Processo nº 3000731-75.2025.8.06.0114
ID: 328815290
Tribunal: TJCE
Órgão: Vara Única da Comarca de Lavras da Mangabeira
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 3000731-75.2025.8.06.0114
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCUS ANDRE FORTALEZA DE SOUSA
OAB/CE XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁ - PODER JUDICIÁRIO Vara Única da Comarca de Lavras da Mangabeira RUA VICENTE VELOSO DA SILVA, S/N, Zona Rural, VILA DOS BANCÁRIOS, LAVRAS DA MANGABEIRA - CE - CEP: 63300-000 PROCESSO…
ESTADO DO CEARÁ - PODER JUDICIÁRIO Vara Única da Comarca de Lavras da Mangabeira RUA VICENTE VELOSO DA SILVA, S/N, Zona Rural, VILA DOS BANCÁRIOS, LAVRAS DA MANGABEIRA - CE - CEP: 63300-000 PROCESSO Nº: 3000731-75.2025.8.06.0114 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: JOSE FERREIRA FILHO REU: BANCO BRADESCO S.A. SENTENÇA Tratam-se de ações anulatória / inexistência de débito c/c indenização por danos morais e materiais proposta por JOSÉ FERREIRA FILHO nos seguintes termos: Nº do processo Autor Réu Contrato questionado 3000730-90.2025.8.06.0114 JOSÉ FERREIRA FILHO BANCO BRADESCO S.A Empréstimo consignado nº 0123475518600 (declaração de inexistência) 3000731-75.2025.8.06.0114 JOSÉ FERREIRA FILHO BANCO BRADESCO S.A Empréstimo consignado nº 01234730191148 (declaração de inexistência) Após análise das petições iniciais e dos documentos que a instruem, verifico a necessidade de tecer comentários relativos ao interesse de agir e ao exercício do direito de ação pela parte autora, mais especificamente acerca do abuso na utilização deste direito. Recentemente, em 23 de outubro de 2024, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 159, a qual trata acerca de litigância abusiva. Em seu art. 1º, §1º, dispõe: "Para a caracterização do gênero "litigância abusiva", devem ser consideradas como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória". Aqui destaco as demandas "desnecessariamente fracionadas". É o caso presente. Observe-se que a parte autora é a mesma, assim como a causa de pedir (negativa de contratação de tarifas e/ou empréstimos bancários), no mesmo benefício previdenciário / conta bancária, divergindo apenas os contratos/descontos, de modo que não há nenhuma necessidade/utilidade no fracionamento de tais demandas. Inclusive, no âmbito do STJ, está posto em julgamento o Tema Repetitivo 1198, com a seguinte tese: Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários. Pois bem, é certo que este Juízo, até então, vinha recebendo as iniciais fracionadas, contudo, muito se tem debatido na jurisprudência acerca do chamado demandismo ou assédio processual, notadamente quando se está diante de fracionamento de processos que tem as mesmas partes e pedido, sendo apenas a causa de pedir (desconto/parcela/tarifa) diferenciada. Entretanto, percebe-se que o lapso temporal dos descontos supostamente indevidos ocorre no mesmo período, demonstrando a intenção da parte em obter reparação financeira (danos morais/materiais e ônus sucumbenciais) em cada uma das ações, conduzindo ao enriquecimento sem causa. A faculdade do autor em promover a cumulação de pedidos contra o mesmo réu (art. 327 do CPC) deve ser lida em conjunto com os princípios processuais da razoável duração do processo, boa-fé processual e da cooperação. Não se pode negar a atual realidade do sistema Judiciário brasileiro, que se vê assoberbado por demandas repetitivas e que poderiam facilmente ser condensadas em processos únicos, em cumulação de pedidos, de modo que o acesso à Justiça seja responsável e permita que o Poder Judiciário tenha espaço para análise de outras matérias igualmente importantes e de grande revelo, tais como demandas de saúde, improbidade administrativa, crimes violentos, entre outras. Nesta Comarca, no ano de 2023, foram recebidos 2.413 novos processos, segundo dados extraídos do SEI. Em 2024 foram recepcionados 2.724 processos, demonstrando uma crescente no número de ações distribuídas, a quase totalidade com a mesma matéria aqui posta. Destaco que se trata de Comarca de Vara única em cidade de pouco mais de 30 mil habitantes. É evidente o descompasso entre a população e o demandismo judicial. Não se desconhece que o litisconsórcio facultativo é uma opção da parte autora (art. 113 do CPC), ou seja, não é obrigatório a formação de pluralidade de partes em qualquer dos polos da ação. Contudo, tal discricionariedade deverá ser interpretada dentro do contexto da utilidade do Poder Judiciário, da economia processual, da eficiência, da celeridade, da boa-fé processual e da cooperação, notadamente quando há similitude fática entre as ações e os supostos descontos indevidos e ocorreram no mesmo benefício previdenciário e/ou conta bancária. Na mesma linha de pensamento, atento à nova Recomendação do CNJ, o Tribunal de Justiça do Ceará assim decidiu: DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS POR COBRANÇA INDEVIDA DE ANUIDADES DE CARTÃO DE CRÉDITO. IRRESIGNAÇÃO CONTRA SENTENÇA QUE INDEFERIU A PETIÇÃO INICIAL POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. FRACIONAMENTO DE DEMANDAS SIMILARES, ENSEJANDO MULTIPLICIDADE INJUSTIFICADA. CONEXÃO. ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de Apelação Cível interposta com o objetivo de reformar a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Lavras da Mangabeira, que indeferiu a petição inicial da Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Materiais e Morais ajuizada pela ora apelante em desfavor do Banco Bradesco S/A. 2. O cerne da controvérsia consiste em verificar a existência de interesse de agir da autora, ora apelante, na ação originária, dado o fracionamento de ações e suposto abuso no direito de demandar. 3. Analisando-se os autos, verifica-se que o Juízo originário apurou a existência, na mesma Comarca, de 4 (quatro) ações da promovente/apelante veiculando pedidos anulatórios de débito c/c reparação de danos em desfavor de diferentes instituições financeiras, sendo três delas contra o ora promovido/apelado (Bradesco S/A). Verificou-se, ainda, que todas essas ações foram propostas no mesmo ínterim, entre os dias 16/07/2024 e 17/07/2024, conforme pesquisa realizada no sistema e-SAJ. 4. Nota-se, inequivocamente, que tais ações têm objetivo e causa de pedir idênticos entre si. Alega a promovente, em síntese, não ter celebrado os respectivos contratos bancários, razão pela qual requer a restituição dos valores indevidamente descontados, bem como indenização pelos danos morais resultantes da conduta da instituição financeira promovida. Porém, em vez de reunir as causas de pedir e os pedidos contra o mesmo réu em um único feito (o que reduziria as demandas à quantidade de apenas um processo na comarca), a ora apelante desmembrou cada um dos contratos em processos distintos, apesar de todos eles terem identidade e afinidade no que pertine à causa de pedir e aos pedidos, como muito bem delimitou o d. Juízo singular. 5. Ressalte-se que seria possível, até mesmo, a reunião de todos esses processos em apenas um só, com formação de litisconsórcio passivo entres as instituições, considerando-se o nível de semelhança entre os elementos das ações em questão. Tal conduta prestigiaria o princípio da cooperação, da boa-fé, da economia e da eficiência processuais, o que não foi observado pela parte ora recorrente. 6. Apesar de cada demanda tratar de contrato distinto, impõe-se que seja evitado o fracionamento desnecessário de ações que venha a gerar multiplicidade injustificada de demandas praticamente iguais, sob pena de se caracterizar abuso do direito de demandar judicialmente, por enquadramento na norma do art. 187 do Código Civil. 7. As partes têm o dever legal de agir honestamente, de boa-fé, visando a uma solução justa e célere da situação posta em juízo. Nessa perspectiva, o fracionamento indevido de ações representa verdadeiro abuso do direito processual, especialmente porque a autora, quando utiliza esse mecanismo, postula a justiça gratuita, e, sem a concessão desse benefício, dificilmente optaria pela multiplicidade de demandas. 8. A par disso, as ações judiciais em referência veiculam pedido de indenização por danos morais, não sendo adequado o exame individualizado do respectivo pleito, considerando-se que as condutas apontadas em cada processo tendem a consubstanciar uma só lesão extrapatrimonial. Nesse contexto, a individualização processual do pedido de reparação é apta a levar o juízo a erro, uma vez que a quantificação do dano (que é um só) deve considerar o cenário geral da situação da autora. 9. Apelação conhecida e desprovida. Sentença mantida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do recurso de apelação para lhe negar provimento, nos termos do voto do Desembargador Relator. Fortaleza, data da assinatura digital. DESEMBARGADOR JOSÉ RICARDO VIDAL PATROCÍNIO Relator Apelação Cível - 0200849-55.2024.8.06.0114, Rel. Desembargador(a) JOSE RICARDO VIDAL PATROCÍNIO, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 22/01/2025, data da publicação: 22/01/2025). APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO. SENTENÇA QUE INDEFERIU A INICIAL E EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. FRACIONAMENTO DELIBERADO DE DEMANDAS SIMILARES. ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR CONFIGURADO. PRECEDENTES. RECOMENDAÇÃO Nº 159/2024 DO CNJ. MUDANÇA DE POSICIONAMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. Caso em exame: Trata-se de Apelação Cível interposta por consumidora com o fim de reformar sentença prolatada pelo douto Juiz da Vara Única da Comarca de Capistrano, o qual, nos autos de Ação Anulatória de Débito c/c Danos Materiais e Morais, por vislumbrar prática predatória, decidiu pelo indeferimento da inicial e extinção do feito diante do abuso do direito de demandar. II. Questão em discussão: Consiste em verificar se houve afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. III. Razões de decidir: Em pesquisa realizada no sistema E-SAJ, verificou-se que a autora ajuizou 23 (vinte e três) ações similares contra instituições financeiras, alegando, em resumo, não ter firmado os pactos reclamados, requerendo a restituição de valores além de indenização. Ao meu ver, a prática deliberada de fracionamento de demandas, pode ser caracterizada, segundo consolidado entendimento jurisprudencial, como litigância predatória, o que configura um abuso do direito de demandar, haja vista que tais pedidos poderiam (e deveriam) estar reunidos em uma só ação, dada a similitude fática destes e a necessidade de respeito aos princípios da economia processual, da eficiência, da celeridade, da boa-fé processual e da cooperação. Desse modo, é dever do Poder Judiciário coibir condutas temerárias e que não respeitam a boa-fé processual, tão preconizada na atual codificação processual, insculpida logo de início no artigo 5º do CPC (Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé). Nesse sentido tem também se posicionado o Conselho Nacional de Justiça que recentemente editou a Recomendação nº 159/2024, instrumento normativo que recomenda que os juízes e tribunais pátrios ¿adotem medidas para identificar, tratar e sobretudo prevenir a litigância abusiva, entendida como o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à Justiça¿ (Art. 1º). IV. Dispositivo: Sentença extintiva ratificada. Recurso conhecido e não provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos esses autos, acorda a Terceira Câmara de Direito Privado, por unanimidade, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO à presente Apelação Cível, em conformidade com o voto do Desembargador Relator. Fortaleza, 13 de novembro de 2024. CLEIDE ALVES DE AGUIAR Presidente do Órgão Julgador FRANCISCO LUCÍDIO DE QUEIROZ JÚNIOR Desembargador Relator (Apelação Cível - 0200175-57.2024.8.06.0056, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO LUCÍDIO DE QUEIROZ JÚNIOR, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 13/11/2024, data da publicação: 13/11/2024). No Brasil, a Constituição de 1988 e o Código de Processo Civil incorporam e expandem os princípios processuais, assegurando garantias de acesso à jurisdição, devido processo legal, contraditório, amplo direito de defesa, e a duração razoável do processo. Esses instrumentos jurídicos estabelecem um modelo processual que promove a boa-fé e a cooperação entre os sujeitos processuais, alinhando-se assim aos padrões internacionais de um processo justo e eficiente. A integração desses princípios ao direito processual brasileiro reflete um compromisso com a eficácia e a sustentabilidade do sistema de justiça, reconhecendo a importância da solidariedade nas relações sociais e a necessidade de uma gestão judiciária eficiente face ao volume de processos. Ademais, a realidade brasileira, como já dito, resta marcada por um acervo significativo de processos pendentes, sendo urgente a implementação de práticas que assegurem uma distribuição equitativa dos recursos judiciais. Busca-se sustentabilidade do sistema de justiça. A jurisprudência de vários tribunais tem vedado a prática do fracionamento arbitrário de ações judiciais, à luz do acesso sustentável ao Judiciário, boa-fé processual e proibição de utilização do processo como meio de enriquecimento sem causa. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso abordou situação semelhante em que o fracionamento de ações foi identificado como abuso do direito de demandar. Neste caso, várias ações foram movidas contra a mesma parte com pedidos de declaração de inexigibilidade de débito, o que foi considerado uma conduta processual temerária e abusiva, rejeitada pelo Judiciário. Observe-se: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS - RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - AUSÊNCIA DE INTERESSE - FRACIONAMENTO DE AÇÕES - MULTIPLICIDADE DE DEMANDAS - ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO - DEMANDISMO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Quando a parte opta pelo fracionamento das ações, na medida em que poderia incluir em uma só ação os débitos que reputa fraudulentos contra mesma parte passiva, demonstra, na verdade, o desinteresse processual, sendo imperiosa a extinção do feito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC. Vale destacar que constitui assedio processual ou "demandismo" a atitude da parte que promove o fracionamento das ações como manobra para ampliar as possibilidades de ganhos sucumbenciais e indenizatórios, razão pela qual é de rigor a confirmação da sentença de extinção do processo sem resolução do mérito. (TJ-MT 10224526320218110003 MT, Relator: CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Data de Julgamento: 29/06/2022, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/07/2022). A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina destaca o problema da prática de se ajuizar múltiplas demandas semelhantes envolvendo as mesmas partes, que poderiam ser consolidadas: PROCESSUAL CIVIL - DEMANDAS PREDATÓRIAS - DUPLO AJUIZAMENTO - POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL - SEGUNDA AÇÃO - INTERESSE PROCESSUAL - AUSÊNCIA 1 O assédio judicial realizado por meio de demandas opressivas é problema que vem se acentuando nas Cortes Pátrias em tempos recentes, merecendo forte represália, a fim de evitar contendas repetitivas e manifestamente infundadas. O ajuizamento de vários e sucessivos processos judiciais, com escopo de assédio processual e judicial, revela apenas falsos litígios, o que evidencia a falta de interesse processual. Nesse aspecto, sobremodo importante assinalar que "o ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça" ( REsp 1817845/MS, Minª. Nancy Andrighi). 2 Diante de abuso no direito de ação, com o uso de demandas semelhantes e que poderiam ter seus pedidos cumulados, ajuizadas com diferença de poucos minutos, é de ser reconhecida a falta de interesse processual, resultando no indeferimento da petição inicial da segunda contenda proposta. (TJSC, Apelação n. 5004846-80.2021.8.24.0135, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. Tue Jun 07 00:00:00 GMT-03:00 2022). (TJ-SC - APL: 50048468020218240135, Relator: Luiz Cézar Medeiros, Data de Julgamento: 07/06/2022, Quinta Câmara de Direito Civil). Este Juízo comunga do entendimento acima destacado. A letra fria da lei deve ser interpretada à luz do caso concreto. É na aplicação que o direito se revela. O acesso à Justiça é direito fundamental caro e, por isso mesmo, não pode ser banalizado ou utilizado com fins escusos. Em verdade, se o Poder Judiciário permitir, à pretexto do acesso à justiça, o demandismo predatório, estará, em última análise, negando a efetividade deste direito, ao tempo em que o excesso processual arbitrário acarreta a insustentabilidade do sistema de Justiça. É de clareza solar que o que se busca a partir do fracionamento abusivo das demandas é a distribuição da sorte, em clara loteria, para que se garanta que em algum daqueles processos haja condenação em danos morais/materiais e ônus de sucumbência, notadamente quando analisado por Juízos diferentes e, caso haja condenação em mais de um, promove-se ainda o enriquecimento sem causa. O Tribunal de Justiça do Amazonas também considera o fracionamento de ações nesses casos como abuso do direito de ação: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. TARIFAS BANCÁRIAS. ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - Conforme se extrai das próprias razões recursais, a parte apelante ajuizou 03 (três) demandas com o propósito de requerer a restituição de valores supostamente descontados de forma ilegal e, cumulativamente, a condenação - em cada uma das ações - ao pagamento de indenização por danos morais. II - Apesar do esforço da recorrente em buscar distinguir a causa de pedir das diversas demandas, constata-se que as cobranças bancárias impugnadas, na realidade, são oriundas de uma única e contínua relação jurídica estabelecida entre a ora apelante e o Banco Bradesco S/A. III - Tal postura configura abuso do direito de ação e enseja enriquecimento sem causa por parte do autor (ora recorrente), especialmente, no que concerne buscada obtenção de diversas condenações por danos morais sobre uma única questão fática. IV - Em recente julgado do Tribunal Cidadão, pode-se extrair o conceito de sham litigation (litigância simulada) ou assédio processual que nada mais é do que o abuso do direito de ação capaz de configurar ato ilícito. V - Em situações análogas a jurisprudência pátria vem entendendo pelo caráter predatório dessa espécie de acionamento do Poder Judiciário, razão pela qual é de rigor manter-se o indeferimento da petição inicial. VI - Apelação conhecida e desprovida. (TJ-AM - Apelação Cível: 0601259-22.2022.8.04.7600 Urucurituba, Relator: João de Jesus Abdala Simões, Data de Julgamento: 22/01/2024, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 22/01/2024). Por fim, antes mesmo da Recomendação 159/2024 do CNJ, o Egrégio Tribunal de Justiça do Ceará possui precedentes que se coadunam com a jurisprudência dos demais Tribunais de Justiça do país: PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA CONTRATO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS NOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA DO AUTOR, DEVIDO A EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. VÁRIAS AÇÕES AJUIZADAS PELA AUTORA CONTRA O MESMO BANCO, UMA PARA CADA CONTRATO QUESTIONADO. "DEMANDISMO DESNECESSÁRIO". CONFIGURAÇÃO DE ASSÉDIO PROCESSUAL. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. A controvérsia cinge-se em analisar a sentença que julgou improcedente a ação de nulidade de relação contratual c/c pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais ajuizada por Francisca Soares da Silva. A discussão acerca da validade de contrato de empréstimo consignado deve ser analisada à luz das disposições do CDC, por se tratar de relação de consumo, devendo-se assegurar a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, mediante a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII). Entretanto, incumbe à parte que se diz lesada a demonstração mínima de prova do fato constitutivo do direito alegado, conforme impõe o art. 373, I, do CPC, o que não ocorreu na espécie. Por outro lado, a instituição financeira se desincumbiu, satisfatoriamente, do ônus de comprovar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral (art. 373, II, CPC), ao exibir em Juízo a cópia do contrato com o aceite e assinaturas da autora, cópias de seus documentos pessoais, além do comprovante de repasse do valor negociado com a promovente. 7. Neste termos, ante a constatação da regularidade do contrato e a legitimidade dos descontos efetuados impede a indenização em danos morais, pela absoluta inexistência do próprio dano e de ilicitude na conduta do Banco. Considerando ainda o "demandismo" desnecessário da parte autora, conclui-se pela confirmação da sentença de improcedência. 8. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso para negar-lhe seguimento. Fortaleza, data e hora indicados pelo sistema. LIRA RAMOS DE OLIVEIRA Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR FRANCISCO LUCIANO LIMA RODRIGUES Relator (TJ-CE - AC: 00088089820198060126 CE 0008808-98.2019.8.06.0126, Relator: FRANCISCO LUCIANO LIMA RODRIGUES, Data de Julgamento: 03/03/2021, 3ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 03/03/2021). AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO - DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. FRACIONAMENTO DE AÇÕES QUE INDICAM ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR. CONDUTA ADOTADA QUE CONFIGURA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DESLEALDADE PROCESSUAL EM OBTER VANTAGEM INDEVIDA. APLICAÇÃO DE MULTA DE OFÍCIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA INALTERADA. 1. Foi indeferida a petição inicial da Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica sob o fundamento de que, a parte opta pelo fracionamento de ações, o que consiste em um verdadeiro abuso de direito de demandar. 2. Entretanto, em suas razões recursais, a apelante limita-se a defender a necessidade de ajuizamento de diferentes ações para cada contrato consignado não realizado com o Banco promovido. 3. O fracionamento das ações, como a do presente caso, consiste em um verdadeiro abuso do direito de demandar, na medida em que a autora ajuizou diversas ações contra a mesma parte, inclusive veiculando pedido idêntico, no caso, a declaração de inexigibilidade de débito, configurando conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. 4. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer o recurso interposto e negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora. (TJ-CE - AC: 02004913820228060154 Quixeramobim, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, Data de Julgamento: 29/06/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 29/06/2022). DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA COM INDEFERIMENTO DA EXORDIAL E EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. FRACIONAMENTO DE DEMANDAS SIMILARES. CONEXÃO. APURAÇÃO DE POSTURA INADEQUADA DO PATRONO ATIVO. APELO DESPROVIDO. 1. A controvérsia recursal gira em derredor do interesse de agir do autor, além do fracionamento de ações e suposto abuso no direito de demandar em juízo. 2. Inicialmente, tem-se relação de consumo, figurando o promovente como consumidor e o banco como fornecedor de serviços, sujeito à eventual responsabilização civil, conforme os arts. 12 e 14 do CDC. 2. Do exame dos autos, nota-se que o autor ajuizou 17 (dezessete) ações anulatórias de débito c/c indenização por danos materiais e morais contra diferentes instituições financeiras, muitas delas contra o banco apelado, alegando, em resumo, não ter firmado os empréstimos consignados e requerendo restituição de valores e indenização correspondente, e que em vez de reunir as causas de pedir e os pedidos contra o mesmo réu em um único feito, desmembrou cada um dos contratos em diversos processos, como muito bem delimitou o d. Juízo singular, apesar de todas elas terem identidade e afinidade no que pertine à causa de pedir e aos pedidos. Sendo assim, mostra-se correto o decisum recorrido, considerando-se necessária, portanto, a reunião dos supraditos processos para que se evite julgamentos contraditórios, nos termos do art. 55, § 3º, do CPC. 3. Por último, a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, com exposição claro do d. juízo de primeiro grau, em consonância com o art. 93, IX, da CF/1988, não vindo a calhar o argumento sobre carência de fundamentação levantado na apelação. 4. De mais a mais, constata-se nesta e. Corte a existência de inúmeras demandas praticamente idênticas patrocinadas pelo causídico do autor/apelante, de modo que é aceitável que o órgão competente averigue eventual postura irregular de sua parte, desestimulando, assim, o exercício abusivo do direito de demandar. Precedentes (Apelação Cível de Quixeramobim, processo nº 0200488-83.2022.8.06.0154. Apelante: Emídia Maria Nobre Ribeiro. Apelado: Banco Itaú Consignado S/A. Relator: Des. Francisco Mauro Ferreira Liberato). 4. Apelo conhecido e desprovido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data da assinatura digital. DESEMBARGADOR JOSÉ RICARDO VIDAL PATROCÍNIO Relator (TJ-CE - Apelação Cível: 0201644-09.2022.8.06.0154 Quixeramobim, Relator: JOSE RICARDO VIDAL PATROCÍNIO, Data de Julgamento: 26/04/2023, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 26/04/2023). Destaco que este Juízo já vem decidindo no sentido de que não há dano moral presumido em descontos por contratos tidos por inexistentes, notadamente quando o quantum descontado é de ínfimo valor e a parte nada prova quanto a eventuais lesões ao direito da personalidade. Ademais, é do entendimento deste Juízo que o dano moral é fenômeno que repercute como um todo na esfera individual quando diz respeito ao mesmo contexto fático, de modo que eventual fracionamento de demandas no afã de angariar diversas condenações em danos morais revela conduta que busca utilizar o sistema processual para enriquecimento sem causa, devendo ser tal comportamento coibido pelo Juízo, na forma do art. 142 do CPC. Desta feita, como amplamente narrado acima, o fracionamento das ações configura abuso de direito, violando os princípios da boa-fé e da cooperação, esvaziando o interesse de agir para propositura da presente ação. É importante destacar que a parte envolvida pode entrar com uma ação única, reunindo todos os seus pedidos, englobando todos os descontos, permitindo assim que o Poder Judiciário gerencie o caso de forma mais simples e eficiente, em primazia aos princípios da cooperação, boa fé processual, razoável duração do processo e economia processual. Ante o exposto, indefiro a petição inicial, por ausência de interesse de agir, nos termos do art. 330, inciso III, do CPC e da Recomendação 159/2024 do CNJ. Sem custas e honorários. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Lavras da Mangabeira/CE, 16 de julho de 2025. LUZINALDO ALVES ALEXANDRE DA SILVA Juiz de Direito
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