Processo nº 0837652-25.2024.8.10.0001
ID: 324855184
Tribunal: TJMA
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0837652-25.2024.8.10.0001
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0837652-25.2024.8.10.0001 APELANTE: ESTADO DO MARANHÃO PROCURADOR: CARLOS HENRIQUE FALCÃO DE LIMA - PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO APELAD…
SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0837652-25.2024.8.10.0001 APELANTE: ESTADO DO MARANHÃO PROCURADOR: CARLOS HENRIQUE FALCÃO DE LIMA - PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO APELADA: LEONICE MOTA SANTOS ADVOGADA: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO RELATOR: DESEMBARGADOR LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO PELO SUS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AOS TEMAS 6 E 1.234 DO STF. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO. I. CASO EM EXAME Ação de obrigação de fazer ajuizada por particular contra o Estado do Maranhão e o Município de São Luís para fornecimento de tratamento oftalmológico com Ranibizumabe. Sentença julgou procedente o pedido. Apelação do Estado do Maranhão sustentando ilegitimidade e ausência de protocolo específico no SUS. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 4. Há duas questões em discussão: (i) se a sentença observou os critérios fixados pelos Temas 6 e 1.234 do STF; (ii) se houve comprovação dos requisitos para concessão judicial do medicamento. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Medicamento pleiteado não incorporado ao SUS para a finalidade requerida. 6. Sentença não observou os requisitos obrigatórios definidos pelo STF, como comprovação científica e negativa administrativa. 7. Aplicação imediata dos Temas 6 e 1.234 e das Súmulas Vinculantes 60 e 61. 8. Necessária reabertura da fase instrutória para adequação da inicial e produção de provas. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso prejudicado. Sentença anulada de ofício, com retorno dos autos à origem para nova instrução. Tese de julgamento: A concessão judicial de medicamento não incorporado ao SUS exige o cumprimento cumulativo dos critérios fixados nos Temas 6 e 1.234 do STF, sendo nula a sentença que não observa tais diretrizes. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 196; Lei nº 8.080/1990, arts. 19-Q e 19-R; Decreto nº 7.646/2011; CPC, arts. 321, 489, § 1º, V e VI, e 927. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 566.471 (Tema 6); STF, RE 1.366.243 (Tema 1.234); STJ, AgInt no REsp 2.120.171/SP. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os senhores desembargadores da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em julgar prejudicado o presente recurso, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento os senhores desembargadores Cleones Carvalho Cunha (Presidente), Jamil de Miranda Gedeon Neto e Lourival de Jesus Serejo Sousa (Relator). Funcionou, pela Procuradoria-Geral de Justiça, a procuradora Iracy Martins Figueiredo Aguiar. RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta pelo ESTADO DO MARANHÃO contra sentença proferida pelo Juízo da Vara da Saúde Pública do Termo Judiciário de São Luís – Comarca da Ilha de São Luís (ID 41297465), que julgou procedente o pedido formulado por LEONICE MOTA SANTOS em sede de Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela Antecipada, ajuizada com o intuito de compelir os entes públicos demandados — Estado do Maranhão e Município de São Luís — a fornecerem tratamento oftalmológico intravítreo, com uso de medicação antiangiogênica (Ranibizumabe ou Aflibercepte), para aplicação no olho esquerdo da parte autora, acometida de Oclusão de Ramo Central da Retina Pregresso (CID 10 H34.2). A sentença, além de ratificar a tutela de urgência anteriormente concedida, condenou solidariamente os réus à prestação do tratamento postulado, fixando a responsabilidade financeira sobre os medicamentos ao Estado do Maranhão e os custos procedimentais ao Município de São Luís. Também foram os réus condenados ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.320,00, sendo dois terços atribuídos ao Estado do Maranhão. Em suas razões recursais (id 41297469), o Estado do Maranhão alega, em síntese: (i) ilegitimidade passiva, por não integrar o protocolo de atendimento aplicável ao diagnóstico da autora; (ii) necessidade de observância estrita aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) do SUS, argumentando que a enfermidade da autora não se enquadra nos critérios estabelecidos; (iii) existência de responsabilidade administrativa primária do Município ou da União, conforme normas de repartição de competências do SUS; (iv) possibilidade de dano grave à economia pública caso se mantenha a condenação; (v) pedido subsidiário de fixação de honorários em valor inferior, ante o alegado impacto orçamentário. Contrarrazões apresentadas no ID 41297473. A Procuradoria Geral de Justiça, em parecer de ID 42423940, opinou pelo conhecimento e desprovimento da apelação. É o relatório. VOTO O recurso se encontra prejudicado, sendo o caso de anulação da sentença recorrida. A controvérsia gira em torno da obrigação do Estado do Maranhão e do Município de São Luís de fornecer, solidariamente, à paciente tratamento oftalmológico intravítreo, com uso de medicação antiangiogênica (Ranibizumabe ou Aflibercepte), para aplicação no olho esquerdo da parte autora, acometida de Oclusão de Ramo Central da Retina Pregresso (CID 10 H34.2). Adentrando na matéria posta em discussão, é preciso pontuar que a tese de ilegitimidade passiva trazida pelo ente estatal não merece guarida. Com efeito, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça reconhece a responsabilidade solidária entre os entes federativos no fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde, conforme decidido no Tema 793 da Repercussão Geral (RE 855.178/SE): "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." Assim, não há falar em ilegitimidade passiva, na forma como alega o Estado do Maranhão, pois a responsabilidade solidária permite que o autor opte por demandar qualquer um dos entes federativos, isoladamente ou em conjunto. Eventuais questões relativas à repartição de custos entre os entes devem ser resolvidas no âmbito interno da Administração Pública ou, posteriormente, em juízo, não podendo ser opostas ao particular como óbice à obtenção do direito à saúde. A propósito: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DO STF E STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO . ART. 85, § 8º, DO CPC/2015. RECURSO QUE NÃO APRESENTA ARGUMENTOS SUFICIENTES PARA MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO . 1. O entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é de que União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm responsabilidade solidária nas demandas que envolvem o fornecimento de medicamentos, conforme reiteradas decisões, autorizando que sejam demandados isoladamente ou em conjunto. 2. A decisão agravada, ao seguir esta orientação, não viola o princípio da separação dos poderes, pois não interfere indevidamente nas prerrogativas do Poder Executivo, mas apenas assegura o cumprimento da obrigação constitucional do Estado de garantir saúde aos cidadãos, conforme estabelecido pela Constituição Federal e reforçado pela jurisprudência consolidada . 3. Quanto aos honorários advocatícios, a fixação em R$ 1.500,00 se deu com base no critério de equidade previsto no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil de 2015, adequado às circunstâncias do caso, considerando-se a natureza da demanda e a ausência de benefício econômico imediato . 4. Inexistindo argumentos novos capazes de alterar os fundamentos da decisão monocrática agravada, ela deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 2120171 SP 2024/0021594-9, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 20/05/2024, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/05/2024) Nos termos do artigo 198 da Constituição da República, o Sistema Único de Saúde (SUS) estrutura-se sob o princípio da cogestão, o qual pressupõe a atuação conjunta e coordenada de todos os entes federativos. Dessa forma, os serviços públicos de saúde que compõem o SUS devem ser organizados de maneira regionalizada e hierarquizada, competindo a cada ente, no âmbito de sua atuação, assegurar o direito à proteção à saúde e à vida. Isso posto, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1.234 (RE 1.366.243), estabeleceu novas diretrizes quanto à competência para o julgamento de ações que tratam do fornecimento de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, estejam eles padronizados ou não pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por sua vez, o Tema 1.234/STF adotou a modulação de efeitos quanto à competência definida nesse precedente judicial (RE n. 1.336.643): “[...] os efeitos do tema 1234, quanto à competência, somente se aplicam às ações que forem ajuizadas após a publicação do resultado do julgamento de mérito no Diário de Justiça Eletrônico, afastando sua incidência sobre os processos em tramitação até o referido marco, sem possibilidade de suscitação de conflito negativo de competência a respeito dos processos anteriores ao referido marco jurídico.” (grifo nosso) No presente caso, considerando que a ação foi ajuizada em 13/06/2024, permanece a competência da Justiça Estadual. Por sua vez, verifica-se que o medicamento pleiteado (Ranibizumabe ou Aflibercepte), encontra-se incluído na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), entretanto não integra o protocolo terapêutico do SUS para a enfermidade que acomete a autora, ora apelada. Nesse cenário, por ocasião do julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários nº 566.471 e 1.366.243 — Temas nº 6 e 1.234 da repercussão geral —, o Supremo Tribunal Federal homologou, parcialmente, os acordos interfederativos firmados entre os entes públicos e as entidades envolvidas, fixando teses jurídicas relativas à competência, ao custeio, às normas de ressarcimento e aos requisitos exigidos para a dispensação de medicamentos não incorporados à política pública do SUS. Com o intuito de garantir a correta e imediata aplicação das referidas teses às demandas similares em curso, foram editadas as Súmulas Vinculantes nº 60 e 61, que estabelecem, respectivamente, o seguinte: "Súmula vinculante 60 - O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no tema 1.234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243)". "Súmula vinculante 61 - A concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, deve observar as teses firmadas no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471)". Com efeito, o Poder Judiciário, ao analisar ações referentes ao fornecimento de medicamentos não padronizados pelo SUS, deve, imprescindivelmente, seguir as diretrizes definidas pela tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 1.234. "4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1o, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise." Cabe registrar, ainda, que, conforme o item 2.1 do Tema 1.234, "consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não estão incluídos na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos não registrados na ANVISA; e medicamentos off label que não possuam PCDT ou que não integrem as listas do componente básico.” (grifo nosso) Por outro lado, no julgamento do Tema 6 foi reconhecida a possibilidade excepcional de fornecimento de fármaco registrado na ANVISA, mas não incorporado no SUS, por meio de decisão judicial, desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus recai sobre o autor da ação: "(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item '4' do Tema 1234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento." No presente caso, o acervo probatório dos autos demonstra, através de prescrição médica por profissional habilitado (ID 41297304), que a realização do tratamento é necessária. No mesmo sentido foi o parecer do Natjus (ID 41297316) Entretanto, a medicação (Ranibizumabe ou Aflibercepte) não se encontra incorporada no âmbito do SUS para a enfermidade que acomete a parte autora, estando previstos em PCDTs para outras finalidades. Verificada a ausência de cumprimento, pela parte demandante, de todos os requisitos estabelecidos no julgamento do Tema 6 da Repercussão Geral (RE 566.471), para a concessão judicial de tratamento não incorporado às políticas públicas do SUS, mostra-se juridicamente inviável a imposição de obrigação aos entes públicos para o fornecimento dos medicamentos pleiteados. Cumpre salientar, outrossim, que, ainda que o julgamento do aludido Tema pelo Supremo Tribunal Federal tenha se dado em momento posterior à prolação da sentença de primeiro grau, como ocorre na hipótese dos autos, impõe-se sua aplicação imediata, em virtude da força vinculante atribuída aos precedentes qualificados, nos termos do artigo 927 do Código de Processo Civil. Registre-se, ainda, que o próprio STF, ao apreciar o mencionado precedente vinculante, reconheceu a nulidade das decisões judiciais que determinaram a dispensação de fármaco por ente público, quando proferidas sem a estrita observância dos requisitos ali fixados, conforme dispõe o artigo 489, § 1º, incisos V e VI, do Código de Processo Civil. Diante desse cenário e à luz do atual entendimento acerca da dispensação de fármacos não incorporados no SUS, impõe-se a anulação da sentença de primeiro grau, reconhecendo-se a necessidade da reabertura da fase instrutória para comprovação, pela parte autora, dos pressupostos fixados ao tempo do julgamento dos Temas n° 6 e 1234, ambos do STF. As normas jurídicas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal nos Temas nº 6 e 1.234 possuem natureza eminentemente processual, razão pela qual têm aplicação imediata aos processos em curso, nos termos do art. 14 do Código de Processo Civil. A modulação de efeitos promovida na decisão vinculante limita-se à definição da competência da Justiça Federal, aplicável, contudo, apenas às ações ajuizadas após a publicação do referido acórdão. No que se refere ao direito material, todas as demandas em trâmite devem observar as teses firmadas pela Suprema Corte. Nesse contexto, diante das novas exigências delineadas pelo STF — atinentes não apenas à produção probatória, mas também aos requisitos da petição inicial e da sentença — impõe-se a anulação da r. sentença, a fim de oportunizar à parte autora a emenda da exordial, em conformidade com os parâmetros ora estabelecidos, nos termos do art. 321 do CPC, assegurando-se, ademais, a necessária dilação probatória. E para além do efetivo cumprimento dos requisitos previstos nos precedentes vinculantes cujo ônus probatório incumbe ao autor, caberá ao magistrado de primeiro grau proceder ao exame da pretensão inaugural consoante entendimento firmado pelo STF no julgamento dos RE 566.471 (Tema 6). Nesse sentido, destaca-se jurisprudência de alguns tribunais pátrios. “DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO NINTEDANIBE. SENTENÇA ANULADA. I. Caso em Exame Ação de obrigação de fazer proposta pela apelante, portadora de Doença Pulmonar Intersticial (DPI), requerendo o fornecimento do medicamento Nintedanibe 150 mg, 1 comprimido de 12 em 12 horas, julgada improcedente em Primeiro Grau, sendo a sentença fundamentada no Tema 06 do STF. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste na necessidade de anulação da sentença para que sejam observados os requisitos dos Temas 6 e 1.234 do STF. III. Razões de Decidir 3. Sentença que julgou improcedente a ação, em razão da paciente não ter demonstrado o atendimento dos requisitos fixados pela Suprema Corte. 4. A ação foi ajuizada antes da publicação dos Temas 6 e 1.234, justificando a reabertura da fase instrutória para comprovação dos requisitos pela autora. IV. Dispositivo e Tese 5. Sentença anulada, com retorno dos autos à primeira instância para instrução probatória. Restabelecida a tutela de urgência concedida à autora. Tese de julgamento: A concessão de medicamentos não incorporados ao SUS deve observar os requisitos dos Temas 6 e 1.234 do STF, sendo de rigor conferir à autora a oportunidade de comprovação do preenchimento de tais requisitos. Legislação Citada: CF/1988, art. 196; Lei nº 8.080/1990, arts. 19-Q e 19-R; Decreto nº 7.646/2011; CPC, art. 489, § 1º, incisos V e VI; art. 927, inciso III, § 1º. Jurisprudência Citada: STF, Temas 6 e 1.234; TJSP, Apelação Cível 1069627-75.2024.8.26.0053, Relator Osvaldo Magalhães, 4ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 20/05/2025; Apelação / Remessa Necessária 1014697-73.2024.8.26.0032, Relator Oscild de Lima Júnior, 11ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 20/05/2025; Apelação Cível 1019021-88.2023.8.26.0114, Relatora Heloísa Mimessi, 5ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 16/05/2025; Remessa Necessária Cível 1021044-72.2021.8.26.0309, Relator José Maria Câmara Junior, 8ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 16/05/2025; Apelação Cível 1000574-04.2024.8.26.0248, Relator Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, Data do Julgamento: 14/05/2025. (TJSP; Apelação Cível 1014130-42.2024.8.26.0032; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Araçatuba - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/05/2025; Data de Registro: 29/05/2025)” (grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS DO SUS. ARISTAB 10MG. TEMAS 06 E 1234 DO STF. INCIDÊNCIA DAS TESES FIXADAS NO RE 1.366.243/SC E NO RE 566.741/RN EM RELAÇÃO AOS MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS. SÚMULA VINCULANTE N.º 60 E 61. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM. 1. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO QUE SE CONSTITUI DESDOBRAMENTO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE DISPÕE SER A SAÚDE DIREITO UNIVERSAL E DE RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO (ART. 196 DA CRFB). 2. NOS TERMOS DA SÚMULA VINCULANTE Nº 61, A CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTO REGISTRADO NA ANVISA, MAS NÃO INCORPORADO ÀS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, DEVE OBSERVAR AS TESES FIRMADAS NO JULGAMENTO DO TEMA 6 DA REPERCUSSÃO GERAL. 3. CONSIDERANDO-SE QUE, RESSALVADA A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA, SÃO DE APLICABILIDADE IMEDIATA AS DEMAIS DISPOSIÇÕES EXARADAS NOS TEMAS 06 E 1234 DO STF, IMPERATIVA A DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA, FACULTANDO-SE À PARTE AUTORA A DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS PARA FINS DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO NO ÂMBITO DO SUS. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO PREJUDICADO.(Apelação Cível, Nº 50040101020238210010, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 07-01-2025)” (grifo nosso) “DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSOS DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS PELO SUS. NULIDADE DO PROCESSO AB INITIO. PREJUDICIALIDADE DOS RECURSOS. I. CASO EM EXAME Recursos de apelação e remessa necessária em demanda proposta contra a Fazenda Pública Estadual, objetivando o fornecimento dos medicamentos "daratumumabe 1800mg" e "lenalidomida 25mg", não incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido e condenou a Fazenda Pública Estadual ao fornecimento dos medicamentos. Inconformismo da Fazenda Estadual, que alega, em suma, ausência dos requisitos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 106) para concessão de medicamentos não incorporados pelo SUS. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a sentença que determinou o fornecimento do medicamento não incorporado pelo SUS deve ser anulada, diante da superveniência dos critérios estabelecidos pelo STF no Tema 06; e (ii) verificar se é necessário permitir que a parte autora emende a petição inicial para atender aos requisitos fixados pela jurisprudência vinculante. III. RAZÕES DE DECIDIR O julgamento do RE 566.471 (Tema 06) pelo STF estabelece critérios de observância obrigatória para a concessão de medicamentos não incorporados pelo SUS, aplicáveis imediatamente aos processos em curso, sendo necessário que a demanda atenda a esses requisitos. O princípio da "não surpresa" e o devido processo legal exigem que a parte autora tenha a oportunidade de emendar a petição inicial para comprovar o cumprimento dos requisitos fixados no Tema 06, a fim de evitar prejuízos processuais e respeitar seu direito à ampla defesa. Os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas recomendam a nulidade dos atos processuais desde o início ("ab initio"), para que a parte autora tenha oportunidade de corrigir a petição inicial e, eventualmente, optar pela desistência da demanda, considerando as limitações supervenientes ao direito material pretendido. O processo deve ser anulado "ab initio", de ofício, para garantir que a parte autora possa atender aos novos requisitos jurisprudenciais e decidir sobre a continuidade da demanda, sem imposição de litígio involuntário. IV. DISPOSITIVO E TESE Processo anulado ab initio, prejudicados os recursos de apelação e a remessa necessária. Tese de julgamento: A superveniência de jurisprudência vinculante que estabelece novos requisitos para o fornecimento de medicamento não incorporado pelo SUS exige a nulidade dos atos processuais desde o início, para que a parte autora possa emendar a petição inicial e comprovar a observância dos requisitos fixados. Deve ser oportunizado à parte autora o direito de desistir da demanda, em razão das limitações supervenientes ao direito material pretendido. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, II; CPC, arts. 10 e 321. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 566.471 (Tema 06); STJ, Tema 106. (TJSP; Apelação Cível 1037656-72.2024.8.26.0053; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 20/03/2025; Data de Registro: 20/03/2025)” (grifo nosso) No caso específico dos autos, verifica-se que a decisão recorrida não observou os requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, nos Temas n.º 6 e 1.234. Ante o exposto julgo prejudicado o recurso de apelação e, de ofício, anulo a sentença, determinando o retorno dos autos à primeira instância para a instrução probatória assegurando-se à parte autora a oportunidade de demonstrar o cumprimento dos requisitos estabelecidos nos Temas n.º 6 e 1.234 (STF). Fica, ademais, restabelecida a tutela provisória anteriormente concedida (ID 41297326). Em vista disso, resta PREJUDICADO o presente recurso. Sessão Virtual da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, de 26 de junho a 3 de julho de 2025. Desembargador LOURIVAL SEREJO Relator
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