Processo nº 3000761-72.2024.8.06.0041
ID: 317373815
Tribunal: TJCE
Órgão: Vara Única da Comarca de Aurora
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 3000761-72.2024.8.06.0041
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CICERO JUAREZ SARAIVA DA SILVA
OAB/CE XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VARA ÚNICA DA COMARCA DE AURORA Rua Cel. José |leite, Bairro: Araça - Aurora/CE - CEP 63360-000, - Fone/Fax: (0xx88) 3543-1014. SENTENÇA …
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VARA ÚNICA DA COMARCA DE AURORA Rua Cel. José |leite, Bairro: Araça - Aurora/CE - CEP 63360-000, - Fone/Fax: (0xx88) 3543-1014. SENTENÇA 1. Relatório: Trata-se de ação declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido cominatório em caráter antecipatório e repetição de indébito cumulado com reparação por danos morais em que são partes as acima indicadas, todas devidamente qualificadas nos autos. A parte autora relata que é aposentada por idade e percebeu, através do seu Histórico de Crédito, descontos referentes a uma RMC (Reserva de Margem Consignável) em seu benefício de nº 1700197409. Alega que nunca autorizou essa reserva, tampouco solicitou ou recebeu o plástico do cartão e as faturas em seu endereço residencial. Sustenta que foi induzida a erro pelo requerido, pois acreditava estar contratando um empréstimo consignado convencional, mas foi surpreendida ao descobrir que se tratava de empréstimo via cartão de crédito. Afirma que nunca recebeu ou desbloqueou o referido cartão e que a instituição financeira não prestou informações adequadas sobre a modalidade do pacto firmado. Requereu a concessão de tutela de urgência para suspensão dos descontos, bem como a declaração de inexistência da relação jurídica, repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (ID 131505593). Juntou documentos aos IDs 131505594 e seguintes (procuração, declaração de hipossuficiência, documentos pessoais e extrato do benefício). Decisão inaugural indeferiu o pedido de tutela de urgência mas concedeu, favor da autora, a inversão do ônus da prova. O réu contestou alegando, preliminarmente, ausência de interesse processual e prescrição trienal. No mérito, sustenta a regularidade da contratação, comprovada por documentos que demonstram a adesão voluntária da autora ao cartão de crédito consignado, incluindo autorização de RMC, saque antecipado e desbloqueio do cartão através do aplicativo bancário (ID 154987764). Réplica à contestação em que a parte autora infirma os termos da defesa nos moldes já previsto na inicial (ID 160903043). A parte requerida não objetou o julgamento antecipado da lide. É o relatório. Fundamento e decido. 2. Fundamentação: O caso comporta julgamento antecipado da lide, na forma da regra contida no art. 355, inciso I do Código de Processo Civil, considerando a evidente desnecessidade de prova pericial ou testemunhal para o deslinde da controvérsia. O juiz é o destinatário das provas, nos termos dos artigos 370 a 372 do CPC/15 e, in casu, entendo que a prova testemunhal é dispensável, em especial porque os fatos narrados na inicial reclamam apenas demonstração através de documentos idôneos. Preliminares: Ausência de interesse processual Rejeito a preliminar. A existência de controvérsia sobre a validade da contratação e a resistência do réu configuram interesse processual suficiente, independentemente de tentativa prévia de solução administrativa. Prescrição trienal Rejeito a preliminar. Tratando-se de alegação de inexistência de relação jurídica, aplicável o prazo prescricional do art. 27 do CDC (5 anos), não havendo que se falar em prescrição. Mérito Ratifico a inversão do ônus da prova de ID 131768438, pois hipossuficiente a parte autora (ID 131505596) e verossimilhante suas alegações (ID 131505593), nos termos do 6º, inciso VIII, da Lei n. 8.078/90 (CDC). Invertido o ônus da prova, caberia à empresa ré o ônus de comprovar a existência de fato modificativo, extintivo ou impeditivo dos direitos alegados pela autora em sua exordial (artigo 373, II, do CPC). Da análise dos autos, percebo que a autora nega cabalmente a aquisição de conta tarifada com o demandado e que o Réu não juntou qualquer instrumento contratual que permitisse inferir que houve a respectiva contratação, se limitando a afirmar que o negócio foi legítimo. Assim, a própria Ré, ao oferecer contestação geral, não juntar ao processo o contrato, confirma a versão autoral. A rigor, o Réu não se desincumbiu de constituir fatos extintivos ou impeditivos do direito da autora, conforme prevê o art. 373, II, do CPC. Explico. A contratação de cartão de crédito consignado deve observar rigorosamente os requisitos da Instrução Normativa PRES/INSS nº 138/2022, que estabelece em seu art. 5º: "A averbação da contratação de crédito consignado pelo titular do benefício ocorrerá desde que: II - o desconto seja formalizado por meio de contrato firmado e assinado, com uso de reconhecimento biométrico, apresentação do documento de identificação oficial, válido e com foto, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização da consignação tratada no inciso III; III - a autorização da consignação seja dada de forma expressa, assinada com uso de reconhecimento biométrico, não sendo aceita autorização dada por ligação telefônica e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova da ocorrência;" Para cartão de crédito consignado (RMC), o art. 15 da mesma norma exige adicionalmente: "I - a constituição de RMC/RCC está condicionada à solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por reconhecimento biométrico; II - em todos os casos deverá ser utilizado o Termo de Consentimento Esclarecido - TCE; III - deverá ser feito o envio, no ato da contratação, do material informativo para melhor compreensão do produto; VII - a entrega do cartão de crédito consignado (...) deverá ser feita ao titular do benefício; VIII - enviar, mensalmente, fatura em meio físico ou eletrônico;" Analisando a documentação apresentada pelo réu, verifico as seguintes irregularidades graves: a) Ausência de reconhecimento biométrico obrigatório: Embora o réu alegue ter utilizado "reconhecimento biométrico", os documentos apresentados demonstram apenas assinatura eletrônica simples, sem a comprovação efetiva do reconhecimento biométrico exigido pela IN 138/2022; b) Falta do Termo de Consentimento Esclarecido: O réu não comprovou a utilização do TCE específico exigido pela norma, documento obrigatório para esta modalidade de contratação; c) Ausência de material informativo: Não há comprovação do envio do material informativo no ato da contratação, conforme exigido pelo art. 15, III da IN; d) Não entrega do cartão físico: A autora sustenta jamais ter recebido o cartão físico, alegação não refutada pelo réu com prova robusta; e) Falta de envio de faturas: A autora afirma nunca ter recebido faturas, obrigação mensal da instituição financeira. A própria documentação apresentada pelo réu revela que a autora acreditava estar contratando empréstimo consignado comum, sendo posteriormente "convertido" para modalidade de cartão de crédito, configurando indução a erro. Na espécie, o Réu, instituição financeira que é, RESPONDE "objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias", nos termos da Súmula 479 do STJ. No caso dos autos, entendo que o negócio jurídico não se aperfeiçoou, pois o requerido não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, sua regular contratação. Corroborando este entendimento: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE CONTRATO. FRAUDE VERIFICADA. DANO MORAL. QUANTUM RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. In casu, observa-se que houve por caracterizada a falha na prestação do serviço, pois o Banco recorrido não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, sua regular contratação, sobretudo porque não anexou os supostos contratos objetos da lide. 2. Desta forma, não pode a instituição financeira demandada simplesmente afirmar que os contratos são válidos para comprovar o alegado, deveria ter produzido prova para tanto. 3. Assim, o recurso deverá ser conhecido e improvido, tendo em vista que a demanda versa sobre dano gerado por caso fortuito interno, relativo a fraudes praticadas por terceiros no âmbito de operações bancárias, estando, portanto, a sentença em consonância com o entendimento do Enunciado de nº 479 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 4. Claramente se observa que o fato causou à parte consumidora gravame que sobeja a esfera do aborrecimento. 5. Em relação ao quantum indenizatório, tem-se que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) fixado pelo Juízo a quo foi pautado pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade. 6. Recurso improvido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso interposto, mas para negar-lhe provimento, em conformidade com o voto do eminente relator. Fortaleza,20 de abril de 2022 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator (TJ-CE - AC: 00503407920208060041 Aurora, Relator: CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, Data de Julgamento: 20/04/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 22/04/2022) (grifei) Urge reiterar que, uma vez invertido o ônus probatório, competia a requerida demonstrar a real existência do contrato que deu origem aos descontos no benefício previdenciário da parte autora, bem como sua legitimidade. Deveras, não tendo a instituição financeira cumprido sua parte no negócio jurídico, resta facultado ao consumidor desfazê-lo, pugnando pelo reconhecimento de sua ineficácia. Neste pórtico, os descontos indevidos, devem ser ressarcidos à parte autora, sem prejuízo de eventual compensação em relação a quantias porventura pagas/transferidas pelo banco, devidamente comprovadas em sede de cumprimento de sentença, se houver. Quanto ao modo de restituição, considero que esta deve ser realizada em dobro nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC; e independentemente da comprovação de má-fé do fornecedor reclamado. Tal posicionamento está de acordo com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o qual fixou a seguinte Tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (STJ- Corte Especial. EAREsp. 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020). (G.N) No caso em comento, a conduta do banco reclamado é contrária à boa-fé objetiva em razão de não ter comprovado, por qualquer meio, a existência e a regularidade do negócio jurídico que ensejou os descontos pela parte reclamante. Quanto ao dano moral, tem-se que este somente ocorre quando houver lesão a bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º, inciso III, e 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. No caso, a própria autora confirma, ao juntar extratos, que foram debitadas parcelas entre R$ 17,10 a R$ 63,14, referente à Reserva de Margem Consignável (RMC) por ela não contratado, o que teria motivado o ingresso da presente demanda. Desse modo, ainda que tenham ocorridos descontos indevidos, tal fato não se mostra suficientemente capaz de ensejar o dano moral alegado, posto que não se traduz em qualquer ofensa aos direitos da personalidade a existência de desconto de pequeno valor ocorrido na conta bancária da demandante. Nesse ponto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que se trata de mero aborrecimento o desconto indevido em benefício previdenciário de valores incapazes de comprometer a subsistência da parte. A propósito [grifo nosso]: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTO INDEVIDO. VALOR ÍNFIMO. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO ABORRECIMENTO. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior entende que a caracterização do dano moral exige que a comprovação do dano repercuta na esfera dos direitos da personalidade. A fraude bancária, nessa perspectiva, não pode ser considerada suficiente, por si só, para a caracterização do dano moral? (AgInt nos EDcl no AREsp 1.669.683/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/11/2020, DJe de 30/11/2020). 2. O Tribunal de origem concluiu que o desconto indevido de R$ 70,00 (setenta reais) no benefício previdenciário da agravante não acarretou danos morais, considerando que foi determinada a restituição do valor, que a instituição financeira também foi vítima de fraude e que não houve inscrição do nome da agravante em cadastros de proteção ao crédito, de modo que ficou configurado mero aborrecimento. 3. "A jurisprudência desta Corte entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando a falha na prestação de serviços, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente, como ocorreu na presente hipótese" (AgInt no AREsp 1.354.773/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe de 24/04/2019). 4. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.948.000/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 23/5/2022, DJe de 23/6/2022). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E DANOS MORAIS. DESCONTO INDEVIDO. VALOR ÍNFIMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284/STF. DANO MORAL INEXISTENTE. MERO ABORRECIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamento autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido atrai, por analogia, o óbice da Súmula 283 do STF. 2. O Tribunal de origem concluiu que o desconto indevido de uma parcela no valor de R$ 28,00 (vinte e oito reais) no benefício previdenciário da recorrente não acarretou danos morais, pois representa valor ínfimo, incapaz de comprometer sua subsistência, bem como o valor foi restituído com correção monetária, de modo que ficou configurado mero aborrecimento. 3. A jurisprudência desta Corte entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando a falha na prestação de serviços, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente, como ocorreu na presente hipótese. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1354773/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 24/04/2019). No mesmo sentido tem decidido o Egrégio TJCE [grifo nosso]: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS E RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. DESCONTOS TARIFAS EM CONTA CORRENTE ONDE A PARTE RECEBE SEU SALÁRIO/PROVENTOS. IMPOSSIBILIDADE. DESCONTOS COM VALORES ÍNFIMOS. MAIOR DESCONTO OCORREU EM FEVEREIRO/01 (R$ 27,32), IMPLICANDO 3,56% DO TOTAL DO BENEFÍCIO RECEBIDO (R$ 766,10). DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. MEROS ABORRECIMENTOS. JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS NA SENTENÇA EQUIVOCADAMENTE. CORREÇÃO EX OFFICIO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. VALOR IRRISÓRIO. FIXAÇÃO POR EQUIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA APENAS CORRIGIR A VERBA HONORÁRIA, FIXANDO-A POR EQUIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. A C O R D A a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer do presente recurso e dar-lhe parcial provimento, reformando-se parcialmente a sentença, nos termos do voto do eminente Relator. (Apelação Cível - 0051597-73.2021.8.06.0084, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 26/04/2023, data da publicação: 27/04/2023). PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESCONTO CONTA-SALÁRIO DA AUTORA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. DESCONTOS ÍNFIMOS. MEROS ABORRECIMENTOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. O douto magistrado singular, julgou parcialmente procedente os pedidos contidos na ação Declaratória de Nulidade c/c Indenização por Danos Materiais e Morais, declarando inexistente o contrato de empréstimo impugnado, condenando o banco/apelado a restituir à parte autora/recorrente, os valores que tenham sido descontados do benefício previdenciário, desacolhendo, no entanto, o pedido de indenização por danos morais, considerando que a conduta do banco/recorrido não acarretou intenso sofrimento à vítima ou lesão aos seus direitos de personalidade, elementos da responsabilidade objetiva. 2. O cerne da controvérsia recursal consiste na possibilidade da instituição financeira/apelante ser condenada a título de danos morais em razão de descontos indevidos no benefício previdenciário da autora/apelante, referente a contrato de empréstimo consignado. 3. Dano Moral - A existência do dano moral pressupõe a configuração de lesão a um bem jurídico que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., com base se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal. 4. No caso, ainda que tenha ocorrido descontos indevidos, tal fato não se mostra suficientemente capaz de ensejar o dano moral alegado, posto que não se traduz em qualquer ofensa aos direitos da personalidade a existência de descontos de valores irrisórios (03 parcelas de R$ 29,50), ocorridos no benefício previdenciário da demandante/recorrente (fls.17). 5. Desse modo, ausente a demonstração de que o indébito não ultrapassou meros aborrecimentos, não há que se falar em condenação da entidade bancária ao pagamento de indenização por danos morais. 6. Recurso conhecido e desprovido. Sentença confirmada. A C Ó R D Ã O Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, nos termos do voto do eminente Relator, parte integrante desta decisão. Fortaleza, 17 de maio de 2023. FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO Presidente do Órgão Julgador Exmo. Sr. EMANUEL LEITE ALBUQUERQUE Relator (Apelação Cível - 0050308-05.2021.8.06.0085, Rel. Desembargador(a) EMANUEL LEITE ALBUQUERQUE, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 17/05/2023, data da publicação: 17/05/2023). No caso, houve descontos ínfimos na conta bancária da requerente, que representam, na média aritmética ponderada, menos de 5% do salário-mínimo. Assim, entende-se que o consumidor não ficou desprovido de recursos financeiros para solver suas despesas ordinárias, inclusive é de se observar que não houve qualquer comprovação nesse sentido. Não se desconhece que a situação tenha trazido algum aborrecimento à parte consumidora, contudo, ela não foi capaz de atingir valores fundamentais do ser humano, tratando-se de meros aborrecimentos a que se está sujeito na vida em sociedade. Em verdade, esse é o tipo de demanda que bem reflete a conhecida e popularmente chamada indústria do dano moral. Não se está a legitimar a conduta da instituição bancária, mas, ao meu sentir, a presente demanda reflete a ânsia pelo enriquecimento sem causa, pois é do conhecimento do homem médio a inexistência de dano aos valores intrínsecos do ser humano no desconto indicado. Tal percepção se confirma quando sequer há tentativa de resolução administrativa. Contudo, dada a inafastabilidade do Poder Judiciário como garantia constitucional, quando provocado, deve resolver o conflito posto, seja este da presente espécie ou envolvendo demandas urgentes de saúde, improbidade administrativa ou crimes sexuais, por exemplo. Ocorre que os recursos públicos são escassos e o tempo e esforço destinado a resolver demandas como esta, invariavelmente, são tomados de demandas outras, de grande relevo e urgência. De mais a mais, como já dito, a autora não comprovou que as quantias subtraídas de sua conta bancária efetivamente comprometeram sua subsistência e, por conseguinte, afetaram a esfera da dignidade da pessoa humana. Portanto, ausente a demonstração de que o indébito não ultrapassou meros aborrecimentos, não há que se falar em condenação da instituição bancária ao pagamento de indenização por danos morais. Por conseguinte, nos termos do art. 489, §1º, inciso IV, do Código de Processo Civil, dou por enfrentados todos os argumentos capazes de infirmar minha convicção, de forma que entendo ser o acolhimento parcial dos pedidos medida de rigor. Acerca da restituição do indébito, o parágrafo único do art. 42 do CDC dispõe que: o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Ressalto, neste ponto, que o atual posicionamento do STJ, fixado em recurso repetitivo (EAREsp 676608/RS), é de que a restituição em dobro independe da natureza volitiva do fornecedor, prescindindo da comprovação de má-fé a cobrança indevida que decorre de serviços não contratados. Tal entendimento, contudo, fora publicado com a modulação de seus efeitos, sendo consolidado, para as demandas que não tratam da prestação de serviços públicos, que a tese seria aplicável somente para valores pagos após a sua publicação no dia 30/03/2021: Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (…) Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão somente com relação à primeira tese para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão. (STJ. Corte Especial. EAREsp 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020) GN. Nesse cenário, também em conformidade com o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará: APELAÇÕES CÍVEIS. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL PARA CARTÃO DE CRÉDITO. DESCONTO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RÉU QUE NÃO COMPROVOU A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DO CONTRATO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ART. 14 DO CDC. SÚMULA 479 DO STJ. OCORRÊNCIA DE DANO MORAL. QUANTUM MAJORADO PARA R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). PRECEDENTES DA 3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA A PARTIR DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54 DO STJ). RESTITUIÇÃO TOTAL DOS VALORES DESCONTADOS A TÍTULO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. TESE FIRMADA NO EARESP 676.608/RS. DESCONTOS ANTERIORES À 30 DE MARÇO DE 2021. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. INVIABILIDADE DE COMPENSAÇÃO DOS VALORES. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Verifica-se que o autor comprovou a ocorrência dos descontos em seu benefício previdenciário (conforme consulta de fl. 21), corroborando os fatos alegados na inicial. Em contrapartida, o requerido não cuidou de juntar aos autos o instrumento contratual ou qualquer outro documento capaz de provar a regularidade da contratação, não se desincumbindo do ônus que lhe cabia (art. 373, II, do CPC). Na senda destas considerações, verificado o prejuízo e não tendo o banco comprovado a inexistência do defeito no serviço ou culpa exclusiva do autor, encontram-se presentes os requisitos autorizadores da indenização, quais sejam: ato ilícito, dano e nexo causal. 2. [...] 4. Quanto à repetição do indébito, o entendimento firmado pelo STJ nos embargos de divergência em agravo em recurso especial (EAREsp 676.608/RS), segundo a modulação dos efeitos do julgado, é no sentido de que a restituição em dobro do indébito seja realizada apenas a partir da publicação daquele acórdão, ou seja, 30/03/2021, independente de comprovação de má-fé. Considerando que os descontos ocorreram antes da referida data e não houve comprovação de má-fé, a repetição do indébito deve ocorrer na forma simples. 5. É inviável a compensação de valor supostamente recebido pelo consumidor com o valor da condenação, pois não há nos autos provas de que a instituição bancária depositou qualquer quantia em favor do mesmo. 6. Recurso do autor conhecido e parcialmente provido. Recurso do réu conhecido e desprovido. [...] (Apelação Cível - 0051658-31.2021.8.06.0084, Rel. Desembargador(a) JANE RUTH MAIA DE QUEIROGA, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 08/03/2023, data da publicação: 08/03/2023). APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. AUSÊNCIA DOS CONTRATOS DISCUTIDOS. BANCO RÉU NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR A LEGITIMIDADE DAS CONTRATAÇÕES E A LICITUDE DAS COBRANÇAS. CONTRATOS DECLARADOS NULOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CABÍVEL. DANO MORAL IN RE IPSA. MONTANTE INDENIZATÓRIO ARBITRADO NO VALOR DE R$ 3.000,00 DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MAJORAÇÃO E REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO. INCABÍVEL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES DE FORMA SIMPLES, E EM DOBRO, EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021 ¿ ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM RECURSO REPETITIVO PARADIGMA (EARESP 676.608/RS). 1. [...] 2. Banco apelante/réu não juntou qualquer documento indicando a anuência do autor/apelado na celebração dos referidos contratos. 3. Resta caracterizado o dano moral in re ipsa, ou seja, presumido, decorrente da própria existência do ato, diante da ausência dos contratos válidos que justifique os descontos realizados diretamente na conta bancária da consumidora. Valor arbitrado na quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) por estar de acordo com o entendimento desta Corte, em virtude do pequeno valor das parcelas descontadas em relação aos seguros prestamista e do cheque especial, bem como a cobrança do seguro residencial ter ocorrido somente uma vez. 4. A título de danos materiais, tendo em vista comprovada a supressão indevida de valores da conta bancária do apelante, resta configurado o prejuízo financeiro e o dever de ressarcimento, para a qual deve-se observar o que fora decidido pelo c. STJ nos embargos de divergência em agravo em recurso especial (EAREsp 676.608/RS), segundo à modulação dos efeitos do julgado, no sentido de que a restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas às cobranças eventualmente realizadas partir da publicação daquele acórdão, ou seja, 30/03/2021. 5. [...] (Apelação Cível - 0013627-91.2018.8.06.0036, Rel. Desembargador(a) CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 08/03/2023, data da publicação: 09/03/2023) GNNo caso em análise, parte dos débitos cobrados na presente ação são anteriores ao referido julgado, razão pela qual deve-se manter o posicionamento anteriormente adotado pelo c. Superior Tribunal de Justiça, de que "somente a cobrança de valores indevidos por inequívoca má-fé enseja a repetição em dobro do indébito" (AREsp 1135918 MG). Desse modo, a repetição em dobro somente se justifica ante a comprovação da má-fé da cobrança contratual, que não foi provada na hipótese vertente, não se podendo presumir sua ocorrência, devendo-se operar a restituição dos valores descontados antes do dia 30/03/2021 na forma simples. Consequentemente, considerando as supracitadas disposições e observando que certos descontos foram efetuados após o dia 30/03/2021, ou seja, após a publicação do acórdão paradigma, assiste, em parte, direito ao requerente em receber em dobro o que foi cobrado indevidamente. Por conseguinte, nos termos do art. 489, §1º, inciso IV, do Código de Processo Civil, dou por enfrentados todos os argumentos capazes de infirmar minha convicção, de forma que entendo ser o acolhimento parcial dos pedidos medida de rigor. 3. Dispositivo: Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão autoral, nos moldes do art. 487, I, do mesmo diploma, para: a) declarar a inexistência do contrato de Reserva de Margem Consignável (RMC) , tal como questionado nesta demanda; b) julgar improcedente o pedido de danos morais; c) condenar o promovido a devolver o valor cobrado indevidamente com incidência em dobro, monetariamente corrigido pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, devidos a partir de cada cobrança indevida. Em virtude da sucumbência, condeno o promovido ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária que arbitro em R$ 1.000,00, em observância ao disposto no art. 85, § 2°, do CPC, considerando o grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Após o trânsito em julgado, certifique-se e arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Expedientes de praxe. Aurora, data da assinatura digital. José Gilderlan Lins Juiz
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