Processo nº 0801299-23.2020.8.10.0131
ID: 275963710
Tribunal: TJMA
Órgão: Vara Única de Senador La Roque
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 0801299-23.2020.8.10.0131
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOANA MARA GOMES PESSOA MIRANDA
OAB/MA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO COMARCA DE SENADOR LA ROCQUE Rua Teresinha Mota, 720, Senador La Rocque/MA, CEP 65935-000 Fone: (99) 2055-1139| E-mail: vara1_slr@tjma.jus.b…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO COMARCA DE SENADOR LA ROCQUE Rua Teresinha Mota, 720, Senador La Rocque/MA, CEP 65935-000 Fone: (99) 2055-1139| E-mail: vara1_slr@tjma.jus.br Processo Judicial Eletrônico n.º 0801299-23.2020.8.10.0131 AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) - [Dano ao Erário] REQUERENTE(S): MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO REQUERIDO(S): DARIONILDO DA SILVA SAMPAIO Advogado do(a) REU: JOANA MARA GOMES PESSOA MIRANDA - MA8598 SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em face de Darionildo da Silva Sampaio, então Prefeito do Município de Senador La Rocque/MA. Narrou o autor que o requerido teria utilizado de bens, serviços e mídias públicas para a realização de promoção pessoal indevida, vinculando seu nome pessoal a atos administrativos, especialmente em faixas e publicações que noticiavam obras públicas, em afronta ao art. 37, §1º, da Constituição da República. A conduta foi considerada dolosa pelo parquet por ter o gestor agido com desvio de finalidade da publicidade institucional, com o intuito de promover a sua reeleição. Na petição inicial, o Ministério Público requereu, inicialmente, a concessão de tutela de urgência para que o requerido fosse compelido a retirar, no prazo de 24 horas, todas as publicações em redes sociais e outros meios de comunicação institucional que configurassem promoção pessoal com o uso de bens ou serviços públicos, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, devendo comprovar o cumprimento da medida no prazo de 48 horas, sob pena de eventual pedido de afastamento cautelar do cargo. No mérito, pleiteou a condenação do demandado pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput e inciso XII, e, subsidiariamente, no art. 11, caput e inciso I, ambos da Lei nº 8.429/1992, com a imposição das sanções legais previstas no art. 12 do mesmo diploma, incluindo a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por dez anos, multa civil equivalente ao triplo do valor do enriquecimento ilícito e proibição de contratar com o poder público por igual período. Requereu ainda a condenação do requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como a expedição de ofício ao Município de Senador La Roque para apresentação de documentos comprobatórios dos gastos com a confecção e veiculação das faixas de agradecimento apontadas nos autos. A inicial veio instruída com procedimento conduzido pelo Ministério Público do qual se extrai que instaurou a Notícia de Fato nº 000250-002/2020 e, no curso da apuração, expediu os ofícios PJSLR-373/2020 e 375/2020, solicitando informações ao Município e ao Prefeito sobre os fatos indicados na denúncia. As respostas foram prestadas pelo Município por meio do Ofício nº 437/2020-PGM/SLR, protocolado em 07/10/2020, com documentos que incluíam fotografias e capturas de tela das publicações questionadas, o prefeito Darionildo da Silva Sampaio, por meio da Procuradora-Geral do Município, alegou não haver promoção pessoal nas publicações, sustentando que a divulgação das ações administrativas se deu apenas com caráter informativo. Defendeu que utilizou meios impressos e digitais para dar transparência à sua gestão. Diante da confirmação das informações e da continuidade das condutas, o Ministério Público ajuizou a presente ação e o juízo deferiu a liminar, determinando a remoção do conteúdo no prazo de 24 horas, com comprovação em 48 horas. Após a liminar, o requerido apresentou manifestação nos autos (ID 37553636), na qual informou que teria cumprido a determinação judicial, providenciando a retirada das publicações e mídias das redes sociais institucionais. No trâmite processual, foi determinada a citação do requerido, que, embora tenha sido regularmente citado, deixou de apresentar tempestivamente contestação, sendo decretada sua revelia, nos termos do art. 344 do CPC. Ressaltou-se, todavia, que, por se tratar de ação de improbidade administrativa, não se presume a veracidade dos fatos com base exclusiva na revelia, conforme art. 17, §19, I, da Lei nº 8.429/1992. Em fase de instrução, foi realizada audiência de instrução e julgamento em 10/02/2025, com a presença do requerido e de seu advogado. Na ocasião, colheu-se o depoimento pessoal do requerido, porém não foram ouvidas testemunhas. O Ministério Público apresentou alegações finais orais em audiência. É o relatório. Fundamento e decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, procedo à apreciação do mérito e julgamento da lide. No presente feito, restaram incontroversos os fatos concernentes à existência de publicações institucionais, tanto em meio físico quanto digital, vinculando o nome do então gestor municipal, Darionildo da Silva Sampaio, à realização de obras públicas no Município de Senador La Roque, notadamente a reforma da Unidade Básica de Saúde Miguel Nunes. Também se encontra pacificado nos autos que tais publicações, em especial faixas fixadas em via pública e postagens em redes sociais, traziam expressa menção ao nome do requerido, em associação direta à execução de atos administrativos, como ilustrado pela mensagem: "Senador La Roque agradece ao Prefeito Dário Sampaio pela reforma e ampliação da UBS Miguel Nunes". Igualmente, não se contesta que parte dessas divulgações ocorreu através de perfis com identidade visual institucional, incluindo brasões e símbolos públicos. Contudo, reside a controvérsia central na análise da intencionalidade da conduta imputada ao requerido e na qualificação jurídica dos atos como ímprobos. O requerido sustenta não ter autorizado a confecção das faixas nem a vinculação de sua imagem a tais publicidades, atribuindo sua origem a terceiros não identificados e alegando ausência de dolo ou de conhecimento prévio sobre a veiculação dos conteúdos. Questiona-se, ainda, se houve efetivo uso de recursos públicos para produção e divulgação das peças de marketing, bem como se a conduta se enquadra nas hipóteses dos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, especialmente diante da alegação de que as publicações em redes sociais ocorreram em contas pessoais e não em canais oficiais do Município. Nos termos do art. 434 do mesmo diploma, cumpre às partes instruir a petição inicial e a contestação com os documentos destinados à prova de suas alegações, operando-se a preclusão para juntada posterior, ressalvadas as hipóteses do art. 435 do CPC. Pois bem. A expressão improbidade administrativa designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e de seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de morte os princípios da Carta Republicana, ou como prefere JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem improbidade administrativa “é uma imoralidade qualificada”. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 668-669) De seu turno, o conceito de “improbidade” é bem mais amplo do que o de “ato lesivo ou ilegal” em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que incorreção, falta de probidade, má conduta. Com efeito, a Lei Federal nº. 8.429/92 é o diploma legal que regula a matéria em questão, estabelecendo como ato de improbidade administrativa todo aquele, praticado por agente público, que importe: (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e/ou (iii) violação aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92, respectivamente). MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO aduz que um ato administrativo somente implicará a incidência das penalidades estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa ao seu autor quando presentes os seguintes elementos: a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429; b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º); c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três; d) elemento subjetivo: dolo ou culpa. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 813.) No que concerne ao tema, o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 843.989, com repercussão geral, quanto aos limites de aplicabilidade da nova Lei de Improbidade Administrativa, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º,inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Como se vê, o STF fixou entendimento quanto à irretroatividade da nova lei, ressalvando, contudo, a sua retroação benéfica apenas em relação à revogação da modalidade culposa do ato de improbidade, para que seja verificada a presença de dolo, e limitada tal retroatividade aos casos pendentes de julgamento ou, já resolvidos, mas sem condenação transitada em julgado. Registra-se que a Lei de Improbidade compreende o direito administrativo sancionador, positivado no art. 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, e por isso deve obedecer ao princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica. Dessa forma, a partir dessa orientação, tenho que é aplicável na presente hipótese as disposições constantes da Lei 14.230/2021. No caso presente, o autor pleiteou a condenação do demandado pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, caput e inciso XII, e, subsidiariamente, no art. 11, caput e inciso I, ambos da Lei nº 8.429/1992, com a imposição das sanções legais previstas no art. 12 do mesmo diploma, in verbis: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência (revogado pela redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) No que tange à pretensão de enquadramento do gestor no art. 11, caput e inciso I, tendo sido revogado o referido inciso e considerando que as condutas devem obediência ao rol taxativo do dispositivo, poderia argumentar-se novatio legis in mellius, uma vez que o requerido não poderia mais ser condenado naquele inciso pelo advento da norma benéfica da Lei 14.230/2021. Contudo, a despeito da revogação da tipicidade em abstrato operada pela Lei n. 14.230/21, a conduta imputada na inicial encontra correspondência no rol exaustivo previsto nos incisos do art. 11 da Lei n. 8.429 /92, qual seja o inciso XII, o que indica continuidade típico-normativa e, consequentemente, a permanência do interesse na persecução. Vejamos: XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) A par da permanência da tipicidade no âmbito do art. 11 da LIA, é igualmente necessário enfrentar a imputação deduzida com base no art. 9º, inciso XII, da mesma lei, cuja natureza é mais gravosa, por tratar-se de hipótese de enriquecimento ilícito. Conforme previsão legal, incorre em ato ímprobo aquele que, dolosamente, utiliza-se de bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio público em proveito próprio. No caso em tela, sustenta o Ministério Público que o requerido valeu-se da estrutura pública municipal para fins de promoção pessoal, utilizando faixas, material gráfico e canais institucionais de divulgação, com fins de enaltecimento pessoal e consolidação de imagem política, o que, a seu ver, configura proveito indevido extraído da máquina administrativa, com indevida apropriação de recursos públicos para fins privados. Nesse contexto, verifica-se que, mesmo diante das alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, igualmente houve continuidade típico-normativa entre a redação originária e a vigente, na medida em que permanece vedado ao agente público o uso de bens ou recursos da Administração em benefício próprio, ainda que sob a forma de autopromoção política. A descrição fática contida na petição inicial, que aponta o uso de faixas, materiais gráficos e mídias institucionais para enaltecimento pessoal do requerido em obras e atos administrativos, encontra correspondência normativa no tipo previsto, evidenciando a persistência do desvalor jurídico da conduta sob a nova sistemática legal. Portanto, a conduta narrada na exordial permanece inserida no âmbito de incidência da Lei de Improbidade Administrativa. A imputação de utilização indevida de recursos e bens públicos com finalidade de promoção pessoal, conforme narrado pelo Parquet, encontra equivalência na nova redação do art. 11, inciso XII, e preserva, igualmente, pertinência com o tipo descrito no art. 9º, inciso XII, haja vista que, ao menos em tese, se amolda ao uso do acervo patrimonial público em benefício próprio, ainda que não necessariamente importe em vantagem patrimonial de natureza econômica. Assim sendo, restando superada a análise da adequação normativa das condutas descritas aos dispositivos legais vigentes, passo à verificação do elemento subjetivo exigido por tais figuras típicas, com especial atenção à demonstração da presença ou ausência de dolo na conduta do requerido. Com as premissas acima fixadas, verifico a inocorrência de ato ímprobo no caso em tela, uma vez que o novo regramento legal exige a comprovação de que o gestor agiu efetivamente com dolo, o que não restou demonstrado na hipótese dos autos. Vejamos. Como se sabe, a nova sistemática normativa consagrou expressamente a necessidade da demonstração de dolo específico, afastando a responsabilização objetiva ou por mera culpa. Os Tribunais Pátrios, adotando o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 843.989, já vem decidindo dessa maneira: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TEMA 1.199, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCIDÊNCIA SUPERVENIENTE DA LEI Nº 14.230/2021. PRESCRIÇÃO. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DE SANÇÃO. PROCEDÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. - O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199, por unanimidade fixou a seguinte tese: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei"- Firmado o entendimento de que o novo regime prescricional é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporárias a partir da publicação da Lei 14.230/2021, deve ser reformada a sentença que pronunciou a prescrição e deixou de aplicar as sanção previstas no art. 12 da LIA - Afastada a prescrição e reconhecida a prática da conduta descrita no art. 10, inciso IX, da LIA, deve ser acrescida a condenação de ressarcimento ao erário a sanção de suspensão dos direitos políticos do réu por 8 (oito) anos. (TJ-MG - AC: 10000221565138001 MG, Relator: Roberto Apolinário de Castro (JD Convocado), Data de Julgamento: 22/11/2022, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/11/2022) (grifei) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM LICITAÇÃO – DANO AO ERÁRIO E OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DOLO – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.230/21 – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR AO SISTEMA DE IMPROBIDADE – RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. 1. O propósito da Lei de Improbidade Administrativa é coibir atos praticados com manifesta intenção lesiva à Administração Pública e não apenas atos que, embora ilegais ou irregulares, tenham sido praticados por administradores inábeis sem a comprovação de má-fé. Ausência de dolo. 2. Da ilegalidade ou irregularidade em si não decorre a improbidade. Para caracterização do ato de improbidade administrativa exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público. 3. Ação civil pública por improbidade administrativa. A Lei n.º 14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, dentre as quais a supressão das modalidades culposas nos atos de improbidade. Novatio legis in mellius. Retroatividade. Aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992). 4. Para caracterização do ato de improbidade administrativa faz-se necessário dolo do agente, assim entendido como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, não bastando a voluntariedade do agente ou o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas. Ausência de prova de dolo dos réus. Ação civil pública improcedente. Sentença reformada. Recursos providos. (TJ-SP - AC: 10012716120188260498 SP 1001271-61.2018.8.26.0498, Relator: Décio Notarangeli, Data de Julgamento: 18/04/2022, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/04/2022) (grifei) Em análise a conduta subjetiva do gestor, durante a audiência de instrução, colheu-se o depoimento pessoal do requerido, Sr. Darionildo da Silva Sampaio, oportunidade em que foi diretamente questionado pelo Ministério Público sobre os atos de publicidade institucional que deram origem à presente demanda. Ao ser inquirido sobre a utilização de faixas e publicações com menção expressa ao seu nome em obras públicas, como exemplificado na Unidade Básica de Saúde Miguel Nunes, o requerido afirmou não se recordar de ter praticado qualquer ato de autopromoção após o período vedado pela legislação eleitoral, alegando ainda que as publicações não ocorreram em página oficial do município, mas sim em perfil pessoal seu, sem vínculo institucional. Instado a esclarecer quem seria o responsável pela gestão das redes sociais do Município, Darionildo negou o conhecimento sobre eventual assessor ou secretário encarregado dessa tarefa, sustentando que a única página oficial existente seria a do Portal da Transparência. Sobre a retirada das faixas de agradecimento e publicações após a decisão liminar proferida nos autos, afirmou não se recordar de ter determinado tal providência, limitando-se a afirmar que não autorizou a realização de propaganda com seu nome e imagem, atribuindo eventual autoria a terceiros ou simpatizantes de sua gestão. O Ministério Público, em suas alegações finais orais, rebateu os argumentos defensivos, destacando que a vedação constitucional à promoção pessoal com recursos públicos (art. 37, §1º, da CF/88) é permanente durante todo o exercício do mandato, e não apenas em período eleitoral. Enfatizou que as provas documentais juntadas aos autos — como faixas com agradecimento nominal ao requerido e publicações em redes sociais com o brasão do município e logomarca personalizada de "Dário Sampaio" — demonstram um padrão reiterado e estruturado de vinculação da figura pessoal do prefeito aos atos administrativos, com claro desvio de finalidade da publicidade institucional. Ainda foi ressaltado pelo Parquet que somente após a prolação de decisão judicial liminar é que se constatou a efetiva retirada de algumas publicações e faixas, evidenciando a resistência inicial em cessar a prática vedada. Sublinhou, inclusive, que o uso de estrutura pública para confecção e veiculação de tais materiais reforça a configuração de uso indevido do erário para fins particulares, o que, aliado ao descumprimento das tentativas extrajudiciais de resolução do conflito, reforça a caracterização do dolo exigido para os atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º, XII, e 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/1992. Entretanto, em análise a todo conjunto probatório colhido nos presentes autos, verifico que, no bojo da Notícia de Fato n.º 000250-002/2020, instaurada no âmbito da Promotoria de Justiça de Senador La Rocque, o Ministério Público limitou-se a oficiar o então prefeito para que apresentasse esclarecimentos sobre os fatos noticiados. A resposta foi prontamente apresentada por meio da Procuradora-Geral do Município, a qual afirmou a inexistência de qualquer intenção de promoção pessoal e sustentou que os atos de divulgação institucional se restringiram à publicidade dos feitos da administração, sem extrapolar os limites constitucionais do art. 37, §1º, da CF/88. Verifica-se, portanto, que não foram promovidas, nessa fase investigatória, diligências suplementares aptas a confirmar o uso indevido de recursos públicos, tampouco se extraiu do procedimento preliminar qualquer manifestação de vontade ou comportamento inequívoco do requerido que pudesse indicar propósito deliberado de autopromoção pessoal com desvio de finalidade institucional, não havendo quaisquer determinações por parte do Ministério Público a fim de cessar a conduta considerada ímproba. Ainda, após o ajuizamento da ação e deferimento da tutela de urgência para que fossem retiradas publicações tidas por irregulares, constatou-se que o requerido, por intermédio da Procuradoria do Município, cumpriu voluntariamente a determinação judicial, apresentando fotografias e documentos que demonstraram a remoção das faixas e das postagens objeto da controvérsia. Essa conduta, de natureza colaborativa, adotada de forma célere e sem resistência à ordem judicial, afasta, ao menos nesse estágio processual, a configuração de um agir doloso continuado ou a existência de postura recalcitrante por parte do agente político. Trata-se de comportamento que, embora posterior ao fato gerador, revela ausência de intenção em manter ou reiterar a conduta, circunstância que deve ser valorada na aferição da existência do dolo necessário à configuração do ato ímprobo. No mesmo sentido, a instrução processual também não permitiu extrair elementos probatórios consistentes capazes de demonstrar, de forma segura, a presença do elemento volitivo necessário à configuração do dolo. O depoimento pessoal do requerido foi marcado por afirmações no sentido de desconhecer a origem e os responsáveis pela divulgação das faixas e publicações em redes sociais com seu nome, alegando não ter autorizado qualquer ato de enaltecimento pessoal. Atribuiu os fatos a iniciativas espontâneas de terceiros, simpatizantes de sua gestão, e reiterou que, se houve erro, jamais foi movido por intenção de promoção pessoal, tampouco com o fim de obter benefício político ou patrimonial. Importante observar que, embora tais alegações não sejam, por si sós, suficientes para afastar a responsabilidade, o ônus probatório da demonstração do dolo incumbe ao autor, mormente em sede de ação de improbidade administrativa, cuja natureza é sancionatória e exige prova robusta da conduta dolosa, nos termos do art. 1º, §1º, da Lei nº 8.429/1992. Imperioso, novamente, lembrar que, conforme disposição inserta no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei nº 8.429/1992, com redação incluída pela Lei nº 14.230/2021, adotam-se no sistema de improbidade os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Assim, a norma mais benéfica retroage e se aplica ao presente caso. Nessa toada, colaciona-se: APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – FRAUDE À LICITAÇÃO –DIRECIONAMENTO - DANO AO ERÁRIO E OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DOLO – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.230/21 – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVOS SANCIONADOR AO SISTEMA DE IMPROBIDADE –RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA - O propósito da Lei de Improbidade Administrativa é coibir atos praticados com manifesta intenção lesiva à Administração Pública e não apenas atos que, embora ilegais ou irregulares, tenham sido praticados por administradores inábeis sem a comprovação de má-fé - Ausência de dolo- Da ilegalidade ou irregularidade em si não decorre a improbidade -Para caracterização do ato de improbidade administrativa exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público - Ação civil pública por improbidade administrativa - A Lei n.º 14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa,dentre as quais a supressão das modalidades culposas nos atos de improbidade - Novatio legis in mellius -Retroatividade - Aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º,§ 4º, da Lei nº 8.429/1992)- Para caracterização do ato de improbidade administrativa faz-se necessário dolo do agente, assim entendido como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, não bastando a voluntariedade do agente ou o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas -Ausência de prova de dolo dos réus - Sentença reformada - Recursos de apelação providos. (TJSP; Apelação Cível 0003735-30.2012.8.26.0581;Relator (a): Ponte Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público;Foro de São Manuel - 2ª Vara; Data do Julgamento: 12/04/2023; Data de Registro: 12/04/2023) (grifei) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . REmessa NECESSÁRIa. ARTIGO 17, § 9º, INCISO IV E ARTIGO 17-C, § 3º, DA LIA, INCLUÍDOS PELA LEI Nº 14.230/2021. NÃO CONHECIDa . PRESCRIÇÃO. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 23 DA LIA, DADA PELA LEI Nº 14.230/2021. APLICÁVEL ÀS PENALIDADES PREVISTAS NO ART . 12. RETROATIVIDADE DA NORMA. MARCO INTERRUPTIVO. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA . LEGITIMIDADE PASSIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. ATO DOLOSO TIPIFICADO. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO MINISTÉRIO DA SAÚDE . RECEBIMENTO DE VANTAGENS. NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO, MA-FÉ E ERRO INTENCIONAL. ILEGALIDADES . CONDUTA NEGLIGENTE. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA - (...omissis…) Relativamente à retroatividade da norma, no que se refere à prescrição intercorrente, instituto de direito processual, parte da doutrina e jurisprudência tem se posicionado pela aplicação imediata e retroativa da Lei nº 14.230/2021 aos processos em andamento, desde que para beneficiar o réu (artigo 5º, inciso XL, da CF), ao fundamento de que o artigo 1º, § 4º, da lei determina a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador ao sistema da improbidade, entre os quais se destaca o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. A retroação das normas sancionatórias mais benéficas tem sido reconhecida pelos Tribunais Superiores. Precedentes (...omissis…) O recebimento da inicial foi analisado sob a égide da Lei nº 8.429/92, na redação anterior à dada pela Lei nº 14.230/2021 . Vigorava o entendimento de que a prova definitiva da conduta ímproba (artigos 9º, 10 e 11 da LIA) não era condição necessária para o recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa. Bastavam indícios verossímeis de sua ocorrência no plano material e de autoria (Lei nº 8.429/1992, artigo 17, § 6º), os quais poderiam ser confirmados ou desqualificados no transcorrer da instrução probatória, a qual tinham, obviamente, a finalidade de apresentação de provas e o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como a verificação da existência dos elementos subjetivos (dolo, má-fé e culpa). Destaca-se, ademais, que na fase inicial da ação de improbidade vigorava o princípio do in dubio pro societate, a fim de preservar o interesse público . Precedentes. - O § 6º do artigo 17 da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, determina que a ação de improbidade deve seguir o procedimento comum, previsto no CPC, e a petição inicial individualizar a conduta do acusado, apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência dos atos ímprobos previstos nos artigos 9º ao 10º e ser instruída com documentos que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado, ou exposição das razões fundamentadas da impossibilidade de sua apresentação. (...omissis…) (TRF-3 - ApelRemNec: 00302444220084036100 SP, Relator.: Juiz Federal Convocado MARCELO GUERRA MARTINS, Data de Julgamento: 22/02/2022, 4ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 25/02/2022) (grifos nossos) No caso concreto, as provas coligidas — ainda que revelem a existência de publicações com elementos que possam sugerir personalização de atos administrativos — não lograram evidenciar, com o grau de certeza exigido, que o requerido tenha determinado ou consentido conscientemente a prática desses atos com finalidade de promoção pessoal. Portanto, diante das alterações da Lei nº 14.230/2021,aplicáveis ao caso em tela, bem como o atual posicionamento da jurisprudência, ausente a prova inequívoca do dolo, impõe-se a rejeição da pretensão condenatória fundada nos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, sendo de rigor a improcedência dos pedidos autorais. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento nos arts. 5º, inciso XL, e 37, caput e §4º, da Constituição da República, e disposições da Lei nº 8.429/1992 (com a redação alterada pela Lei nº 14.230/2021) e na jurisprudência, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I do CPC. Sem condenação em custas, despesas ou honorários, considerando a atuação do Município de Senador La Rocque no polo ativo da demanda e a ausência de má-fé na propositura da ação, ex vi do artigo 23-B, § 2º, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.320/2021. Sentença não sujeita à remessa necessária, nos termos do artigo 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.320/2021. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Notifique-se. Certificado o trânsito em julgado, ARQUIVEM-SE os autos. Senador La Rocque/MA, data certificada eletronicamente. Dayan Jerff Martins Viana Juiz de Direito Titular da Comarca de Senador La Rocque
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