Processo nº 5607287-28.2020.8.09.0170
ID: 324265292
Tribunal: TJGO
Órgão: Campinorte - Vara das Fazendas Públicas
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 5607287-28.2020.8.09.0170
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FARISTON MONTERELLO RODRIGUES DA CRUZ
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁSCOMARCA DE CAMPINORTEVara das Fazendas PúblicasDECISÃOProcesso: 5607287-28.2020.8.09.0170Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSRequerido: Eliane Simão Da…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁSCOMARCA DE CAMPINORTEVara das Fazendas PúblicasDECISÃOProcesso: 5607287-28.2020.8.09.0170Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSRequerido: Eliane Simão Da SilvaObs.: A presente decisão serve como instrumento de citação/intimação, mandado, ofício nos termos dos artigos 136 a 139 do Código de Normas e Procedimentos do Foro, da Corregedoria do Estado de Goiás. Trata-se de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS em desfavor de MAGNO CARLOS DA SILVA, DAIANA CARLA ALVES DE SOUZA e ELIANE SIMAO DA SILVA, todos qualificados.Narra a inicial, em síntese, que: a) os demandados causaram dano ao erário e violaram princípios que regem a Administração Pública; b) a requerida Eliane, gestora do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB do Município de Campinorte/GO, celebrou os Contratos de Compromisso de Fornecimento n. 157/2016 e n. 159/2016, nos valores R$ 72.328,00 e R$ 29.015,00, com a empresa Daiana Carla Alves de Souza – ME (nome fantasia "Minibox Silva"), para fornecimento de material de expediente e limpeza, mesmo sabendo que a empresa contratada não dispunha de todos os itens objeto do contrato; c) a mencionada empresa é administrada pelo requerido Magno Carlos da Silva, cônjuge da titular, que, no intuito de dar aparente legalidade ao contrato celebrado, fraudou notas fiscais, atestando a entrega de bens que não foram efetivamente entregues ao Município; d) Daiana Carla era a proprietária da empresa contratada, mas seu esposo Magno Carlos da Silva efetivamente administrava a empresa Minibox Silva (nome fantasia); e) nenhum dos produtos adquiridos no Contrato n. 157/2020 foi entregue pela demandada, sendo o valor integralmente empenhado e pago à empresa Daiana Carla Alves de Souza - Minibox Silva, gerida pelos requeridos Daiana e Magno, conforme constatado por meio de vistoria in loco, por oficial de Promotoria de Justiça, bem como pelos depoimentos das testemunhas ouvidas na fase inquisitorial. Aduz que os produtos não foram entregues em sua totalidade, havendo pagamentos integrais mediante a emissão de notas fiscais fraudulentas, configurando dano ao erário e violação aos princípios da administração pública.Informa, ainda, que a requerida ELIANE SIMÃO havia no mesmo ano celebrado o Contrato n. 078/2016 com VIRLANE JOSÉ DOS SANTOS – nome fantasia: PAPELARIA E LIVRARIA SANTOS, e deste contrato eram fornecidos os bens de consumo relativos aos “materiais de expediente”, fato evidenciado pelas testemunhas e fotos jungidas no ICP n. 2017.0004.7153 – anexado aos autos, o que evidencia a falta de interesse público na manutenção da referida contratação junto ao estabelecimento MINIBOX SILVA, e que tão somente serviu para dilapidar o patrimônio municipal em favor dos requeridos. Pugna-se, assim, pela condenação dos requeridos nas sanções da Lei de Improbidade Administrativa, notadamente em razão da violação ao artigo 10 e 11 da Lei n. 8.429/92. Em caráter liminar, pleiteou-se a indisponibilidade de bens dos requeridos. No mérito, requereu a condenação dos requeridos nas sanções previstas nos artigos 10, incisos I, V, VIII, XI, XII, XIV e XX, e 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92.O pedido liminar de indisponibilidade de bens foi indeferido, determinando-se a notificação dos requeridos (mov. 4).Os requeridos foram notificados para oferecerem manifestação (mov. 10, 11 e 25). Eliane, Magno e Daiana apresentaram defesa preliminar (mov. 13 e 28).Em sua contestação, na mov. 13, ELIANE SIMÃO DA SILVA manifesta interesse no acordo de não persecução cível, bem como informa que não restou configurado qualquer dano ao erário, pois os produtos adquiridos foram entregues, ademais, afirmou que, havendo dano, este seria de R$101.343,00 (cento e um mil e trezentos e quarenta e três reais). Porém dos contratos que originaram a presente ação só foram pagos o valor de R$58.490,49 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e noventa reais e quarenta e nove centavos), seria impossível a ré causar prejuízos maiores que os valores que foram pagos. Afirma que foram entregues os produtos de limpeza, portanto o valor pago em relação ao contrato para aquisição de produtos de limpeza não deve ser sequer objeto desta ação. Restando a discussão do material de expediente que soma o valor de R$26.426,35 (vinte e seis mil, quatrocentos e vinte e seis reais e trinta e cinco centavos), por fim, requereu a improcedência do pedido (mov. 13). Já Magno e Daiana apresentaram contestação na mov. 28, na qual requereram, preliminarmente, a correção do valor da causa, afirmando que o valor da causa será o valor efetivamente pago pelo município, ou seja, R$ 51.400,00 (cinquenta e um mil e quatrocentos reais), em que pese este valor se referir, exclusivamente, aos produtos entregues, conforme será provado com a instrução processual. No mérito, afirmaram que não praticaram nenhum ato lesivo ao município de Campinorte e também não receberam nenhum centavo indevidamente, ou seja, todos os valores que receberam foram em razão da efetiva entrega de mercadorias, de modo que requereram a improcedência do pedido ao argumento de que não houve a intenção em causar prejuízos ao erário, não havendo qualquer ato de improbidade administrativa, restando prejudicados os pedidos expressos na inicial (mov. 28).Na mov. 29, consta despacho determinando a intimação do Ministério Público para apresentar emenda à inicial, devendo aplicar as novas disposições previstas pela Lei nº 14.230 de 25/10/2021 no que couber.O Ministério Público requereu a suspensão do processo em virtude da afetação do Tema de Repercussão Geral n. 1.199 do STF, tendo em vista que foi reconhecida a sua Repercussão Geral (mov. 35), cujo pedido foi deferido pelo juízo (mov. 36).Manifestação do Ministério Público diante do trânsito em julgado e da fixação da tese do Tema 1.199 do STF, requerendo o prosseguimento do feito, ressaltando o dolo direto dos agentes, pois, houve celebração de contrato de fornecimento de material de expediente de limpeza, por parte da administração municipal, na pessoa da requerida ELIANE, mesmo sabendo que a empresa contratada não dispunha de todos os itens objeto do contrato, e o requerido Magno, administrador da empresa de Daiana, fraudou notas fiscais, atestando a entrega de bens que não foram efetivamente entregues, em que pese os valores correspondentes tenham sido integralmente empenhados e pagos à empresa Daiana Carla, Minibox Silva, gerida pelos requeridos Daiana e Magno (mov. 53).Recebida a inicial, fora determinada a intimação do(s) requerido(s) para manifestar(em)-se sobre o Acordo de Não Persecução Cível, no prazo de 15 (quinze) dias, e após manifestação ou decurso do prazo, determinada a citação dos requeridos para apresentar contestação (mov. 55). Na mov. 58, o Ministério Público requereu a intimação dos requeridos para informar se possuem interesse na realização de acordo de não persecução cível.Certidão de intimação de Eliane Simão da Silva (mov. 62), de MAGNO CARLOS DA SILVA (mov. 63) e DAIANA CARLA ALVES DE SOUZA (mov. 64).Os requeridos, apesar de devidamente citados e intimados para se manifestarem sobre o interesse no Acordo de Não Persecução Cível, quedaram-se inertes, procedendo-se com a citação dos requeridos, conforme certidão de mov. 65.Certidão de citação de ELIANE SIMÃO DA SILVA (mov. 69), de DAIANA CARLA ALVES DE SOUZA (mov. 70) e de MAGNO CARLOS DA SILVA (mov. 71).Certidão de intimação do(a) Município de Campinorte (mov. 73).Certificado que citados os Requeridos não contestaram os pedidos iniciais em tempo hábil como da mesma forma não se manifestaram acerca do interesse em celebrar o ANPC (mov. 74).Na mov. 81 o Ministério Público requereu a decretação de revelia dos requeridos e o prosseguimento do feito.Na decisão de mov. 82 foi proferida decisão que decretou a revelia dos requeridos, bem como determinou a intimação do Ministério Público para individualizar as condutas dos réus e indicar de forma pormenorizada em quais incisos estas se amoldam, bem como demonstrar indícios suficientes do elemento subjetivo - dolo específico - de cada agente na suposta prática dos atos de improbidade a eles imputados, sem cumulação na mesma tipologia, sob pena de indeferimento.Assim, vieram-me conclusos.É o relatório. Decido.Inicialmente, analisando as questões passíveis de decisão imediata, fixo as normas aplicáveis à espécie. Tal sistemática exsurge do comando normativo plasmado no art. 357 do CPC, que determina ao juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo.Verifico que foi imputada aos requeridos, cumulativamente, a prática de atos de improbidade administrativa previsto nos artigos art.10, incs. I, V, VIII, XI, XII, XIV e XX e art. 11, inc. I da Lei nº 8.429/92.Quanto à aplicação imediata da lei nº 14.230/2021, sobre o tema, inicialmente, impende salientar que a Lei nº 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, foi criada para regulamentar o artigo 37, parágrafo 4º da Constituição Federal, o qual determina a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, nos casos de prática de atos de improbidade administrativa, sem prejuízo das sanções penais.Nesse sentido, a Lei nº 14.230/2021 trouxe expressamente tal aplicação, notadamente no artigo 1º, parágrafo 4º:§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.Nesse aspecto, embora o Direito Administrativo sancionador, do qual se insere, portanto, a improbidade administrativa, seja estremado do Direito Penal, também aplica-se o Princípio da Retroatividade da Lei Benigna, com fundamento no artigo 9º do pacto de San José da Costa Rica, com status supralegal, posto que a sua previsão não se cingiu à norma de natureza penal.A propósito:Artigo 9. Princípio da legalidade e da retroatividade ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável.Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.A respeito, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de igual modo, já assentou que o tema se insere no âmbito do Direito Administrativo sancionador e, segundo doutrina e jurisprudência, em razão de sua proximidade com o Direito Penal, a ele se estende a norma do artigo 5º, XVIII, da Constituição da República, qual seja, a retroatividade da lei mais benéfica. (REsp 1.353.267; e, em idêntico sentido, o RMS 37.031).Sobre o tema, veja-se os julgados:PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021)IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Arujá. Vereadores. 'AuxílioEncargos Gerais de Gabinete de Vereador'. Exercício de 2009. Ausência de nexo entre o dispêndio e o exercício do mandato. Enriquecimento ilícito. Prejuízo ao erário. Afronta aos princípios da administração pública. LF nº 8.429/92, art. 9º, 10 e 11. Recebimento da inicial. Legitimidade passiva. Prescrição. Tema STF nº 897. – 1. Legitimidade passiva. O cerne da controvérsia não reside propriamente na edição da Resolução nº 246/01, mas nas ilicitudes praticadas sob seu manto e a pretexto de sua aplicação. O 'parquet' imputa aos ex-vereadores o cometimento de atos de improbidade administrativa decorrentes do recebimento de verba de gabinete sem a demonstração do nexo entre o dispêndio e o exercício das competências legislativas; e não é razoável afirmar que apenas o ordenador das despesas, e não aqueles que da ilicitude se beneficiaram, detém legitimidade para figurar no polo passivo. Preliminar rejeitada. – 2. Prescrição. O art. 23 da LF nº 8.429/92, que cuida da prescrição das ações de improbidade administrativa, foi alterado pela LF nº 14.230/21; o 'caput' passou a estabelecer o prazo prescricional de oito anos contados da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. Doutrina e jurisprudência majoritárias consideram que normas de direito administrativo sancionador possuem similitude com normas penais; e, quando mais benéficas, devem retroagir em benefício do réu (CF, art. 5º, XL). Os autos cuidam de atos de improbidade administrativa que teriam sido praticados no exercício de 2009; o termo final para ajuizamento da ação seria 31-12-2017; e o Ministério Público fê-lo apenas em 18-12-2019, quando já decorrido o prazo prescricional. Tema STF nº 897 inaplicável na espécie, pois os agravantes já ressarciram o erário. – Reconhecimento ex officio da prescrição para extinguir a ação em relação aos agravantes. (TJSP; Agravo de Instrumento 2146747-50.2021.8.26.0000; Relator (a): Torres de Carvalho; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Arujá - Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 16/12/2021; Data de Registro: 16/12/2021.)APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTATIVA – Dispensa de licitação - Contratações diretas realizadas no exercício de 2006 pela EMDHAP em favor de diversas empresas, que atingiram o total de R$ 1.007.934,65 - Montante negociado que ultrapassa em muito o limite permitido dos incisos I e II do art. 24 da lei nº 8.666/93 – Dispensa de licitação indevida – Dano ao erário presumido – Inteligência do artigo 10 inciso VIII da Lei nº 8.429/92 - Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º § 4º determina a aplicação, no sistema de improbidade, dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador - Retroatividade da norma mais benéfica - Supressão do dano presumido constante na antiga redação do citado artigo 10 inciso VIII da Lei nº 8.429/92 – Sentença reformada para julgar improcedente o pedido provido. (TJSP; Apelação Cível 3010759-26.2013.8.26.0451; Relator (a): José Luiz Gavião de Almeida; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/12/2021; Data de Registro: 15/12/202)APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã. 1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência. 2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas. 3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível. 4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso. 5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo. 6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária. 7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão. 8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Monte Aprazível - 2ª Vara; Data do Julgamento: 10/11/2021; Data de Registro: 10/11/2021)Dessa forma, tem-se que as alterações trazidas à Lei de Improbidade Administrativa nº 8.429/92, pela Lei nº 14.230/2021, aplicam-se de imediato, devendo retroagir aos atos praticados antes da sua vigência, quando configurar situação mais benéfica ao agente infrator.Inicialmente, observo que a imputação lançada pelo Ministério Público em desfavor dos requeridos pela violação ao disposto no artigo 11, incisos I da Lei 8.429/92.Observe-se que antes das mudanças trazidas pela Lei nº 14.230/2021, a redação art. 11 permitia tanto a condenação “genérica” pela violação de princípios da Administração Pública (prevista no caput) quanto à condenação em condutas específicas, sendo uma delas “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” (inciso I). O rol previsto, portanto, era meramente exemplificativo.Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:II - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;Após a vigência da Lei nº 14.230/2021, o caput do art. 11 foi modificado, passando a prever um rol taxativo de atos ímprobos atentatórios dos princípios da Administração Pública, de tal forma que algumas das condutas previstas (como a do inciso I) foram revogadas. A nova redação do artigo 11 alterado pela Lei n° 14.230/2021 dispõe que:Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Assim, não mais existe inciso correspondente ao anterior inciso I, o qual foi revogado, de modo que tal conduta na presente demanda não mais configura ato de improbidade administrativa, ante a ausência de previsão legal.Como se vê, os incisos I e II do artigo 11 da Lei n° 14.230/2021 foram revogados. Pelo exposto, resta inviabilizada a aplicação de sanção decorrente da conduta prevista nos incisos mencionados.É de ressaltar que a Lei de Improbidade Administrativa se enquadra como parte do Direito Administrativo Sancionador, conforme indicado no art. 17-D da Lei 8.429/92: “Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”.Desta forma, tendo havido a ocorrência da abolitio criminis de uma conduta imputada à requerida, alternativa não resta a não ser o reconhecimento da atipicidade da conduta narrada na peça vestibular, dado a aplicação da retroatividade da lei nova benéfica a ré (novatio legis in melius).Posto isso, não há falar em condenação pela prática das condutas descritas no artigo 11, I, da Lei n° 14.230/2021.Portanto, não mais existindo a tipificação do ato praticado indicada na inicial relativo ao art. 11, inciso I da LIA, tem-se por inviável o reconhecimento de improbidade e a condenação da requerida, ainda que reprovável a conduta em discussão (art. 11, inciso I), motivo pelo qual, com fundamento no art. 485, VI do CPC, EXTINGO o processo sem resolução de mérito em relação ao pedido de condenação da parte requerida pela suposta prática prevista no inciso I do art. 11 da Lei 8.429/92, em razão da alteração/revogação promovida pela Lei 14.230/2021.No mais, conforme é cediço, a Lei 14.230/2021 trouxe mudanças significativas no sistema de sanções relacionadas à prática de atos que configuram improbidade administrativa. Uma das principais alterações é a exigência da comprovação do dolo específico em todos os atos de improbidade administrativa, conforme previsto no art. 1º, §1º, em conjunto com o art. 17-C, §1º, da Lei 8.429/92.O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 843.989 (Tema 1.199 de Repercussão Geral), estabeleceu as seguintes teses, de observância obrigatória: É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.Além disso, considerando ter havido a imputação cumulativa da prática de atos de improbidade administrativa, acerca da tipificação destes atos, dispõe o art. 17, § 10-D:"Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”Destaca-se, ainda, que, conforme nova redação dada à LIA, é necessária a individualização de cada conduta imputada a cada réu, bem como os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência dos atos de improbidade, ressalvada a impossibilidade devidamente fundamentada.Assim, aplicando tais teses ao caso concreto, conclui-se que para a configuração dos atos de improbidade imputados aos réus, descritos nos arts. 10 (lesão ao erário) da LIA é imprescindível a demonstração de dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, não bastando a mera voluntariedade do agente ou a demonstração de culpa, pois, a imputação original baseada em culpa (negligência, imprudência ou imperícia) não mais subsiste para os atos do art. 10.Dessa forma, a instrução processual deverá se concentrar na verificação do elemento subjetivo doloso na conduta de cada um dos requeridos.Portanto, fixo como pontos fáticos controvertidos, sobre os quais recairá a atividade probatória: A existência de dolo específico na conduta da requerida Eliane Simão da Silva ao celebrar os contratos nº 157/2016 e 159/2016, consistente na vontade livre e consciente de lesar o erário para beneficiar os demais requeridos. A existência de dolo específico na conduta dos requeridos Daiana Carla Alves de Souza e Magno Carlos da Silva, consistente na vontade livre e consciente de se beneficiarem ilicitamente de recursos públicos, mediante a emissão de notas fiscais por produtos não entregues ou parcialmente entregues. A efetiva entrega (ou a falta dela, total ou parcial) das mercadorias (material de expediente e limpeza) descritas nas notas fiscais emitidas pela empresa "Minibox Silva" e pagas pelo Município de Campinorte. A quantificação do efetivo prejuízo material causado ao erário municipal, correspondente à diferença entre os valores pagos e o valor de mercado dos produtos que porventura tenham sido efetivamente entregues.O ônus da prova, nos termos do art. 373 do CPC, recai sobre o autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito, notadamente a comprovação da materialidade (dano ao erário) e da autoria, incluindo o dolo específico de cada um dos réus. Aos requeridos, cabe o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.Dessa forma, preclusa a decisão, determino a intimação das partes para, no prazo de 15 (quinze) dias, indicarem as provas que pretendem produzir, especificando e justificando sua necessidade e pertinência.Com a juntada ou o decurso do prazo em branco, certifique-se e voltem-me os autos conclusos para decisão.Intimem-se. Cumpra-se. Campinorte, datado pelo sistema. THAYANE DE OLIVEIRA ALBUQUERQUEJuíza SubstitutaDecreto Judiciário nº 1403/2025 (assinado digitalmente)
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