Processo nº 5709941-23.2024.8.09.0051
ID: 261084106
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 2ª UPJ Varas de Crimes Punidos com Reclusão e Detenção: 2ª, 4ª, 5ª , 8ª e 9ª
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5709941-23.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOÃO CARLOS MIRANDA FRANÇA
OAB/GO XXXXXX
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁSCOMARCA DE GOIÂNIA9ª Vara Criminal dos Crimes Punidos com Reclusão e DetençãoSENTENÇAProtocolo nº: 5709941-23.2024.8.09.0051Natureza: PROCESSO CRIMINAL -> Proced…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁSCOMARCA DE GOIÂNIA9ª Vara Criminal dos Crimes Punidos com Reclusão e DetençãoSENTENÇAProtocolo nº: 5709941-23.2024.8.09.0051Natureza: PROCESSO CRIMINAL -> Procedimento Comum -> Ação Penal - Procedimento OrdinárioAcusado: GUILHERME SANTOS SOUZA Sentença. Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público em face de GUILHERME SANTOS SOUZA, qualificado na denúncia (mov. 38), imputando-lhe a prática delituosa capitulada no artigo 2º-A da Lei n. 7.716/89.Segundo narra a denúncia, na data de 22/07/2024, por volta das 18h, na Rua Ferreira Gular, Quadra N, Lote 08, Residencial Privê Elza Fronza, nesta capital, o denunciado, consciente e voluntariamente, injuriou a vítima Marcus Aurélio Silva Batista, ofendendo-o em razão de sua raça e cor.Pormenorizando os fatos, em um contexto de briga familiar, o denunciado chamou a vítima de “preto”, “macaco” e “pobre”.Em face do exposto, a vítima acionou a polícia e, diante da situação de flagrância, prendeu o denunciado, encaminhando-o à Central Geral de Flagrantes e Pronto Atendimento ao Cidadão de Goiânia.Finaliza a denúncia com o pedido de condenação do acusado nas penas do artigo 2º-A da Lei n. 7.716/89.A denúncia foi recebida, conforme despacho de mov. 47, no dia 12/08/2024.Determinada a citação do acusado nos moldes do artigo 396, do Código de Processo Penal, após o seu devido cumprimento, foi ofertada resposta à acusação no mov. 59.Em audiência de instrução e julgamento realizada no dia 26/02/2025 (mov. 98), foram ouvidas a vítima e três testemunhas comuns, e, ao fim, o réu foi interrogado.Na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, as partes nada requereram.Em suas alegações finais orais, o Ministério Público assim se manifestou, em síntese: “O processo se encontra regular, sem nulidades a serem sanadas. No mérito da questão, de fato, tem-se que a vítima foi acompanhada de quatro mulheres até a casa do réu, não se sabe se para tirar satisfação ou exigir um pedido de desculpas. Chegando à casa do acusado, começa-se uma discussão com o pai, a mãe e o próprio acusado. Todas as testemunhas são uníssonas no sentido de que o réu injuriou a vítima, chamando-a de preto e macaco, configurando assim a injúria racial. Em casos assim, normalmente existem contradições entre os testemunhos, mas, neste caso em específico, todos são uníssonos ao dizer exatamente o que aconteceu, isto é, que o réu ofendeu a dignidade da vítima. O Ministério Público entende que a materialidade e autoria estão devidamente comprovados. A injúria racial não pode ser tida como meio legítimo de defesa, por não se tratar de meio proporcional para repelir qualquer agressão. O art. 140, II, do Código Penal, prevê possibilidade de retorsão imediata, mas não no caso de injúria racial, ou seja, aquela que carrega consigo elementos raciais por não se tratar de injúria proporcional. O Ordenamento Jurídico trata o delito com muita gravidade, de acordo com entendimento do STF. A teoria da ratio cognoscendi diz que a incumbência de excludente de ilicitude cabe à defesa, não bastando que o réu alegue ânimos exaltados para afastar sua responsabilidade. O próprio réu, afinal, disse que sua mãe, pai e primo estavam presentes, cabendo à defesa arrolar tais testemunhas para prestarem seus depoimentos. Por fim, aceitar a exaltação de ânimo para embasar a injúria racial seria relativizar o preconceito e a discriminação. Nesses termos, pede o Ministério Público a procedência da denúncia, com condenação do réu nas penas do artigo 2º-A, caput, Lei 7.716/89”.A defesa, em suas alegações finais por memoriais (mov. 103), defende a fragilidade das provas para embasar uma condenação, ante inconsistências e ausências de elementos importantes para caracterização do delito. Em caso de condenação, que sejam as circunstâncias judiciais avaliadas em seu favor totalmente favoráveis na primeira fase da dosimetria penal, impondo-lhe a reprimenda base em seu patamar mínimo.É o relatório, em síntese. Passo à fundamentação (art. 93, inciso IX, da CF/88 e arts. 11 e 489, caput, inciso II, ambos do Código de Processo Civil c/c art. 3º e 381, inciso III, ambos do Código de Processo Penal), e, na sequência, decido. FUNDAMENTAÇÃO A presente ação é de iniciativa pública incondicionada, detendo, portanto, o representante do Ministério Público a necessária legitimidade para a propositura da ação (art. 129, inciso I, da CF/88). Uma vez que no curso da demanda restaram satisfeitos todos os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 5º, inciso LIV, da CF/88), e sanadas eventuais nulidades, concluo que o processo está maduro para a análise do mérito.A conduta básica endereçada ao acusado encontra-se descrita no artigo 2º-A da Lei n. 7.716/89. Desde já, cumprindo a exigência prevista no art. 381, inciso IV, do Código de Processo Penal, transcrevo o teor do referido dispositivo: “Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” A materialidade do delito será analisada junto com a própria autoria.O réu negou a acusação, dizendo que não proferiu as injúrias raciais descritas na denúncia e que todo o desenrolar dos acontecimentos se deu em um contexto mais amplo de discussão acalorada: Que isso ocorreu um domingo à noite; que seu primo pediu ajuda, chorando, pois EDILANE quebrou a casa; que foi buscar a casa; que a moto estava no chão; que EDILANE ficou lhe arranhando; que no outro dia ele foi na porta da sua casa; que estava tomando banho; que ouviu uma gritaria na porta da casa; que o irmão da EDILANE xingou sua mãe e seu pai, Puta, Filho da puta; que sua mãe tem uma amiga delegada; que a delegada foi na viatura; que quando a viatura chegou, eles foram correndo falar pro policial; que estava distante e não ouviu o que falaram para o policial; que não chamou o réu de preto, macaco e pobre; que a mulher tem mais palavra que o homem. Que queria as filmagens do réu chamando a vítima desses xingamentos; que disseram que foi filmado. Às perguntas do representante do Ministério Público foi respondido o seguinte: Que sua mãe ligou pra delegada, e a delegada acionou a viatura; que sua mãe não foi ouvida; que quando a viatura chegou, quem foi correndo falar com os policiais foi a EDILANE; que foi para casa, eles queriam lhe agredir com uma chave de fenda; que estava no portão, escutando tudo; que quando a viatura chegou, saiu; que seu irmão não apareceu na situação em hora nenhuma; que seu primo não esteve lá. Às perguntas do defensor do interrogando foi respondido o seguinte: Que a vítima, irmão da EDILANE, estava com uma chave de fenda na mão; que estava a vítima e outras 4 mulheres; que ele estava com a chave para lhe agredir; que ele lhe acusa de injúria racial; que o portão é de grade, não é tampado tudo, por isso viu a chave de fenda; que quando saiu, a vítima já estava com chave de fenda; que quem estava na porta de casa era sua mãe, seu pai, seu filho Douglas; que seu pai estava bravo, sem entender nada; que estava tomando banho na hora; que não estava nem sabendo desse pedido de desculpas; que não mandou mensagem para eles; que eles lhe xingaram, retribuiu de volta; que não ficou calado; que não cometeu injúria racial, fazendo menção à cor da vítima; que se sentiu ameaçado, e por isso seu pai não lhe deixou sair para fora; que na verdade a polícia lhe conduziu pela ocorrência do dia anterior; que nem sabia que estava sendo preso por isso; que eles não têm o vídeo; que eles são barraqueiros; que dia desses ela fez barraco com seu primo de novo; que barraco na casa dos outros é normal para eles. (Interrogatório em juízo) Em contraponto à versão do acusado, assim disseram a vítima e as testemunhas ouvidas em juízo: Dada a palavra ao Ministério Público, respondeu: Que eles estavam brigando sua irmã com seu ex-marido; que ele foi lá e deu uma capacetada na sua irmã com filho de colo; que foi lá com sua mãe; que nessa situação toda, ele mandou mensagem pedindo ex-perdão; que o GUILHERME é o primo do ex-marido dela; que ele pediu desculpa; que ele veio com desaforo; que, no meio da discussão, lhe chamou de preto, macaco e pobre; que tinha muita gente por causa da família dele; que ele tinha achado que foi no intuito de arrumar briga; que foi para arrumar sua irmã; que foi direcionado somente ao depoente; que ele disse que tinha dinheiro pra pagar advogado; que chamou a polícia na hora; que esperou até o local. Dada a palavra à Defesa do (a) acusado (a), respondeu: Que foram 5 pessoas na casa, incluindo sua filha; que quem teve a iniciativa de confrontar o réu foi o depoente; que não houve ameaças contra o réu; que quem saiu primeiro foi a mãe do réu; que a conversa com a mãe dele foi normal no início, mas depois ela começou a se alterar; que pode ser que o GUILHERME só respondeu às provocações e xingamentos; que ele disse outras coisas, chamou o depoente de pobre e disse que não tinha dinheiro pra pagar fiança; que o réu direcionou ao próprio depoente; que o réu se alterou, então o depoente se alterou também; que nisso ele lhe xingou; que não houve gravação; que na hora da discussão toda, sua irmã começou a gravar; que quem estava lá pode confirmar; que o réu tinha falado pra sua irmã que queria pedir desculpa; que a capacetada ocorreu pois o réu tinha discutido; que ele foi pra casa do GUILHERME e disse que estava quebrando sua moto; que ele estava na rua e deu umas capacetadas nela; que sua irmã e o marido estavam brigando na casa; que ela brigava a moto dele; que ele foi na casa do GUILHERME pedir socorro; que salvo engano ela quebrou apenas isso; que começou no meio da discussão; que não interpretou mal alguma fala; que não tem desavença anterior com o réu. Complementando, as perguntas do MM. Juiz, respondeu: Que no momento a pessoa ofendida não estava na casa; que foi preciso a família ir até o local; que era isso o que o réu queria; que lembra de ter dito isso ao delegado; que ele xingou a EDILENE também. (MARCUS AURÉLIO SILVA BATISTA) Dada a palavra ao Ministério Público, respondeu: Que separou-se do LUIS FELIPE; que GUILHERME foi até o local tirar satisfação, lhe agrediu com filho no colo; que era uma briga entre a depoente e seu ex; que seu ex saiu da casa e o GUILHERME veio; que foi quando tudo começou; que quebrou algumas coisas da casa e o réu tomou as dores; que isso foi um dia antes; que GUILHERME disse a LUIS FELIPE que queria pedir desculpas; que não aceitou as desculpas dele pois ele começou a ofender seu irmão, lhe chamar de preto, pobre; que foram buscar suas coisas na casa de seu ex; que quando chegaram lá, ele não queria pedir desculpas; que a depoente e seu irmão foram lá; que acabou indo todo mundo; que foram na casa do GUILHERME; que foram na casa do GUILHERME para ele pedir desculpa; que não sabe por que não esperaram GUILHERME passar na casa; que não foram lá ameaçar GUILHERME, mas apenas pedir para que ele se desculpasse; que quem saiu primeiro foi a mãe do réu; que seu irmão falou com ela; que sua mãe começou com desaforo; que começou uma discussão entre seu irmão e a mãe do réu; que veio o pai do réu; que foi uma discussão de dois contra um; que GUILHERME saiu da casa com a mão na cintura; que ele saiu com uma faca; que ele saiu com a mão na cintura e era uma faca; que a mãe do réu lhe mandou ir embora; que o irmão dele chegou com um facão na mão e veio pra cima de seu irmão; que ele tirou a faca da cintura; que viu ele com uma faca; que a mãe dele lhe mandou ir para dentro; que quando foi nessa parte, eles se xingaram; que ele disse Vocês são pobres; que tinham os vídeos; que ele lhe chamou de vagabunda, de muita coisa; que ele mexeu muito com seu psicológico, palavras que lhe ofenderam; que isso de preto e macaco foi direcionado a seu irmão; que ligaram pra polícia; que isso foi mais um motivo; que chamou a polícia pelos dois, por terem xingado seu irmão e xingado sua irmã; que pegaram tudo e mostraram aos policiais; que não sabe dizer se ainda têm essas gravações; que sua irmã é RAQUEL. Dada a palavra à Defesa do (a) acusado (a), respondeu: Que o réu partiu pro ataque; que acha que foi uma injúria pois ele já veio armado lá de dentro; que seu irmão estava com uma chave de fenda, mas isso foi depois; que seu irmão viu que o réu estava armado, então buscou para se defender; que o irmão do réu chegou depois com um facão; que não trouxe nada de roupa, pois havia quebrado tudo; que quebrou sua casa toda; que isso foi no dia anterior; que foram buscar suas roupas; que só veio com a roupa do corpo; que só derrubou a moto, não tentou colocar fogo nela; que estava com seu filho; que seu ex saiu correndo ao ver o estado em que a depoente estava, quebrou tudo mesmo; que estava à noite; que pegou seu filho, trancou a porta e foi na rua; que viu uma moto e achou que fosse seu ex e o GUILHERME; que não passou nada por sua cabeça; que não esperava isso; que entrou para sua casa e deixou o portão aberto; que GUILHERME veio com a mão na cintura, gritando; que disse que a depoente era doida e vagabunda; que foi quando tirou o capacete da cabeça e lhe deu; que disse que foi lá para matá-la; que ficou sem reação, saiu e o deixou lá; que não sabe se ele conseguiu retirar a moto; que seu filho estava no chão nesse momento; que seu filho fez 1 ano; que não há tentativa de prejudicar GUILHERME. Para o MM. Juiz nada restou a ser perguntado a título de esclarecimentos complementares. (EDILANE SILVA BATISTA) Dada a palavra ao Ministério Público, respondeu: Que o réu foi tirar satisfação; que sua filha estava se separando e aí o réu, primo do ex-marido de sua filha, foi tirar satisfação, tacou o capacete na cabeça dela e a xingou; que ocorreu essa confusão; que pediram pra falar com o réu; que ele mandou o ex-marido da EDILANE, querendo pedir desculpa; que foram buscar as coisas da EDILANE; que foram pra casa do GUILHERME; que quando chegaram lá, ele disse que não queria desculpa e sim brigar; que a depoente, seu filho, sua esposa, a EDILANE e outra pessoa foram buscar as roupas; que passaram na casa do GULHERME para conversar; que a casa do GUILHERME para a da EDILANE é perto, tudo na mesma rota; que acharam que o GUILHERME queria pedir desculpa, mas ele queria era brigar; que quem atendeu primeiro foi a mãe do GUILHERME; que depois o pai dele saiu também; que a mãe do réu primeiro veio; que ela perguntou o que estava havendo; que ela disse que era para irem embora, pois seu filho estava tranquilo; que quando o réu saiu de dentro, ele saiu com uma faca; que os pais não o deixaram sair; que o irmão do réu chegou com um facão na mão; que o irmão dele aquietou mais um pouco; que ele agrediu seu filho de preto, pobre, negro; que ele xingou seu filho; que tinha mais gente; que ele não atingiu as outras pessoas, só sua filha e seu filho; que seu filho era o único homem na hora; que o irmão do réu chegou com um facão na mão; que ele queria ira pra cima; que ele aquietou então; que ligaram pra polícia; que a viatura chegou; que o irmão do GUILHERME saiu da casa; que o réu xingou o filho da depoente, que era quem estava discutindo com ele. Dada a palavra à Defesa do (a) acusado (a), respondeu: Que a conversa com a mãe dele foi tranquila; que o pai dele já começou a ficar mais alterado; que quando o réu saiu lá de dentro, ele já veio alterado; que começou a acalorar depois que o pai dele chegou; que a discussão era direcionada a seu filho; que o réu queria pedir desculpas a EDILANE; que encostaram o carro na porta da casa; que a mãe disse que seu filho era tranquilo; que o pai dele veio falando alterado; que foi quando o GUILHERME já veio em ponto de briga, já xingando seu filho e sua filha; que ele ofendeu e partiu pra ignorância de chamar seu filho de preto, macaco e pobre; que ele veio de dentro com essas palavras, xingando de pobre, preto e macaco; que chamaram a polícia na hora em que foram ofendidos; que chegaram 2 viaturas; que falaram pra polícia do irmão dele que chegou com um facão; que ele já tinha saído; que o réu estava com raiva e não queria pedir desculpa, mas sim ofender. Para o MM. Juiz nada restou a ser perguntado a título de esclarecimentos complementares. (LUZIA SILVA BATISTA) Dada a palavra ao Ministério Público, respondeu: Que foram empenhados na ocorrência de violência doméstica; que ao chegarem ao local, havia muita gente na porta da casa; que a solicitante, vítima, relatou que um dia antes, o marido dela lhe teria agredido com um capacete e lhe ameaçado de morte; que ela disse antes que quem lhe agrediu foi primo do ex-companheiro; que ela disse que ele lhe ameaçou com um facão; que quando chegaram ao local, ele havia se evadido; que o único que estava no local era um parente dele; que ele estava bem alterado; que havia umas 8 pessoas da família dela na casa; que a vítima disse que disse essas palavras; que algumas testemunhas falaram disso; que não lembram se colocou algum vídeo na ocorrência; que a vítima estava bem triste, dizendo que o réu lhe disse palavras ruins; que encaminharam o rapaz injuriado; que levaram o rapaz para a delegacia; que foi onde lavraram o auto de prisão em flagrante; que pediram apoio de outra equipe; que não acharam o capacete e a faca; que encaminharam apenas ela, o autor e o outro rapaz vítima de racismo; que de homem só tinha o réu e a vítima de racismo; que o réu disse que era primo; que lembra que ele disse essas palavras; que, além de ela agredir sua parente, queria que fosse levado à delegacia; que no momento olharam para as proximidades e não acharam a faca. Dada a palavra à Defesa do (a) acusado (a), respondeu: Que o pessoal que estava no local, salvo engano todos eram parentes da vítima; que foi na porta da residência; que a vítima estava um pouco alterada também; que a injúria foi mencionada depois; que a vítima disse que o primo do ex-companheiro lhe agrediu; que o irmão dela também falou da situação de racismo; que todos ali eram familiares; que encaminhou todos à delegacia; que era uma situação de âmbito familiar, com todos alterados. Complementando, as perguntas do MM. Juiz, respondeu: Que tudo isso ocorreu na porta da casa do réu, um grupo familiar na porta da sua casa. (TULIO MARCOS QUEIROZ CARDOSO) O entendimento jurisprudencial afirma que a palavra da vítima, em delitos patrimoniais, possui valor especial: “APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. TENTATIVA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO AFASTADA. GRAVE AMEAÇA CONFIGURADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO TENTADO. INVIABILIDADE. I – O posicionamento jurisprudencial deste Egrégio Tribunal de Justiça é no sentido de que, nos crimes contra o patrimônio, geralmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima reveste-se de valor probatório relevante, mormente quando coerente com outros elementos de prova. II - Os depoimentos de policiais, se colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, possuem valor relevante à condenação. (…) APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.” 1 O julgado acima transcrito possui também a relevância de ressaltar a validade que o depoimento policial possui, vez se tratar de agente munido de fé pública e parte desinteressada da relação processual. Sobre o depoimento destes últimos, destaco o que diz o Informativo de Jurisprudência nº 756 do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:“O testemunho prestado em juízo pelo policial deve ser valorado, assim como acontece com a prova testemunhal em geral, conforme critérios de coerência interna, coerência externa e sintonia com as demais provas dos autos.2” Pois bem. As narrativas apresentadas se harmonizam em alguns aspectos. Não se nega que, entre o acusado e a testemunha Edilane, houve uma suposta situação de violência doméstica que teria motivado a vítima e seus familiares a buscarem satisfação na residência do acusado. Isso também motivou, em um primeiro momento, o acionamento da Polícia Militar; no entanto, com o desenrolar dos acontecimentos e a discussão acalorada, teria havido a injúria racial descrita na denúncia. O ponto controvertido do caso dos autos, e a própria imputação penal em si, diz respeito especificamente à ocorrência ou não da injúria racial.Uma vez que se identifica a real divergência no caso dos autos, muitas das inconsistências mencionadas pela defesa em seus memoriais são desfeitas. Houve, no caso em questão, uma escala da discussão que teria redundado em um ponto culminante: a injúria racial.Sobre tal injúria, a defesa se queixa de não ter sido arrolada testemunha neutra que a comprovasse. É argumento estranho, haja vista que, nos termos do art. 156, caput, do Código de Processo Penal, a prova da alegação incumbe a quem a fizer. Ora: se o pai e a mãe do réu presenciaram a discussão, por que não foram arrolados como testemunhas para corroborar a narrativa de defesa? Em contraponto, a vítima e seus familiares, presentes na data dos acontecimentos, foram todos ouvidos em juízo.O policial militar é, de fato, testemunha neutra no caso, mas seu depoimento não presenciou efetivamente as injúrias. Limita-se, apenas, a confirmar que os ânimos estavam exaltados, que a viatura fora empenhada inicialmente para situação envolvendo violência doméstica, e que a vítima destes autos lhe informou ter sido injuriada racialmente.A conclusão a que se chega, pela análise e confronto das provas produzidas em juízo, mas também ponderando todas aquelas provas que poderiam ter sido produzidas pela defesa e não o foram, entendo pela condenação do réu de acordo com a denúncia. Tal conclusão se explica por estar a denúncia devidamente corroborada por testemunhos colhidos judicialmente, ao passo que a narrativa de defesa apresentada pelo réu em seu interrogatório se acha isolada nos autos.Os depoimentos colhidos em juízo demonstram de modo claro para a ocorrência do tipo penal, na medida em que as injúrias proferidas pelo réu utilizaram-se de elementos relativos à raça da vitima: “preto”, “macaco”, “pobre”.O elemento subjetivo do crime do art. 2º-A da Lei 7.716/1989 exige que o agente cometa a injúria com o fito exclusivo de ofender a dignidade de outro “em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional”. A mera existência de uma discussão acalorada – o que não se nega nesta sentença – não torna lícito, por isso mesmo, crer que não houve vontade de injuriar a vítima por parte do réu. Segundo o art. 28, I, do Código Penal, “a emoção ou a paixão” “Não excluem a imputabilidade penal”.Cumpre destacar, ainda a respeito deste aspecto, que a eventual ocorrência de injúrias ou ameaças dirigidas ao réu não afasta, por si só, a sua culpa em relação à injúria racial que se lhe imputa. Não há, no Direito Penal, compensação de culpas; o comportamento da vítima, todavia, pode ser sopesado na dosimetria da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal.De igual sorte, não se pode falar em retorsão imediata no caso em questão, uma vez que, embora a própria vítima afirme que também proferiu ofensas contra o réu, nenhuma delas atingiu o patamar de gravidade de uma injúria racial. É nítida a desproporção no caso em análise. Como dito pelo Ministério Público em suas alegações finais orais: “A injúria racial não pode ser tida como meio legítimo de defesa, por não se tratar de meio proporcional para repelir qualquer agressão. O art. 140, II, do Código Penal, prevê possibilidade de retorsão imediata, mas não no caso de injúria racial, ou seja, aquela que carrega consigo elementos raciais por não se tratar de injúria proporcional”, bem como que “aceitar a exaltação de ânimo para embasar a injúria racial seria relativizar o preconceito e a discriminação”.Em relação aos antecedentes do acusado, a certidão juntada no evento 106 confirma que se trata de réu primário e portador de bons antecedentes.Comprovada, pois, a materialidade e a autoria apenas dos delitos, não existindo nenhuma excludente de ilicitude ou isenção de pena a amparar o acusado, outro caminho não me resta senão condená-lo. DISPOSITIVO Assim sendo, julgo procedente a denúncia e condeno o acusado GUILHERME SANTOS SOUZA, brasileiro, solteiro, mecânico, natural de Aparecida de Goiânia/GO, com 21 anos de idade, nascido em 18/01/2003, inscrito no RG n. 7264574 SSP/GO e no CPF n. 708.707.471-77, filho de Lene Alves dos Santos e Paulo Souza da Guia, nas penas do artigo 2º-A da Lei n. 7.716/89.Nos termos dos artigos 59 e 68 do Código Penal, passo a fazer a dosimetria da pena ao acusado, observando-se o seguinte:A) culpabilidade – neutra – como substrato do crime, está evidenciada nos autos. Nesse sentido, trata-se de agente imputável, sendo-lhe exigível um comportamento nos moldes elencados no ordenamento jurídico, de tal modo que o mesmo tinha potencial consciência de que atuava de forma contraria, não se verificando a inexigibilidade da conduta diversa. Para além disso, incidindo como circunstância judicial de fixação da pena-base, atento ao fato de não se poder verificar algo que aumente ou diminua a reprovabilidade social da conduta praticada, tenho esta circunstância como favorável;B) antecedentes – neutros – conforme analisado acima;C) conduta social – neutra – por não ter se comprovado nos autos o relacionamento social do acusado com a comunidade que integra. Deixo de valorá-la;D) personalidade – neutra – por não constar nos autos elementos suficientes para sua aferição – in dubio pro reo;E) motivos – neutros – são os comuns à espécie. Assim, como são punidos pelo próprio tipo penal, não podem prejudicar novamente o agente, sob pena de bis in idem;F) circunstâncias – neutras – não verifico circunstâncias que prejudiquem esta análise;G) consequência – neutra – não extrapolaram sobremaneira a ofensa ao bem jurídico já tutelado pelo tipo penal;H) comportamento da vítima – favorável ao réu – há provas de que, de fato, a vítima proferiu ofensas contra o réu em contexto de discussão familiar exaltada.Assim, considerando que, das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, acima analisadas, uma foi favorável ao réu, fixo a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.Não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de diminuição e de aumento de pena.Isso posto, fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos de reclusão, para o crime previsto no artigo 2º-A da Lei n. 7.716/89.O regime inicial de cumprimento da pena será o aberto tanto para a condenação em reclusão quanto para a condenação em detenção, haja vista o disposto no art. 33, §2º, letra “c”, do Código Penal.Tendo em vista as circunstâncias acima analisadas, fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, sendo o valor unitário em 1/4 (um quarto) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. A pena pecuniária será destinada ao Fundo Penitenciário do Estado de Goiás (FUNPES-GO), conforme determinação do Despacho/Ofício nº 0524/2015, da Diretoria do Foro da Comarca de Goiânia-GO.Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, as quais consistem em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública (à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação) e limitação de final de semana, o que atende aos requisitos do artigo 44 e incisos do Código Penal. Fica incumbido ao Juízo de Execução Penas e Medidas Alternativas fixar o local e a forma de cumprimento.Após o trânsito em julgado desta decisão oficie-se a Justiça Eleitoral comunicando a condenação, nos termos do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. Na sequência, expeça-se Guia de Recolhimento Definitiva, a ser encaminhada à Vara de Execuções Penais para fiscalização do cumprimento da pena ora imposta.Adotem-se as providências junto ao INI – Instituto Nacional de Investigação, oficiando-se, e cumpra-se o disposto no artigo 809, § 3º, do CPP. Oficie-se ao Departamento da Polícia Federal, via Superintendência Regional de Goiás para o registro do nome do apenado no SINIC (Sistema Nacional de Identificação Criminal).Condeno o réu ao pagamento de custas processuais.Resta prejudicada a análise determinada pelo texto do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei nº 11.719/08), por não constar nos autos pedido formal para tanto.Quanto à análise prevista no artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal, tendo em vista que não se fazem presentes os motivos ensejadores de prisão cautelar, concedo a sentenciado o direito de recorrer em liberdade, sendo que respondeu ao processo dessa forma.Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Proceda-se a intimação prevista no texto do artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei nº 11.690/08).Goiânia, 25 de abril de 2025. (Assinatura digital)João Divino Moreira Silvério SousaJuiz de Direito
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