Procuradoria Geral De Justica x Estado Do Ceara
ID: 277333708
Tribunal: TJCE
Órgão: 3º Gabinete da 1ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000183-15.2000.8.06.0038
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO PROCESSO: 0000183-15.2000.8.06.0038 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA APELA…
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO PROCESSO: 0000183-15.2000.8.06.0038 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA APELADO: ESTADO DO CEARA .. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EXTINÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA COM FUNDAMENTO EM TESE FIXADA POSTERIORMENTE PELO STF (TEMA 847). AFRONTA À COISA JULGADA. PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta pelo Ministério Público contra sentença que extinguiu o cumprimento definitivo de sentença proferida em ação civil pública movida para obrigar o Estado do Ceará a lotar defensor público na comarca de Araripe/CE. A decisão de primeiro grau entendeu pela inexequibilidade do título judicial com base na superveniência do Tema 847 do STF. 2. O cumprimento de sentença já tramitava regularmente desde 2016, com trânsito em julgado do título judicial em 12.08.2014. A decisão recorrida considerou que a obrigação imposta ao Estado contraria tese fixada posteriormente em repercussão geral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se é admissível extinguir o cumprimento definitivo de sentença judicial transitada em julgado com base em tese firmada posteriormente em repercussão geral, sem o ajuizamento de ação rescisória. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A superveniência de tese fixada pelo STF em repercussão geral não autoriza, por si só, a extinção de cumprimento de sentença fundada em título judicial transitado em julgado. 5. A tese firmada no Tema 847 não foi objeto de modulação de efeitos e não pode ser aplicada automaticamente a sentenças anteriores ao julgamento do RE 887.671. 6. Conforme entendimento firmado no Tema 733 do STF, a eficácia normativa de decisão do Supremo não alcança sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diverso, salvo mediante ação rescisória. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso conhecido e provido, para cassar a sentença e determinar o prosseguimento do cumprimento de sentença. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, XXXVI, e 93, IX; CPC, arts. 502, 535, §§ 5º e 6º, e 1.040. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 730.462, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, j. 28.05.2015; STF, RE 887.671 (Tema 847), Rel. p/ Acórdão Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, j. 08.03.2023. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em votação unânime, pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação, tudo em conformidade com os termos do voto do e. Desembargador Relator. Fortaleza/CE, data registrada no sistema DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO Relator RELATÓRIO Cuida-se de Recurso de Apelação manejado pelo Ministério Público, irresignado com a r. sentença de id. 18124589, proferida pelo d. juízo da Vara Única da Comarca de Araripe, que julgou extinto o cumprimento definitivo de sentença, por entender que o título judicial diverge do Tema 847 do Supremo Tribunal Federal. Em suas razões de id. 18124592, narra que ajuizou ação civil pública em desfavor do Estado do Ceará objetivando a lotação de um Defensor Público parar exercer suas funções na comarca de Araripe/CE, a qual foi julgada procedente, transitando em julgado no dia 12/08/2014. Afirma que iniciado o cumprimento definitivo da obrigação de fazer a que refere o título judicial, foi proferida a decisão que extinguiu o feito, por entender que a sentença executada diverge do Tema 847 do STF. Defende que a decisão transitada em julgado é anterior ao assunto tratado no Tema 847, sendo que a desconstituição da coisa julgada deve se dar através da medida judicial própria, sendo indevida a extinção do cumprimento de sentença sobre tal fundamento. Requer, ao final, o conhecimento e provimento do recurso, cassando a sentença e determinando o prosseguimento do cumprimento de sentença. Contrarrazões no id. 18124598, nas quais sustenta a inexequibilidade do título judicial, apontando que a decisão judicial transitou em julgado no ano de 2014, sob a égide do CPC/73, que previa a possibilidade da insurgência quanto a tema de tribunal superior ser feita tanto por rescisória, como por simples petição ou quando da impugnação ao cumprimento de sentença, rogando pelo desprovimento do recurso. Parecer ministerial de id. 19190404, ratificando as razões recursais, pelo provimento do recurso. É breve o relatório. VOTO De início, em análise dos pressupostos recursais, entendo que estão presentes os requisitos de admissibilidade, com ênfase à tempestividade do recurso e a inexigibilidade de recolhimento do preparo recursal, razão pela qual tomo conhecimento do apelo. A insurgência recursal cinge-se analisar a possibilidade de extinção do cumprimento de sentença, em razão do advento de jurisprudência que reconhece repercussão geral sobre o tema, fixando tese jurídica que contraria o título judicial executado. Para melhor entendimento da matéria, extraio dos autos que o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública em desfavor do Estado do Ceará objetivando a lotação de um Defensor Público parar exercer suas funções na comarca de Araripe/CE. A querela foi julgada da seguinte forma: "Posto isto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO nos termos em formulado pelo Ministério Público, condenando o ESTADO DO CEARÁ - pessoa jurídica de direito público interno - a promover no prazo de 30 (trinta) dias a designação de defensor público, dentre àqueles nomeados para atuar na Região do Cariri Cearense, para funcionar nesta Comarca de Araripe/CE, o que faço com apoio nos art. 134 e ss. da CF c/c o art. 97 da LC nº 80, de 12.01.1994 e art. 10, VI, §2º da Lei Complementar Estadual nº 06/97, sob pena de multa cominatória diária correspondente a R$ 1.000,00 (hum mil reais), a teor do que autoriza a regra do art. 461 e ss., do CPC a qual deverá ser utilizada para a obtenção do resultado prático objeto deste decisum." (fls. 159, do SAJ - Primeiro Grau). Sobre a referida decisão, o Estado do Ceará interpôs recurso de apelação, bem como os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça por força do reexame necessário. Aportando neste Sodalício, em decisão de fls. 249/263 do SAJ Primeiro Grau, foi decidido: "EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SENTENÇA PELA PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO AUTORAL. RECRSO VOLUNTÁRIO INTERPOSTO FORA DO PRAZO. INTEMPESTIVIDADE. ART. 508 DO CPC. INADMISSIBILIDADE. REMESSA OFICIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO A PROMOÇÃO DO CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO COM ATUAÇÃO NA COMARCA DE ARARIPE A FIM DE PRESTAR ATENDIMENTO JURÍDICO À POPULAÇÃO CARENTE DAQUELA EDILIDADE. LOTAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO EM COMARCA DO INTERIOR. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO PODER EXECUTIVO. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. In casu, percebe-se claramente a violação ao disposto no art. 508 do CPC por ter ultrapassado o interstício legal. 2. O controle dos atos do poder público pelo Judiciário deve cingir-se, tanto quanto possível, a assegurar o cumprimento da lei e dos princípios constitucionais, inclusive os da razoabilidade e da proporcionalidade. Demais disso, este controle deve respeitar o núcleo de atividades que são exclusivas dos outros Poderes, ou seja, não pode ser abrangente a ponto de substituir-se ao administrador ou ao legislador na prática de atos privativos. 3. O provimento em exame - ordem dirigida ao Estado do Ceará (promover no prazo de 30 (trinta) dias a designação de defensor público, dentre àqueles nomeados para autar na Região do Cariri Cearense, para funcionar na Comarca de Araripe/CE.) - constitui nítida e indevida interferência do Judiciário em atribuição típica do Executivo, notadamente porque embaraça o exercício próprio das funções da Administração, uma vez que o preenchimento de cargos de defensor exige desta a realização de concurso público e a progressiva criação e ocupação de vagas, de acordo com a verificação das zonas mais necessitadas. 4. A manutenção da decisão em foco tem potencial para causar sobressaltos na organização da Defensoria Pública do Ceará, já que impõe a transferência e remanejamento de um membro da carreira de uma comarca para outra, sem prévia observância dos critérios de promoção e remoção. 5. Reexame necessário conhecido e provido. Apelo não conhecido." O Ministério Público do Estado do Ceará interpôs Recurso Extraordinário, o qual foi julgado monocraticamente, pelo Ministro Celso de Mello, consoante se vê (fls. 345/377 do SAJ de primeiro grau): "Sendo assim, pelas razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário, em ordem a restabelecer a sentença proferida pelo magistrado de primeira instância." Finalmente, o Estado do Ceará agravou regimentalmente da decisão monocrática, tendo sido prolatada a seguinte decisão colegiada (fls. 399/433 do SAJ de primeiro grau): "EMENTA: DEFENSORIA PÚBLICA - DIREITO DAS PESSOAS NECESSITADAS AO ATENDIMENTO INTEGRAL, NA COMARCA EM QUE RESIDEM, PELA DEFENSORIA PÚBLICA - PRERROGATIVA FUNDAMENTAL COMPROMETIDA POR RAZÕES ADMINISTRATIVAS QUE IMPÕEM, ÀS PESSOAS CARENTES, NO CASO, A NECESSIDADE DE CUSTOSO DESLOCAMENTO PARA COMARCA PRÓXIMA ONDE A DEFENSORIA PÚBLICA SE ACHA MAIS BEM ESTRUTURADA - ÔNUS FINANCEIRO, RESULTANTE DESSE DESLOCAMENTO, QUE NÃO PODE, NEM DEVE, SER SUPORTADO PELA POPULAÇÃO DESASSISTIDA - IMPRESCINDIBILIDADE DE O ESTADO PROVER A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL COM MELHOR ESTRUTURA ADMINISTRATIVA - MEDIDA QUE SE IMPÕE PARA CONFERIR EFETIVIDADE À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INSCRITA NO ART. 5º, INCISO LXXIV, DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA - OMISSÃO ESTATAL QUE COMPROMETE E FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS NECESSITADAS - SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL - O RECONHECIMENTO, EM FAVOR DE POPULAÇÕES CARENTES E DESASSISTIDAS, POSTAS À MARGEM DO SISTEMA JURÍDICO, DO 'DIREITO A TER DIREITOS' COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS DEMAIS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS - INTERVENÇÃO JURISDICIONAL CONCRETIZADORA DE PROGRAMA CONSTITUCIONAL DESTINADO A VIABILIZAR O ACESSO DOS NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART. 5º, INCISO LXXIV, E ART. 134) - LEGITIMIDADE DESSA ATUAÇÃO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS - O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO - A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO - A TEORIA DA 'RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES' (OU DA 'LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES') - CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE SOBRE A OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) - DOUTRINA - PRECEDENTES - A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA E A ESSENCIALIDADE DESSA INSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO." Houve o trânsito em julgado em 12/08/2014. Pois bem. Por meio do despacho datado de 24/08/2015, o Estado do Ceará foi intimado para promover o cumprimento definitivo da sentença (vide fls. 449 do SAJ Primeiro Grau). O Ministério Público ajuizou o pedido de cumprimento de sentença, em 16/02/2016 (fls. 483/490 do SAJ Primeiro Grau), o qual vinha tramitando regularmente, sobrevindo o despacho de id. 18124583 para as partes se manifestarem sobre a superveniência do Tema 847 da sistemática da Repercussão Geral e, após o atendimento do chamado processual, foi prolatada a sentença recorrida, que transcrevo em sua integralidade: "SENTENÇA Vistos. Trata-se de cumprimento de sentença na qual houve a determinação de lotação de defensor público em localidade desamparada. Partes intimadas para manifestarem-se, em conformidade com o artigo 10 do CPC. É o breve relato. Decido. Sobre a temática, verifica-se o Tema 847 da sistemática da Repercussão Geral, o qual trata sobre a atuação do Poder Judiciário quanto ao preenchimento de cargo de Defensor Público em localidades desamparadas. Segue: RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 847 DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA ÀS PESSOAS NECESSITADAS. LIMITES À ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO QUANTO AO PREENCHIMENTO DE CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO EM LOCALIDADES DESAMPARADAS. AUTONOMIA DA DEFENSORIA PÚBLICA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I - O perfil constitucional da Defensoria Pública, conferido pelas Emendas Constitucionais 45/2004, 73/2013 e 80/2014, buscou incrementar sua capacidade de autogoverno, assegurando-lhe autonomia funcional e administrativa com o objetivo de concretizar o acesso à justiça. II - Em razão da autonomia da Defensoria Pública, a decisão sobre a lotação dos defensores públicos na prestação de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas deve ser tomada pelos órgãos de direção da entidade, a qual, necessariamente, observará critérios previamente definidos pela própria instituição, em atenção à efetiva demanda, cobertura populacional e hipossuficiência dos assistidos. III - Medidas normativas ou judiciais que suprimam a autonomia da Defensoria Pública implicarão ofensa constitucional (art. 134, § 2º). IV - Recurso a que se nega provimento. V - Fixação de tese: "Ofende a autonomia administrativa das Defensorias Públicas decisão judicial que determine a lotação de defensor público em localidade desamparada, em desacordo com os critérios previamente definidos pela própria instituição, desde que observados os critérios do art. 98, caput, e § 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT". (RE 887671, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 08-03-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 04-05-2023 PUBLIC 05-05-2023). Com o julgamento da questão constitucional objeto da repercussão geral, a tese proferida no recurso paradigma pode ser replicada pelas instâncias de origem. Assim, tendo a sentença proferida nestes autos conteúdo divergente daquele que foi decido em julgamento de mérito em repercussão geral, a extinção do feito é medida que se impõe. Desta forma, determino a EXTINÇÃO do feito, com o seu consequente arquivamento. Sem custas e nem honorários." (id. 18124589) Eis a síntese do andamento processual até o momento. Pois. A questão, como já mencionado acima, é definir se o Tema 847 do Supremo Tribunal Federal pode incidir para o caso em comento, que se trata de cumprimento definitivo de sentença. Nessa esteia, o Tema 847 foi firmado a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 887.671, julgado em 08/03/2023, com publicação do acórdão em 05/05/2023, fixando a tese de que "ofende a autonomia administrativa das Defensorias Públicas decisão judicial que determine a lotação de defensor público em localidade desamparada, em desacordo com os critérios previamente definidos pela própria instituição, desde que observados os critérios do art. 98, caput e § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT." Vê-se, com clareza solar, que a decisão judicial executada transitou em julgado nos idos de 12/08/2014, sendo que o reconhecimento de repercussão geral com fixação de tese jurídica pelo Supremo Tribunal Federal se deu já no ano de 2023, portanto quando há muito já se instrumentalizava o pedido de cumprimento definitivo de sentença. Por dicção do art. 502 do Código de Processo Civil "denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso." Entendeu o n. magistrado de primeiro grau que, inobstante a existência da coisa julgada para o tema em apreço, a superveniência de tema repetitivo fixado pelo Supremo Tribunal Federal é suficiente para a extinção do cumprimento definitivo de sentença. Nesse espeque, acerca do processamento de recursos de tema repetitivo, estabelece o Código de Processo Civil: Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma: I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. Há, ainda, a previsão de que as decisões firmadas em tema repetitivo pelo Supremo Tribunal Federal poderá sofrer modulação de efeitos. Confira-se: "Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; § 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. § 6º No caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica." Nesse sentido, a Corte Suprema ao firmar um tema em sede de recurso repetitivo acabará por ensejar a revisitação do decidido nos Tribunais de Justiça, em ações ainda em curso, inclusive autorizando a lei de ritos, o juízo de retratação, todavia sem indicação da desconstituição da coisa julgada material, salvo nos casos em que o próprio STF modular os efeitos daquela decisão. Dito isto, passo a analisar o Tema 847, cuja ementa transcrevo: Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 847 DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA ÀS PESSOAS NECESSITADAS. LIMITES À ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO QUANTO AO PREENCHIMENTO DE CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO EM LOCALIDADES DESAMPARADAS. AUTONOMIA DA DEFENSORIA PÚBLICA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I - O perfil constitucional da Defensoria Pública, conferido pelas Emendas Constitucionais 45/2004, 73/2013 e 80/2014, buscou incrementar sua capacidade de autogoverno, assegurando-lhe autonomia funcional e administrativa com o objetivo de concretizar o acesso à justiça. II - Em razão da autonomia da Defensoria Pública, a decisão sobre a lotação dos defensores públicos na prestação de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas deve ser tomada pelos órgãos de direção da entidade, a qual, necessariamente, observará critérios previamente definidos pela própria instituição, em atenção à efetiva demanda, cobertura populacional e hipossuficiência dos assistidos. III - Medidas normativas ou judiciais que suprimam a autonomia da Defensoria Pública implicarão ofensa constitucional (art. 134, § 2º). IV - Recurso a que se nega provimento. V - Fixação de tese: "Ofende a autonomia administrativa das Defensorias Públicas decisão judicial que determine a lotação de defensor público em localidade desamparada, em desacordo com os critérios previamente definidos pela própria instituição, desde que observados os critérios do art. 98, caput, e § 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT". (RE 887671, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 08-03-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 04-05-2023 PUBLIC 05-05-2023) A discussão no processo paradigma (RE 887671) se deu em virtude de recurso do Ministério Público em face de acórdão prolatado no Tribunal de Justiça do Ceará que reformou a sentença que determinava a nomeação de Defensor Público para a Comarca de Jati, por entender que o Poder Judiciário não poderia intervir no âmbito da execução de políticas públicas. O relator, Ministro Marco Aurélio votou no sentido de dar provimento àquele Recurso Extraordinário e fixar tese quanto a possibilidade do Poder Judiciário garantir a satisfação de direito fundamental que é a assistência judicial gratuita. Todavia, o Ministro Marco Aurélio foi voto vencido, tendo o Tribunal Excelso abraçado a tese do Ministro Ricardo Lewandowiski, com intensa discussão sobre a fixação da tese, para ao final pontuar que "a atuação do Poder Judiciário é subsidiária e somente se justifica a partir da provocação de qualquer interessado, para o cumprimento do art. 98 do ADCT, desde que ocorra descumprimento do planejamento elaborado pela própria Defensoria, sem qualquer garantia de definitividade." (voto proposta do Ministro Gilmar Mendes). Noutras palavras: a tese fixada no Supremo Tribunal Federal, apesar de reconhecer a autonomia das Defensorias Públicas, ressalta devem ser observados os critérios do art. 98, caput, e § 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT. Não houve menção acerca da modulação de efeitos, tendo o acórdão transitado em julgado, sem modificação, no dia 30/05/2023, conforme consulta no endereço eletrônico do STF. Nesse tocante, tenho que não há a falar em aplicação de tema repetitivo em face de decisão judicial revestida do manto da coisa julgada, sob pena de ofensa à segurança jurídica. Alinho-me, pois, a aplicação do Tema 733 do STF, ainda que por analogia ao presente caso, no sentido de que a superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, não conduz a ineficácia executiva do título judicial transitado em julgado. Colho: Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO. 1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito. 2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, "l", da Carta Constitucional. 3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional. 4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado. 5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.(RE 730462, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28-05-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-177 DIVULG 08-09-2015 PUBLIC 09-09-2015) Reforço, por fim, que a obrigação de fazer determinada na sentença é de designação de defensor público, dentre àqueles nomeados para atuar na Região do Cariri Cearense, para funcionar nesta Comarca de Araripe/CE, por tanto ato único a ser realizado pelo ente executado, aplicável portanto o que está decidido na decisão irrecorrida, salvo posterior modificação através dos instrumentos jurídicos próprios. ISSO POSTO, voto pelo CONHECIMENTO e PROVIMENTO do recurso, reformando a r. sentença de primeiro grau, para determinar o prosseguimento do feito. É como voto. DESEMBARGADOR DURVAL AIRES FILHO Relator
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