Processo nº 0000589-62.2017.8.06.0160
ID: 312937260
Tribunal: TJCE
Órgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Quitéria
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0000589-62.2017.8.06.0160
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Quitéria Processo N. 0000589-62.2017.8.06.0160 Promovente: PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA Promovido: Anton…
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Quitéria Processo N. 0000589-62.2017.8.06.0160 Promovente: PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA Promovido: Antonio Rafael Avelino de Lima Novaes e outros (3) SENTENÇA Vistos etc. Relatório Trata-se de embargos de declaração opostos por Artur dos Santos Rodrigues e Maria Esmeraldina Magalhães Rodrigues (id 139593227), em face da sentença (id 135028219) proferida nos autos da Ação Civil Pública Ambiental ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Ceará, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados para impor medidas restritivas aos imóveis dos embargantes e condená-los solidariamente ao pagamento de indenização compensatória por dano ambiental. Os embargantes sustentam, em síntese: i) Omissão quanto ao pedido de concessão da gratuidade de justiça aos embargantes, bem como obscuridade na condenação genérica ao pagamento das custas processuais, sem esclarecer se tal condenação alcança os assistentes ou apenas os requeridos principais; ii) Omissão quanto ao pedido de anulação dos autos de infração da SEMACE, formulado expressamente pelos embargantes e citado no relatório da sentença, mas não enfrentado na fundamentação ou no dispositivo; iii) Contradição entre a negativa de demolição dos imóveis dos embargantes (com base na proporcionalidade) e a imposição de medidas restritivas não requeridas pelo Ministério Público, especialmente a averbação na matrícula do imóvel e fixação de multa, configurando possível julgamento extra petita; iv) Contradição na condenação solidária dos assistentes ao pagamento de indenização por danos ambientais, mesmo não sendo parte originalmente demandada pelo Ministério Público, e atuando apenas na qualidade de assistentes simples do requerido principal, devendo-lhes ser aplicados apenas os efeitos do art. 123 do CPC; v) Obscuridade quanto à extensão da condenação indenizatória, ao utilizar como critério o custo total do PRAD (Plano de Recuperação de Áreas Degradadas), sem considerar a limitação do nexo causal à área efetivamente ocupada pelos embargantes, que não possuem vínculo com as demais 16 construções irregulares na área da APP; vi) Contradição entre a afirmação de que o imóvel dos embargantes está integralmente situado em APP e o laudo pericial, que indica estar apenas parcialmente dentro da área protegida - o que impacta na fixação da responsabilidade e dos parâmetros indenizatórios; e vii) Pedido de pré-questionamento de diversos dispositivos legais e fundamentos jurídicos para fins de interposição de recursos excepcionais, com base nos arts. 489, §1º, e 1.025 do CPC. Vieram os autos conclusos. É o necessário relato. Fundamento e decido. 2. Fundamentação Os Embargos são tempestivos. Nos expressos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os Embargos de Declaração são cabíveis única e exclusivamente para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; e corrigir erro material porventura existentes nas decisões judiciais. Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º. Bem por isso, a doutrina processualista classifica os aclaratórios como recurso de fundamentação vinculada, não podendo o embargante alegar toda e qualquer matéria. Nesse sentido, explica Daniel Amorim Assumpção Neves[1]: "Nos recursos de fundamentação vinculada o recorrente não poderá alegar qualquer matéria que desejar, estando sua fundamentação vinculada às matérias expressamente previstas em lei. O rol de matérias alegáveis em tais recursos é exaustivo, e o desrespeito a essa exigência legal acarretará a inadmissibilidade do recurso por irregularidade formal." (grifei). O recorrente fundamenta a existência de omissão da decisão impugnada, de maneira que CONHEÇO dos embargos. Na espécie, não assiste parcial razão aos embargantes. i) Da gratuidade de justiça Assiste razão, em parte, aos embargantes. De fato, verifica-se que foi formulado, na petição de ingresso como terceiros interessados (id 63782188), pedido expresso de concessão da gratuidade de justiça, o qual não foi enfrentado na sentença proferida. A referida omissão deve ser suprida, especialmente diante do disposto no art. 99, §3º, do Código de Processo Civil, segundo o qual a simples declaração de hipossuficiência goza de presunção relativa de veracidade, incumbindo à parte contrária o ônus de demonstrar a existência de elementos que infirmem tal presunção - o que não ocorreu nos autos. Nessa linha de intelecção, defiro o pedido da gratuidade de justiça em favor dos embargantes, integrando a sentença embargada, configurando verdadeira condição suspensiva de exigibilidade das despesas processuais e eventuais honorários sucumbenciais, na forma da lei. ii) Da omissão quanto ao pedido de anulação dos autos de infração da SEMACE Verifica-se, ainda, omissão na sentença no tocante ao pedido formulado pelos embargantes quanto à anulação dos Autos de Infração lavrados pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente - SEMACE. O pedido foi expressamente formulado na petição inicial de intervenção dos terceiros interessados (id 63782188) que, no entanto, não foi enfrentado na fundamentação do decisum embargado. Tal omissão impõe sua correção, o que passo a fazer. Quanto ao mérito da pretensão anulatória, observa-se que os embargantes alegam que os autos de infração seriam nulos porque: a) a competência para o licenciamento e fiscalização da obra seria municipal, nos termos da Resolução CONAMA nº 237/1997; e b) existiria anuência da Prefeitura quanto à regularidade do empreendimento com a legislação local de uso e ocupação do solo. Tais alegações, contudo, não prosperam. A jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que a atuação fiscalizatória dos órgãos ambientais estaduais, no caso, da SEMACE, é legítima, inclusive quando houver convênios de cooperação com entes municipais (destaco que não se ventilou nos autos qualquer convênio entre a SEMACE e o município de Santa Quitéria, o que reforça, ainda mais, a competência da SEMACE). Em matéria ambiental, a competência é comum e concorrente, nos termos do art. 23, VI e VII, da Constituição Federal, não havendo exclusividade municipal para exercer o poder de polícia ambiental. A propósito, colaciona-se o seguinte precedente do TJCE, cuja ementa transcreve-se na íntegra: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA VISANDO À DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO Nº 046/06 GS/PJ E AUTO DE CONSTATAÇÃO DE Nº 799/05, LAVRADOS PELA SEMACE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA . COMPETÊNCIA DA SEMACE PARA OS ATOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE A JUSTIFICAR A EXCEPCIONAL INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. DESPROVIMENTO RECURSAL. 1 . A existência de convênio firmado entre o Estado e o Município acerca da responsabilidade da SEMAN (âmbito municipal) pelo licenciamento, fiscalização e o monitoramento das empresas não implica que esta seja atribuição exclusiva municipal, não impedindo a atuação da SEMACE (âmbito estadual), por se tratar de matéria de relevante interesse público, relativa à proteção do meio ambiente. 2. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em reforço ao disposto no art. 23, VI, da CF/88, inexiste competência exclusiva de um Ente Federado para promover medidas protetivas ao meio ambiente, independente do local onde esteja ocorrendo o dano, cabendo a todos exercer o Poder de Polícia Ambiental. 3. A unidade hospitalar apelante se localiza a bem menos de 10 km do Parque Estadual do Cocó, reconhecida unidade de conservação estadual, abrangendo, pois, área de competência da SEMACE, nos termos do art. 5º da Resolução nº 20, de 19 de novembro de 1998, do Conselho Estadual do Meio Ambiente 4. Restou configurada nos autos a omissão da SEMAN na fiscalização do hospital recorrente, autorizando-se que a fiscalização seja assumida pela SEMACE, consoante autoriza o parágrafo segundo da cláusula segunda do Convênio nº 008/2003, firmado entre o Estado do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza. 5. Inexistindo indicação de ilegalidade com relação às autuações questionadas, não há que se falar na pretendida anulação por falta de competência da SEMACE, sendo indevida a intromissão do Judiciário. 6. Apelação conhecida e desprovida. ACÓRDÃO ACORDA a Turma Julgadora da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do Recurso Apelação, para desprovê-lo, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Fortaleza, 12 de dezembro de 2018. MARIA IRANEIDE MOURA SILVA Presidente do Órgão Julgador, em exercício TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES Relatora (TJ-CE - Apelação Cível: 0049973-69.2006 .8.06.0001 Fortaleza, Relator.: TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES, Data de Julgamento: 12/12/2018, 2ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 12/12/2018) (grifei) Acrescento, ainda, o documento de Anuência n° 002/2016 (id 63782038), mencionado na sentença embargada, onde o Secretário Municipal do Meio Ambiente à época afirma que a construção do imóvel de propriedade dos embargantes se deu em Área de Proteção Ambiental, sendo o empreendimento de responsabilidade exclusiva dos envolvidos. iii) Da alegada contradição entre a negativa de demolição e a imposição de medidas restritivas não requeridas pelo Ministério Público Os embargantes apontam suposta contradição na sentença ao fundamento de que, embora tenha sido afastada a demolição dos imóveis por razões de proporcionalidade, foram impostas, em seu lugar, medidas restritivas ao imóvel que não teriam sido requeridas expressamente pelo Ministério Público. A alegação, contudo, não merece prosperar. Inicialmente, cumpre destacar que as medidas inibitórias impostas pelo Juízo se inserem no âmbito dos poderes gerais de tutela preventiva e inibitória, expressamente autorizadas pelos artigos 497 e 298 do Código de Processo Civil. Essas disposições permitem ao magistrado, ao reconhecer a ocorrência de violação a direito indisponível (como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - art. 225 da Constituição Federal), determinar providências adequadas à prevenção, cessação e não repetição do ilícito, independentemente de requerimento específico da parte autora. A jurisprudência é tranquila no sentido de que, em ações ambientais, a atuação judicial não está adstrita aos exatos limites da petição inicial, podendo o juiz, determinar medidas eficazes à proteção do bem jurídico tutelado, bem como à preservação de dano irreparável ao próprio poluidor, com fundamento da razoabilidade e proporcionalidade. Nesse sentido, cito trecho da decisão do Ministro Marco Buzzi, segundo o qual: "é admissível, com base no poder geral de cautela do Juiz, que este adote medidas caso entenda que o prosseguimento da execução possa trazer risco de dano irreparável à parte executada, tendo sempre como parâmetro o juízo de proporcionalidade de acordo com o caso apreciado" (STJ - AREsp: 2439945, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 01/12/2023). No caso dos autos, a imposição de medidas alternativas à demolição restou assim fundamentada: O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento de que a manutenção de construções irregulares em APP viola o princípio da função ecológica do imóvel e configura afronta ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição Federal. Ademais, a obrigação de demolir é consequência da necessidade de restituição da área à sua condição original, sendo irrelevante o argumento de consolidação da ocupação, especialmente em se tratando de imóveis construídos em local indevido. Não obstante, à luz do caso concreto, tenho que a demolição imediata das edificações não seja a medida mais justa, apropriada e eficaz para a reversão da degradação ambiental comprovada nos autos, sob diversos aspectos, segundo os quais passo a fundamentar. (...) No caso dos autos, exige-se a aplicação do princípio da proporcionalidade, a fim de verificar se a demolição imediata e isolada do imóvel atenderia à necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. A degradação ambiental restou devidamente comprovada nos autos, notadamente pelo laudo pericial (id 63781443), que identificou a existência de dezesseis imóveis dentro da delimitação da Área de Preservação Permanente, conforme demonstrado na Planta Georreferenciada (id 63781453, p.1). O mencionado laudo apontou que, para a mitigação dos impactos ambientais na área, são necessárias diversas medidas, dentre as quais a realocação dos moradores e a consequente retirada dos imóveis, a implantação de barreiras físicas para proteção da mata ciliar e do açude, a elaboração e execução de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), o reflorestamento com espécies nativas e a realização de práticas educativas ambientais voltadas à mobilização da comunidade para a preservação do meio ambiente. Por outro lado, restou também demonstrado nos autos que o próprio Poder Público municipal não apenas incentiva a ocupação urbana no entorno do Açude do 15, como vem deliberadamente aterrando a área, promovendo sua urbanização e consolidando a ocupação irregular. Isso se verifica, entre outros elementos, pelas fotografias que mostram caminhões da Prefeitura despejando entulho às margens do açude (id 63782950/63782952), pelos contratos de pavimentação das ruas no entorno (id 63782586/63782619) e pela edição de leis municipais que conferem nomeação a vias situadas na área degradada (id 63782960). Dessa forma, constata-se, sendo o laudo pericial, que existem dezesseis imóveis construídos na APP, ao passo que a presente ação judicial versa exclusivamente sobre dois imóveis. Assim, a eventual demolição imediata destes dois imóveis, isoladamente, não contribuiria de forma significativa para a recomposição do meio ambiente, sobretudo diante das conclusões periciais que indicam a necessidade de remoção de todos os dezesseis imóveis para a recuperação da área." Outrossim, a alegação dos embargantes de impossibilidade de imposição de medidas alternativas causa espécie a este magistrado, mormente pelo fato de que tais medidas alternativas, fundamentadas na razoabilidade e proporcionalidade foram fundamentos amplamente adotados pelos próprios embargantes em sua petição de fls. 287-288, cujo preciso ponto merece destaque: "Logo, levando em consideração os aspectos do caso concreto, e tudo que já foi exposto, resta evidente que a demolição apenas da casa dos Assistentes não se mostra medida útil, sendo, portanto, desproporcional. (...) Há outros direitos em risco que devem ser considerados, e que tornam a manutenção da residência a atitude mais próxima da razoabilidade, o que não impede a condenação dos verdadeiros responsáveis pelo dano ambiental com outras penalidades. (grifei) Assim, tenho que a alegação dos embargantes denota comportamento processual contraditório e, portanto, abusivo, ferindo a exigida boa-fé processual, conforme dispõe o art. 5º do CPC. iv) Da suposta contradição na condenação solidária dos assistentes ao pagamento de indenização por danos ambientais Alegam os embargantes a existência de contradição na sentença, ao fundamento de que teriam sido condenados solidariamente ao pagamento de indenização por danos ambientais mesmo sem figurarem originalmente no polo passivo da demanda e atuando apenas na qualidade de assistentes simples, razão pela qual entendem que deveriam se submeter apenas aos efeitos do art. 123 do Código de Processo Civil. Não assiste razão aos embargantes. Inicialmente, cumpre destacar que a responsabilidade civil ambiental, por força do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, é de natureza objetiva e solidária, sendo propter rem, ou seja, recai sobre o proprietário ou possuidor do bem onde se verifica o dano, independentemente de culpa ou dolo. Tal regime está expressamente consagrado também na Súmula 623 do Superior Tribunal de Justiça: "As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor". (SÚMULA 623, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018). No caso concreto, os embargantes passaram a compor o polo passivo da demanda, na condição de assistentes litisconsorciais, não como assistentes simples. A sentença foi expressa ao reconhecer esse enquadramento, assentando que, diante da posse e alegada propriedade do imóvel inserido em Área de Preservação Permanente (APP), os embargantes deixaram de ter mero interesse jurídico secundário e passaram a ocupar posição de legitimados passivos diretos na lide ambiental. Vejam-se trechos pertinentes da sentença: "No curso da presente demanda, os adquirentes do imóvel edificado em Área de Preservação Permanente (APP), Artur dos Santos Rodrigues e Marta Esmeraldina Magalhães Rodrigues, ingressaram nos autos na condição de terceiros interessados, sustentando sua boa-fé na aquisição do lote e pleiteando, em síntese, a impossibilidade de demolição do imóvel. Contudo, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece que, nas ações ambientais, os adquirentes do imóvel ocupado irregularmente são litisconsortes facultativos, uma vez que a responsabilidade pelo dano ambiental é solidária, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/1981 e da Súmula 623 do STJ, que dispõe: "A obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem, transmitindo-se ao adquirente do imóvel ou bem." Nesse sentido, vejam-se precedentes ilustrativos do STJ: (...)" A condenação solidária, portanto, encontra-se lastreada em dois fundamentos jurídicos distintos e convergentes: (i) a responsabilidade civil ambiental objetiva, solidária e propter rem; e (ii) a natureza litisconsorcial da intervenção dos embargantes, conforme expressamente consignado na sentença. Não há, pois, qualquer contradição ou obscuridade a ser suprida nos termos do art. 1.022 do CPC. O que se verifica, na verdade, é a tentativa dos embargantes de rediscutir o mérito da sentença, por meio de embargos de declaração, o que não se coaduna com a finalidade estrita desse recurso. v) Da alegada obscuridade quanto à extensão da condenação indenizatória Alegam os embargantes que a sentença teria incorrido em obscuridade ao estabelecer como critério para apuração da indenização compensatória ambiental o custo do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas - PRAD, sem delimitar expressamente a responsabilidade dos embargantes apenas à área por eles ocupada, nem considerar que não possuem vínculo direto com os demais imóveis irregulares existentes na APP. A irresignação, contudo, não merece prosperar. No Direito brasileiro, a responsabilidade civil por dano ambiental possui natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação integral (in integrum), da prioridade da reparação in natura e da proteção do mais fraco (favor debilis). É o que estabelece, expressamente, o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, bem como consagra a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedente abaixo: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA NON AEDIFICANDI . ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP. RESERVA LEGAL. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO DANO AMBIENTAL. ART . 942, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. ART. 3º, IV, DA LEI 6.938/1981 . OBRIGAÇÃO PROPTER REM E SOLIDÁRIA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual contra os recorridos. Segundo se dessume da petição inicial, o réu Marcos Daniel Peres foi autuado em flagrante por efetuar corte de vegetação em Reserva Legal e Área de Preservação Permanente em imóvel de sua propriedade . Ademais, Parecer Técnico do Instituto Ambiental do Paraná aponta que o recorrido realizava queimadas em sua propriedade, impedindo dessa forma a regeneração da vegetação natural da área. 2. O TRF julgou procedente o recurso de Apelação interposto pelos recorridos, para declarar que eles não têm legitimidade passiva, porquanto "as obrigações de recomposição de reserva legal e área de preservação permanente, também no que se refere à averbação de tais áreas, possuem natureza 'propter rem', isto é, ficam ligadas à propriedade, sendo despiciendo aferir sobre o efetivo causador do dano ambiental, até porque o pai Marcos Daniel Peres agia em nome dos filhos proprietários, como mero administrador das propriedades rurais". RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL - NATUREZA OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA 3 . No Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador - público ou privado -, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação "in integrum", da prioridade da reparação "in natura" e do "favor debilis". Precedentes: REsp 1.307.938/GO, Rel . Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16/9/2014; REsp 1.247.140/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 22/11/2011 (grifei); AgRg no REsp 1 .367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12/3/2014, e EDcl no Ag 1.224 .056/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 6.8.2010 . 4. Na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente, a natureza jurídica propter rem das obrigações ambientais não exclui a solidariedade entre os vários sujeitos implicados - proprietário, possuidor, administrador, contratados, terceiros envolvidos, etc. -, nos termos do art. 942, caput, do Código Civil e do art . 3º, IV, da Lei 6.938/81. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO 5. A supressão de vegetação em APP é medida de rigorosa exceção, justificável só em casos expressamente previstos em lei, repita-se, listados em numerus clausus, isto é, hipóteses legais incompatíveis com ampliação administrativa ou judicial. Sabe-se que uma das regras de ouro da hermenêutica do Estado Social de Direito traduz-se no axioma de que as exceções aos regimes jurídicos de proteção dos sujeitos e bens vulneráveis devem ser interpretadas restritivamente. É o caso, p. ex., dos conceitos de utilidade pública, do interesse social e do baixo impacto . Precedentes: REsp 1394025/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 18/10/2013, e REsp 1.362.456/MS, Rel . Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 28/6/2013. 6. Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1400243 PR 2013/0283958-2, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 08/11/2016, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2020) (grifei) Ou seja, todos os poluidores têm a responsabilidade solidária de reparar integralmente o dano, de forma ilimitada, independentemente da comprovação de liame subjetivo entre os degradadores. Nesse sentido restou devidamente consignado da sentença embargada, veja-se o trecho pertinente: "Quanto ao sujeito responsável, a legislação brasileira adota um conceito amplo de poluidor. O art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981 estabelece que é considerado poluidor qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade que cause degradação ambiental. Isso significa que todos aqueles que, de alguma forma, concorreram para o dano podem ser responsabilizados solidariamente, o que reforça os termos da Súmula 623 do STJ, que prevê que "a obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem, transmitindo-se ao adquirente do imóvel ou bem". A reparação do dano ambiental deve seguir o princípio da reparação integral, priorizando-se a reparação in natura sempre que possível, ou, quando inviável, a aplicação de medidas compensatórias e indenizatórias. (...) Dessa forma, as provas técnicas produzidas nos autos confirmam que a degradação ambiental é real, atual e diretamente vinculada à construção dos imóveis na APP (incluindo os dois imóveis objeto dos autos), tornando necessária a adoção de medidas corretivas e de recuperação da área, nos termos da legislação ambiental vigente. (...) Dessa forma, afasto o pedido do Ministério Público para impor aos requeridos a obrigação de promover a reparação in natura da área degradada mediante a elaboração e execução de um PRAD, por se tratar de medida inviável sem a atuação coordenada do Poder Público, que não integra a presente lide. Todavia, a responsabilidade objetiva dos requeridos pelo dano ambiental não se extingue. Considerando a impossibilidade de reparação in natura sem a participação da Administração Pública, condeno os réus ao pagamento de indenização compensatória pelos danos ambientais materiais difusos, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença. Para a quantificação desse montante, deverão ser considerados os seguintes critérios: (i) o custo estimado para a recuperação ambiental da APP, conforme diretrizes do PRAD e do laudo técnico, que vierem a ser elaborados; (ii) a valoração econômica do dano ambiental, levando em conta o prejuízo causado à coletividade e à função ecológica da área; e (iii) os lucros obtidos ilicitamente com a ocupação irregular da APP, com base nos rendimentos diretos e indiretos gerados pela atividade ilícita, como por exemplo, o valor do aluguel de imóvel compatível com os dos autos e o tempo de ocupação. O montante deverá ser revertido ao Fundo Estadual do Meio Ambiente ou similar, a pedido do Ministério Público, nos termos do artigo 13 da Lei nº 7.347/1985, garantindo que os recursos sejam utilizados para a reparação do dano ambiental e para a implementação de políticas públicas voltadas à preservação ecológica. Com essa condenação, busca-se assegurar a efetividade da reparação ambiental e evitar que a ocupação irregular de áreas protegidas seja economicamente vantajosa ao infrator, desestimulando novas práticas de degradação ambiental e garantindo a prevalência do interesse coletivo sobre benefícios individuais obtidos à margem da legalidade." Ademais, eventual delimitação da responsabilidade em sede de liquidação de sentença poderá ser objeto de debate técnico específico, caso reste comprovada a possibilidade de segregação técnica do dano causado individualmente pelos embargantes - o que não compete à presente fase de embargos, sob pena de supressão de instância e indevida rediscussão do mérito. Assim, não há obscuridade a ser sanada, tampouco qualquer necessidade de esclarecimento adicional na sentença, razão pela qual se rejeita o ponto em exame, por se tratar de tentativa de revisão do conteúdo decisório, incompatível com a via estreita dos embargos de declaração. vi) Da suposta contradição quanto à localização do imóvel em Área de Preservação Permanente (APP) Alegam os embargantes que haveria contradição na sentença ao afirmar que o imóvel por eles ocupado está integralmente situado em APP, quando, na verdade, o laudo pericial teria indicado que apenas parte da edificação se encontra em área protegida, o que impactaria na fixação da responsabilidade e nos parâmetros indenizatórios. O argumento, contudo, não se sustenta. Trata-se de mera tentativa de criar uma controvérsia inexistente por meio de um jogo semântico. A sentença reconheceu, com base no laudo técnico e na prova dos autos, que o imóvel dos embargantes está localizado em APP, o que se confirmou a partir da constatação de que parte da construção avança sobre a faixa legalmente protegida, conforme delimitação constante do Código Florestal. Ora, tratando-se de um único imóvel indivisível, a constatação de que qualquer porção dele ocupa área de preservação permanente é suficiente para caracterizar sua inserção em APP, com todos os efeitos jurídicos e ambientais que isso acarreta. A afirmação contida na sentença - no sentido de que o "imóvel se encontra em APP" - é, portanto, tecnicamente correta e juridicamente adequada, não havendo qualquer contradição a ser sanada. Importante destacar, ainda, que os embargantes já tiveram ampla oportunidade de impugnar tecnicamente a conclusão pericial nos autos, e o juízo, ao proferir sentença, apreciou o conjunto probatório de forma exauriente, justificando a responsabilização dos embargantes dentro dos parâmetros legais e jurisprudenciais aplicáveis à espécie. A presente alegação, portanto, nada mais representa do que nova tentativa de rediscussão do mérito da demanda, o que se mostra incompatível com a via dos embargos de declaração, cujas hipóteses de cabimento estão taxativamente previstas no art. 1.022 do Código de Processo Civil. Dessa forma, rejeita-se o ponto em análise. vii) Do pedido de pré-questionamento para fins de interposição de recursos excepcionais Os embargantes requerem o pré-questionamento expresso de dispositivos legais e fundamentos jurídicos, com base nos arts. 489, §1º, e 1.025 do Código de Processo Civil, com o objetivo de viabilizar eventual interposição de recursos excepcionais às instâncias superiores. O pedido, contudo, não merece acolhida. É pacífico o entendimento nos tribunais superiores - inclusive consolidado em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - de que a mera interposição de embargos de declaração é suficiente para fins de pré-questionamento, ainda que estes sejam rejeitados, desde que a matéria tenha sido debatida no acórdão embargado. O próprio artigo 1.025 do CPC dispõe de maneira clara: Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. Dessa forma, não há necessidade de pronunciamento expresso sobre cada um dos dispositivos legais indicados, bastando que o conteúdo decisório tenha abordado os fundamentos jurídicos essenciais à solução da controvérsia, o que foi plenamente observado na sentença embargada. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO EMBARGADO . TENTATIVA DE REDISCUSSÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 18 DO TJCE. PARA FINS DE PRÉ-QUESTIONAMENTO, PRESCINDÍVEL A ANÁLISE DOS PONTOS RECURSAIS QUE ENSEJAM A REDISCUSSÃO DO MÉRITO . INTELIGÊNCIA DO ART. 1.025 DO CPC. EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS . I. CASO EM EXAME: 1. Trata-se de embargos de declaração opostos pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A . contra acórdão da 4ª Câmara de Direito Privado que desproveu apelação interposta pela embargante nos autos de ação monitória ajuizada em face de Antônia Camila Rodrigues Rocha e Francisco Rildson Rodrigues Rocha. O acórdão impugnado fixou que os encargos contratuais incidem apenas até o ajuizamento da ação, aplicando-se, a partir de então, correção monetária pelos índices oficiais e juros de mora legais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: (...). Os embargos de declaração possuem fundamentação vinculada e se destinam exclusivamente a suprir omissão, esclarecer obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material, nos termos do art . 1.022 do CPC. 4. A mera insatisfação da parte embargante com o resultado do julgamento não configura contradição, omissão ou obscuridade, sendo inviável o uso dos embargos para rediscutir o mérito da decisão . O acórdão embargado analisou de forma detalhada as questões levantadas na apelação e fundamentou adequadamente a aplicação dos encargos legais à dívida após o ajuizamento da ação monitória. 5. Nos termos do art. 1 .025 do CPC, considera-se incluída no acórdão a matéria suscitada em embargos de declaração para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos sejam rejeitados. (...) (TJ-CE - Embargos de Declaração Cível: 01168096720198060001 Fortaleza, Relator.: FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, Data de Julgamento: 15/04/2025, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 15/04/2025) Ademais, cabe ressaltar, que se mostra prescindível ao magistrado enfrentar todas as teses e as argumentações suscitadas pelas partes, quando os fundamentos utilizados na decisão são suficientes para sua conclusão e formação da convicção do julgador. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ): PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA. 1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço. 2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. (...) Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum. 5. Embargos de declaração rejeitados. (STJ - EDcl no MS: 21315 DF 2014/0257056-9, Relator: Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), Data de Julgamento: 08/06/2016, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/06/2016 JC vol. 132 p. 89) (grifei) Logo, considerando a inexistência de omissão, contradição ou obscuridade dentro do decisum atacado, a análise do pedido formulado pelo Embargante não é cabível em sede de Embargos de Declaração, mas apenas de recurso próprio, qual seja o Agravo de instrumento. Isso posto, CONHEÇO dos Embargos Declaratórios para dar-lhes PARCIAL PROVIMENTO para integrar a fundamentação quanto à validade dos Autos de Infração lavrados pela SEMACE e para deferir a gratuidade de justiça aos embargantes. Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes por seus advogados e Portal. Expedientes necessários. Santa Quitéria, data da assinatura eletrônica. JOÃO LUIZ CHAVES JUNIOR Juiz Titular [1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 5ª ed. rev. e atual. Juspodivm: Salvador, 2020. Pág. 1849.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear