Processo nº 0813062-81.2024.8.10.0001
ID: 312258446
Tribunal: TJMA
Órgão: 3ª Vara do Tribunal do Júri de São Luís
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0813062-81.2024.8.10.0001
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
COMARCA DA ILHA DE SÃO LUÍS TERMO JUDICIÁRIO DE SÃO LUÍS 3ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI Processo n. 0813062-81.2024.8.10.0001 Ação Penal Acusado: Adinelson de Jesus Lobato Pereira SENTENÇA DE IMPRONÚNCI…
COMARCA DA ILHA DE SÃO LUÍS TERMO JUDICIÁRIO DE SÃO LUÍS 3ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI Processo n. 0813062-81.2024.8.10.0001 Ação Penal Acusado: Adinelson de Jesus Lobato Pereira SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA Trata-se de ação penal em que o Ministério Público denunciou ADINELSON DE JESUS LOBATO PEREIRA, já qualificado nos autos, pela suposta prática do fato tipificado no artigo 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal, contra a vítima FABIANE DOS SANTOS. Consta da denúncia (ID 114415221) que no dia 08 de setembro de 2023, por volta das 19h00min, no bairro Sá Viana, próximo à Arena Poeirão, fora encontrado o corpo da vítima envolto por uma manta e amarrado nas raízes das árvores, em uma área de mangue, sendo, então, acionada uma equipe da Polícia Civil para ir até o local. Durante as diligências, as autoridades policiais encontraram JOSÉ CARLOS RODRIGUES OLIVEIRA, ex-companheiro da vítima, que estava desaparecida há cerca de 10 dias, o qual alegou em seu depoimento, que a vítima o procurou em 31 de agosto de 2023 para pedir ajuda, pois estava sendo ameaçada de morte pelo acusado. Dessa forma, ADINELSON DE JESUS LOBATO PEREIRA agindo com animus necandi, ceifou a vida da vítima FABIANE DOS SANTOS, por razões do sexo femino, conforme Laudo de Exame Cadavérico (fls. 15/16 - ID 113937960), o qual atesta que a vítima havia sido morta há mais de três e menos de dez dias, não sendo possível determinar a causa mortis em razão do adiantado processo de putrefação. Destarte, frente aos indícios suficientes de autoria delitiva, resta devidamente comprovada através da prova oral colhida. Decisão em 23 de novembro de 2023 decretando a prisão temporária do acusado (ID 113937966). Decisão de recebimento da denúncia (ID 114774881). Pedido de conversão da prisão temporária em prisão preventiva (fls. 6/8 – ID 114927510). Manifestação do Ministério Público pela decretação da prisão temporária do acusado (fls. 38-41 – ID 114927510). Representação da polícia Civil pela prisão temporária de ADINELSON DE JESUS LOBATO PEREIRA (fls. 49/51 – ID 114927510). Citação pessoal do acusado não realizada (ID 115520556 e ID x. Manifestação do Ministério Público requerendo a suspensão do processo e do prazo prescricional caso após a citação, o acusado não constitua advogado ou se apresente em juízo (ID 117659552). Citação pessoal do acusado mediante edital (ID 119224932). Decisão em 04 de junho de 2024 decretando a prisão preventiva do acusado, suspendendo o processo e designando a audiência de antecipação de prova testemunhal para o dia 19 de agosto de 2024 (ID 120717766). Petição da defesa pela nulidade da citação editalícia (ID 121805407). Manifestação do Parquet pelo indeferimento dos pedidos da defesa (ID 123255840). Cumprimento de mandado de prisão em 31 de julho de 2024 (ID 125854469). Decisão em 04 de setembro de 2024 indeferindo o pedido formulado pela defesa (ID 126996843). Resposta escrita à acusação (ID 130414838). Audiência de instrução realizada em 09 de dezembro de 2024 (ID 136653091). Alegações finais do Ministério Público pugnando pela pronúncia do réu pela prática tipificada no artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal, contra a vítima FABIANE DOS SANTOS (ID 137496397). Alegações finais do acusado, representado pela Defensoria, pugnando pela inconstitucionalidade do princípio in dubio pro societate e impronúncia do acusado por ausência de indícios suficientes de autoria (ID 141179641). É o relatório. Decido. O §1º do artigo 413 do Código de Processo Penal diz que a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria e participação. A materialidade delitiva resta demonstrada pelo Laudo de Exame Cadavérico da vítima fatal FABIANE DOS SANTOS (fls. 15/16 - ID 113937960). Por sua vez, analisando os depoimentos testemunhais produzidos em juízo, não vislumbrei a existência de indícios suficientes de autoria com relação ao denunciado, que apresento abaixo de forma resumida. A testemunha ANA CÉLIA FARIAS LOBATO declarou em juízo: Que é mãe do acusado; Que ADINELSON e FABIANE mantinham relacionamento; Que visitava esporadicamente a residência do casal: Que nunca os viu brigar e que a vítima nunca lhe apresentou queixa de ADINELSON; Que o acusado fazia uso de entorpecentes e que ele não tem trabalho; Que às vezes a vítima levava alguma de suas filhas à residência do acusado; Que a vítima passava certo tempo com o acusado e certo tempo com seu ex-companheiro, JOSÉ CARLOS; Que a vítima tinha dois filhos com JOSÉ CARLOS, seu antigo marido; Que quando a vítima sumiu ela ficou a procurá-la e que ficou muito abalada com a notícia da morte de FABIANE: Que não sabe as condições em que o corpo foi encontrado; Que assim que encontraram o corpo, queimaram a casa em que vivia o acusado; Que a casa era feita de brasilite e madeira; Que conhecia JOSÉ CARLOS; Que ADINELSON negou a autoria do crime e que afirma terem “armado” para ele. A testemunha AMARILDO JOSÉ PINHEIRO PEREIRA declarou em juízo: Que estava em casa, quando seu neto lhe avisou que encontraram uma mulher morta, mas que não sabia de quem se tratava, tendo tomado ciência apenas depois; Que não tem um bom relacionamento com o filho, ADINELSON; Que não sabe se o acusado e a vítima mantinham relação instável ou se moravam juntos; Que não sabe onde o acusado residia; Que não conhece o ex-companheiro da vítima, JOSÉ CARLOS; Que nunca chegou a conversar com o acusado sobre o ocorrido; Que apenas aconselhava a esposa a orientar ADINELSON, para que se entregasse, mas que sua esposa, ANA CÉLIA, lhe dizia que haviam “armado” para ele; Que o acusado não tinha trabalho formal e que apenas fazia “bicos”; Que já o havia colocado em duas empresas para trabalhar, quando ainda mantinham bom relacionamento; Que apenas ouviu falar que a população havia incendiado a casa do acusado, mas que não chegou a ver. A testemunha JOSÉ SANTOS SANTIAGO declarou em juízo: Que é policial militar; Que era plantonista e esteve junto ao caso apenas nas primeiras horas; Que sua equipe não chegou a ir até o local onde fora encontrado o corpo, mas que havia sido informado, pelo corpo de bombeiros, da existência de um cadáver amarrado à vegetação; Que a área é alcançada pela maré e que, conforme lhe passaram, o cadáver não fora preso às raízes ocasionalmente; Que não viu o corpo desenrolado, posto que já estava em estágio avançado de putrefação; Que o corpo fora encontrado por oculares, que os acionaram; Que ele e sua equipe da Polícia Civil foram abordados por JOSÉ CARLOS, quem lhe falou da possibilidade de ser o corpo de sua ex-companheira, desaparecida há alguns dias; Que em entrevista informal JOSÉ CARLOS lhe falou que a vítima era sua ex-companheira e que viviam em uma relação conturbada, em que essa última fugia para casa de amigos ou voltava para a casa do acusado, mas que, naquele momento, encontrava-se FABIANE em convívio de ADINELSON; Que não sabe se o local em que vivia o acusado fora incendiado antes ou depois de ter sido encontrado o corpo; Que o acusado e a vítima tinham hábito de usar entorpecentes, mas que não tem conhecimento de terem ou não emprego formal; Que JOSÉ CARLOS não chegou a ser suspeito. A testemunha JOSÉ CARLOS RODRIGUES declarou em juízo: Que era ex-companheiro da vítima; Que já estava separado de FABIANE há cerca de 8 meses; Que ele e FABIANE não conversavam sobre o relacionamento dela com o acusado, pois ela ia à sua casa apenas para ver os filhos; Que tem 4 (quatro) filhos com a vítima e que todos, exceto o mais novo, moram com ele; Que FABIANE ficou com medo, pois o acusado, ao tentar agredi-la, quase acertou a criança que estava com ela, mas que não disse que ADINELSON a estava ameaçando; Que a vítima ficou 5 dias em sua casa e, ao final desse prazo (dia 5 setembro de 2023), ela teria voltado para o barraco; Que estava com amigos na porta de casa, quando lhe avisaram que haviam encontrado um corpo no mangue e lhe sugeriram para que fosse saber se não se tratava de FABIANE; Que entrou no mangue junto à polícia e ao corpo de bombeiros; Que o corpo estava amarrado ao mangue; Que soube onde ficava a casa em que vivia o acusado e a vítima, em virtude de sua filha MICHELE ter, em certa ocasião, corrido até lá e ter ido ele atrás dela; Que ouviu dizer que o acusado tinha uma balsa de garrafa PET; Que, apesar de não ser grande a distância entre a casa do acusado e o mangue, seria difícil que o acusado conseguisse arrastar o corpo até lá, mas que com a balsa seria possível; Que após a notícia de terem encontrado o corpo de FABIANE se espalhar, a população teria ateado fogo na residência do acusado; Que oculares lhe disseram que até o dia em que encontraram o corpo o acusado ainda permanecia no local, tendo evadido em seguida; Que ouvia falar que o acusado era usuário de drogas; Que a vítima era usuária de drogas, desde os tempos em que convivia com ele; Que FABIANE não tinha trabalho formal; Que FABIANE saiu de sua casa, entre 13h00min e 14h00min, motivada por uma discussão que teve com sua irmã (irmã do depoente), durante a qual esta última teria afirmado que chamaria a polícia e, por medo, FABIANE resolveu ir embora; Que o relacionamento teria findado por causa do excessivo uso de drogas de FABIANE, que, por vezes, saia de casa e voltava pela madrugada; Que o local em que encontraram o corpo fica distante de sua casa; Que o corpo estava envolvido em um material parecido com a “parte de cima” de uma cama, mas que não reconheceu. O acusado ADINELSON DE JESUS LOBATO PEREIRA declarou em juízo: Que fazia uso de drogas, mas parou há um ano e dois meses; Que não matou FABIANE; Que mantinha um relacionamento casual com FABIANE, com muitas idas e voltas; Que FABIANE o procurava quando queria fazer uso de drogas; Que o relacionamento durou cerca de 3 (três) meses; Que FABIANE frequentava sua casa desde quando estava grávida, mas que até então não haviam se relacionado, tendo ocorrido o envolvimento de ambos apenas após ela ter dado a luz; Que soube do desaparecimento de FABIANE somente quando ligou para sua mãe, quem lhe contou que lhe haviam incendiado a casa; Que não regressou, pois ficou sem lugar para ir e, por isso, resolveu ir para a casa de recuperação; Que ficou sem encontrar FABIANE por estimados 15 dias, mas não estranhou, visto que ela sempre sumia para outras residências; Que não tiveram desentendimentos à época do ocorrido; Que às vezes FABIANE levava as crianças quando ia à sua casa; Que nunca houve conflitos entre ele, FABIANE e os filhos dela; Que não sabe ao certo o que aconteceu com a vítima, mas que ela era envolvida com drogas e, muitas vezes chegava bêbada e chorando; Que teve uma jangada de garrafa PET, mas que a desmontou; Que à época do ocorrido, a balsa não mais existia; Que saiu de São Luís a trabalho, para Santa Catarina, não tendo logrado êxito, encaminhando-se em seguida para Brasília, para a casa de seu filho e da mãe de seu filho, tendo encontrado emprego em Goianeses; Que não chegou a ver a população incendiando sua casa, tendo tomado ciência por meio de sua mãe, quem lhe pediu que não retornasse à casa; Que por medo não voltou para casa, tendo dirigido-se ao centro de recuperação Manaí; Que a vítima era usuária de crack, mas que não usavam juntos com muita frequência; Que não sabe quem pode ter cometido o crime; Que a vítima não relatou ter sido ameaçada; Que a vítima corriqueiramente envolvia-se em confusões; Que não procurou por FABIANE por estar habituado aos sumiços dela; Que não teve conhecimento de ter estado FABIANE de 31 de agosto a 5 de setembro na casa de seu ex-companheiro, JOSÉ CARLOS. Pois bem, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça veda a pronúncia baseada em testemunho indireto (por ouvir dizer), como no caso em exame. In verbis arestos exemplificativos: RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E DESTRUÇÃO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTO INFORMATIVO COLHIDO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL. NÃO CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa da autoria do delito; bastam a existência de indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime. 2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório, mormente quando os testemunhos colhidos na fase inquisitorial são, nas palavras do Tribunal a quo, "relatos baseados em testemunho por ouvir dizer, [...] que não amparam a autoria para efeito de pronunciar os denunciados" (fl. 1.506). 3. O Tribunal de origem, ao despronunciar os ora recorridos, entendeu "ausentes indícios de autoria e insuficiente o 'hearsay testimony' (testemunho por ouvir dizer)" (fl. 1.506), razão pela qual, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ, torna-se inviável, em recurso especial, a revisão desse entendimento, para reconhecer a existência de prova colhida sob o contraditório judicial apta a autorizar a submissão dos recorridos a julgamento perante o Tribunal do Júri. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1373356/BA, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, SEXTA TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 28/04/2017) RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM BOATOS E TESTEMUNHA DE OUVIR DIZER. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, sem exigência, neste momento processual, de prova incontroversa da autoria do delito. Bastam indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime. 2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo tribunal popular, não se pode admitir, em um estado democrático de direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo tribunal popular. 3. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe ‘per proprium sensum et non per sensum alterius’ impede, em alguns sistemas. Como o norte-americano., o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (‘hearsay rule’). No Brasil, ainda que não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta” (Helio Tornaghi). 4. A primeira etapa do procedimento bifásico do tribunal do júri tem o objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis, idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (‘iudicium causae’). A instrução preliminar realizada na primeira fase do procedimento do júri, leciona Mendes de Almeida, é indispensável para evitar imputações temerárias e levianas. Ao proteger o inocente, “dá à defesa a faculdade de dissipar as suspeitas, de combater os indícios, de explicar os atos e de destruir a prevenção no nascedouro; propicia-lhe meios de desvendar prontamente a mentira e de evitar a escandalosa publicidade do julgamento”. 5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para reformar o acórdão recorrido de modo a despronunciar os recorrentes nos autos do processo n. 0702.08.432189-3, em trâmite no juízo de direito da vara de crimes contra a pessoa da Comarca de Uberlândia, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia em eventual superveniência de provas. 2017. (STJ; REsp 1.674.198; Proc. 2017/0007502-6; MG; Sexta Turma; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 12/12/2017). Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça também tem entendido que, haja vista a insuficiência de indícios suficientes de materialidade e autoria, não há de se falar em configuração do principio do in dubio pro societate para o pronunciamento dos acusados perante o Tribunal do Júri. Isso decorre do entendimento de que os fatos devem ser analisados sob a perspectiva dos standards probatórios, ou seja, com base no grau de confirmação que um fato precisa ter, a partir das provas, para justificar uma decisão, situação não observado no caso em apreço. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. NÃO APLICAÇÃO. STANDARD PROBATÓRIO. ELEVADA PROBABILIDADE. NÃO ATINGIMENTO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. DESPRONÚNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos. Entretanto, a fim de reduzir o erro judiciário (art. 5º, LXXV, CF), seja para absolver, seja para condenar, exige-se uma prévia instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado, que encerra a primeira etapa do procedimento previsto no Código de Processo Penal, com a finalidade de submeter a julgamento no Tribunal do Júri somente os casos em que se verifiquem a comprovação da materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413, caput e § 1º, do CPP. 2. Assim, tem essa fase inicial do procedimento bifásico do Tribunal do Júri o objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (judicium accusationis ) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae). A pronúncia consubstancia, dessa forma, um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar “convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação” (art. 413, caput, do CPP). 3. A leitura do referido dispositivo legal permite extrair dois standards probatórios distintos: um para a materialidade, outro para a autoria e a participação. Ao usar a expressão “convencido da materialidade”, o legislador impôs, nesse ponto, a certeza de que o fato existiu; já em relação à autoria e à participação, esse convencimento diz respeito apenas à presença de indícios suficientes, não à sua demonstração plena, exame que competirá somente aos jurados. 4. A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina – acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência – a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate – que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro – e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Aliás, o próprio nome do suposto princípio parte de premissa equivocada, uma vez que nenhuma sociedade democrática se favorece pela possível condenação duvidosa e injusta de inocentes. [...] 14. Não há nenhum indício robusto de que o recorrente haja participado conscientemente do crime, porque: a) nenhum objeto ilícito foi apreendido com ele; b) nenhum elemento indicativo de que ele conhecesse ou tivesse relação com os corréus nem com a vítima foi apresentado; c) não consta que ele haja tentado empreender fuga dos policiais na condução do veículo quando determinada a sua abordagem d) os corréus negaram conhecer o acusado e afirmaram que ele era apenas motorista; e) as testemunhas de defesa confirmaram que o acusado trabalhava com transporte de passageiros. Ademais, a confirmar a fragilidade dos indícios existentes contra ele, o recorrente – ao contrário dos corréus – foi solto na audiência de custódia e o Ministério Público inicialmente nem sequer ofereceu denúncia em seu desfavor porque entendeu que ainda não tinha elementos suficientes para tanto. Só depois da instrução e da pronúncia dos corréus é que, mesmo sem nenhuma prova nova, decidiu denunciá-lo quando instado pelo Magistrado a se manifestar sobre a situação do acusado. 15. Uma vez que não foi apontada a presença de indícios suficientes de participação do recorrente no delito que pudessem demonstrar, com elevada probabilidade, o seu envolvimento no crime, a despronúncia é medida de rigor. 16. Recurso especial provido para despronunciar o acusado. Vale ressaltar ainda que o Superior Tribunal Federal e o já mencionado Superior Tribunal de Justiça, decidindo sobre material probatório colhido na fase de inquérito policial, são claros em firmar entendimento de que provas produzidas em fase de investigação não são sozinhas suficientes para gerar livre e motivado convencimento. In verbis: PENAL E PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO FUNDADA SOMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL NÃO CORROBORADOS EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. 1. A presunção de inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova. 2. Inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu. 3. Improcedência da ação penal. (AP 883, Relator (a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 20/03/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 11-05-2018 PUBLIC 14-05-2018). (STF - AP: 883 DF - DISTRITO FEDERAL 9998517-79.2014.1.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 20/03/2018, Primeira Turma). PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 155 DO CPP. OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS DO INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 386, VII, DO CPP. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. Segundo entendimento desta Corte, a prova idônea para arrimar sentença condenatória deverá ser produzida em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de modo que se mostra impossível invocar para a condenação, somente elementos colhidos no inquérito, se estes não forem confirmados durante o curso da instrução criminal. 2. Não existindo, nos autos, prova judicializada suficiente para a condenação, nos termos do que reza o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, impõe-se a absolvição do recorrente. 3. Recurso especial provido para, reconhecendo a violação aos artigos 155 e 386, inciso VII, ambos do Código de Processo Penal, absolver o recorrente. (STJ - REsp: 1253537 SC 2011/0055972-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 01/09/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2011). Nesse sentido, entendo que a prova testemunhal colhida durante a fase de instrução revelou-se imprestável para gerar convicção e determinar a pronúncia do réu. Concluindo-se, portanto, que a prova produzida nos autos não agasalha de forma segura e induvidosa a prática ou a participação do acusado no homicídio praticado contra a vítima; sendo a impronúncia a decisão adequada, eis que, tal decisão ocorre se o juiz não se convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja o réu seu autor (GRIFO NOSSO), como prevê o artigo 414 do Código de Processo Penal. Submeter o acusado a julgamento popular seria perder tempo e esforços, pois o resultado previsível será absolvição por falta de provas, pois não houve nenhuma informação concreta na instrução. Diante de todo o exposto, com fundamento no artigo 414 do Código de Processo Penal, impronuncio o acusado ADINELSON DE JESUS LOBATO PEREIRA; ressalvando, no entanto, a possibilidade de, a qualquer tempo, enquanto não operada a prescrição punitiva, diante de novas provas, ser instaurada nova ação penal contra o mesmo, nos termos do parágrafo único do supramencionado dispositivo legal. Cumprir o artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal, entregando cópia desta sentença aos familiares da vítima ou publicando edital, caso seja desconhecido o paradeiro deles. Certificado o trânsito em julgado, comunicar o Instituto de Identificação, dar baixa nos registros, arquivando sem necessidade de novo despacho. Publicar. Registrar. Intimar. São Luís, 06 de março de 2025. Gláucia Helen Maia de Almeida Juíza de Direito Auxiliar respondendo pela 3ª Vara do Tribunal do Júri
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