazer a cirurgia, então ficou mais ou menos uns 3 a 4 meses com um negócio no nariz; (...) ele disse que "os viados estavam querendo tomar a praia, que isso era coisa dos viados", depois ele também usou palavras que eu não conhecia e passei a conhecer diante desse fato, que é "bordão", que é uma palavra antiga que também se refere a diminuir a orientação sexual de homosexual masculino; ele usou "seu bosta", mas com relação à orientação sexual ele usa "bordão, viado, vou te matar seu viado"; quer dizer, ele não vai me matar por qualquer coisa, ele vai me matar porque eu sou viado, pelo amor de Deus, ainda porque eu estou tentando proteger uma área de preservação ambiental (...) a vizinha é uma mulher hetero de mais idade e ele não agiu dessa forma, porque que só a mim?; foi inclusive pedir desculpas a ela, a vizinha, mas nesse tempo todo, inclusive tiveram outras coisas, ele chegou para o dono da casa agora, na semana retrasada, que é o dono da casa que eu presto serviço e sou funcionário dele e simplismente disse que que não é homofóbico e disse para nós pararmos com isso e que qualquer coisa a gente ia fazer um passeio no barco dele; ele teve uma reunião com a secretária de turismo e foi pedir pra ela interceder pra gente tirar o processo; no momento em que Fernando estava ensanguentado ele não só não me atacou porque eu corri, porque ele correu atrás de mim e disse "eu vou te matar seu viado"; (...) ele deu uma entrevista na internet dizendo que eu que parti pra cima dele, sendo que não foi nada disso que aconteceu; (...) nunca tive contato nenhum com Beto Meira(...); a gente hoje está morando com minha mãe por conta disso; eu tive que ir a Barra Grande agora por conta da contratação do pessoal que vai trabalhar lá agora no período do reveillon, mas eu tenho ficado muito pouco tempo, tipo, 2 dias, 3 dias; saio dizendo para Barra Grande inteira que eu vou embora na quinta feira e venho sexta de manhã ou digo que vou embora na sexta e vou na quarta feira; nesse meio tempo eu só fui duas vezes em Barra Grande e tenho feito essas logísticas de entrada e saída bem na loucura, com medo, com receio […]". Com efeito, a vítima Carlos Alberto Amaral Novaes afirmou em juízo: […] No dia 05, no final de semana, a gente estava em Barra Grande e logo cedo eu fui fazer o cabelo da minha sogra (...), levei a maior parte do dia fazendo isso, enquanto meu companheiro Lucas estava escrevendo um projeto social; a gente trabalha em um instituto e aí a gente começou a ouvir o seu Hrebert passando na rua com um ou dois homens a mais e falando palavrões, chamando "viados", "os viados estão querendo fechar a praia", "os viados estão achando que são donos da Barra", "eles vão ver que vão ganhar aqui na Barra"; só que em nenhum momento eu pensei que fosse com a gente, nem eu, nem Lucas, nem minha sogra, então continuamos, isso devia ser 11:00/12:00 h, alguma coisa assim; aí ele vai até a praia e volta, aí quando ele volta, ele volta reclamando mais ainda; aí eu já comecei a ficar preocupado, mas estava sem entender ainda, porque ele não falava diretamente, não falava nosso nome, mas falava "os viados, os viados estão invadindo praia, estão roubando a praia, isso não vai ficar assim"; ele falou que ele ia sair de barco mas que ele voltaria mais tarde, e que iria cortar a barreira com uma motoserra; (...) que a prefeitura resolveu fechar os acessos a praia, para quadriciclos, moto, carro e os pedestres continuavam tendo acesso e não sei por qual motivo ele achou que fomos eu ou Lucas; aí ele foi pra casa dele e voltou, e por volta de 1 h depois ele voltou com um grupo de amigos entre homens e mulheres, e quando chegou bem na frente da casa que a gente tinha alugado e continuou, ele gritava "esses viados estão fechando a praia", "essas bichas, escrotas"; só era nome de "viado" para baixo, e eram até alguns nomes que eu não entendia, não sabia o que que era que estava falando; ele entrou no barco com esse grupo dele, e eu continuei com Lucas em casa, a gente terminou o trabalho, devia ser mais ou menos 18 h, e aí a gente começa a ouvir uma grande discussão (...), aí a gente começou a ouvir os gritos de socorro da minha vizinha e o barulho da motoserra; ele estava com uma motoserra ligando e discutindo com a minha vizinha, e com a motoserra na mão, ameaçando ela com a motoserra; eu ouvi os gritos e o barulho da motoserra, mas ainda não cortava, eu acho que ele acelerava a motoserra; e aí no momento ela começa a gritar por socorro, aí sai eu, o Lucas e a minha sogra, e aí o Lucas pede pra minha sogra que já é de idade, e é bem sensível, voltar, porque não sabia o que podia acontecer, e eu uso óculos e enxergo muito mal então eu não conseguia ligar a câmera do meu telefone, e com a luz do telefone, eu não tava enxergando muito na frente, tanto que quando a gente chegou próximo, o Lucas fala "boa noite", e eu falo logo "boa noite, o senhor está enganado"; quando eu falo "o senhor está enganado", que eu vou levantar o rosto pra falar, eu já tomo um golpe do lado direito; na hora eu senti uma coisa quente, e caí no chão; quando eu vi que estava sangrando, ele estava vindo pra cima de mim, e eu estava caído no chão e eu acho que ele ia me chutar ou fazer alguma coisa comigo ainda no chão, aí o Lucas vem correndo e começa a gritar pra ele, senão ele tinha feito outra coisa; ele estava de tênis e sunga, lembro até hoje; e aí eu consegui levantar, e a D. Silvana começa a gritar, e todo mundo começa a gritar desesperado; o funcionário dele mesmo fica desesperado, e tenta segurar ele e ele ainda empurra ou da uma cotovelada no funcionário, que se afasta e que segura a motoserra, e ele sai correndo atrás de mim; ele sai correndo atrás do Lucas, primeiro, e como ele não consegue pegar o Lucas, porque o Lucas foi pra rua e eu estava na praia, na frente da casa da D. Silvana, eu não podia voltar pra encontrar o Lucas, porque ele estava na rua; quando ele me viu, que eu falei pra ele "você quebrou o meu nariz, olha o meu nariz o que você fez, você não sabe conversar?"; aí ele veio correndo, me chamando de viado, que ia me dar um tiro na cara, que ia matar as bichas escrotas, que era nós dois; e aí fiquei correndo e ele ficou um bom pedaço atrás de mim, num ódio, numa raiva, que ele corre muito atrás de mim; se eu não fosse esperto, ele tinha me pego de novo; ele estava me ameaçando o tempo todo; quando ele cansa e ele volta, o Lucas vai pra frente, começa chamando a polícia, a vizinha, todo mundo, quando eu to chegando mais próximo dele, ele volta de novo, e diz que vai esvaziar a arma na minha cara e isso ele fala várias vezes, correndo atrás de mim na praia; e aí eu não consigo passar, até que a mulher dele fala "vamos embora pra casa, que você já fez o que queria fazer, que era quebrar a cara desse viado, vambora pra casa, se acalma"; aí ela segura ele pelo braço várias vezes e aí ele acaba indo, mas já está a D. Ana, a D. Silvana, as duas filmando, todo mundo olhando (...); eu preferi vir pra Salvador, até porque fiquei super assustado, e a minha vida nunca mais foi a mesma; eu tenho crises de pânico o tempo todo, parei de trabalhar, porque não dava para administrar de longe essa casa, estou com bruxismo, vou ter que fazer um tratamento nos dentes, porque devo perder os dentes de nervoso; meu nariz eu não consigo mais aspirar pelo lado direito, então eu fiquei com um problema, vou ter que fazer uma rinoplastia e no momento eu não tenho plano de saúde (...) eu tenho um laudo com o pedido do médico para fazer uma rinoplastia e corrigir esse defeito que eu fiquei; o medo é enorme, eu morei em Barra Grande por 10 anos, era o meu lugar da vida, era o paraíso, e hoje eu tenho pavor daquele lugar, que só de pensar em Barra Grande já me da vontade de chorar; eu não consigo mais andar na praia, eu não consigo ir nos restaurantes, em bares, em nada, quando eu vou pra lá; é um problema, porque eu começo a ter crises só de pensar; eu tive que ir agora pra tirar o resto das minhas coisas, porque é um lugar que eu não penso nunca mais em voltar, e eu vou tentar refazer minha vida em outro lugar […]". No mesmo sentido, a testemunha Silvana Fair relatou em sede de instrução: [...] Estava eu e minha mãe na porta da casa sentadas na cadeira e eles saíram com a família para um barco para um passeio; aí ele chegou perto da minha cerca atrás da minha cadeira, e eu tomei até um susto, e virei para olhar e ele falou assim "foi você que colocou isso aqui?"; aí eu falei "eu? Eu não"; aí ele disse "ah, porque você está pensando que é dona da praia"; eu falei que não fui eu que coloquei e disso aí ele ficou resmungando e o pessoal dele ficou dizendo que deve ter sido alguém que fez; aí eu falei que me disseram que tinha sido a Prefeitura que fez isso aí, aí ele disse que não, que tinha sido eu mesma, porque tinha um pau que sobrou, de um pauzinho de rede que eu ia fazer pra botar balanço pras crianças, e ele disse que esse pau era daqui; aí eu falei que não que isso aqui é pra fazer um balanço para as crianças (...); saí e ele ficou reclamando e a mulher dele, o pessoal dele, todo mundo tirando ele, porque ele estava muito nervoso com o tal do portal que botaram lá, e foi a Prefeitura que colocou para não entrar quadriciclo, moto, na praia, não tinha nada haver com a minha casa; chamou minha casa de "casa de merda"; (...) eu entrei em casa com minha mãe e não saí mais na minha porta, fiquei refém da minha casa, com medo; quando ele retornou já era 18:00 h, aí ele já chegou gritando na minha porta, falando "aqui, eu não disse a você que eu ia trazer o rapaz aqui e pegar uma motoserra, e jogar isso abaixo? A senhora não é dona da rua"; aí voltou a chamar casa de merda; e eu falei "senhor, vá em bora, senhor", gritei da minha área (...); ele estava falando que ia derrubar o portal, eu ignorei ele e entrei e ele disse "não entre não, volte aqui para você ver que você não é dona da praia, você compra essa casa de merda e pensa que é dona da praia?"; aí já vem o caseiro dele com uma motoserra, aí ele pegou a motoserra, e todo mundo estava extasiado, minha vizinha da esquerda, Ana, saiu e já estava todo mundo extasiado com ele; ele estava muito nervoso, aí pegou a motoserra, tomou do rapaz e começou a cortar, ele cortou tudo; ele jogou abaixo o portal; ficaram os tocos; (...) nesse barulho, Fernando e Lucas saíram, eu só ouvi ele falar assim " não foi ela, foi a Prefeitura", ele nem terminou de falar "não foi ela" e já recebeu um murro, aí ele caiu; quando ele caiu, esse senhor falou "venha cá", aí foi quando ele começou a agredir ele, pra pegar ele de novo, e ele saiu comendo areia, capotando, igual uma criança quando está engatinhando, e ele atrás correndo, falando "seu viadinho de merda, seu xibunga, seu boitola"; (...) na minha casa ele foi muito desrespeitoso, violento (...); eu fiquei tão chateada que cheguei a pensar em vender minha casa; foi uma barbaridade; os meninos além de apanhar correram e foi um corre-corre e ele atrás; aí o pai chegou mais a esposa dele, a mãe dele, o pessoal dele todo, pedindo desculpa e aí foi correndo pra pegar ele, e ele nada em cima dos meninos; foi uma luta grande pra esses meninos se safarem dele, porque ele tinha uma força descomunal; na hora que ele deu o primeiro murro ele caiu, depois ele saiu puxando ele, e caindo e capotando e ele atrás, e xingando ele todinho; ele falou "você pensa que vai ficar nisso? Eu vou te dar um tiro, seu xibungo; esse nome "xibungo" ele falava direto; (...) tive o temor de ser agredida, porque ele fez um gesto que iria vir até a gente, e ele estava muito nervoso; foi por isso que os meninos saíram de lá, porque foi tanto barulho com essa motoserra, que os meninos não entenderam; foi mais comigo, os meninos que foram tomar as dores e foram lá dizer "não foi ela, foi a prefeitura", não terminou nem de falar o nome e já recebeu o primeiro murro; (...) ele só parou depois que chegou a mãe, o pai dele e a esposa, pra conter a ira dele; (...) chegou uma conversa de um vizinho de que ele estava disposto a pedir desculpas pra mim [...]" Durante seu interrogatório prestado em juízo, o Réu confessou a prática da lesão corporal em desfavor da Vítima. Ressalta-se que, conforme o Laudo de ID. 435517227, constatou-se a incapacidade da Vítima de exercer suas ocupações habituais por mais de 30 dias. Entretanto, os depoimentos colhidos em juízo revelam que a Vítima ficou impossibilitada de realizar suas atividades cotidianas, especialmente laborais, por mais de três meses. Esse prolongamento deve-se, principalmente, ao fato de a Vítima ter sido acometida por severas crises de pânico, as quais ocorreram até mesmo durante a audiência de instrução e julgamento. Em trecho do seu depoimento, a Vítima relatou: [...] eu tenho crises de pânico o tempo todo, parei de trabalhar, porque não dava para administrar de longe essa casa, estou com bruxismo, vou ter que fazer um tratamento nos dentes, porque devo perder os dentes de nervoso; meu nariz eu não consigo mais aspirar pelo lado direito, então eu fiquei com um problema, vou ter que fazer uma rinoplastia e no momento eu não tenho plano de saúde (...) eu tenho um laudo com o pedido do médico para fazer uma rinoplastia e corrigir esse defeito que eu fiquei [...] O companheiro da Vítima, Lucas Márcio Bahia de Meneses narrou sobre as sequelas sofridas por aquele: [...] Fernando/Carlos começou a ter crises de ansiedade; o nariz de Fernando quebrou, fraturou, inclusive a gente tem raio-x, que a gente fez tanto pelo IML, como o boletim de ocorrência encaminha a gente pra fazer a lesão corporal pelo IML, e a gente fez, e fizemos também para ter o laudo, a gente fez também particular; quando o médico viu, ele disse que tinha que fazer cirurgia, porque não tinha como não fazer; Fernando não roncava, agora roca; Fernando acorda de noite; a gente não está mais morando no município de Maraú, para a nossa salvaguarda; Fernando teve uma fratura no dente porque ele está desenvolvendo bruxismo; eu fiquei com insônia, essas coisas assim, mas a pior parte foi dele mesmo; Fernando passou mais de 30 dias impossibilitado das atividades habituais por conta disso, porque como se trata de nariz, não tem muito o que fazer ou refaz o nariz com uma peça cirúrgica, bem dispendiosa, na época inclusive, nós estávamos sem plano de saúde, então não tinha condições de fazer; ele ainda tem que fazer a cirurgia e criou um calo ósseo, então agora vai ter que fazer uma raspagem pra fazer a cirurgia, então ficou mais ou menos uns 3 a 4 meses com um negócio no nariz; [...] Do relatório psicológico de ID. 394182166, fl. 65, subscrito por psicóloga vinculada ao Centro de Referência LGBT no dia 21 de junho de 2021, declarou-se que "As condições psicológicas do requerente estão alteradas devido aos fatos ocorridos". Atestou-se, ademais, que a Vítima apresenta transtorno de pânico (ansiedade paroxistica episódica - CID 10 F41.0). É importante ressaltar que o art. 129 §1, I visa inibir não apenas a ofensa à integridade corpórea, mas à saúde, como um todo. E isto bem deixou claro a exposição de motivos do Código Penal: "Todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental". Ainda, do ponto de vista físico, o Laudo pericial de ID. 432084124 denota que a Vítima ficou impossibilitada de exercer as suas ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, em razão de fratura em osso nasal, somado às declarações das testemunhas e do ofendido, que se mostraram firmes e seguras. Sendo assim, é inviável a desclassificação do crime de lesão corporal grave para o delito de lesão corporal simples, como postulado pela defesa. Lado outro, não deve ser levada em consideração a tese defensiva da legítima defesa putativa, quando o próprio vídeo colacionado dá conta de que as Vítimas apenas deram "boa noite" ao Réu, sem demonstrar qualquer indício de violência. Não é crível, e não havia motivo escusável que fizesse o Acusado imaginar que seria agredido na oportunidade. Neste sentido, a ação do Acusado se enquadra a conduta descrita no art. 129 § 1, I do Código penal, sendo a condenação medida de rigor, já que o Réu era imputável e tinha plena consciência da ilicitude do seu comportamento, não se vislumbrando causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade a lhe beneficiar. IV - DO CRIME DE DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO Conforme consta da peça acusatória, no dia dos fatos, o Acusado teria cometido o crime de dano qualificado, tendo em vista que, por ocasião dos fatos, teria "destruído a coisa pública", consistente em um "bloqueio para carros construído pela prefeitura de Maraú/BA". Embora não conste na denúncia, o objeto foi detalhado descrito no curso da instrução criminal como sendo "barreiras de madeira" instaladas pela prefeitura do Município. Dispõe o Código Penal: Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos; (Redação dada pela Lei nº 13.531, de 2017) Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Verifica-se, pois, que o inciso III, do artigo 163, com redação de 2017, empresta maior reprovabilidade ao dano em razão do seu objeto material: o patrimônio da União, do Estado, do Distrito Federal, do Município ou de uma autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos. Nestes casos, para além da menor vigilância sobre alguns bens, o que os deixaria mais vulneráveis, também se deve salientar a existência de prejuízo coletivo, já que são bens que se destinam ao uso de toda a sociedade ou à prestação de serviços de interesse público. Acontece que, no caso dos autos, não restou comprovada a materialidade do delito em apreço. Ab initio, o referido bem não foi sequer individualizado na denúncia, o que prejudica a análise sobre seu valor e titularidade. Da peça acusatória, o Ministério Público se limitou a dizer que o Réu teria "destruído a coisa pública", sem, contudo, descrevê-la. A mera indicação genérica do bem como um "bloqueio para carros construído pela prefeitura de Maraú/BA" não é capaz de individualizar o bem, nem de comprovar que este efetivamente pertencia ao Município de Maraú/BA. Ademais, não foi acostado laudo pericial que ateste a ocorrência da referida destruição, o que impede a constatação da materialidade do delito, por se tratar de um crime não transeunte, ou seja, que deixa vestígios. Nesta espécie de crime, aplica-se a disposição do artigo 158 do Código de Processo Penal que determina, de forma expressa, que "quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado". Diante disto, para que a ausência de perícia seja validamente suprida por outros meios de prova, exige-se a presença de motivo que justifique a impossibilidade de sua realização (desaparecimento dos vestígios ou inviabilidade diante das circunstâncias do crime), não sendo possível afastar a exigência diante da mera inércia do Estado. Neste sentido decidiu o Tribunal de Justiça da Bahia decidiu em caso similar: PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. INFRAÇÃO QUE DEIXA VESTÍGIOS. EXAME PERICIAL NÃO REALIZADO. IMPRESCINDIBILIDADE. PROVA TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Réu absolvido da imputação feita pela suposta prática do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal (dano qualificado), por não ter sido realizado exame pericial no veículo supostamente danificado. 2. "Quando possível realizar a perícia, a prova testemunhal ou a confissão do acusado - essa por expressa determinação legal - não se prestam a suprir o exame de corpo de delito. Precedentes. (...). O crime do art. 163 do Código Penal, que consiste em destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia é crime material que sempre deixa vestígios, sendo indispensável o exame de corpo de delito para comprovar a materialidade delitiva. Precedentes. 7 (...)." (STJ - HC 274.431/SE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 01/07/2014) 3. Recurso conhecido e improvido. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0528679-47.2014.8.05.0001, Relator (a): Luiz Fernando Lima, Primeira Câmara Criminal - Primeira Turma, Publicado em: 01/02/2018) (TJ-BA - APL: 05286794720148050001, Relator: Luiz Fernando Lima, Primeira Câmara Criminal - Primeira Turma, Data de Publicação: 01/02/2018). Noutro giro, não pode ser de todo desconsiderada a tese defensiva no sentido de que teria ocorrido "erro de tipo" por parte do Acusado, já que ele desconhecia a titularidade pública do bem, e acreditava que este havia sido instalado por seus vizinhos. De fato, da fotografia acostada ao ID 394182166, fls. 34- 36, vê-se um bloqueio, que não contém qualquer selo ou indicação de que este teria sido instalado pelo Município. Além disso, todos os depoimentos prestados em juízo dão conta de que o Acusado não sabia se tratar de "bem de titularidade da prefeitura", o que leva a crer a presença de erro sobre as elementares do tipo penal. Neste sentido, esclarece-se que, ainda que fosse possível reconhecer a materialidade do crime de dano, o que não é o caso, em razão de erro de tipo, o Acusado teria incidido em crime de dano simples, cuja ação penal é de iniciativa privada (art. 167 do CP), de modo que a punibilidade restaria extinta em razão da decadência, pois não exercido o direito de queixa no prazo de 06 (seis) meses, conforme preceitua o artigo 103 do Código Penal. Em conclusão, a absolvição pelo crime de dano contra o patrimônio público é medida que se impõe, diante da ausência de prova da materialidade do crime imputado. V - DA NECESSÁRIA APURAÇÃO DE CONDUTA DA AUTORIDADE POLICIAL Causa espécie a este Juízo o fato, revelado durante a instrução processual, de que o próprio Réu, em seu interrogatório, declarou ter passado o dia dos fatos na companhia da Delegada de Polícia de Maraú, Dra. Andreia de Oliveira. Notavelmente, a referida autoridade policial foi, posteriormente, arrolada e ouvida como testemunha de defesa neste processo. Essa declarada proximidade entre o investigado e a autoridade policial responsável pela apuração dos fatos, quando analisada em conjunto com a cronologia do inquérito, suscita questionamentos sobre a condução do procedimento. Constata-se, objetivamente, que a investigação permaneceu paralisada por um longo e injustificado período, vindo a receber o impulso necessário somente após a intervenção do Ministério Público, que foi procurado pelas vítimas diante da aparente estagnação dos atos investigatórios. A relação de amizade entre a autoridade policial e o investigado, por si só, compromete a indispensável aparência de imparcialidade que deve nortear a persecução penal. A legislação processual penal, ao prever as causas de suspeição (art. 254 do CPP), visa precisamente a resguardar a isenção do julgador, princípio que, por extensão lógica e em respeito à moralidade administrativa (art. 37, caput, CF), deve inspirar a atuação de todas as autoridades envolvidas na investigação. Se a amizade íntima era, de fato, preexistente, caberia à autoridade policial, por dever de cautela e para assegurar a lisura do procedimento, avaliar a necessidade de se declarar suspeita. A morosidade na condução de um inquérito de tamanha gravidade, que apura crimes de ódio e violência física contra membros de um grupo vulnerável, não apenas obstaculiza a busca pela justiça, mas também tem o efeito deletério de minar a confiança da população nas instituições de segurança pública. O Estado tem o dever de garantir uma apuração célere e imparcial, e a percepção de inércia ou parcialidade pode ser tão danosa quanto a própria impunidade. Diante do exposto, e considerando os elementos coligidos durante a instrução que apontam para uma notável morosidade processual e para uma relação de proximidade entre a autoridade policial e o acusado, torna-se imperativo que a conduta da Delegada de Polícia Andreia de Oliveira seja devidamente analisada pela instância correcional competente. Assim, determino a expedição de ofício à Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Estado da Bahia, com cópia integral desta sentença, do inquérito policial e das gravações da audiência de instrução e julgamento, para a apuração de eventuais irregularidades e adoção das providências que se entenderem cabíveis. III. DISPOSITIVO Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia para CONDENAR o Réu HERBERT MOREIRA DIAS, já qualificado, como incurso nas penas do art. 20 da Lei nº 7.716/89 (Homofobia), do art. 129, §1º, I, do Código Penal (Lesão Corporal Grave) e do art. 147 do Código Penal (Ameaça), por duas vezes, na forma do art. 69 do Código Penal (concurso material). ABSOLVO o acusado da imputação da prática do crime previsto no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal (Dano Qualificado), com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, por não haver prova da existência do fato. Passo a dosar a pena do Réu, em atenção ao princípio da individualização da pena e atento ao sistema trifásico (art. 68 do Código Penal). IV. DA DOSIMETRIA DA PENA A) Crime de Homofobia (Art. 20 da Lei nº 7.716/89) Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal: Culpabilidade: Extremamente elevada. A conduta foi reiterada e deliberada, ocorrendo em dois momentos distintos (pela manhã e à noite), revelando intensidade de dolo que ultrapassa significativamente a normalidade do tipo. O Réu demonstrou planejamento ao sair do local pela manhã e retornar à noite armado com uma motosserra, evidenciando premeditação que intensifica sua culpabilidade. Antecedentes: O Réu não possui antecedentes criminais. Conduta Social e Personalidade: Não há elementos suficientes nos autos para uma valoração negativa. Motivos do Crime: A própria discriminação, elemento intrínseco ao tipo penal, manifestou-se de forma particularmente intensa e explícita, não se limitando a palavras discriminatórias isoladas, mas compondo um quadro contínuo de perseguição motivada exclusivamente pela orientação sexual das vítimas. Circunstâncias do Crime: Sobremaneira graves. O delito foi praticado contra vítimas que se encontravam no legítimo exercício de suas atividades profissionais, cumprindo determinações do poder público municipal. O Réu escolheu deliberadamente atingir trabalhadores que apenas executavam ordens da administração pública, atacando-os não por suas funções, mas por sua orientação sexual, revelando particular covardia e desprezo pelos serviços essenciais à comunidade. Ademais, o crime foi praticado em concurso com os delitos de lesão corporal grave e ameaça, revelando periculosidade acentuada e determinação em causar grave mal às vítimas. O contexto de intimidação criado pelo porte de motosserra durante a segunda abordagem tornou o ambiente ainda mais aterrorizante para as vítimas. Consequências do Crime: Devastadoras para as vítimas, que foram forçadas a mudar de cidade, abandonar seu local de trabalho e residência, além de sofrerem abalos psicológicos profundos documentados por laudo psicológico. O crime gerou não apenas traumas psicológicos, mas comprometeu a subsistência econômica e a estabilidade social das vítimas, que tiveram que reconstruir suas vidas em outro local por medo de novas agressões. Comportamento da Vítima: Em absolutamente nada contribuiu para a prática do delito. Pelo contrário, as vítimas tentavam apenas explicar que o bloqueio havia sido instalado pela prefeitura, não por elas. Diante da valoração negativa da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, fixo a pena-base no máximo legal, em 03 (três) anos de reclusão. Cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que "a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível até mesmo 'o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto'" (AgRg no REsp 143071/AM, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 6/5/2015). Neste sentido, colaciono o seguinte julgado: "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS. QUANTUM DE AUMENTO PROPORCIONAL À GRAVIDADE DA CONDUTA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. PENA INFERIOR A 4 ANOS. EXISTÊNCIA DE, CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. REGIME INTERMEDIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A dosimetria da pena e seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. 2. Verifica-se que a pena-base foi exasperada em razão da culpabilidade -- a testemunha inquirida disse nunca ter visto alguém apanhar daquele jeito, referindo-se às agressões causadas por Samoel em face de Telma; circunstâncias do crime -- o casal estava jantando com um vizinho idoso, acompanhado das crianças de tenra idade, e todos tiveram que assistir a trágica cena de violência num ambiente familiar e consequências do crime -- considerando os mais diversos locais do corpo que a vítima foi lesionada, justificativas que se mostraram idôneas para o aumento realizado. 3. Dessa forma, as instâncias ordinárias apresentaram fundamentação concreta e suficiente para o acréscimo da pena em fração superior a 1/6, na primeira fase da dosimetria e não há se falar em desproporcionalidade. 4. Ademais, como é cediço, a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível até mesmo "o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto" (AgRg no REsp 143071/AM, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 6/5/2015). 4. Quanto ao regime, não há se falar em ilegalidade da fixação do regime inicial intermediário. Não obstante a pena seja inferior a 4 anos de detenção e o paciente seja primário, as circunstâncias judiciais não lhe eram todas favoráveis, tanto que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal. Assim, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, o regime inicial semiaberto se mostra mais adequado. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 699.762/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021)." No caso em análise, temos não apenas uma, mas três circunstâncias judiciais extremamente desfavoráveis ao Réu - culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime - o que torna plenamente justificada a fixação da pena-base no máximo legal. Não havendo atenuantes, agravantes ou outras causas, torno a pena definitiva para o crime de homofobia em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, fixando o valor do dia-multa em 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos. B) Crime de Lesão Corporal Grave (Art. 129, §1º, I, do Código Penal) Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal: Culpabilidade: Extremamente elevada. A agressão foi gratuita e completamente desproporcional. A vítima sequer havia concluído sua saudação de "boa noite" quando foi brutalmente atingida por um soco no rosto. A surpresa e a desproporção do ataque revelam intensidade de dolo que excede consideravelmente o normal para o tipo penal, evidenciando uma violência dirigida à humilhação da vítima. Ademais, a vítima estava apenas explicando que o bloqueio fora instalado pela Prefeitura, cumprindo seu dever profissional, quando foi violentamente agredida sem qualquer provocação. Antecedentes: O Réu não possui antecedentes criminais. Conduta Social e Personalidade: Sem elementos suficientes para valoração. Motivos do Crime: O motivo torpe, ligado à homofobia, já foi considerado no crime conexo, mas é inegável que a motivação discriminatória intensificou significativamente a violência empregada, evidenciando desprezo pela dignidade humana da vítima em razão de sua orientação sexual. Circunstâncias do Crime: Excepcionalmente graves. A agressão ocorreu em via pública, de forma súbita e inesperada, num contexto de desequilíbrio de forças. O Réu, armado com uma motosserra e acompanhado por outras pessoas, atacou a vítima que estava desacompanhada e desarmada, revelando extrema covardia. Após o primeiro golpe, tentou continuar a agressão contra a vítima caída, demonstrando uma intenção de causar danos ainda maiores, só não conseguindo porque foi parcialmente contido por populares. A perseguição posterior às vítimas pela praia, proferindo ameaças, intensifica ainda mais a gravidade das circunstâncias. Consequências do Crime: Excepcionalmente graves e duradouras, muito além do necessário para a configuração do tipo penal. Conforme comprovado pelo laudo pericial e pelos depoimentos colhidos, a vítima sofreu fratura no osso nasal que resultou em: 1. Incapacidade para ocupações habituais por período muito superior ao mínimo previsto no tipo penal (30 dias), tendo ficado impossibilitada de trabalhar por aproximadamente 3 a 4 meses, conforme relatado pelas testemunhas - o que representa mais que o triplo do período mínimo previsto no tipo penal; 2. Sequelas permanentes na respiração nasal, com necessidade de intervenção cirúrgica e desenvolvimento de calo ósseo que demandará raspagem prévia à cirurgia reparadora; 3. Danos psicológicos severos, documentados em laudo psicológico que atesta o desenvolvimento de transtorno de pânico (CID 10 F41.0), com crises recorrentes; 4. Desenvolvimento de bruxismo com dano aos dentes, exigindo tratamento odontológico específico; 5. Alteração completa da vida da vítima, com necessidade de mudança de cidade e abandono de seus meios de subsistência e de seu local de residência por mais de dez anos; 6. Desenvolvimento de insônia e outras manifestações psicossomáticas derivadas do trauma. O próprio laudo pericial e os depoimentos das testemunhas evidenciam que as consequências ultrapassaram significativamente o mínimo exigido pelo tipo penal, configurando um quadro de extrema gravidade, mesmo para um crime de lesão corporal grave. Comportamento da Vítima: Em absolutamente nada contribuiu para a prática do delito. Pelo contrário, tentava apenas cumprimentar o Réu de forma educada quando foi brutalmente agredida, sem qualquer chance de defesa. Utilizando a técnica do termo médio, parto da média entre o mínimo (1 ano) e o máximo (5 anos) da pena abstratamente prevista, ou seja, 3 anos de reclusão. Considerando o conjunto extremamente desfavorável de circunstâncias judiciais, sobretudo a culpabilidade exacerbada, as circunstâncias do crime e as consequências gravíssimas, com incapacidade para o trabalho que se prolongou por período muito superior ao mínimo legal de 30 dias (chegando a 3-4 meses), e as sequelas permanentes documentadas, elevo a pena-base para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, reconheço a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, 'd', do CP). Atenuo a pena em 1/6, fixando-a em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão. Não havendo outras causas, torno a pena definitiva para o crime de lesão corporal grave em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão. C) Crime de Ameaça (Art. 147 do Código Penal) Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal para cada um dos dois crimes de ameaça (praticados contra cada uma das vítimas): Culpabilidade: Elevada. As ameaças foram proferidas de forma reiterada, explícita e contundente ("vou dar um tiro na sua cara", "vou esvaziar a arma na sua cara", "vou te matar seu viado"), em meio a um contexto de extrema violência, logo após uma agressão física grave já consumada, o que potencializou seu efeito intimidador. Motivos do Crime: O motivo torpe, ligado à homofobia, atuou como impulsionador direto da conduta, caracterizando desprezo pela dignidade humana das vítimas. Circunstâncias do Crime: Particularmente graves. As ameaças foram proferidas em público, após uma agressão física brutal, enquanto o Réu perseguia as vítimas pela praia, causando pânico e humilhação. O fato de ter ocorrido enquanto uma das vítimas sangrava profusamente intensifica a gravidade das circunstâncias. Consequências do Crime: Gravíssimas. As ameaças, associadas à agressão física já consumada, geraram terror profundo nas vítimas, documentado por laudos psicológicos, e foram determinantes para a mudança de cidade e completa alteração de suas vidas. O medo persistente das vítimas, mesmo após meses dos fatos, demonstra a intensidade do abalo psicológico sofrido. Comportamento das Vítimas: Em absolutamente nada contribuíram para a prática dos delitos. Utilizando a técnica do termo médio, parto da média entre o mínimo (1 mês) e o máximo (6 meses) da pena abstratamente prevista, ou seja, 3 meses e 15 dias de detenção. Considerando o conjunto significativamente desfavorável de circunstâncias judiciais, fixo a pena-base para cada crime de ameaça em 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de detenção. Não há atenuantes. Reconheço a agravante do motivo torpe (art. 61, II, 'a', do CP) e agravo a pena em 1/6, tornando-a definitiva para cada crime em 6 (seis) meses de detenção, atingindo o máximo previsto para o tipo penal. D) Concurso Material de Crimes Aplicando a regra do concurso material (art. 69 do Código Penal), somo as penas aplicadas: • Pena de Reclusão: (03 anos) + (03 anos e 09 meses) = 06 (seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão. • Pena de Detenção: (06 meses) + (06 meses) = 12 (doze) meses de detenção. • Pena de Multa: 10 (dez) dias-multa. A pena total e definitiva é de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão, 12 (doze) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa. DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA Fixo o regime inicial de cumprimento da pena de reclusão como o SEMIABERTO, nos termos do art. 33, §2º, 'b', do Código Penal, em razão do quantum da pena e da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis. A pena de detenção deverá ser cumprida em regime semiaberto ou aberto, conforme dispuser o juízo da execução, após o cumprimento da pena de reclusão. DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA E DO SURSIS Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do art. 44, I e III, do Código Penal, pois o crime foi cometido com violência contra a pessoa e as circunstâncias judiciais não indicam que a substituição seja suficiente. Pelos mesmos motivos, incabível a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP). DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE Considerando que o Réu respondeu ao processo em liberdade, e não havendo fatos novos que justifiquem a decretação da prisão preventiva, concedo-lhe o direito de recorrer em liberdade. Mantenho, contudo, as medidas cautelares diversas da prisão já impostas, por subsistirem os motivos que as ensejaram, notadamente a necessidade de proteção às vítimas. DA REPARAÇÃO CIVIL Deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, nos termos do art. 387, IV, do CPP, por ausência de pedido expresso da acusação ou das vítimas nesse sentido. DAS CUSTAS PROCESSUAIS Condeno o Réu ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804 do CPP. DAS PROVIDÊNCIAS FINAIS Após o trânsito em julgado desta sentença, adotem-se as seguintes providências: 1. Lance-se o nome do Réu no rol dos culpados. 2. Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins do art. 15, III, da Constituição Federal. 3. Comunique-se ao CEDEP ao Instituto de Identificação para as devidas anotações. 4. Expeça-se a Guia de Execução Penal definitiva. 5. Intimem-se as vítimas do teor desta sentença (art. 201, §2º, do CPP). Por fim, EXPEÇA-SE de ofício à Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Estado da Bahia, com cópia integral desta sentença, da ação penal, do inquérito policial e das gravações da audiência de instrução e julgamento, para a apuração de eventuais irregularidades e adoção das providências que se entenderem cabíveis. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. ITACARÉ/BA, data da assinatura eletrônica. THATIANE SOARES Juíza de Direito
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear