Resultados para o tribunal: TJMA
Resultados para "CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL" – Página 690 de 921
Envolvidos encontrados nos registros
Ver Mais Detalhes
Faça login para ver perfis completos
Login
Juizo Da Vara Especial Cole…
Envolvido
JUIZO DA VARA ESPECIAL COLEGIADA DOS CRIMES ORGANIZADOS consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 260240988
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Vara de Grajaú
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0802145-26.2023.8.10.0037
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS PAULO CAROLA SOUSA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ROMULO DE ORQUIZA MOREIRA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
HILDOMAR SANTOS SILVA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802145-26.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: H…
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0802142-71.2023.8.10.0037
ID: 260241373
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Vara de Grajaú
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0802142-71.2023.8.10.0037
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS PAULO CAROLA SOUSA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ROMULO DE ORQUIZA MOREIRA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
HILDOMAR SANTOS SILVA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802142-71.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: H…
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802142-71.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: HILDOMAR SANTOS SILVA (OAB 11162-MA), ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA (OAB 17480-A-MA) Requerido: MUNICIPIO DE GRAJAU MA e outros Advogado(s) do reclamado: SUELY LOPES SILVA (OAB 3454-MA), MAURO HENRIQUE FERREIRA GONCALVES SILVA (OAB 7930-MA) SENTENÇA SINTEEGRA - SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO E PRIVADO DE GRAJAÚ/MA representando ELISANGELA MILHOMEM DE BARROS RIBEIRO move AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face do MUNICÍPIO DE GRAJAÚ/MA. Aduz que a representada é servidora pública municipal e é genitora de VALDEMAR JOAQUIM RIBEIRO NETO, brasileiro, menor impúbere, portadora do RG sob n° 061839382017-0 SSP/MA, que conforme documentos médicos anexos, é portadora de Transtorno do Espectro Autista (TEA) – CID 10 - F 84.0. Diante disso, a parte autora necessita trabalhar em condições especiais, de modo que seja possível conciliar seu trabalho com os compromissos terapêuticos de seu filho. O Sindicato afirma que através do ofício administrativo n. 028/2023 realizou junto a Municipalidade, o pedido da redução de jornada dos servidores com filhos deficientes, objeto da presente demanda, o qual quedou-se inerte até o presente momento. Liminarmente, requer que a ré seja compelida a reduzir a carga horária laboral do autor sem a diminuição dos vencimentos do servidor e sem a necessidade de compensação de horas. Ao final, requer seja julgada procedente a demanda, a fim de confirmar os efeitos do pedido liminar. Citado, o Município contestou, alegando, em síntese e genericamente, que ofício dirigido ao ente foi genérico e não especificou quem seria os servidores a ter direito à redução de carga horária, subsidiariamente, afirmou que o pedido é improcedente. O requerente não apresentou réplica à contestação. É o relatório. DECIDO. Trata-se de ação em que a parte autora, devidamente representada, pretende a redução de sua jornada de trabalho, sem diminuição de vencimentos, sob o argumento de que precisa cuidar de seu filho com diagnóstico acima especificado. O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, I, do CPC. Não há preliminares a serem analisadas. No mérito, o pedido é procedente. As prerrogativas em questão são de competência estatutária municipal. Assim, aparentemente, o Judiciário estaria vinculado ao rigor do indeferimento, visto a ausência de expressa previsão regimental. Entretanto, a judicialização ganha lugar quando a defesa dos direitos e garantias constitucionais, por algum motivo, não forem efetivados em um caso concreto. Com efeito, a parte autora comprovou ser servidor do município réu. Também comprovou a enfermidade de seu filho, Espectro Autismo (TEA) – CID 79.1 - F 84.0, necessitando de diversos tratamentos e de ser constantemente acompanhado para sua habilitação/reabilitação. Os documentos juntados aos autos demonstram com segurança, que a jornada integral do servidor não lhe permite exercer o necessário acompanhamento do infante. Feita esta breve síntese da demanda, insta consignar, inicialmente, que o caso em apreço deve ser analisado sob a ótica da proteção especial conferida à pessoa deficiente e não como um simples pedido de benefício específico a servidor público, como se a pretensão versada nos autos buscasse conferir vantagem especial ao autor sem qualquer amparo legal. Partindo dessa premissa, embora não haja legislação municipal a autorizar diretamente a redução da jornada de trabalho do servidor em casos que tais, o arcabouço da legislação e princípios relacionados ao tema permitem a conclusão de que tal proteção é de lhe ser deferida. Vejamos. De início, vale registrar a aprovação, pelo Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, da "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", assinada em 30 de março de 2007 e ratificada pelo Brasil em 1º de agosto de 2008. Cuida-se do primeiro tratado internacional de direitos humanos aquiescido com fundamento no artigo 5°, parágrafo 3° da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, in verbis: "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Dispõe o artigo 1º, acerca de sua principal finalidade: "promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente". Art. 8º "É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico". Art. 14. "O processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência". A Convenção tem preocupação primordial com o "respeito pelo lar e pela família" (art. 23): 1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: (...) 2. Os Estados Partes assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições semelhantes, caso esses conceitos constem na legislação nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior interesse da criança. Os Estados Partes prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos. 3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência terão iguais direitos em relação à vida familiar. Para a realização desses direitos e para evitar ocultação, abandono, negligência e segregação de crianças com deficiência, os Estados Partes fornecerão prontamente informações abrangentes sobre serviços e apoios a crianças com deficiência e suas famílias. 4. Os Estados Partes assegurarão que uma criança não será separada de seus pais contra a vontade destes, exceto quando autoridades competentes, sujeitas a controle jurisdicional, determinarem, em conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis, que a separação é necessária, no superior interesse da criança. Em nenhum caso, uma criança será separada dos pais sob alegação de deficiência da criança ou de um ou ambos os pais. 5. Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade. Estabelece prioridades acerca do "padrão de vida e proteção social adequados" (art. 28): 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: a) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a serviços de saneamento básico e assegurar o acesso aos serviços, dispositivos e outros atendimentos apropriados para as necessidades relacionadas com a deficiência; b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza; c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso; d) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência a programas habitacionais públicos; e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria. Vale assinalar que a "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência" alinha um conjunto de normas correspondente a direitos fundamentais, com hierarquia própria de Emenda à Constituição. A Lei 7.853/89, que "Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências", visando "garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade" (art. 1º, § 2º), estabelece que "Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico" (art. 2º), com dispositivos relativos ao oferecimento obrigatório de programas de educação especial em estabelecimentos públicos de ensino (art. 2º, I, c); matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (art. 2º, II, f); garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados (art. 2º, II, d) e promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência (art. 2º, inciso III, c). Em arremate, dispõe seu art. 9º que "[a] Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social." A seu turno, dentre outros direitos, assegura às pessoas com deficiência, no seu art. 9º, o tratamento prioritário da Administração Pública Federal. A mesma Lei 7.853/89, no seu art. 1º, estabelece o direito da pessoa portadora de deficiência de encontrar as condições mínimas de igualdade de tratamento e oportunidade e de respeito à sua dignidade e bem-estar, visando à sua integração social e o pleno exercício de seus direitos, in verbis: Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. Também foi editada a Lei 12.764/12, no qual instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabeleceu diretrizes para sua consecução, por seu turno, considera pessoa com deficiência o portador de transtorno espectro autista, para todos os efeitos legais, vejamos: Art. 1º "Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. (...)§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". Art. 2º "São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:(...) II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes"; Por outro lado, na esfera administrativa federal o art. 98 da Lei 8.112/90 autorizava horário especial para o servidor portador de deficiência física, sem compensação (§ 2º), ainda que, no que tange ao servidor com filho portador de deficiência física, expressamente, subordinasse o horário especial à condição de haver compensação de horário (§ 3º), verbis: Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário na repartição, respeitada a duração semanal do trabalho. § 1º Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho. § 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. § 3º As disposições do parágrafo anterior são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, exigindo-se, porém, neste caso, compensação de horário na forma do inciso II do art. 44. A exigência de compensação, é de se consignar, já vinha sendo afastada pela jurisprudência, como se observa do seguinte excerto: Na verdade, aqui, evidentemente, o legislador tira com uma mão o que pretendeu oferecer com a outra. De fato, se a mãe da criança que deverá de qualquer sorte cumprir meia jornada de trabalho - tiver que compensar, por exemplo, à noite, ou nos finais de semanas, o horário que despendeu durante a manhã para cuidar do seu filho, não é preciso muito esforço argumentativo ou maiores habilidades lógicas para se concluir que a criança ficará, num momento (de noite) ou noutro (de manhã) sem a presença e cuidado de sua mãe. Por outro lado, salvo melhor juízo, a redução de horário mediante compensação remuneratória, conforme determinado na decisão recorrida, parece ser uma resposta mais prejudicial aos interesses da família da criança com deficiência e, certamente, não atende constitucional e legalmente aos objetivos traçados seja na L. 9.853/89, seja na "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", seja na Constituição da Republica. Com efeito, a criança portadora de Síndrome de Down necessita de cuidados especializados, que lhe permitam desenvolver, ao máximo, suas capacidades físicas e habilidades mentais. Obviamente, esse tratamento tem custo elevado, sendo inviável impor à agravante redução em seus rendimentos, considerando que tal ônus poderia, até mesmo, inviabilizar a continuidade desse tratamento. Ante tais circunstâncias, é o caso de, com base nas normas e nas garantias veiculadas na Convenção que protege a criança com deficiência, já agora equiparada a normas de hierarquia constitucional, reconhecer à agravante o direito à pretendida redução de horário, sem necessidade de compensação. (TRF1, Agravo de instrumento nº 0051316-33.2013.4.01.0000/DF, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, j. 29.10.2013; Grifou-se). No mesmo sentido: APELAÇÃO CÍVEL ADMINISTRATIVO SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL HORÁRIO ESPECIAL REDUÇÃO DE 50% DA CARGA HORÁRIA FILHO COM TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO ESPECTRO AUTISTA (AUTISMO) LEI MUNICIPAL QUE NÃO PREVÊ DIREITO À REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E ANALÓGICA PERMITIDA NORMAS FEDERAIS E CONSTITUCIONAIS COGENTES DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA DIREITO FUNDAMENTAL AUSÊNCIA DE OFENSA Á LEGALIDADE ADMINISTRATIVA E À SEPARAÇÃO DOS PODERES INTEGRAÇÃO DO DIREITO RECURSO PROVIDO. 1. Será concedido horário especial a servidor que tenha filho ou dependente portador de transtorno do espectro autista (autismo), menor de idade, que necessite de assistência diuturna do genitor, para acompanhá-lo aos tratamentos médicos e terapêuticos indicados, sem compensação de horário ou redução dos seus vencimentos. 2- O benefício de redução de carga horária concedido a servidora pública municipal, só de forma reflexa lhe pertence, pois na verdade se trata de um direito social da criança, porque tal medida tem por escopo possibilitar que a mãe, trabalhadora, possa atender seu filho com deficiência, que carece de atenção especial. 3- O reconhecimento desse direito pelo Poder Judiciário, quando não há previsão expressa em Lei Municipal que rege a categoria do servidor contemplado com o benefício da redução da carga horária, não implica violação ao princípio da legalidade, nem ao da Separação dos Poderes, mas ao contrário guarda sua estreita observância, porque decorre da interpretação sistemática e analógica dos dispositivos legais vigentes, que regem a proteção do portador de deficiência, bem como das normas constitucionais que dispensam especial proteção à criança, sanando as lacunas existentes na legislação municipal, frente a velocidade da alteração dos fatos e problemáticas sociais. (TJMS, Apelação nº 0800056-88.2014.8.12.0037, Relator Desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho, j. 15/09/2015, Grifou-se). MANDADO DE SEGURANÇA LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DO MUNICÍPIO DE GLÓRIA DE DOURADOS RECHAÇADO. I) A teor do disposto no artigo 47 do Código de Processo Civil, o litisconsórcio passivo necessário se impõe nas hipóteses em que a eficácia da sentença repercute na esfera jurídica alheia, o que não se verifica no mandado de segurança sub examine. II) Pretensão de litisconsórcio rechaçada. MÉRITO SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL E MUNICIPAL PRETENSÃO E REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO NA REDE ESTADUAL EM RAZÃO DO FILHO SER PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. VINCULAÇÃO A DOIS CARGOS DE MAGISTÉRIO DE 4 HORAS DIÁRIAS CADA, SENDO UM NA REDE ESTADUAL E OUTRO NA REDE MUNICIPAL. INTERPRETAÇÃO EM PROL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DAS NORMAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA ORDEM CONCEDIDA, LIMINAR RATIFICADA. I) A finalidade da Lei Estadual nº. 1.809/1997, ao conceder o benefício da redução da jornada para as servidoras cujos filhos são portadores de necessidades especiais, é garantir que possam se dedicar mais a eles e assim atender também as garantias que referidas pessoas gozam, de modo que, comprovado o total de 40 horas/semanais ou mais, mesmo derivado da soma das horas da rede estadual e da rede municipal, o direito deve ser reconhecido através de interpretação em prol da dignidade da pessoa humana e da normas de proteção da criança e dos portadores de necessidades especiais. Interpretação contrária além de afrontar esses preceitos, contraria o princípio da igualdade e repudia a própria motivação da lei. II) Ordem concedida com o parecer. (TJMS, Mandado de Segurança nº 1411071-82.2015.8.12.0000, Relator Desembargador Des. Des. Dorival Renato Pavan, j. 23.11.2015, Grifou-se). AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR DEFERIDA. SERVIDORA DISTRITAL. FILHO PORTADOR DE AUTISMO. HORÁRIO ESPECIAL. JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA SEM COMPENSAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. A concessão de liminar em sede de mandado de segurança para a suspensão do ato administrativo fustigado exige a configuração dos requisitos da relevância da fundamentação e do perigo na demora da prestação jurisdicional, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009. 2. A relevância da fundamentação expendida pela impetrante se materializa na possibilidade de se efetivar uma análise do teor do art. 21, III, da Portaria 199/2014 à luz de todo o conjunto normativo que disciplina a proteção dos portadores de necessidades especiais. 3. Não se vislumbra o alegado risco de irreversibilidade da liminar objurgada, diante do fato de que a servidora impetrante goza do benefício de redução de 02 (duas) horas em sua jornada de trabalho sem compensação desde o ano de 2002, isto é, há mais de uma década. 4. É a impetrante quem suporta o periculum in mora, eis que o prolongamento natural do trâmite do processo sem o amparo da medida liminar poderá implicar prejuízos no regular prosseguimento dos procedimentos terapêuticos e das atividades educacionais frequentadas por seu filho portador do transtorno de autismo. 5. Recurso desprovido. (TJDF, 20140020331773MSG, Relator Des. J.J. Costa Carvalho, j. 28.05.2015, Grifou- se). CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - HORÁRIO ESPECIAL SEM COMPENSAÇÃO - ART. 98 § 2º DA LEI 8.112/90 - SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Será concedido horário especial ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, quando demonstrada a necessidade por junta médica oficial (Lei 8.112/1990, art. 98, § 3º), com compensação de horário, em regra. 2. No entanto, comprovado por laudos médicos que o filho do servidor impetrante é portador de grave deficiência mental, que lhe exige assistência diuturna, faz jus o servidor à concessão de horário especial de trabalho, sem compensação de horário, tendo em vista que as normas constitucionais que dispensam especial proteção à família devem se sobrepor na presente hipótese, frente à gravidade da situação do menor. 3. Apelação e remessa oficial não providas. (AMS 0011224- 67.2000.4.01.0000/PI, Rel. JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO, 1a TURMA SUPLEMENTAR, eDJF1 de 18/05/2011, p. 124, Grifou-se). Recentemente, o C. Tribunal Regional Federal da Primeira Região Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos do processo nº 0072777-75.2015.4.01.3400, da 15a Vara Federal deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em caso análogo, sob os seguintes fundamentos: Decisão Trata-se de ação sob o rito ordinário, ajuizada por em face da UNIÃO FEDERAL, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, objetivando que seja reduzida a carga horária da autora de trinta e cinco horas semanais para vinte horas semanais, sem necessidade de compensação e sem redução de remuneração. Alega que é servidora do TJDFT e que tem um filho, de seis anos de idade, que é acometido de Transtorno do Espectro Autista (CID F 84.0), e que apresenta deficiência físico- mental no desempenho das atividades relacionadas aos cuidados básicos, o que demanda atenção e esforços concentrados por parte da mãe no sentido de prover segurança e garantir a estimulação necessária para o desenvolvimento neurocognitivo, conforme reconhecido pelo Núcleo de Perícia Médica Institucional do TJDFT, no âmbito do processo administrativo nº 14.985/2015. Aduz que protocolizou requerimento administrativo a fim de obter redução da jornada de trabalho para 20 horas semanais, tendo, todavia, o TJDFT concedido apenas horário especial, mediante a compensação de horas, continuando, assim, inviável o acompanhamento materno da criança especial. É o relatório. Decido. A questão em debate envolve o direito à vida e à saúde, além da própria dignidade da pessoa humana. A saúde é um bem jurídico que goza de amparo constitucional no plano federal, estadual e municipal. O direito à saúde está intrinsecamente ligado ao direito à vida, garantia constitucional prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Já o comando constitucional do art. 196, da Carta Magna, não obstante, norma programática, prevê que o necessitado tem o direito de receber do Estado, assim entendido União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o suporte efetivo para a tutela do bem jurídico mais importante da sociedade, qual seja, a vida, vejamos: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. In casu, está em jogo a qualidade de vida do filho da autora, que é autista e totalmente dependente dos cuidados da genitora, o que autoriza a concessão de um maior tempo materno para a manutenção da sua saúde. Cumpre mencionar que a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada à legislação brasileira no ano de 2008, com equivalência a emenda constitucional, prevê, em linhas gerais, em seu art. 5º que deve ser promovida a igualdade e eliminada a discriminação, devendo os Estados adotar as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. Já o art. 7º da referida Convenção dispõe que "1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. 2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial." Desse modo, não obstante a Lei nº 8.112/90 prever a redução de jornada apenas para servidores com necessidades especiais e condicionar a redução de jornada aos que têm filhos com necessidades especiais à compensação das horas, tenho que deve ser estendida a possibilidade de redução de jornada também a estes que têm filhos com necessidades especiais, como o caso da autora. Saliente-se que restou demonstrado nos autos que o menor, filho da acionante, apresenta diagnóstico compatível com transtorno do espectro autístico, apresentando deficiência físico-mental, conforme se observa da cópia do Processo Administrativo juntado às fls. 51/56. Assim, evidenciada a presença do fumus boni iuris. O periculum in mora decorre da preemente necessidade de a autora acompanhar seu filho acometido de Transtorno do Espectro Autista (CID F 84.0) e lhe garantir a estimulação necessária para o seu desenvolvimento neurocognitivo. Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar à Sensível à questão, o Legislativo Federal jogou uma pá de cal sobre a discussão e aprovou a Lei Federal nº 13.370/16, ampliando o horário especial sem compensação de jornada já garantido ao servidor com deficiência ao servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física. Diante de tal arcabouço, é de se reconhecer o direito pleiteado pelo servidor, como parte da efetivação integral do direito à saúde e da proteção jurídica dos portadores de deficiência mental (Lei Federal nº 10.216/2001). Nesse diapasão: Tratamento e internação em entidade hospitalar psiquiátrica especializada. A esse propósito não pode o poder público se eximir de cumprir seus deveres e missões institucionais, pois em causas com temática tão sensível como a presente, nas quais se discute o direito à saúde, à vida e a qualidade desta o atuar dos poderes públicos deve se dar de forma plena e integral, visto que o bem maior a ser preservado é a vida e não há interpretação legal, orçamento, competência administrativa, ou reclamo que possa ser interposto contra este, por tratar-se de dever inafastável dos poderes públicos. Necessário conferir o devido alcance às normas constitucionais ligadas à matéria objeto dos autos, as quais demandam ampla observância e plena efetividade. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP, 3a Câmara de Direito Público, Apelação nº 0008616-6.2012.8.26.0220, Relator (a) Des.(a) Ronaldo Andrade, julgado em 19/08/2014.) Ainda que a legislação municipal não preveja o direito à redução da carga horária, é de rigor a interpretação sistemática e analógica das normas federais e constitucionais cogentes de proteção ao portador de deficiência, tratando-se de direito fundamental. Com efeito, é de se ter em conta que o benefício de redução de carga horária é procedente ao servidor público, pois na realidade se trata de um direito social da pessoa com deficiência, tendo por finalidade permitir que o genitor, servidor público, possa acompanhar seu filho, que não prescinde de atenção especial. O que se afirmam nestes autos não é a transferência do ônus da responsabilidade a terceiros ou ao Estado, mas a necessária efetivação das normas voltadas à proteção da pessoa com deficiência, uma vez que a declaração do direito, desacompanhada dos meios para o seu regular exercício, corresponde à própria negativa do reconhecimento do direito do incapaz ao acesso à educação e ao transporte. Assim, não se alegue violação ao princípio da legalidade, nem ao da separação dos poderes no reconhecimento do direito de redução de jornada pelo Poder Judiciário na ausência de previsão expressa em Lei Municipal, em decorrência da aplicação da interpretação sistemática e analógica dos dispositivos legais vigentes, que disciplinam a proteção da pessoa com deficiência, remediando as lacunas existentes na legislação municipal, frente à dinâmica social que exige respostas imediatas. Não se olvide que, diante de sua aprovação sob o rito das emendas constitucionais, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adquiriu primazia sobre a legislação infraconstitucional, adquirindo capacidade, inclusive, de derrogar normas com ela conflitantes. Nessa medida, de rigor a interpretação em cotejo com os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e das normas de proteção ao portador de deficiência, garantindo que o autor possa se dedicar mais aos filhos e assim atender também às garantias de que referidas pessoas gozam. Ressalte-se, como exaustivamente já se expôs, que o caso dos autos não envolve exclusivamente interesse particular da parte autora, mas de toda a coletividade, a quem incumbe, por ordem constitucional, a proteção à família (art. 226), assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art. 227, caput, da CF), por meio, inclusive, da "criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação" (art. 227, § 1º, II, da CF), bem assim e, sobretudo, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 3º, inciso III da CF). Sendo assim, considerando o risco à vida, saúde e segurança do infante, a medida interventiva se faz necessária, sob pena de se incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional, ao transformar os dispositivos de proteção à família, à criança e à dignidade da pessoa humana em verdadeira lírica constitucional com o consequente esvaziamento dos direitos fundamentais. Vale destacar, ainda, que há nos autos, em especial nos documentos juntados à inicial, a comprovação de total dependência de seu genitor. Em outras palavras, impedir a redução da jornada de trabalho do servidor cujo filho, cônjuge ou dependente seja portador de doença física, mental ou sensorial é, de forma indireta, negar uma forma de adaptação para se inserirem na sociedade em igualdade de oportunidades. Anote-se, ainda, em verdade, que a redução da carga horária passa a ser caracterizada como um direito social da criança, adquirido de forma reflexa, com escopo de atender e garantir uma vida digna; assim, em cognição perfunctória, é prudente inclinar-se pela proteção. Por fim, deve ser aplicada a referida redução sem qualquer prejuízo da remuneração, haja vista que a criança portadora de autismo necessita de cuidados especializados que lhe permitam desenvolver, ao máximo, suas capacidades físicas e habilidades mentais. Obviamente, esse tratamento tem custo elevado, sendo inviável redução de rendimentos, considerando que tal ônus poderia, até mesmo, inviabilizar a continuidade desse tratamento. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, concedendo a liminar em sentença, para reduzir a carga horária laboral do autor em 50%, sem a diminuição dos vencimentos da parte autora e sem a necessidade de compensação de horas, para que possa cuidar de seu filho, pessoa com deficiência. Condeno a parte ré nas custas e despesas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, nos termos do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil. Sentença sujeita ao reexame necessário. Em sendo pertinente, face ao princípio da celeridade serve a presente decisão como Mandado Judicial de intimação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Grajaú/MA, data do sistema. JOÃO BRUNO FARIAS MADEIRA Juiz de Direito resp. pela 1ª Vara de Grajaú Portaria GCCGJ N. 174/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.
Fazer Login para Ver Mais
Processo nº 0802142-71.2023.8.10.0037
ID: 260241491
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Vara de Grajaú
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0802142-71.2023.8.10.0037
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS PAULO CAROLA SOUSA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ROMULO DE ORQUIZA MOREIRA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
HILDOMAR SANTOS SILVA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802142-71.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: H…
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802142-71.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: HILDOMAR SANTOS SILVA (OAB 11162-MA), ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA (OAB 17480-A-MA) Requerido: MUNICIPIO DE GRAJAU MA e outros Advogado(s) do reclamado: SUELY LOPES SILVA (OAB 3454-MA), MAURO HENRIQUE FERREIRA GONCALVES SILVA (OAB 7930-MA) SENTENÇA SINTEEGRA - SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO E PRIVADO DE GRAJAÚ/MA representando ELISANGELA MILHOMEM DE BARROS RIBEIRO move AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face do MUNICÍPIO DE GRAJAÚ/MA. Aduz que a representada é servidora pública municipal e é genitora de VALDEMAR JOAQUIM RIBEIRO NETO, brasileiro, menor impúbere, portadora do RG sob n° 061839382017-0 SSP/MA, que conforme documentos médicos anexos, é portadora de Transtorno do Espectro Autista (TEA) – CID 10 - F 84.0. Diante disso, a parte autora necessita trabalhar em condições especiais, de modo que seja possível conciliar seu trabalho com os compromissos terapêuticos de seu filho. O Sindicato afirma que através do ofício administrativo n. 028/2023 realizou junto a Municipalidade, o pedido da redução de jornada dos servidores com filhos deficientes, objeto da presente demanda, o qual quedou-se inerte até o presente momento. Liminarmente, requer que a ré seja compelida a reduzir a carga horária laboral do autor sem a diminuição dos vencimentos do servidor e sem a necessidade de compensação de horas. Ao final, requer seja julgada procedente a demanda, a fim de confirmar os efeitos do pedido liminar. Citado, o Município contestou, alegando, em síntese e genericamente, que ofício dirigido ao ente foi genérico e não especificou quem seria os servidores a ter direito à redução de carga horária, subsidiariamente, afirmou que o pedido é improcedente. O requerente não apresentou réplica à contestação. É o relatório. DECIDO. Trata-se de ação em que a parte autora, devidamente representada, pretende a redução de sua jornada de trabalho, sem diminuição de vencimentos, sob o argumento de que precisa cuidar de seu filho com diagnóstico acima especificado. O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, I, do CPC. Não há preliminares a serem analisadas. No mérito, o pedido é procedente. As prerrogativas em questão são de competência estatutária municipal. Assim, aparentemente, o Judiciário estaria vinculado ao rigor do indeferimento, visto a ausência de expressa previsão regimental. Entretanto, a judicialização ganha lugar quando a defesa dos direitos e garantias constitucionais, por algum motivo, não forem efetivados em um caso concreto. Com efeito, a parte autora comprovou ser servidor do município réu. Também comprovou a enfermidade de seu filho, Espectro Autismo (TEA) – CID 79.1 - F 84.0, necessitando de diversos tratamentos e de ser constantemente acompanhado para sua habilitação/reabilitação. Os documentos juntados aos autos demonstram com segurança, que a jornada integral do servidor não lhe permite exercer o necessário acompanhamento do infante. Feita esta breve síntese da demanda, insta consignar, inicialmente, que o caso em apreço deve ser analisado sob a ótica da proteção especial conferida à pessoa deficiente e não como um simples pedido de benefício específico a servidor público, como se a pretensão versada nos autos buscasse conferir vantagem especial ao autor sem qualquer amparo legal. Partindo dessa premissa, embora não haja legislação municipal a autorizar diretamente a redução da jornada de trabalho do servidor em casos que tais, o arcabouço da legislação e princípios relacionados ao tema permitem a conclusão de que tal proteção é de lhe ser deferida. Vejamos. De início, vale registrar a aprovação, pelo Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, da "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", assinada em 30 de março de 2007 e ratificada pelo Brasil em 1º de agosto de 2008. Cuida-se do primeiro tratado internacional de direitos humanos aquiescido com fundamento no artigo 5°, parágrafo 3° da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, in verbis: "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Dispõe o artigo 1º, acerca de sua principal finalidade: "promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente". Art. 8º "É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico". Art. 14. "O processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência". A Convenção tem preocupação primordial com o "respeito pelo lar e pela família" (art. 23): 1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: (...) 2. Os Estados Partes assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições semelhantes, caso esses conceitos constem na legislação nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior interesse da criança. Os Estados Partes prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos. 3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência terão iguais direitos em relação à vida familiar. Para a realização desses direitos e para evitar ocultação, abandono, negligência e segregação de crianças com deficiência, os Estados Partes fornecerão prontamente informações abrangentes sobre serviços e apoios a crianças com deficiência e suas famílias. 4. Os Estados Partes assegurarão que uma criança não será separada de seus pais contra a vontade destes, exceto quando autoridades competentes, sujeitas a controle jurisdicional, determinarem, em conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis, que a separação é necessária, no superior interesse da criança. Em nenhum caso, uma criança será separada dos pais sob alegação de deficiência da criança ou de um ou ambos os pais. 5. Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade. Estabelece prioridades acerca do "padrão de vida e proteção social adequados" (art. 28): 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: a) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a serviços de saneamento básico e assegurar o acesso aos serviços, dispositivos e outros atendimentos apropriados para as necessidades relacionadas com a deficiência; b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza; c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso; d) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência a programas habitacionais públicos; e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria. Vale assinalar que a "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência" alinha um conjunto de normas correspondente a direitos fundamentais, com hierarquia própria de Emenda à Constituição. A Lei 7.853/89, que "Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências", visando "garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade" (art. 1º, § 2º), estabelece que "Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico" (art. 2º), com dispositivos relativos ao oferecimento obrigatório de programas de educação especial em estabelecimentos públicos de ensino (art. 2º, I, c); matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (art. 2º, II, f); garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados (art. 2º, II, d) e promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência (art. 2º, inciso III, c). Em arremate, dispõe seu art. 9º que "[a] Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social." A seu turno, dentre outros direitos, assegura às pessoas com deficiência, no seu art. 9º, o tratamento prioritário da Administração Pública Federal. A mesma Lei 7.853/89, no seu art. 1º, estabelece o direito da pessoa portadora de deficiência de encontrar as condições mínimas de igualdade de tratamento e oportunidade e de respeito à sua dignidade e bem-estar, visando à sua integração social e o pleno exercício de seus direitos, in verbis: Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. Também foi editada a Lei 12.764/12, no qual instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabeleceu diretrizes para sua consecução, por seu turno, considera pessoa com deficiência o portador de transtorno espectro autista, para todos os efeitos legais, vejamos: Art. 1º "Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. (...)§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". Art. 2º "São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:(...) II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes"; Por outro lado, na esfera administrativa federal o art. 98 da Lei 8.112/90 autorizava horário especial para o servidor portador de deficiência física, sem compensação (§ 2º), ainda que, no que tange ao servidor com filho portador de deficiência física, expressamente, subordinasse o horário especial à condição de haver compensação de horário (§ 3º), verbis: Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário na repartição, respeitada a duração semanal do trabalho. § 1º Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho. § 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. § 3º As disposições do parágrafo anterior são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, exigindo-se, porém, neste caso, compensação de horário na forma do inciso II do art. 44. A exigência de compensação, é de se consignar, já vinha sendo afastada pela jurisprudência, como se observa do seguinte excerto: Na verdade, aqui, evidentemente, o legislador tira com uma mão o que pretendeu oferecer com a outra. De fato, se a mãe da criança que deverá de qualquer sorte cumprir meia jornada de trabalho - tiver que compensar, por exemplo, à noite, ou nos finais de semanas, o horário que despendeu durante a manhã para cuidar do seu filho, não é preciso muito esforço argumentativo ou maiores habilidades lógicas para se concluir que a criança ficará, num momento (de noite) ou noutro (de manhã) sem a presença e cuidado de sua mãe. Por outro lado, salvo melhor juízo, a redução de horário mediante compensação remuneratória, conforme determinado na decisão recorrida, parece ser uma resposta mais prejudicial aos interesses da família da criança com deficiência e, certamente, não atende constitucional e legalmente aos objetivos traçados seja na L. 9.853/89, seja na "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", seja na Constituição da Republica. Com efeito, a criança portadora de Síndrome de Down necessita de cuidados especializados, que lhe permitam desenvolver, ao máximo, suas capacidades físicas e habilidades mentais. Obviamente, esse tratamento tem custo elevado, sendo inviável impor à agravante redução em seus rendimentos, considerando que tal ônus poderia, até mesmo, inviabilizar a continuidade desse tratamento. Ante tais circunstâncias, é o caso de, com base nas normas e nas garantias veiculadas na Convenção que protege a criança com deficiência, já agora equiparada a normas de hierarquia constitucional, reconhecer à agravante o direito à pretendida redução de horário, sem necessidade de compensação. (TRF1, Agravo de instrumento nº 0051316-33.2013.4.01.0000/DF, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, j. 29.10.2013; Grifou-se). No mesmo sentido: APELAÇÃO CÍVEL ADMINISTRATIVO SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL HORÁRIO ESPECIAL REDUÇÃO DE 50% DA CARGA HORÁRIA FILHO COM TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO ESPECTRO AUTISTA (AUTISMO) LEI MUNICIPAL QUE NÃO PREVÊ DIREITO À REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E ANALÓGICA PERMITIDA NORMAS FEDERAIS E CONSTITUCIONAIS COGENTES DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA DIREITO FUNDAMENTAL AUSÊNCIA DE OFENSA Á LEGALIDADE ADMINISTRATIVA E À SEPARAÇÃO DOS PODERES INTEGRAÇÃO DO DIREITO RECURSO PROVIDO. 1. Será concedido horário especial a servidor que tenha filho ou dependente portador de transtorno do espectro autista (autismo), menor de idade, que necessite de assistência diuturna do genitor, para acompanhá-lo aos tratamentos médicos e terapêuticos indicados, sem compensação de horário ou redução dos seus vencimentos. 2- O benefício de redução de carga horária concedido a servidora pública municipal, só de forma reflexa lhe pertence, pois na verdade se trata de um direito social da criança, porque tal medida tem por escopo possibilitar que a mãe, trabalhadora, possa atender seu filho com deficiência, que carece de atenção especial. 3- O reconhecimento desse direito pelo Poder Judiciário, quando não há previsão expressa em Lei Municipal que rege a categoria do servidor contemplado com o benefício da redução da carga horária, não implica violação ao princípio da legalidade, nem ao da Separação dos Poderes, mas ao contrário guarda sua estreita observância, porque decorre da interpretação sistemática e analógica dos dispositivos legais vigentes, que regem a proteção do portador de deficiência, bem como das normas constitucionais que dispensam especial proteção à criança, sanando as lacunas existentes na legislação municipal, frente a velocidade da alteração dos fatos e problemáticas sociais. (TJMS, Apelação nº 0800056-88.2014.8.12.0037, Relator Desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho, j. 15/09/2015, Grifou-se). MANDADO DE SEGURANÇA LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DO MUNICÍPIO DE GLÓRIA DE DOURADOS RECHAÇADO. I) A teor do disposto no artigo 47 do Código de Processo Civil, o litisconsórcio passivo necessário se impõe nas hipóteses em que a eficácia da sentença repercute na esfera jurídica alheia, o que não se verifica no mandado de segurança sub examine. II) Pretensão de litisconsórcio rechaçada. MÉRITO SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL E MUNICIPAL PRETENSÃO E REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO NA REDE ESTADUAL EM RAZÃO DO FILHO SER PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. VINCULAÇÃO A DOIS CARGOS DE MAGISTÉRIO DE 4 HORAS DIÁRIAS CADA, SENDO UM NA REDE ESTADUAL E OUTRO NA REDE MUNICIPAL. INTERPRETAÇÃO EM PROL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DAS NORMAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA ORDEM CONCEDIDA, LIMINAR RATIFICADA. I) A finalidade da Lei Estadual nº. 1.809/1997, ao conceder o benefício da redução da jornada para as servidoras cujos filhos são portadores de necessidades especiais, é garantir que possam se dedicar mais a eles e assim atender também as garantias que referidas pessoas gozam, de modo que, comprovado o total de 40 horas/semanais ou mais, mesmo derivado da soma das horas da rede estadual e da rede municipal, o direito deve ser reconhecido através de interpretação em prol da dignidade da pessoa humana e da normas de proteção da criança e dos portadores de necessidades especiais. Interpretação contrária além de afrontar esses preceitos, contraria o princípio da igualdade e repudia a própria motivação da lei. II) Ordem concedida com o parecer. (TJMS, Mandado de Segurança nº 1411071-82.2015.8.12.0000, Relator Desembargador Des. Des. Dorival Renato Pavan, j. 23.11.2015, Grifou-se). AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR DEFERIDA. SERVIDORA DISTRITAL. FILHO PORTADOR DE AUTISMO. HORÁRIO ESPECIAL. JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA SEM COMPENSAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. A concessão de liminar em sede de mandado de segurança para a suspensão do ato administrativo fustigado exige a configuração dos requisitos da relevância da fundamentação e do perigo na demora da prestação jurisdicional, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009. 2. A relevância da fundamentação expendida pela impetrante se materializa na possibilidade de se efetivar uma análise do teor do art. 21, III, da Portaria 199/2014 à luz de todo o conjunto normativo que disciplina a proteção dos portadores de necessidades especiais. 3. Não se vislumbra o alegado risco de irreversibilidade da liminar objurgada, diante do fato de que a servidora impetrante goza do benefício de redução de 02 (duas) horas em sua jornada de trabalho sem compensação desde o ano de 2002, isto é, há mais de uma década. 4. É a impetrante quem suporta o periculum in mora, eis que o prolongamento natural do trâmite do processo sem o amparo da medida liminar poderá implicar prejuízos no regular prosseguimento dos procedimentos terapêuticos e das atividades educacionais frequentadas por seu filho portador do transtorno de autismo. 5. Recurso desprovido. (TJDF, 20140020331773MSG, Relator Des. J.J. Costa Carvalho, j. 28.05.2015, Grifou- se). CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - HORÁRIO ESPECIAL SEM COMPENSAÇÃO - ART. 98 § 2º DA LEI 8.112/90 - SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Será concedido horário especial ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, quando demonstrada a necessidade por junta médica oficial (Lei 8.112/1990, art. 98, § 3º), com compensação de horário, em regra. 2. No entanto, comprovado por laudos médicos que o filho do servidor impetrante é portador de grave deficiência mental, que lhe exige assistência diuturna, faz jus o servidor à concessão de horário especial de trabalho, sem compensação de horário, tendo em vista que as normas constitucionais que dispensam especial proteção à família devem se sobrepor na presente hipótese, frente à gravidade da situação do menor. 3. Apelação e remessa oficial não providas. (AMS 0011224- 67.2000.4.01.0000/PI, Rel. JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO, 1a TURMA SUPLEMENTAR, eDJF1 de 18/05/2011, p. 124, Grifou-se). Recentemente, o C. Tribunal Regional Federal da Primeira Região Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos do processo nº 0072777-75.2015.4.01.3400, da 15a Vara Federal deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em caso análogo, sob os seguintes fundamentos: Decisão Trata-se de ação sob o rito ordinário, ajuizada por em face da UNIÃO FEDERAL, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, objetivando que seja reduzida a carga horária da autora de trinta e cinco horas semanais para vinte horas semanais, sem necessidade de compensação e sem redução de remuneração. Alega que é servidora do TJDFT e que tem um filho, de seis anos de idade, que é acometido de Transtorno do Espectro Autista (CID F 84.0), e que apresenta deficiência físico- mental no desempenho das atividades relacionadas aos cuidados básicos, o que demanda atenção e esforços concentrados por parte da mãe no sentido de prover segurança e garantir a estimulação necessária para o desenvolvimento neurocognitivo, conforme reconhecido pelo Núcleo de Perícia Médica Institucional do TJDFT, no âmbito do processo administrativo nº 14.985/2015. Aduz que protocolizou requerimento administrativo a fim de obter redução da jornada de trabalho para 20 horas semanais, tendo, todavia, o TJDFT concedido apenas horário especial, mediante a compensação de horas, continuando, assim, inviável o acompanhamento materno da criança especial. É o relatório. Decido. A questão em debate envolve o direito à vida e à saúde, além da própria dignidade da pessoa humana. A saúde é um bem jurídico que goza de amparo constitucional no plano federal, estadual e municipal. O direito à saúde está intrinsecamente ligado ao direito à vida, garantia constitucional prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Já o comando constitucional do art. 196, da Carta Magna, não obstante, norma programática, prevê que o necessitado tem o direito de receber do Estado, assim entendido União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o suporte efetivo para a tutela do bem jurídico mais importante da sociedade, qual seja, a vida, vejamos: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. In casu, está em jogo a qualidade de vida do filho da autora, que é autista e totalmente dependente dos cuidados da genitora, o que autoriza a concessão de um maior tempo materno para a manutenção da sua saúde. Cumpre mencionar que a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada à legislação brasileira no ano de 2008, com equivalência a emenda constitucional, prevê, em linhas gerais, em seu art. 5º que deve ser promovida a igualdade e eliminada a discriminação, devendo os Estados adotar as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. Já o art. 7º da referida Convenção dispõe que "1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. 2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial." Desse modo, não obstante a Lei nº 8.112/90 prever a redução de jornada apenas para servidores com necessidades especiais e condicionar a redução de jornada aos que têm filhos com necessidades especiais à compensação das horas, tenho que deve ser estendida a possibilidade de redução de jornada também a estes que têm filhos com necessidades especiais, como o caso da autora. Saliente-se que restou demonstrado nos autos que o menor, filho da acionante, apresenta diagnóstico compatível com transtorno do espectro autístico, apresentando deficiência físico-mental, conforme se observa da cópia do Processo Administrativo juntado às fls. 51/56. Assim, evidenciada a presença do fumus boni iuris. O periculum in mora decorre da preemente necessidade de a autora acompanhar seu filho acometido de Transtorno do Espectro Autista (CID F 84.0) e lhe garantir a estimulação necessária para o seu desenvolvimento neurocognitivo. Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar à Sensível à questão, o Legislativo Federal jogou uma pá de cal sobre a discussão e aprovou a Lei Federal nº 13.370/16, ampliando o horário especial sem compensação de jornada já garantido ao servidor com deficiência ao servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física. Diante de tal arcabouço, é de se reconhecer o direito pleiteado pelo servidor, como parte da efetivação integral do direito à saúde e da proteção jurídica dos portadores de deficiência mental (Lei Federal nº 10.216/2001). Nesse diapasão: Tratamento e internação em entidade hospitalar psiquiátrica especializada. A esse propósito não pode o poder público se eximir de cumprir seus deveres e missões institucionais, pois em causas com temática tão sensível como a presente, nas quais se discute o direito à saúde, à vida e a qualidade desta o atuar dos poderes públicos deve se dar de forma plena e integral, visto que o bem maior a ser preservado é a vida e não há interpretação legal, orçamento, competência administrativa, ou reclamo que possa ser interposto contra este, por tratar-se de dever inafastável dos poderes públicos. Necessário conferir o devido alcance às normas constitucionais ligadas à matéria objeto dos autos, as quais demandam ampla observância e plena efetividade. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP, 3a Câmara de Direito Público, Apelação nº 0008616-6.2012.8.26.0220, Relator (a) Des.(a) Ronaldo Andrade, julgado em 19/08/2014.) Ainda que a legislação municipal não preveja o direito à redução da carga horária, é de rigor a interpretação sistemática e analógica das normas federais e constitucionais cogentes de proteção ao portador de deficiência, tratando-se de direito fundamental. Com efeito, é de se ter em conta que o benefício de redução de carga horária é procedente ao servidor público, pois na realidade se trata de um direito social da pessoa com deficiência, tendo por finalidade permitir que o genitor, servidor público, possa acompanhar seu filho, que não prescinde de atenção especial. O que se afirmam nestes autos não é a transferência do ônus da responsabilidade a terceiros ou ao Estado, mas a necessária efetivação das normas voltadas à proteção da pessoa com deficiência, uma vez que a declaração do direito, desacompanhada dos meios para o seu regular exercício, corresponde à própria negativa do reconhecimento do direito do incapaz ao acesso à educação e ao transporte. Assim, não se alegue violação ao princípio da legalidade, nem ao da separação dos poderes no reconhecimento do direito de redução de jornada pelo Poder Judiciário na ausência de previsão expressa em Lei Municipal, em decorrência da aplicação da interpretação sistemática e analógica dos dispositivos legais vigentes, que disciplinam a proteção da pessoa com deficiência, remediando as lacunas existentes na legislação municipal, frente à dinâmica social que exige respostas imediatas. Não se olvide que, diante de sua aprovação sob o rito das emendas constitucionais, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adquiriu primazia sobre a legislação infraconstitucional, adquirindo capacidade, inclusive, de derrogar normas com ela conflitantes. Nessa medida, de rigor a interpretação em cotejo com os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e das normas de proteção ao portador de deficiência, garantindo que o autor possa se dedicar mais aos filhos e assim atender também às garantias de que referidas pessoas gozam. Ressalte-se, como exaustivamente já se expôs, que o caso dos autos não envolve exclusivamente interesse particular da parte autora, mas de toda a coletividade, a quem incumbe, por ordem constitucional, a proteção à família (art. 226), assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art. 227, caput, da CF), por meio, inclusive, da "criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação" (art. 227, § 1º, II, da CF), bem assim e, sobretudo, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 3º, inciso III da CF). Sendo assim, considerando o risco à vida, saúde e segurança do infante, a medida interventiva se faz necessária, sob pena de se incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional, ao transformar os dispositivos de proteção à família, à criança e à dignidade da pessoa humana em verdadeira lírica constitucional com o consequente esvaziamento dos direitos fundamentais. Vale destacar, ainda, que há nos autos, em especial nos documentos juntados à inicial, a comprovação de total dependência de seu genitor. Em outras palavras, impedir a redução da jornada de trabalho do servidor cujo filho, cônjuge ou dependente seja portador de doença física, mental ou sensorial é, de forma indireta, negar uma forma de adaptação para se inserirem na sociedade em igualdade de oportunidades. Anote-se, ainda, em verdade, que a redução da carga horária passa a ser caracterizada como um direito social da criança, adquirido de forma reflexa, com escopo de atender e garantir uma vida digna; assim, em cognição perfunctória, é prudente inclinar-se pela proteção. Por fim, deve ser aplicada a referida redução sem qualquer prejuízo da remuneração, haja vista que a criança portadora de autismo necessita de cuidados especializados que lhe permitam desenvolver, ao máximo, suas capacidades físicas e habilidades mentais. Obviamente, esse tratamento tem custo elevado, sendo inviável redução de rendimentos, considerando que tal ônus poderia, até mesmo, inviabilizar a continuidade desse tratamento. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, concedendo a liminar em sentença, para reduzir a carga horária laboral do autor em 50%, sem a diminuição dos vencimentos da parte autora e sem a necessidade de compensação de horas, para que possa cuidar de seu filho, pessoa com deficiência. Condeno a parte ré nas custas e despesas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, nos termos do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil. Sentença sujeita ao reexame necessário. Em sendo pertinente, face ao princípio da celeridade serve a presente decisão como Mandado Judicial de intimação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Grajaú/MA, data do sistema. JOÃO BRUNO FARIAS MADEIRA Juiz de Direito resp. pela 1ª Vara de Grajaú Portaria GCCGJ N. 174/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0802145-26.2023.8.10.0037
ID: 260240671
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Vara de Grajaú
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0802145-26.2023.8.10.0037
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS PAULO CAROLA SOUSA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ROMULO DE ORQUIZA MOREIRA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
HILDOMAR SANTOS SILVA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802145-26.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: H…
1ª VARA DE GRAJAÚ Processo n.º 0802145-26.2023.8.10.0037 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Requerente: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM GRAJAU Advogado(s) do reclamante: HILDOMAR SANTOS SILVA (OAB 11162-MA), ILLANA FLAVYA NEIVA GUEDELHA (OAB 17480-A-MA) Requerido: MUNICIPIO DE GRAJAU MA Advogado(s) do reclamado: SUELY LOPES SILVA (OAB 3454-MA), MARCONI TORRES FERREIRA (OAB 13925-MA) SENTENÇA SINTEEGRA - SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO PÚBLICO E PRIVADO DE GRAJAÚ/MA representando JUVANEDE DE SOUSA FEITOSA move AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face do MUNICÍPIO DE GRAJAÚ/MA. Aduz que a representada é servidora pública municipal e é genitor de ISABELY FEITOZA SOUZA, menor impúbere, portadora do RG sob n° 03897362009-3 SSP/MA, que conforme documentos médicos anexos, é portadora de transtorno do Espectro Autista (TEA) – CID 79.1 - F 84.0. Diante disso, a parte autora necessita trabalhar em condições especiais, de modo que seja possível conciliar seu trabalho com os compromissos terapêuticos de seu filho. O Sindicato afirma que através do ofício administrativo n. 028/2023 realizou junto a Municipalidade, o pedido da redução de jornada dos servidores com filhos deficientes, objeto da presente demanda, o qual quedou-se inerte até o presente momento. Liminarmente, requer que a ré seja compelida a reduzir a carga horária laboral do autor sem a diminuição dos vencimentos do servidor e sem a necessidade de compensação de horas. Ao final, requer seja julgada procedente a demanda, a fim de confirmar os efeitos do pedido liminar. Citado, o Município contestou, alegando, em síntese e genericamente, que ofício dirigido ao ente foi genérico e não especificou quem seria os servidores a ter direito à redução de carga horária, subsidiariamente, afirmou que o pedido é improcedente. O requerente não apresentou réplica à contestação. É o relatório. DECIDO. Trata-se de ação em que a parte autora, devidamente representada, pretende a redução de sua jornada de trabalho, sem diminuição de vencimentos, sob o argumento de que precisa cuidar de seu filho com diagnóstico acima especificado. O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, I, do CPC. Não há preliminares a serem analisadas. No mérito, o pedido é procedente. As prerrogativas em questão são de competência estatutária municipal. Assim, aparentemente, o Judiciário estaria vinculado ao rigor do indeferimento, visto a ausência de expressa previsão regimental. Entretanto, a judicialização ganha lugar quando a defesa dos direitos e garantias constitucionais, por algum motivo, não forem efetivados em um caso concreto. Com efeito, a parte autora comprovou ser servidor do município réu. Também comprovou a enfermidade de seu filho, Especto Autismo (TEA) – CID 79.1 - F 84.0, necessitando de diversos tratamentos e de ser constantemente acompanhado para sua habilitação/reabilitação. Os documentos juntados aos autos demonstram com segurança, que a jornada integral do servidor não lhe permite exercer o necessário acompanhamento do infante. Feita esta breve síntese da demanda, insta consignar, inicialmente, que o caso em apreço deve ser analisado sob a ótica da proteção especial conferida à pessoa deficiente e não como um simples pedido de benefício específico a servidor público, como se a pretensão versada nos autos buscasse conferir vantagem especial ao autor sem qualquer amparo legal. Partindo dessa premissa, embora não haja legislação municipal a autorizar diretamente a redução da jornada de trabalho do servidor em casos que tais, o arcabouço da legislação e princípios relacionados ao tema permitem a conclusão de que tal proteção é de lhe ser deferida. Vejamos. De início, vale registrar a aprovação, pelo Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, da "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", assinada em 30 de março de 2007 e ratificada pelo Brasil em 1º de agosto de 2008. Cuida-se do primeiro tratado internacional de direitos humanos aquiescido com fundamento no artigo 5°, parágrafo 3° da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, in verbis: "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Dispõe o artigo 1º, acerca de sua principal finalidade: "promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente". Art. 8º "É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico". Art. 14. "O processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência". A Convenção tem preocupação primordial com o "respeito pelo lar e pela família" (art. 23): 1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: (...) 2. Os Estados Partes assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições semelhantes, caso esses conceitos constem na legislação nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior interesse da criança. Os Estados Partes prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos. 3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência terão iguais direitos em relação à vida familiar. Para a realização desses direitos e para evitar ocultação, abandono, negligência e segregação de crianças com deficiência, os Estados Partes fornecerão prontamente informações abrangentes sobre serviços e apoios a crianças com deficiência e suas famílias. 4. Os Estados Partes assegurarão que uma criança não será separada de seus pais contra a vontade destes, exceto quando autoridades competentes, sujeitas a controle jurisdicional, determinarem, em conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis, que a separação é necessária, no superior interesse da criança. Em nenhum caso, uma criança será separada dos pais sob alegação de deficiência da criança ou de um ou ambos os pais. 5. Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade. Estabelece prioridades acerca do "padrão de vida e proteção social adequados" (art. 28): 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: a) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a serviços de saneamento básico e assegurar o acesso aos serviços, dispositivos e outros atendimentos apropriados para as necessidades relacionadas com a deficiência; b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza; c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso; d) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência a programas habitacionais públicos; e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria. Vale assinalar que a "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência" alinha um conjunto de normas correspondente a direitos fundamentais, com hierarquia própria de Emenda à Constituição. A Lei 7.853/89, que "Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências", visando "garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade" (art. 1º, § 2º), estabelece que "Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico" (art. 2º), com dispositivos relativos ao oferecimento obrigatório de programas de educação especial em estabelecimentos públicos de ensino (art. 2º, I, c); matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (art. 2º, II, f); garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados (art. 2º, II, d) e promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência (art. 2º, inciso III, c). Em arremate, dispõe seu art. 9º que "[a] Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social." A seu turno, dentre outros direitos, assegura às pessoas com deficiência, no seu art. 9º, o tratamento prioritário da Administração Pública Federal. A mesma Lei 7.853/89, no seu art. 1º, estabelece o direito da pessoa portadora de deficiência de encontrar as condições mínimas de igualdade de tratamento e oportunidade e de respeito à sua dignidade e bem-estar, visando à sua integração social e o pleno exercício de seus direitos, in verbis: Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. Também foi editada a Lei 12.764/12, no qual instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabeleceu diretrizes para sua consecução, por seu turno, considera pessoa com deficiência o portador de transtorno espectro autista, para todos os efeitos legais, vejamos: Art. 1º "Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. (...)§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". Art. 2º "São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:(...) II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes"; Por outro lado, na esfera administrativa federal o art. 98 da Lei 8.112/90 autorizava horário especial para o servidor portador de deficiência física, sem compensação (§ 2º), ainda que, no que tange ao servidor com filho portador de deficiência física, expressamente, subordinasse o horário especial à condição de haver compensação de horário (§ 3º), verbis: Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário na repartição, respeitada a duração semanal do trabalho. § 1º Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho. § 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. § 3º As disposições do parágrafo anterior são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, exigindo-se, porém, neste caso, compensação de horário na forma do inciso II do art. 44. A exigência de compensação, é de se consignar, já vinha sendo afastada pela jurisprudência, como se observa do seguinte excerto: Na verdade, aqui, evidentemente, o legislador tira com uma mão o que pretendeu oferecer com a outra. De fato, se a mãe da criança que deverá de qualquer sorte cumprir meia jornada de trabalho - tiver que compensar, por exemplo, à noite, ou nos finais de semanas, o horário que despendeu durante a manhã para cuidar do seu filho, não é preciso muito esforço argumentativo ou maiores habilidades lógicas para se concluir que a criança ficará, num momento (de noite) ou noutro (de manhã) sem a presença e cuidado de sua mãe. Por outro lado, salvo melhor juízo, a redução de horário mediante compensação remuneratória, conforme determinado na decisão recorrida, parece ser uma resposta mais prejudicial aos interesses da família da criança com deficiência e, certamente, não atende constitucional e legalmente aos objetivos traçados seja na L. 9.853/89, seja na "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", seja na Constituição da Republica. Com efeito, a criança portadora de Síndrome de Down necessita de cuidados especializados, que lhe permitam desenvolver, ao máximo, suas capacidades físicas e habilidades mentais. Obviamente, esse tratamento tem custo elevado, sendo inviável impor à agravante redução em seus rendimentos, considerando que tal ônus poderia, até mesmo, inviabilizar a continuidade desse tratamento. Ante tais circunstâncias, é o caso de, com base nas normas e nas garantias veiculadas na Convenção que protege a criança com deficiência, já agora equiparada a normas de hierarquia constitucional, reconhecer à agravante o direito à pretendida redução de horário, sem necessidade de compensação. (TRF1, Agravo de instrumento nº 0051316-33.2013.4.01.0000/DF, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, j. 29.10.2013; Grifou-se). No mesmo sentido: APELAÇÃO CÍVEL ADMINISTRATIVO SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL HORÁRIO ESPECIAL REDUÇÃO DE 50% DA CARGA HORÁRIA FILHO COM TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO ESPECTRO AUTISTA (AUTISMO) LEI MUNICIPAL QUE NÃO PREVÊ DIREITO À REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E ANALÓGICA PERMITIDA NORMAS FEDERAIS E CONSTITUCIONAIS COGENTES DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA DIREITO FUNDAMENTAL AUSÊNCIA DE OFENSA Á LEGALIDADE ADMINISTRATIVA E À SEPARAÇÃO DOS PODERES INTEGRAÇÃO DO DIREITO RECURSO PROVIDO. 1. Será concedido horário especial a servidor que tenha filho ou dependente portador de transtorno do espectro autista (autismo), menor de idade, que necessite de assistência diuturna do genitor, para acompanhá-lo aos tratamentos médicos e terapêuticos indicados, sem compensação de horário ou redução dos seus vencimentos. 2- O benefício de redução de carga horária concedido a servidora pública municipal, só de forma reflexa lhe pertence, pois na verdade se trata de um direito social da criança, porque tal medida tem por escopo possibilitar que a mãe, trabalhadora, possa atender seu filho com deficiência, que carece de atenção especial. 3- O reconhecimento desse direito pelo Poder Judiciário, quando não há previsão expressa em Lei Municipal que rege a categoria do servidor contemplado com o benefício da redução da carga horária, não implica violação ao princípio da legalidade, nem ao da Separação dos Poderes, mas ao contrário guarda sua estreita observância, porque decorre da interpretação sistemática e analógica dos dispositivos legais vigentes, que regem a proteção do portador de deficiência, bem como das normas constitucionais que dispensam especial proteção à criança, sanando as lacunas existentes na legislação municipal, frente a velocidade da alteração dos fatos e problemáticas sociais. (TJMS, Apelação nº 0800056-88.2014.8.12.0037, Relator Desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho, j. 15/09/2015, Grifou-se). MANDADO DE SEGURANÇA LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DO MUNICÍPIO DE GLÓRIA DE DOURADOS RECHAÇADO. I) A teor do disposto no artigo 47 do Código de Processo Civil, o litisconsórcio passivo necessário se impõe nas hipóteses em que a eficácia da sentença repercute na esfera jurídica alheia, o que não se verifica no mandado de segurança sub examine. II) Pretensão de litisconsórcio rechaçada. MÉRITO SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL E MUNICIPAL PRETENSÃO E REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO NA REDE ESTADUAL EM RAZÃO DO FILHO SER PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. VINCULAÇÃO A DOIS CARGOS DE MAGISTÉRIO DE 4 HORAS DIÁRIAS CADA, SENDO UM NA REDE ESTADUAL E OUTRO NA REDE MUNICIPAL. INTERPRETAÇÃO EM PROL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DAS NORMAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA ORDEM CONCEDIDA, LIMINAR RATIFICADA. I) A finalidade da Lei Estadual nº. 1.809/1997, ao conceder o benefício da redução da jornada para as servidoras cujos filhos são portadores de necessidades especiais, é garantir que possam se dedicar mais a eles e assim atender também as garantias que referidas pessoas gozam, de modo que, comprovado o total de 40 horas/semanais ou mais, mesmo derivado da soma das horas da rede estadual e da rede municipal, o direito deve ser reconhecido através de interpretação em prol da dignidade da pessoa humana e da normas de proteção da criança e dos portadores de necessidades especiais. Interpretação contrária além de afrontar esses preceitos, contraria o princípio da igualdade e repudia a própria motivação da lei. II) Ordem concedida com o parecer. (TJMS, Mandado de Segurança nº 1411071-82.2015.8.12.0000, Relator Desembargador Des. Des. Dorival Renato Pavan, j. 23.11.2015, Grifou-se). AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR DEFERIDA. SERVIDORA DISTRITAL. FILHO PORTADOR DE AUTISMO. HORÁRIO ESPECIAL. JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA SEM COMPENSAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. A concessão de liminar em sede de mandado de segurança para a suspensão do ato administrativo fustigado exige a configuração dos requisitos da relevância da fundamentação e do perigo na demora da prestação jurisdicional, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009. 2. A relevância da fundamentação expendida pela impetrante se materializa na possibilidade de se efetivar uma análise do teor do art. 21, III, da Portaria 199/2014 à luz de todo o conjunto normativo que disciplina a proteção dos portadores de necessidades especiais. 3. Não se vislumbra o alegado risco de irreversibilidade da liminar objurgada, diante do fato de que a servidora impetrante goza do benefício de redução de 02 (duas) horas em sua jornada de trabalho sem compensação desde o ano de 2002, isto é, há mais de uma década. 4. É a impetrante quem suporta o periculum in mora, eis que o prolongamento natural do trâmite do processo sem o amparo da medida liminar poderá implicar prejuízos no regular prosseguimento dos procedimentos terapêuticos e das atividades educacionais frequentadas por seu filho portador do transtorno de autismo. 5. Recurso desprovido. (TJDF, 20140020331773MSG, Relator Des. J.J. Costa Carvalho, j. 28.05.2015, Grifou- se). CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - HORÁRIO ESPECIAL SEM COMPENSAÇÃO - ART. 98 § 2º DA LEI 8.112/90 - SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Será concedido horário especial ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, quando demonstrada a necessidade por junta médica oficial (Lei 8.112/1990, art. 98, § 3º), com compensação de horário, em regra. 2. No entanto, comprovado por laudos médicos que o filho do servidor impetrante é portador de grave deficiência mental, que lhe exige assistência diuturna, faz jus o servidor à concessão de horário especial de trabalho, sem compensação de horário, tendo em vista que as normas constitucionais que dispensam especial proteção à família devem se sobrepor na presente hipótese, frente à gravidade da situação do menor. 3. Apelação e remessa oficial não providas. (AMS 0011224- 67.2000.4.01.0000/PI, Rel. JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDÃO, 1a TURMA SUPLEMENTAR, eDJF1 de 18/05/2011, p. 124, Grifou-se). Recentemente, o C. Tribunal Regional Federal da Primeira Região Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos do processo nº 0072777-75.2015.4.01.3400, da 15a Vara Federal deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em caso análogo, sob os seguintes fundamentos: Decisão Trata-se de ação sob o rito ordinário, ajuizada por em face da UNIÃO FEDERAL, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, objetivando que seja reduzida a carga horária da autora de trinta e cinco horas semanais para vinte horas semanais, sem necessidade de compensação e sem redução de remuneração. Alega que é servidora do TJDFT e que tem um filho, de seis anos de idade, que é acometido de Transtorno do Espectro Autista (CID F 84.0), e que apresenta deficiência físico- mental no desempenho das atividades relacionadas aos cuidados básicos, o que demanda atenção e esforços concentrados por parte da mãe no sentido de prover segurança e garantir a estimulação necessária para o desenvolvimento neurocognitivo, conforme reconhecido pelo Núcleo de Perícia Médica Institucional do TJDFT, no âmbito do processo administrativo nº 14.985/2015. Aduz que protocolizou requerimento administrativo a fim de obter redução da jornada de trabalho para 20 horas semanais, tendo, todavia, o TJDFT concedido apenas horário especial, mediante a compensação de horas, continuando, assim, inviável o acompanhamento materno da criança especial. É o relatório. Decido. A questão em debate envolve o direito à vida e à saúde, além da própria dignidade da pessoa humana. A saúde é um bem jurídico que goza de amparo constitucional no plano federal, estadual e municipal. O direito à saúde está intrinsecamente ligado ao direito à vida, garantia constitucional prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Já o comando constitucional do art. 196, da Carta Magna, não obstante, norma programática, prevê que o necessitado tem o direito de receber do Estado, assim entendido União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o suporte efetivo para a tutela do bem jurídico mais importante da sociedade, qual seja, a vida, vejamos: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. In casu, está em jogo a qualidade de vida do filho da autora, que é autista e totalmente dependente dos cuidados da genitora, o que autoriza a concessão de um maior tempo materno para a manutenção da sua saúde. Cumpre mencionar que a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada à legislação brasileira no ano de 2008, com equivalência a emenda constitucional, prevê, em linhas gerais, em seu art. 5º que deve ser promovida a igualdade e eliminada a discriminação, devendo os Estados adotar as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. Já o art. 7º da referida Convenção dispõe que "1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. 2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial." Desse modo, não obstante a Lei nº 8.112/90 prever a redução de jornada apenas para servidores com necessidades especiais e condicionar a redução de jornada aos que têm filhos com necessidades especiais à compensação das horas, tenho que deve ser estendida a possibilidade de redução de jornada também a estes que têm filhos com necessidades especiais, como o caso da autora. Saliente-se que restou demonstrado nos autos que o menor, filho da acionante, apresenta diagnóstico compatível com transtorno do espectro autístico, apresentando deficiência físico-mental, conforme se observa da cópia do Processo Administrativo juntado às fls. 51/56. Assim, evidenciada a presença do fumus boni iuris. O periculum in mora decorre da preemente necessidade de a autora acompanhar seu filho acometido de Transtorno do Espectro Autista (CID F 84.0) e lhe garantir a estimulação necessária para o seu desenvolvimento neurocognitivo. Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar à Sensível à questão, o Legislativo Federal jogou uma pá de cal sobre a discussão e aprovou a Lei Federal nº 13.370/16, ampliando o horário especial sem compensação de jornada já garantido ao servidor com deficiência ao servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física. Diante de tal arcabouço, é de se reconhecer o direito pleiteado pelo servidor, como parte da efetivação integral do direito à saúde e da proteção jurídica dos portadores de deficiência mental (Lei Federal nº 10.216/2001). Nesse diapasão: Tratamento e internação em entidade hospitalar psiquiátrica especializada. A esse propósito não pode o poder público se eximir de cumprir seus deveres e missões institucionais, pois em causas com temática tão sensível como a presente, nas quais se discute o direito à saúde, à vida e a qualidade desta o atuar dos poderes públicos deve se dar de forma plena e integral, visto que o bem maior a ser preservado é a vida e não há interpretação legal, orçamento, competência administrativa, ou reclamo que possa ser interposto contra este, por tratar-se de dever inafastável dos poderes públicos. Necessário conferir o devido alcance às normas constitucionais ligadas à matéria objeto dos autos, as quais demandam ampla observância e plena efetividade. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP, 3a Câmara de Direito Público, Apelação nº 0008616-6.2012.8.26.0220, Relator (a) Des.(a) Ronaldo Andrade, julgado em 19/08/2014.) Ainda que a legislação municipal não preveja o direito à redução da carga horária, é de rigor a interpretação sistemática e analógica das normas federais e constitucionais cogentes de proteção ao portador de deficiência, tratando-se de direito fundamental. Com efeito, é de se ter em conta que o benefício de redução de carga horária é procedente ao servidor público, pois na realidade se trata de um direito social da pessoa com deficiência, tendo por finalidade permitir que o genitor, servidor público, possa acompanhar seu filho, que não prescinde de atenção especial. O que se afirmam nestes autos não é a transferência do ônus da responsabilidade a terceiros ou ao Estado, mas a necessária efetivação das normas voltadas à proteção da pessoa com deficiência, uma vez que a declaração do direito, desacompanhada dos meios para o seu regular exercício, corresponde à própria negativa do reconhecimento do direito do incapaz ao acesso à educação e ao transporte. Assim, não se alegue violação ao princípio da legalidade, nem ao da separação dos poderes no reconhecimento do direito de redução de jornada pelo Poder Judiciário na ausência de previsão expressa em Lei Municipal, em decorrência da aplicação da interpretação sistemática e analógica dos dispositivos legais vigentes, que disciplinam a proteção da pessoa com deficiência, remediando as lacunas existentes na legislação municipal, frente à dinâmica social que exige respostas imediatas. Não se olvide que, diante de sua aprovação sob o rito das emendas constitucionais, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adquiriu primazia sobre a legislação infraconstitucional, adquirindo capacidade, inclusive, de derrogar normas com ela conflitantes. Nessa medida, de rigor a interpretação em cotejo com os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e das normas de proteção ao portador de deficiência, garantindo que o autor possa se dedicar mais aos filhos e assim atender também às garantias de que referidas pessoas gozam. Ressalte-se, como exaustivamente já se expôs, que o caso dos autos não envolve exclusivamente interesse particular da parte autora, mas de toda a coletividade, a quem incumbe, por ordem constitucional, a proteção à família (art. 226), assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art. 227, caput, da CF), por meio, inclusive, da "criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação" (art. 227, § 1º, II, da CF), bem assim e, sobretudo, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigo 3º, inciso III da CF). Sendo assim, considerando o risco à vida, saúde e segurança do infante, a medida interventiva se faz necessária, sob pena de se incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional, ao transformar os dispositivos de proteção à família, à criança e à dignidade da pessoa humana em verdadeira lírica constitucional com o consequente esvaziamento dos direitos fundamentais. Vale destacar, ainda, que há nos autos, em especial nos documentos juntados à inicial, a comprovação de total dependência de seu genitor. Em outras palavras, impedir a redução da jornada de trabalho do servidor cujo filho, cônjuge ou dependente seja portador de doença física, mental ou sensorial é, de forma indireta, negar uma forma de adaptação para se inserirem na sociedade em igualdade de oportunidades. Anote-se, ainda, em verdade, que a redução da carga horária passa a ser caracterizada como um direito social da criança, adquirido de forma reflexa, com escopo de atender e garantir uma vida digna; assim, em cognição perfunctória, é prudente inclinar-se pela proteção. Por fim, deve ser aplicada a referida redução sem qualquer prejuízo da remuneração, haja vista que a criança portadora de autismo necessita de cuidados especializados que lhe permitam desenvolver, ao máximo, suas capacidades físicas e habilidades mentais. Obviamente, esse tratamento tem custo elevado, sendo inviável redução de rendimentos, considerando que tal ônus poderia, até mesmo, inviabilizar a continuidade desse tratamento. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, concedendo a liminar em sentença, para reduzir a carga horária laboral do autor em 50%, sem a diminuição dos vencimentos da parte autora e sem a necessidade de compensação de horas, para que possa cuidar de seu filho, pessoa com deficiência. Condeno a parte ré nas custas e despesas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, nos termos do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil. Sentença sujeita ao reexame necessário. Em sendo pertinente, face ao princípio da celeridade serve a presente decisão como Mandado Judicial de intimação. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Grajaú/MA, data do sistema. JOÃO BRUNO FARIAS MADEIRA Juiz de Direito resp. pela 1ª Vara de Grajaú Portaria GCCGJ N. 174/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0892889-44.2024.8.10.0001
ID: 277333113
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Vara do Tribunal do Júri de São Luís
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0892889-44.2024.8.10.0001
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDA FERREIRA BARROS MUNIZ
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 1ª UNIDADE JURISDICIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI PROCESSO Nº. 0892889-44.2024.8.10.0001 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ACUSADO: J. L. G. M. Advogado(a): FERNANDA F…
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 1ª UNIDADE JURISDICIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI PROCESSO Nº. 0892889-44.2024.8.10.0001 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ACUSADO: J. L. G. M. Advogado(a): FERNANDA FERREIRA BARROS MUNIZ - OAB/MA N.º 13870 PAULO ROBERTO NASCIMENTO MOTA, OAB/MA N.º 29856 ACUSADOS: A. D. S. M. LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO Defensor(a) Público(a): CAROLINE MALAQUIAS PINHEIRO Vítima: D. C. D. S.. RÉUS PRESOS – PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO Vistos, etc… Trata-se de Ação Penal instaurada pelo Ministério Público Estadual em desfavor de J. L. G. M., vulgo “CABELUDO”, A. D. S. M., vulgo “ALEX” e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO, por terem praticado, em tese, descritas no artigo 121, § 2º, incisos I; III; e VIII, na forma do artigo 29 c/c artigo. 69, todos do Código Penal, assim como as condutas previstas no artigo 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 12.850/2013, conforme narra a peça acusatória de ID.1136293837. A exordial acusatória relata, em síntese, que: “Consta do incluso Inquérito Policial que, em 05/06/2024, por volta das 00:20h, os denunciados, consciente e voluntariamente, imbuídos de animus necandi, convergiram vontades e esforços com outros autores não identificados, e ceifaram a vida de D. C. D. S., mediante disparos de arma de fogo, em um beco localizado atrás da saída de ônibus do Terminal Rodoviário de São Luís, Vila Lobão, nesta. Noticiam os autos que, na data supracitada, a Polícia Militar foi acionada, via CIOPS, para atender à ocorrência do homicídio em questão, fls. 04. A vítima foi identificada somente após familiares compareceram ao IML e registrarem a ocorrência, fls. 60-66. Em diligências durante o atendimento ao local dos fatos, os investigadores de Polícia localizaram o corpo da vítima, com lesões aparentes causadas por projéteis de arma de fogo e por arma branca perfurocortante. Constataram que DAVID estava no terminal, horas antes, na companhia de CARLOS EUGÊNIO LOPES DIAS, fls. 20, quando foram abordados por alguns indivíduos, tendo CARLOS conseguido fugir, mas DAVID não, fls. 46. A Guarnição da Polícia Militar que operava no local informou, às fls. 45, que, por volta das 22h00min do dia 04/06, a equipe foi acionada pelo CIOPS para verificar uma confusão naquele local; ao se aproximarem, foram abordados por CARLOS, que solicitou ajuda para ir à delegacia, pois seu amigo havia sido capturado na rodoviária. CARLOS relatou que, inicialmente, apenas dois indivíduos os abordaram, mas outros chegaram em seguida; nesse momento ele conseguiu fugir, mas seu amigo foi levado pelos agressores, supostamente integrantes de uma facção criminosa; informou que fazia parte da facção “BONDE DOS 40”, mas associou-se à facção “PCC”. Os investigadores observaram, conforme informações colhidas no local, que a vítima, um usuário de drogas, frequentava a rodoviária há pouco tempo; a área da rodoviária é dominada pela facção “BONDE DOS 40”, fls. 47. Consta o georreferenciamento do local e fotos do cadáver às fls. 28 e ss., além da identificação de câmeras de videomonitoramento do terminal rodoviário, fls. 53. Colheu-se o depoimento de CIRLENE RODRIGUES ANDRADE, tia da vítima, que confirmou as informações obtidas sobre o ofendido, mas não soube informar a respeito da possível autoria do crime. As testemunhas LUÍS GUSTAVO PINHEIRO CORRÊA e SILEUNES DOS SANTOS SILVA, vigilantes do terminal, viram a ocorrência dos fatos até o momento em que CARLOS conseguiu fugir, e os suspeitos levaram a vítima para fora do terminal; relataram que, após, ouviram disparos de arma de fogo. Foram ouvidas duas testemunhas sigilosas, fls. 77-83, que auxiliaram na identificação de alguns dos suspeitos envolvidos no crime, através das filmagens, especialmente J. L. G. M., v. “CABELUDO”, e A. D. S. M., v. “ALEX”, citando-se também uma pessoa conhecida como “SAMUEL”. Consta às fls. 93-187 do Inquérito a análise das filmagens obtidas, e demais diligências, a partir das quais foram identificados e qualificados os três denunciados. Foram obtidas imagens que circularam em rede social, registrando o momento em que os autores do crime gravaram a vítima, obrigando-a a mencionar o nome da facção criminosa “PCC”, rival daquela que atua na região dos fatos, fls. 111-114. Verifica-se, às fls. 193 e ss., o registro da prisão temporária determinada em face dos três suspeitos, assim como as medidas de busca e apreensão domiciliar e quebra de sigilo de dados, constando registros da localização somente de J. L. G. M.. Interrogado, negou ter qualquer envolvimento com os fatos, fls. 196. Destarte, o Relatório Policial, fls. 217 e ss., indiciou J. L. G. M., v. “CABELUDO”, A. D. S. M., v. “ALEX” e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO pelos crimes, pugnando desde logo pela conversão das prisões temporárias em preventivas. Percebe-se, a partir do Inquérito Policial, que constam nos autos indícios suficientes de materialidade e autoria delitivas para o início da persecução penal processual. Quanto à materialidade, em que pese a ausência momentânea dos laudos periciais, não há dúvidas quanto à ocorrência do crime, e as lesões suportadas pela vítima constam preliminarmente descritas às fls. 44, com imagens anexas às fls. 28-53. No tocante à autoria, tem-se as filmagens do ocorrido dentro e nos arredores do terminal rodoviário, através das quais foram identificados os três denunciados, faltando os demais coautores; esses elementos de prova são reforçados por informações testemunhais, além de relatos anônimos, que destacam suas atuações essenciais no deslinde dos fatos. A motivação atrela-se à facção criminosa que atua na região, tendo decorrido da pressuposição de que a vítima e a testemunha CARLOS EUGÊNIO LOPES DIAS seriam membros de uma facção rival. Tratam-se de motivos abjetos e reprováveis que devem ser classificados como torpes. A dinâmica delitiva até então relatada conduz à compreensão de que os agentes do crime amarraram a vítima, restringindo suas possibilidades de defesa, para facilitar a consumação do intento homicida. Tem-se, então, a demonstração de que o crime foi executado de maneira que dificultou a defesa do ofendido. Os informes a respeito da materialidade, registrando uma elevada quantidade de lesões, associados às fotos do cadáver, fazem notar que o crime foi executado com requintes de crueldade, tendo a vítima suportado um elevado grau de sofrimento, com possível tortura, vide o registro constante às fls. 47 do Inquérito, acerca da lesão constatada na sua perna. Vê-se, desse modo, o emprego de meio cruel. Considerando a presença de lesões por projéteis de arma de fogo, e sua obtenção após a perícia no IML, cf. fls. 188-191, existem indícios de que o crime pode ter sido cometido com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, circunstância que deverá ser averiguada através de exames nos projéteis. Outrossim, constatou-se que os indiciados fazem parte da facção criminosa conhecida como “BONDE DO 40”, que exerce influência significativa na área da rodoviária de São Luís. Tem-se, portanto, que compõem uma organização criminosa, que monitora o local para controlar o comércio de entorpecentes, e impedir a entrada de membros de facções rivais, utilizando-se, evidentemente, do emprego de armas de fogo, contexto em que o crime de homicídio em questão fora executado. O relatório do Inquérito apresenta evidências de que os indiciados agiram seguindo um proceder característico de tais organizações criminosas, para identificar, monitorar e executar a vítima, e o relatório de investigações, às fls. 99-115, levanta indícios de que os denunciados, especialmente JHONATHA, têm função de controle e liderança das ações da organização criminosa na área do terminal rodoviário. Verifica-se, portanto, que os denunciados, na forma do caput do art. 29 do Código Penal Brasileiro, praticaram, nos termos do seu art. 69, as condutas tipificadas em tese, no seu art. 121, §2º, incisos I, III, IV e VIII, assim como, no art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 12.850/2013(como no original). A denúncia foi recebida em 06/12/2024 (ID.136455256). Laudo de Exame em local de Morte violenta (ID.138230939). No ID. 145378781, constam os links da plataforma PJe Mídias, correspondentes às imagens captadas por câmeras de monitoramento relacionadas ao presente feito, encaminhadas pelo Delegado de Polícia Civil por meio do Ofício nº 137/2025 – DHL/SHPP. Iniciada a primeira fase, os acusados J. L. G. M., vulgo “CABELUDO”, A. D. S. M., vulgo “ALEX” e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO foram citados pessoalmente (ID.137291084; ID.140493474 e ID.140983425). O acusado J. L. G. M., constituiu advogados, conforme instrumento de mandato registrado no ID nº 138968550. Na sequência, os patronos regularmente constituídos ofertaram Resposta Escrita à Acusação, consoante peça protocolada sob o ID nº 139671951. Constata-se que os acusados A. D. S. M., vulgo “ALEX” e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO foram assistidos pela Defensoria Pública, que assumiu o patrocínio de suas defesas técnicas no presente feito desde a citação dos referidos acusados. A Defensora Pública, no exercício regular de suas atribuições constitucionais e legais, apresentou as respectivas Respostas Escritas à Acusação, conforme documentos constantes dos IDs nº 140803995 e 142787371, respectivamente. Laudo de Exame Cadavérico e Mapa Anatômico-topográfico das lesões produzidas na vítima (ID.149166732). Consta dos autos que, na audiência de instrução realizada em 02 de abril de 2025, foram regularmente colhidos os depoimentos das testemunhas arroladas na denúncia, a saber: JOSÉ ALVES DE CARVALHO FILHO, CARLOS EUGÊNIO LOPES DIAS, DIEGO FERREIRA DE LAVOR, LUIS GUSTAVO PINHEIRO CORRÊA, CIRLENE RODRIGUES ANDRADE e SILEUNES DOS SANTOS SILVA. Na mesma assentada, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa do acusado J. L. G. M., quais sejam: LUCIANE GOMES MIRANDA e SENILMA DA SILVA RIBEIRO. Ao final, procedeu-se ao interrogatório dos acusados J. L. G. M., vulgo “CABELUDO”, A. D. S. M., vulgo “ALEX”, e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO, conforme consignado na ata de audiência de ID nº 145245292. Nas alegações finais apresentadas em memorais, o Ministério Público pugnou pela pronúncia do acusado nos moldes descritos na denúncia, conforme registrado no ID. 146455539. Manifestou-se, ainda, pela mantença da prisão preventiva dos acusados, nos termos do parecer de ID.146455539. A Defesa técnica do acusado J. L. G. M. apresentou suas alegações finais por memorial, sustentando, com fulcro no artigo 414 do Código de Processo Penal, a impronúncia do réu, diante da manifesta ausência de justa causa para a submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Argumentou, de forma consistente, pela manifesta inocência do acusado e pela inexistência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação nos moldes exigidos pelo devido processo legal. Ademais, com amparo nos incisos II, V e VII do artigo 386 do CPP, a Defesa requereu, de forma subsidiária, a absolvição do réu, reiterando a fragilidade do conjunto probatório e a ausência de indícios idôneos que sustentem a pretensão punitiva estatal. Por fim, com base no artigo 316 do Código de Processo Penal, foi pleiteada a revogação da prisão preventiva, haja vista a superveniência de circunstâncias que esvaziam os fundamentos que ensejaram a constrição cautelar, notadamente diante da ausência de contemporaneidade do periculum libertatis e da primazia do princípio constitucional da presunção de inocência (ID. 146622032). A Defesa dos acusados A. D. S. M. e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO, patrocinada pela Defensoria Pública, apresentou suas alegações finais em sede de memorial (ID. 147810026), pleiteando, com respaldo no artigo 414 do Código de Processo Penal, a impronúncia dos réus, ante a ausência de suporte probatório mínimo que autorize a submissão dos acusados ao julgamento pelo Tribunal Popular do Júri. Sustentou a insuficiência de elementos de convicção idôneos a evidenciar os indícios de autoria exigidos para a superação da fase do juízo de admissibilidade. Em sede de pedido cumulativo, invocando o artigo 316 do CPP, a Defesa dos referidos acusados requereu a revogação da prisão preventiva que recai sobre ambos os réus, porquanto ausentes os pressupostos e fundamentos legais que justifiquem a manutenção da medida extrema. Transcritos os depoimentos colhidos em audiência, os autos vieram conclusos. Era o que havia a relatar. 2. FUNDAMENTAÇÃO. Instaurada a primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri (judicium accusationis), procedeu-se à citação pessoal dos acusados J. L. G. M., alcunhado “Cabeludo”, A. D. S. M., vulgo “Alex”, e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO, conforme IDs nº 137291084, 140493474 e 140983425. A defesa técnica de Jhonatha Luciano foi assumida por advogados regularmente constituídos (ID nº 138968550), enquanto os réus Alessandro e Luan Gabriel foram assistidos pela Defensoria Pública desde o momento da citação. Ressalte-se, por oportuno, que não se verifica qualquer vício capaz de comprometer a higidez dos atos processuais praticados, os quais se desenvolvem sob estrita observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, em plena consonância com o ordenamento constitucional vigente. 3. DO EXAME DE ADMISSIBILIDADE DO JUS ACUSATIONIS. Não havendo questões preliminares a serem analisadas, passo ao exame de admissibilidade do jus acusationis. Sabe-se que rito do Júri é conhecido como bifásico e, nesta primeira fase, de juízo de admissibilidade ou de prelibação, o juiz admite ou rejeita a acusação, sem penetrar no exame de mérito. Com efeito, dispõe o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Carta Cidadã 1988, que compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, preceito este complementado pelas regras infraconstitucionais encartadas no art. 74, § 1º do Código de Processo Penal, e no art. 78, inciso I do mesmo diploma, dispondo este último acerca da prevalência do foro do Júri também para o julgamento dos crimes conexos. Nessa perspectiva, cumpre destacar as possibilidades decisórias que se descortinam ao juízo monocrático ao término da chamada fase do sumário de culpa. Trata-se de etapa processual destinada à formação de um juízo preliminar de admissibilidade da acusação, voltada à verificação da presença de elementos mínimos — prova da materialidade e indícios suficientes de autoria — acerca de crime doloso contra a vida, de competência do Tribunal do Júri. Compete, pois, ao magistrado togado, ao final dessa fase, deliberar entre quatro caminhos legalmente previstos: (i) absolver sumariamente o acusado, nos casos em que se faça evidente a presença de causa excludente de ilicitude, de culpabilidade ou mesmo a ausência manifesta de tipicidade penal; (ii) desclassificar a infração penal, quando verificar que o fato não se amolda ao conceito de crime doloso contra a vida; (iii) decidir pela impronúncia, quando ausentes os pressupostos mínimos do juízo de admissibilidade da acusação; ou, por fim, (iv) pronunciar o réu, reconhecendo-se presentes os requisitos autorizadores do encaminhamento da causa ao julgamento pelo Tribunal Popular. Importa recordar que o juízo de pronúncia não configura juízo de certeza, mas apenas de probabilidade, suficiente para a submissão do acusado ao crivo do Júri, juiz natural da causa, conforme previsão constitucional. Posta essa inflexão processual, impende proceder ao exame acurado dos fatos narrados e das teses deduzidas nos autos, com vistas à aferição de sua aptidão jurídica para sustentar, ou não, a acusação formulada. 4. DA PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS QUE AUTORIZAM A ADMISSIBILIDADE DO JUS ACUSATIONIS É consabido que a decisão de pronúncia pressupõe, de forma cumulativa, a comprovação da materialidade delitiva e a presença de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. Trata-se, pois, de um juízo meramente preliminar de admissibilidade da imputação, desprovido de carga valorativa exauriente acerca da culpabilidade do agente. Nesse estágio processual, não se exige certeza, tampouco se permite juízo definitivo sobre a responsabilidade penal do acusado — matéria que, por expressa dicção do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri, instância soberana instituída como garantia fundamental no julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Oportuna é a lição de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA1: Pronuncia-se alguém quando ao exame do material probatório levado aos autos se pode verificar a demonstração da provável existência de um crime doloso contra a vida, bem como da respectiva e suposta autoria. Na decisão de pronúncia, o que o juiz afirma, com efeito, é a existência de provas no sentido da materialidade e da autoria. Em relação à primeira, materialidade, a prova há de ser segura quanto ao fato. Já em relação à autoria, bastará a presença de elementos indicativos, devendo o juiz, o tanto quanto possível, abster-se de revelar um convencimento absoluto quanto a ela. É preciso ter em conta que a decisão de pronúncia somente deve revelar um juízo de probabilidade e não o de certeza. (destacou-se). A materialidade do fato delituoso encontra-se suficientemente demonstrada, seja por meio do Laudo de Exame Cadavérico e Mapa Anatômico-topográfico das lesões produzidas na vítima (ID.149166732), seja pelos depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório, já judicializados nos autos. No que tange à autoria e coautoria, importa assentar que, nesta fase processual, não se exige certeza quanto à imputação. Ao revés, o que se busca é a existência de elementos indiciários minimamente consistentes que autorizem a submissão da causa ao juízo natural competente — o Tribunal do Júri. Exigir-se, nesta etapa, um juízo de certeza quanto à autoria/coautoria/participação implicaria indevida antecipação do mérito, com a indecorosa invasão da esfera de cognição própria do Conselho de Sentença. Ao juiz togado, nesse momento, cabe apenas avaliar se há justa causa para o prosseguimento da ação penal, na forma de indícios suficientemente robustos que sustentem a acusação, sem adentrar o exame valorativo definitivo que é próprio da fase plenária. In casu, os indícios de autoria, por ora, revelam-se suficientemente consubstanciados nos depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório judicial, cuja produção observou os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, merecendo, pois, credibilidade jurídico-processual. A seguir, procede-se à transcrição dos excertos mais relevantes, a título de demonstração da plausibilidade da imputação deduzida na peça acusatória. No curso da instrução, a testemunha Carlos Eugênio Lopes Dias, que acompanhava a vítima Davi no momento dos fatos, relatou que ambos foram abordados no terminal rodoviário de São Luís por indivíduos que os acusaram de pertencerem a facção rival, motivados apenas pela origem comum de Vargem Grande. Narrou que, após a primeira abordagem por dois indivíduos, outros integrantes chegaram ao local, totalizando cerca de nove pessoas. A testemunha conseguiu fugir, enquanto a vítima foi conduzida pelo grupo para uma área de matagal. Esclareceu, ainda, que não presenciou diretamente os atos subsequentes, tendo permanecido escondida por várias horas, e só posteriormente tomou conhecimento da morte de seu companheiro. Aduziu, de forma coerente, que reconheceu os acusados J. L. G. M., A. D. S. M. e Luan Gabriel França Delfino como integrantes do grupo que os abordou, indicando, inclusive, que os dois primeiros teriam participado das abordagens iniciais. Afirmou, com segurança, que consegue reconhecê-los pessoalmente, inclusive mencionando que suas imagens constam das câmeras de segurança do terminal. Tais declarações, consideradas em conjunto com os demais elementos constantes nos autos, revelam, ao menos neste juízo preliminar de admissibilidade da acusação, indícios suficientes de autoria e de participação no fato penalmente relevante, autorizando, assim, o prosseguimento da ação penal para a fase do judicium causae, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal. Transcrição das declarações prestadas por Carlos Eugênio Lopes Dias, em Juízo: “Que a testemunha não se recorda a data dos fatos; Que tinha chegado na rodoviária porque a testemunha tinha vindo de Vargem Grande com a vítima para fazerem um serviço de ajudante de pedreiro com o tio da testemunha; Que o tio da testemunha pediu para que conseguisse um amigo para trabalhar com ele; Que um ajudante recebe em torno de R$ 50,00, R$ 60,00 reais; Que quando a testemunha e a vítima chegaram na rodoviária foram abordados por dois rapazes que disseram que ambos eram de facção por serem de Vargem Grande; Que a testemunha só sabe que a vítima sumiu e ela ficou esperando o “carrinho”; Que passados uns 10 ou 20 minutos, chegaram mais dois “ladrões”; Que depois de mais uns dez minutos, apareceram nove rapazes; Que a testemunha correu para um lado e a vítima para o outro; Que a testemunha conseguiu fugir por trás do terminal; Que os rapazes levaram o amigo da testemunha para dentro do mato; Que tentou avisar a Ronda da Polícia que estava lá, mas os policiais não deram atenção; Que a polícia só deu atenção no outro dia; Que essas pessoas chegaram à rodoviária sem capuz, sem nada; Que a testemunha consegue reconhecê-los; Que não fez o reconhecimento na delegacia porque no dia dos fatos ficou na casa de uma tia, com medo; Que ficou com trauma e foi para a Baixada, onde se encontra atualmente; Que reconhece o acusado Luan Gabriel, presente em audiência, como uma das pessoas que chegou depois, na segunda abordagem; Que nessa abordagem eram mais ou menos umas nove pessoas, contando com os dois rapazes da primeira abordagem; Que a testemunha reconhece os acusados Jhonatha e Alex, presentes em audiência, como pessoas que abordaram a vítima e a testemunha na rodoviária; Que o branquinho (Jhonatha) chegou primeiro e o moreninho (Alessandro) depois; Que as imagens dos acusados estão nas câmeras de segurança da rodoviária; Que nem a testemunha nem a vítima eram de facção; Que os acusados disseram que o pessoal da Baixada não se bate com o pessoal de São Luís; Que a testemunha é de Vargem Grande; Que não esteve no cativeiro com a vítima porque correu; Que na abordagem os acusados não mostraram arma; Que disseram que a testemunha e a vítima eram “alemães” e queriam “subir na linha” para falar com os faccionados e a testemunha recusou; Que só por ter tatuagem já foi julgada como “alemão”; Que pediram apoio e veio um bocado de “ladrão”; Que a testemunha não esperou e correu; Que até o dia dos fatos não conhecia nenhum dos acusados; Que não tem dúvidas de que os acusados faziam parte do grupo que tentaram pegá-la e pegaram a vítima na rodoviária; Que é capaz de identificar por foto as demais pessoas do grupo; Que conhecia a vítima Davi de Vargem Grande; Que vieram para São Luís para trabalhar; Que na primeira abordagem foi só o branquinho (Jhonatha), e não demorou, Jhonatha voltou com o moreninho (Alessandro); Que inicialmente só uma pessoa se aproximou, dizendo que eram “alemães”; Que foi buscar mais um e ambos queriam colocar a testemunha “na linha”, mas ela não quis; Que “entrar na linha” é tipo “AR” deles com vários “caras na linha”; Que na terceira abordagem os dois já estavam com a testemunha e a vítima e os demais chegaram correndo; Que eram várias pessoas, nove no total; Que em nenhum momento puxaram arma; Que acredita que armas só havia mesmo na “quebrada” deles, onde houve disparos e facadas no “irmão” da testemunha; Que nessa terceira abordagem correu para dentro do mato da rodoviária; Que de lá não tinha visibilidade do que ocorria; Que correu para o outro lado e atravessou para pular onde ficam as grades, do outro lado da avenida; Que dali não viu mais nada; Que ficou por mais de três horas escondida no mato, enquanto chovia; Que não viu quem atirou em Davi e nem ouviu os disparos, pois estava longe demais; Que encontrou uma viatura depois, mas os policiais não deram muita atenção; Que confirma que houve uma confusão na rodoviária, onde ela e o amigo Davi foram cercados, mas depois não soube o que aconteceu com a vítima, apenas soube depois que foi morta; Que não sabe dizer quem foi o autor do homicídio, pois eram muitos “ladrões”, mas sabe que quem liderava eram o moreninho (Alex) e o branquinho (Jhonatha), que na época tinha cabelo cacheado e estão presentes na audiência; Que Jhonatha e Alex estavam “puxando” os demais e, com certeza, foram eles que tiraram a vida da vítima Davi”. O investigador José Alves de Carvalho Filho, ao ser ouvido em Juízo, relatou que teve acesso a diversas filmagens captadas no terminal rodoviário, onde se verificou a movimentação das vítimas e dos investigados antes da ocorrência do homicídio. Segundo seu depoimento, inicialmente dois indivíduos se aproximaram das vítimas e mantiveram breve conversa. Posteriormente, os acusados Jhonatha, Alessandro (Alex) e Luan teriam passado a acompanhar os passos da vítima e da testemunha Carlos Eugênio, sendo possível visualizar, nas imagens, abordagens sucessivas, inclusive uma delas de maneira mais ríspida, momento em que a testemunha Carlos Eugênio conseguiu fugir, enquanto a vítima fatal teria sido conduzida por Luan e Alessandro para fora do campo das câmeras. A testemunha afirmou que as imagens mostram Jhonatha como figura central na abordagem e monitoramento das vítimas, inclusive realizando gravações com seu celular. Relatou que, no local conhecido como “cativeiro”, é possível ouvir a voz de Jhonatha questionando a vítima sobre sua filiação a grupo criminoso, pouco antes da execução. Afirmou reconhecer com clareza os três acusados nas imagens, destacando que Jhonatha era conhecido da equipe policial por já atuar na área. Informou, ainda, que Alex e Luan foram os responsáveis por conduzir a vítima ao local onde se deu o desfecho fatal. Os elementos narrados pelo investigador baseiam-se nas filmagens e diligências realizadas na fase de inquérito. Transcrição das declarações prestadas por José Alves de Carvalho Filho, em Juízo: “Que a testemunha é investigador de polícia civil; Que os fatos aconteceram da seguinte forma: a vítima fatal e a vítima sobrevivente estavam em um banquinho lá do canto, de uma sorveteria, um quiosquezinho que a testemunha acha que era do McDonald's que tem na rodoviária; Que primeiro encostaram dois rapazes, mas que só conversaram normalmente; Que depois a vítima sobrevivente e a vítima fatal se levantaram e andaram, foram para a área do meio da rodoviária; Que um tempinho depois o acusado Jhonatha vem lá de cima e vem também um outro rapaz, um rapaz negro, que se a testemunha não se engana, estava todo vestido de preto e com boné preto; Que esse rapaz vem por um lado e Jhonatha pelo outro, o tempo todo mexendo no celular; Que o Jhonatha chega próximo desse quiosque e o rapaz chega também, então eles conversam e ficam olhando para os lados procurando as vítimas e então saem de lá e vão procurar as vítimas; Que Jhonatha e o outro rapaz de preto encontram as vítimas mais lá para a frente da rodoviária e, já na entrada, abordam as vítimas, como é possível ver nas filmagens, que abordam as duas vítimas e conversam “de boa”; Que não dá para saber o teor da conversa, mas Jhonatha grava as vítimas com o celular e tem até as gravações nos autos; Que depois da conversa as duas vítimas vão para o outro lado da rodoviária, próximo ao rodotáxi; Que então Jhonatha e o outro rapaz vão atrás das vítimas; Que nessa que eles vão atrás chegam mais suspeitos lá de cima; Que vieram Luan, Alex e outro rapaz que não conseguiram identificar; Que eles vieram lá de cima já correndo; Que quando eles vão lá pro canto do rodotáxi, as vítimas já estão naqueles quiosquezinhos que vendem comida; Que nesse momento eles abordam as vítimas de novo, mas de uma forma mais ríspida; Que nesse momento começou o burburinho de confusão; Que a vítima sobrevivente consegue sair e correr; Que já a vítima fatal não, ela já sai meio que imobilizada por Luan e Alex; Que então Luan e Alex vão por um lado, segurando a vítima fatal, e Jhonatha e o outro rapaz moreno que trajava roupa preta vão pelo outro lado; Que todos sobem como se fossem para a escadaria; Que lá no local, uma espécie de cativeiro que eles têm lá, são feitas perguntas para a vítima; Que nessa filmagem é possível ouvir a voz bem clara de Jhonatha, perguntando de onde a vítima era e ela teria dito que era do PCC; Que então acontece o homicídio da vítima fatal que foi decretado; Que as informações fornecidas pela testemunha foram colhidas de filmagens da rodoviária; Que há uma filmagem de celular do momento em que a vítima fatal estava no cativeiro; Que a filmagem está apontada para a vítima fatal; Que a vítima estava sem camisa; Que a vítima fatal foi levada sem camisa; Que eles deram até um cigarro para a vítima fumar; Que a testemunha passou as filmagens para que o escrivão colocasse no PJe; Que a filmagem a testemunha conseguiu com outro parceiro de outro local com quem tem parceria; Que antes dos fatos a testemunha não conhecia os acusados Luan e Alex, mas já Jhonatha a testemunha conhecia porque fez um estágio no Núcleo de Operações com Cães (NOC) e eles fazem muito trabalho na rodoviária com cão farejador; Que durante este estágio a testemunha chegou a ir à rodoviária para fazer uma monitoração do acusado Jhonatha porque sabiam que ele era traficante da área e dominava aquela área ali; Que a testemunha identifica os acusados Alexandro, Jhonatha e Luan, presentes em audiência; Que as imagens dos vídeos são boas e dá para reconhecer os acusados Alexandro, Jhonatha e Luan sem sombras de dúvidas; Que o acusado Jhonatha dá para se reconhecer “de boa”; Que se reconhece também Luan, que inclusive tem uma tatuagem na perna; Que pegaram a imagem em que Luan entra no portal e a testemunha colocou no relatório e a imagem do acusado Alex também, que inclusive à época dos fatos estava até de cabelo grande; Que quando pegaram esse inquérito fizeram a abordagem do acusado Alex; Que não tinha a qualificação do acusado Alex; Que a testemunha não chegou a conversar com a vítima sobrevivente; Que a testemunha não conhecia previamente os acusados Alessandro e Luan; Que através das imagens, quando aconteceu o homicídio, já houve o burburinho dos possíveis envolvidos; Que, como têm muitos contatos com policiais, conseguiram a qualificação dos acusados e que bateu nas imagens sem sombra de dúvidas que eram eles; Que quando abordaram o acusado Alex não perguntaram nada, só pediram que ele parasse a bicicleta e tiraram uma foto dele; Que a testemunha não sabe individualizar a conduta de Alex e Luan no cativeiro porque todo o tempo quem comanda é Jhonatha; Que Alex e Luan levaram a vítima para o cativeiro; Que o que a testemunha pode falar é que os acusados Alex e Luan levaram a vítima para lá; Que a testemunha não chegou a ter acesso ao conteúdo das mensagens e arquivos de imagem do celular do acusado Jhonatha porque ele disse que não desbloquearia o celular; Que a testemunha não leu o que estava escrito no celular do acusado Jhonatha porque não teve acesso; Que pode afirmar que o acusado Jhonatha cometeu esse homicídio porque ele comanda o tempo todo, ele aborda as vítimas, ele as filma; Que se a advogada do acusado for olhar as filmagens poderá reconhecer a voz de Jhonatha como advogada dele; Que a perícia já não é do cargo da testemunha; Que a testemunha afirma que é a voz de Jhonatha porque conhece a voz dele; Que é Jhonatha a liderança daquela área e foi ele quem comandou tudo, perseguiu a vítima e fez todo o procedimento de entrevista da vítima; Que essas foram as provas colhidas na fase de inquérito.” A testemunha Cirlene Rodrigues Andrade, tia adotiva da vítima, afirmou apenas ter reconhecido o corpo no IML, sem saber a dinâmica dos fatos, a motivação ou os autores do crime. Disse que a vítima havia ido para São Luís no dia anterior, não revelou com quem se encontraria, e que ela tinha histórico de uso de drogas, mas nunca soube de envolvimento com crimes, conforme se depreende do depoimento abaixo transcrito: “Que é tia adotiva da vítima; Que a testemunha não sabe quase nada sobre os fatos; Que estava no trabalho quando lhe ligaram dizendo que tinha acontecido isso; Que quem ligou para a testemunha foi a irmã da testemunha, no caso a mãe da vítima; Que a testemunha veio do serviço para casa e, quando chegou, a irmã da testemunha falou que tinham ligado para ela, alguém de São Luís, da delegacia, informando que tinham encontrado um corpo com as características do filho dela e que precisavam ir lá para reconhecer o corpo; Que a mãe da vítima lhe falou que a vítima tinha saído um dia antes, à tarde, dizendo que iria para São Luís; Que, como a mãe da vítima tem problema de saúde, ela não pôde ir, e por isso a testemunha foi, reconheceu o corpo da vítima no IML, foi até a delegacia, de lá retornou ao IML, retirou o corpo, fizeram o velório e o sepultamento; Que o que sabem é que o corpo da vítima foi encontrado próximo à rodoviária; Que a testemunha foi apenas reconhecer o corpo e, por isso, não sabe dizer mais nada; Que a testemunha não sabia que a vítima era envolvida com facção criminosa; Que não sabia disso porque a vítima vivia com o pai; Que a irmã da testemunha separou-se do pai da vítima quando a vítima tinha 7 anos; Que ficaram a vítima e mais dois irmãos, e o pai era quem os criava; Que o pai da vítima sofreu um acidente, ficou com problemas mentais e toma remédio controlado; Que a testemunha não teve mais contato com eles; Que a irmã da testemunha é mãe adotiva deles, e a testemunha não conhece a mãe biológica; Que a testemunha nunca ouviu falar quem teria cometido os fatos; Que não chegou ao conhecimento da testemunha qual teria sido o motivo dos fatos; Que não chegou ao conhecimento da testemunha como se deu a dinâmica dos fatos; Que a testemunha tinha conhecimento de que a vítima era usuária de drogas; Que não sabia se a vítima tinha desavença com alguém; Que a testemunha não sabe, pois não tinha muito convívio com a vítima; Que, pelo que sabe, a vítima não tinha nenhum trabalho lícito; Que a vítima tinha 17 anos quando os fatos aconteceram; Que a vítima não tinha filho; Que a testemunha não sabe dizer o que a vítima tinha vindo fazer em São Luís, nem com quem iria se encontrar; Que, no momento em que a vítima saiu de casa, ela estava com a irmã dele; Que a irmã da vítima perguntou para onde ele iria, quando uma pessoa chegou lá com a vítima — um amigo da vítima; Que a irmã da vítima disse que também não conhece esse amigo; Que a vítima respondeu que iria para São Luís, mas não disse o que faria nem com quem se encontraria; Que a testemunha nunca soube de envolvimento da vítima com ato infracional; Que a vítima nunca foi detida.” Diego Ferreira de Lavor, atual diretor do terminal rodoviário, declarou possuir conhecimento bastante limitado acerca dos fatos em apuração. Explicou que os eventos teriam ocorrido por volta das 22h, momento em que já não se encontrava em exercício, tendo encerrado suas atividades rotineiras às 15h daquele dia. Declarou que apenas tomou ciência da ocorrência no dia seguinte, quando agentes da Polícia Civil dirigiram-se ao terminal em busca das gravações do sistema de videomonitoramento. O depoente, sem ter assistido ao conteúdo das imagens, limitou-se a disponibilizá-las e a destacar um servidor para acompanhar os policiais, retomando, ele próprio, o cumprimento ordinário de suas funções administrativas. Eis a transcrição das declarações prestadas por Diego Ferreira de Lavor, em Juízo: Que a testemunha sabe pouca coisa dos fatos; Que os fatos aconteceram por volta das 22h e a testemunha sai do terminal rodoviário às 15h e só tomou conhecimento dos fatos no dia seguinte; Que a testemunha é o diretor do terminal rodoviário; Que soube dos fatos porque, no dia seguinte, policiais civis estiveram no terminal rodoviário para ter acesso ao sistema de videomonitoramento; Que a testemunha não chegou a ver as filmagens, apenas as disponibilizou e designou um funcionário para acompanhar os policiais, que passaram horas olhando as imagens das câmeras, e deu prosseguimento à sua rotina normal de trabalho; Que, na delegacia, quando a testemunha foi prestar seu depoimento, o delegado lhe apresentou as imagens; Que a testemunha conhece o acusado Jhonatha porque este tem um box com a mãe dele lá na rodoviária; Que Jhonatha trabalha com a mãe dele; Que Jhonatha não esteve envolvido em outra confusão na rodoviária; Que, nas imagens que foram mostradas à testemunha, Jhonatha não aparece junto com o rapaz que foi levado para fora da rodoviária; Que a câmera do desembarque fica um tanto quanto distante, mas é evidente que naquela foto não era Jhonatha, porque a testemunha o conhece. No que tange aos testemunhos prestados por Luís Gustavo Pinheiro Corrêa e Sileudes dos Santos Silva, ambos vigilantes em serviço na madrugada dos fatos no terminal rodoviário, cumpre registrar uma circunstância que, sob o crivo da jurisdição penal, exige atenta ponderação. Durante a fase pré-processual, suas declarações foram colhidas sob sigilo, presumivelmente para resguardar sua integridade ou evitar possíveis constrangimentos. No entanto, em audiência judicial, ambas as testemunhas manifestaram, de maneira inequívoca, não se oporem a prestar depoimento na presença dos acusados. Ocorre, contudo, que os depoimentos então produzidos em juízo revelaram substanciais divergências em relação às declarações anteriormente prestadas à autoridade policial. Tal disparidade, de forma legítima, suscitou fundadas dúvidas quanto à veracidade de uma das versões apresentadas, motivo pelo qual houve o encaminhamento de expediente à autoridade policial competente, com vistas à apuração de eventual prática do delito de falso testemunho, tipificado nos termos do art. 342 do Código Penal. Eis a transcrição do depoimento da testemunha Luís Gustavo Pinheiro Corrêa: “Que no momento da confusão a testemunha estava jantando na sala, quando um colega passou o rádio para a testemunha, e ela saiu e ficou no meio da rodoviária; Que a testemunha não viu os acusados lá; Que a testemunha não viu Jhonatha na rodoviária; Que o colega da testemunha disse que era o “Cabeludo”, mas a testemunha não o viu; Que mostraram um vídeo para a testemunha; Que a testemunha não reconhece ninguém no vídeo; Que a testemunha olhou a confusão, só que ficou de longe; Que como lá é um local meio escuro, achou melhor ficar afastado; Que a testemunha não soube o porquê do crime; Que ouviu dizer que o motivo foi conflito entre facções; Que a testemunha estava de serviço na madrugada em que ocorreu o homicídio; Que antes dos fatos a testemunha não conhecia nem Alessandro nem Luan; Que conhecia Luan de vista, porque ele sempre ia lanchar na rodoviária; Que nas imagens não chegou a ver Alessandro ou Luan matando a vítima, até porque o trabalho da testemunha é só dentro da rodoviária; Que o colega da testemunha disse por meio do rádio que estava havendo uma confusão, uma briga; Que o colega de trabalho da testemunha não disse ter visto arma, só falou que era briga de facção e que nesse tipo de coisa não se envolvem; Que foi a polícia que encontrou a vítima; Que quando a testemunha recebeu as informações do colega, a polícia já havia sido chamada; Que a testemunha só saiu da sala e ficou no salão; Que, de onde estava, chegou a ver muita gente acumulada no estacionamento; Que a testemunha não chegou a ver ninguém disparando arma de fogo; Que ouviu disparo de arma de fogo, mas muito depois, quando a confusão já tinha acabado; Que ouviu o disparo de arma de fogo, mas não foi na rodoviária; Que não conseguiu ver quem efetuou o disparo; Que ficou de longe e viu o aglomerado de pessoas se desfazer, pois permaneceu até o final lá; Que olhou o pessoal saindo para o desembarque; Que não consegue reconhecer os acusados como as pessoas que saíram acompanhando a vítima; Que assistiu ao vídeo na delegacia, mas não se lembra muito; Que, dos três acusados presentes em audiência, conhece “Cabeludo”, porque a mãe dele tem um restaurante lá; Que identifica “Cabeludo” como sendo o acusado Jhonatha, presente em audiência; Que um colega falou que o “Cabeludo” estava com o telefone, mas a testemunha não o viu; Que foi o parceiro de trabalho da testemunha quem disse que no dia do fato “Cabeludo” estava próximo e o tempo todo no celular mandando mensagem; Que a testemunha não estava lá nessa hora; Que não disse que foi o parceiro quem relatou isso porque o delegado não perguntou; Que a testemunha não viu “Cabeludo” mexendo no celular; Que não viu “Cabeludo” lá; Que disse ao delegado que “Cabeludo” estava próximo e o tempo todo no celular mandando mensagem porque foi isso que o colega de trabalho lhe relatou; Que Samuel é uma pessoa que fica pela rodoviária; Que acionaram a polícia; Que não conhece o acusado Jhonatha, apenas de vista, pela rodoviária; Que havia uma pessoa meio gordinha que chegou a brigar com a vítima, mas a testemunha não sabe quem é; Que não sabe quem é Alex; Que na delegacia lhe mostraram as imagens e perguntaram se já tinha visto algum deles lá pela rodoviária; Que, ao ver as imagens, afirmou que acredita que Alessandro, conhecido por “Alex”, foi uma das pessoas que levou a vítima para fora da rodoviária; Que a testemunha não lembra se o outro indivíduo de cor branca que estava com Alessandro é algum dos acusados presentes em audiência; Que o indivíduo conhecido como “Fresquinho” é conhecido na rodoviária, mas a testemunha não o viu no dia dos fatos.” Por oportuno, transcrevo o teor do depoimento prestado por SILEUNES DOS SANTOS SILVA: “Que a testemunha fez o reconhecimento na delegacia; Que já era madrugada e, infelizmente, a testemunha estava de plantão nesse dia, quando supostamente ouviram um barulho; Que a testemunha considera a rodoviária como uma “faixa de pedestre”, pois ali passam inúmeras pessoas; Que a mãe do acusado Jhonatha trabalha na rodoviária e ele, de fato, costuma ir ao ponto de trabalho da mãe ajudá-la, e por esse motivo a testemunha passou a identificá-lo, mas sem conhecer ou ter qualquer contato verbal; Que teve conhecimento dos fatos porque disseram que estava acontecendo uma confusão; Que ficaram observando o que aconteceria; Que a testemunha ficou apenas observando; Que o que está provado está nas imagens que a testemunha acredita já estarem com a Promotoria; Que o acusado Jhonatha não se encontra na imagem que foi mostrada à testemunha; Que nas outras imagens ele estava de costas e não tem como a testemunha afirmar para o promotor; Que a testemunha não está atuando como testemunha de defesa do acusado Jhonatha; Que prestou apenas um depoimento na delegacia; Que foi intimada apenas uma vez a comparecer à delegacia, prestou depoimento e voltou para casa; Que o reconhecimento feito foi realizado com base nas fotos que estavam no computador do delegado; Que o delegado perguntou se a testemunha conhecia a pessoa, e ela respondeu que conhecia de vista; Que a empresa em que a testemunha trabalha é recente na rodoviária, e lá é como uma espécie de faixa de pedestres, com grande circulação de pessoas, inclusive andarilhos; Que a testemunha ouve falar em Samuel, mas não tem intimidade; Que Samuel praticamente vive na rodoviária; Que na rodoviária a testemunha ouve falar de um cidadão com o apelido de “Fresquinho”; Que há alguma coisa errada, pois a testemunha não prestou depoimento como testemunha sigilosa; Que reconhece como sua a assinatura aposta no depoimento identificado como de testemunha sigilosa; Que o depoimento diz que a testemunha afirmou que o acusado é de facção, mas não pode afirmar isso porque não tem contato; Que desconhece as palavras que foram acrescentadas em seu depoimento prestado na delegacia; Que aquele foi o primeiro depoimento prestado; Que não prestou depoimento sigiloso, apenas aberto; Que a rodoviária é um local público-privado com grande circulação de pessoas, de dia e de noite; Que a testemunha não viu briga da forma que o promotor está detalhando; Que ouviram vozes e discussões, se aproximaram e viram pessoas desconhecidas discutindo; Que a testemunha não viu ninguém mandando áudio, apenas parecia que estavam ligando para alguém; Que depois foram para o outro lado, onde viram o grupo do outro lado; Que depois ouviu comentários de que haviam levado um indivíduo; Que não viu a quantidade de pessoas que levaram o indivíduo; Que viu a imagem na delegacia, mas não as filmagens, apenas fotos; Que na madrugada dos fatos, estava trabalhando normalmente; Que trabalham em equipe de três vigilantes, cada um em um ponto da rodoviária; Que, a partir da madrugada, começam a andar em dupla, pois um vai descansar; Que essa é a rotina e todo vigilante sabe disso; Que no momento dos fatos, estava com o segundo vigilante, enquanto o outro estava jantando; Que estavam do outro lado quando tudo começou; Que estavam próximos ao Guaraná do Dunga, próximo à Guanabara; Que ouviram falar de uma confusão perto do ponto dos táxis; Que a testemunha não conseguiu ouvir o teor da confusão, apenas vozes e barulhos; Que ficaram à distância, observando; Que não chegou a ver arma de fogo ou faca; Que no ponto de táxi havia taxistas e, naquele momento, se aglomerou mais gente para observar; Que havia pessoas envolvidas na confusão e também curiosos; Que a testemunha não consegue dimensionar quantas pessoas estavam envolvidas, devido ao horário; Que de onde estava, não dava para identificar quem estava na confusão; Que não conhecia Alessandro nem Luan; Que olhando para os acusados Alessandro e Luan, presentes em audiência, nem sabe quem são; Que depois da aglomeração houve uma discussão entre eles; Que tentaram amenizar, mas como a briga era grande, tentaram acionar a polícia, ligaram diversas vezes, mas sem sucesso; Que acredita que alguém de dentro ligou e foi assim que a guarnição foi acionada; Que o grupo se dispersou e sumiu; Que depois, baseado nas fotos, apresentaram imagens para a testemunha na delegacia; Que acredita que a situação se concluiu fora da rodoviária e, a partir dali, ninguém sabe o que aconteceu; Que, baseado nas imagens e nos fatos, a testemunha não viu o acusado Jhonatha conduzir a vítima Davi para fora da rodoviária; Que o delegado mostrou as imagens; Que a mãe do acusado Jhonatha trabalha na rodoviária, e ele eventualmente a ajuda e leva o filho para a escola; Que essa é uma rotina que, por trabalhar no local, a testemunha presencia; Que conhece de vista o acusado Jhonatha; Que as imagens não são bem nítidas; Que consegue identificar Jhonatha nas imagens porque já o conhece; Que não se recorda de ter visto Jhonatha na rodoviária na noite dos fatos; Que no dia dos fatos viu Jhonatha na rodoviária, mas não pode afirmar que era ele, pois trabalham em uma empresa nova; Que, no depoimento prestado, consta a afirmação de que era de facção, mas a testemunha não tem como afirmar isso porque não conhece.” Doutra banda, as testemunhas de defesa arroladas pelo acusado J. L. G. M. — as senhoras Luciane Gomes Miranda e Senilma da Silva Ribeiro — foram ouvidas como informantes, em razão do vínculo de parentesco com o referido acusado. Em juízo, prestaram as seguintes declarações, respectivamente: “Que é mãe do acusado Jhonatha; Que no dia dos fatos o acusado Jhonatha estava na rodoviária trabalhando, pois quando não tem movimento fecham mais cedo, mas quando tem movimento ficam até mais tarde; Que saíram do box da informante por volta das 22h; Que a informante não chegou a ver a confusão que houve na rodoviária, pois fecharam o box e Jhonatha saiu dizendo que ia lanchar com a namorada dele e de lá iria dormir com ela; Que a informante só voltou a ter contato com Jhonatha no dia seguinte; Que no outro dia voltaram a trabalhar normalmente; Que Jhonatha não comentou nada com a informante; Que a informante soube de conversas sobre o homicídio, mas sobre a prisão do seu filho Jhonatha só soube no dia mesmo; Que só soube que o seu filho estaria envolvido no dia da prisão; Que continuaram trabalhando no box e Jhonatha só soube no dia em que foi preso; Que Jhonatha nunca teve envolvimento em outros crimes até os fatos; Que Jhonatha disse para a informante que nunca teve envolvimento nenhum nos fatos; Que chegou a conversar com Jhonatha depois que ele foi preso, que a informante foi até ele e ele falou para ela que nunca teve nada e não teve qualquer envolvimento nessa situação; Que Jhonatha sempre trabalhou com a informante e nunca foi preso ou processado; Que a informante nunca soube de problema de Jhonatha com a polícia, até porque ele sempre estava trabalhando com a informante na rodoviária; Que a informante trabalha na rodoviária há mais de quinze anos; Que Jhonatha nunca tentou esconder droga no box da informante, até porque na rodoviária é cheio de polícia e não teria nem como isso acontecer; Que Jhonatha obedece à informante e ela não tem nada contra ele; Que a informante não conhece os acusados Alessandro e Luan, nem de vista da rodoviária; Que a testemunha tem contato com o administrador da rodoviária porque tem que fazer o pagamento do aluguel do box; Que todos lá têm que pagar, e o contato da informante com o administrador é apenas para pagamento das coisas; Que o atual administrador tem mais ou menos uns dois anos e pouco que administra a rodoviária; Que a empresa que administra a rodoviária já tem uns cinco, seis anos, mas o atual administrador está há cerca de dois anos e pouco; Que no dia dos fatos Jhonatha trabalhou com a informante o dia todo; Que trabalham o dia todo e vão até determinada hora da noite, se tiver movimento; Que se não tiver movimento vão embora cedo, mas se tiver, ficam mais um pouco; Que a informante acha que no dia dos fatos ficaram até umas 22h, por aí; Que até esse horário a informante viu Jhonatha e depois só o viu no outro dia; Que Jhonatha fechou o box e disse que ia ligar para a namorada dele para irem lanchar, como de costume; Que na hora dos fatos, por volta de meia-noite, o box da informante não estava mais em funcionamento; Que na época dos fatos Jhonatha estava com os cabelos cacheadinhos; Que não é verdade que o estabelecimento da informante foi fechado depois dos fatos; Que o estabelecimento da informante continuou funcionando normalmente, mesmo porque ela não tinha por que fechar seu estabelecimento.” “Que a informante é namorada do acusado Jhonatha; Que no dia dos fatos o acusado Jhonatha estava na rodoviária; Que depois do expediente dele no restaurante, Jhonatha entrou em contato com a informante; Que Jhonatha comentou sobre uma confusão que houve na rodoviária; Que Jhonatha só comentou que tinha acontecido uma confusão, só; Que depois Jhonatha não comentou mais nada, apenas saíram para lanchar; Que Jhonatha ligou para a informante e foi buscá-la em casa para irem lanchar lá no Filipinho; Que isso foi por volta de dez e pouca da noite; Que a informante acha que depois do lanche retornaram por volta de meia-noite; Que não demoraram no lanche, lancharam e foram para a casa da mãe da informante; Que Jhonatha dormiu na casa da informante com ela; Que na Vila Lobão, na noite dos fatos, a informante não chegou a escutar nenhum disparo de tiro; Que a informante mora longe dali, a casa dela não é exatamente perto; Que mesmo que fosse para escutar, não daria para ouvir nada; Que no dia seguinte a informante ouviu falar do homicídio; Que a informante não ouviu comentários sobre quem seriam os autores do homicídio, só viram o corpo lá e estavam comentando sobre a morte; Que não citaram o nome de Jhonatha; Que Jhonatha só ficou sabendo que estava sendo acusado de envolvimento nos fatos quando foi preso; Que a informante já chegou a visitar Jhonatha na prisão, mas ele nunca relatou qualquer envolvimento nos fatos; Que a informante namora com Jhonatha há mais de sete anos; Que Jhonatha nunca esteve envolvido em nenhum tipo de crime; Que só conhece os acusados Alessandro e Luan de vista, da rodoviária; Que no dia dos fatos não chegou a ver Alessandro e Luan na rodoviária porque a informante não mora perto da rodoviária; Que a informante não estava na rodoviária e nem passou o dia lá; Que Jhonatha passou o dia na rodoviária, mas a informante não; Que Jhonatha trabalha na rodoviária com a mãe dele; Que na noite dos fatos a informante encontrou-se com Jhonatha entre dez e onze horas da noite, pois sempre saem para lanchar; Que foram lanchar lá no Filipinho, num churrasquinho; Que depois do churrasquinho foram para a casa da mãe da informante, e Jhonatha dormiu com ela lá; Que a casa da mãe da informante fica na Vila Lobão, no Residencial João Alberto; Que depois das onze horas da noite Jhonatha não esteve mais na rodoviária; Que quanto à afirmação do acusado Jhonatha na delegacia de que estava na rodoviária para fazer um lanche, é porque Jhonatha come toda hora; Que sempre saem à noite para lanchar, mas Jhonatha come toda hora.” Em seus interrogatórios realizados em juízo, os três acusados negaram qualquer participação nos fatos, conforme se depreende das transcrições que seguem abaixo. Eis a transcrição das declarações prestadas, em juízo, pelo acusado A. D. S. M., conhecido como 'Alex', por ocasião de seu interrogatório: “Que o acusado não faz parte de facção criminosa; Que nunca foi preso; Que não responderá às perguntas do Magistrado e responderá apenas às perguntas do Ministério Público; Que o acusado foi à rodoviária porque gosta de ir lá comprar guaraná às vezes, comprar lanche e levar para casa; Que o acusado foi comprar lanche e estava esperando quando viu uma acumulação, mas não tinha muitas pessoas; Que o acusado só viu um monte de pessoas; Que o acusado não viu Jhonatha nem Luan no local; Que o acusado estava de longe porque fica nervoso e não gosta de ver muita briga; Que estava um pouco afastado do local da confusão e as pessoas estavam em círculo tumultuando; Que na polícia perguntaram para o acusado se, quando veio do interior, já era faccionado; Que o acusado respondeu que não, e que lá onde morava, em Morros, era Bonde, e que aqui também é Bonde; Que o acusado se reconheceu nas filmagens como sendo a pessoa de bermuda verde e camisa preta; Que assistiu às filmagens; Que não conhecia Jhonatha nem Luan; Que não foi por medo que o acusado disse, na delegacia, que não queria reconhecer as demais pessoas que apareciam nas filmagens; Que o acusado não fez nada e nem se aproximou da confusão; Que, de fato, estava de bermuda verde e camisa preta; Que não sabe se, quando o promotor assistir ao vídeo com as imagens, verá o acusado em algum momento próximo da vítima; Que não sabe quem são as pessoas que aparecem ao seu lado no vídeo; Que foi à rodoviária no dia dos fatos apenas para comprar um guaraná da Amazônia; Que era por volta de dez horas da noite; Que o acusado retornou para casa por volta de dez e vinte, dez e meia da noite; Que viu a confusão, mas não se aproximou; Que não conhecia nem Jhonatha nem Luan; Que não conhecia Davi; Que Jhonatha não deu nenhuma ordem para que o acusado levasse a vítima para fora da rodoviária.” Quando ouvido em juízo, o acusado Luan Gabriel França Delfino declarou o seguinte: “Que o acusado não é integrante de facção criminosa; Que o acusado já foi preso como usuário de drogas; Que já ficou preso por um mês e quinze dias porque era usuário de maconha; Que mora em São Luís desde 2016; Que morava com os pais; Que os pais do acusado continuam morando em São Luís; Que mora com a esposa há seis, sete anos; Que o acusado não tem filhos; Que não é verdadeira a acusação que lhe é feita; Que o acusado não sabe quem assassinou a vítima; Que ficou sabendo desse caso no dia em que foi preso, em sua casa; Que foi preso no dia 02 de fevereiro e estava em casa, com sua esposa, limpando o corredor, quando a polícia chegou e o acusado abriu o portão; Que não tinha conhecimento do que se tratava; Que na noite dos fatos esteve na rodoviária apenas para comprar um lanche para sua mãe; Que comprou o lanche e subiu para sua casa; Que esteve na rodoviária no dia dos fatos por volta de nove e meia, nove e quarenta da noite, no máximo; Que não demorou nem dez minutos na rodoviária; Que, quanto às imagens que existem do acusado, afirma que não é ele; Que só foi à rodoviária nesse horário, comprou o lanche e levou para sua mãe; Que não se recorda de que roupa estava trajando no dia dos fatos; Que na delegacia mostraram uma foto de uma pessoa sem camisa, e o acusado apenas disse que não era ele, porque de fato não era; Que também não sabe quem era a pessoa da foto; Que tomou conhecimento de que estava sendo indiciado somente quando foi preso; Que lembra o que falou para o delegado; Que disse que tinha ido à rodoviária, que viu uma movimentação, mas não se aproximou, apenas esperou seu lanche, comprou, pagou e subiu para a casa da sua mãe para entregar; Que à meia-noite o acusado já estava em casa havia muito tempo; Que viu uma movimentação na rodoviária; Que, em seu depoimento na delegacia, não mencionou que tinha ido à rodoviária comprar lanche, mas está esclarecendo isso agora; Que, na delegacia, perguntaram o que tinha ido fazer na rodoviária e o acusado respondeu, mas essa informação não foi incluída no depoimento; Que não conhece os outros acusados, Jhonatha e Alex; Que nega ter abordado a vítima junto com Jhonatha, Alessandro e outro indivíduo; Que não é a pessoa que trajava bermuda preta e camisa vermelha identificada nas imagens; Que se recorda de que na rodoviária havia uma movimentação, uma gritaria, e o acusado ficou olhando de longe; Que ouviu dizer, por terceiros, que se tratava de uma pessoa tentando furtar algo na rodoviária; Que quem falou isso foi o pessoal que também estava esperando lanche; Que o acusado viu o tumulto, mas não se aproximou para saber mais; Que não conseguiu identificar quem estava no local e nem sabia quem era a vítima; Que não conhecia a pessoa apontada como autora do furto; Que nem chegou próximo ao local, só soube das informações por comentários de outras pessoas que vinham de lá; Que a mãe do acusado mora próxima à rodoviária; Que o acusado não conhecia nem Jhonatha nem Alex e nunca teve qualquer tipo de contato com eles; Que não tem mais nada a esclarecer; Que não é o acusado a pessoa da foto identificada pela polícia.” Também interrogado em juízo, o acusado J. L. G. M. apresentou as seguintes declarações: Que não participou dos fatos; Que se passaram uns dias e estava rolando um boato na rodoviária sobre os fatos; Que os boatos diziam que tinham matado um rapaz atrás da rodoviária; Que não conhecia esse rapaz; Que o acusado acha que trajava bermuda preta no dia dos fatos; Que não sabe se a camisa que trajava no dia dos fatos era branca com preto ou preta com branco; Que se identifica na foto juntada ao inquérito pela polícia, na qual aparece com uma sombrinha; Que não tem nada a dizer sobre o crime, apenas que não tem nenhum envolvimento; Que a mulher do acusado disse que ele estava lanchando e que a outra foto era no guaraná do Seu Dunga, e por isso o acusado disse para o delegado que estava lanchando; Que estava tomando uma vitamina; Que o acusado tinha dito que era uma vitamina e depois o delegado colocou “lanche”; Que todos os dias toma vitamina no Seu Dunga, e o promotor disse para a mulher do acusado que ele havia dito na delegacia que tinha ido lanchar na rodoviária, sendo que, o próprio acusado disse ao delegado que tinha ido tomar uma vitamina no Seu Dunga; Que o acusado não teve nenhuma participação nos fatos; Que aparece em várias fotos na rodoviária porque todo o tempo anda por lá, e todos o conhecem; Que não conhecia a vítima; Que não sabe explicar o motivo da vítima ter sido morta; Que não sabe quem matou a vítima e nem a conhecia; Que chamavam o acusado de “Cabeludo” por causa do seu cabelo, que era um pouco grande e penteado para trás; Que não esteve com os demais acusados na noite dos fatos, nem em hora e nem em momento algum; Que na fotografia mostrada pelo juiz, não é Alex quem aparece junto com o acusado entrando por trás da rodoviária; Que não é Alex e o acusado nem conhece a outra pessoa da fotografia; Que sabe que não é Alex porque Alex estava ao seu lado durante a audiência; Que confirma ser ele mesmo na foto mostrada pelo juiz, mas não sabe quem é a pessoa que está ao seu lado; Que o local da foto é caminho por onde todos passam e descem; Que não é verdade o que colocaram no inquérito; Que o acusado não sabe explicar a verdade, mas o que colocaram sobre ele não é verdadeiro; Que, em sua defesa, tem a dizer que todos os dias trabalha com a mãe, leva seu filho para a escola e ajuda a mãe no que pode; Que a mãe do acusado está doente e, quando entrou na audiência, o acusado chorou porque ela foi mesmo doente para ver o filho; Que, quanto às imagens em que aparece atrás da vítima, o acusado afirma que anda o tempo todo dentro da rodoviária; Que vai à rodoviária para ajudar a mãe; Que conhece toda a rodoviária e fala com todos porque cresceu ali; Que, bem perto de onde está na foto perto do guaraná, tem a tia do acusado que trabalha na lanchonete que fica em frente, a prima mais à frente, e o guaraná do Seu Dunga, onde toma vitamina; Que se reconhece na foto mostrada pelo magistrado e aponta o guaraná do Seu Dunga, sobre o qual está falando; Que não sabe quem é a pessoa de chapéu que aparece próxima ao acusado, pois não a conhece; Que estava chovendo na rodoviária no dia dos fatos; Que o acusado não sabe por que a vítima foi morta, e nem ouviu dizer qual seria o motivo, e que o magistrado já perguntou isso duas vezes; Que olhou um pouco de perto quando a vítima estava sendo agredida, estava gerando uma briga na hora, e como se fez uma muvuca, todo mundo correu para assistir; Que o acusado não sabe explicar o motivo da morte da vítima; Que não reconhece a pessoa de bermuda verde mostrada na foto pelo magistrado; Que não sabe quem era o outro rapaz que estava perto do acusado na outra foto; Que não conhece a pessoa que aparece na foto conduzindo a vítima; Que antes dos fatos não conhecia os demais acusados; Que não conhece a pessoa que aparece na foto trajando camisa vermelha; Que nega qualquer participação nos fatos; Que se reconhece na foto mostrada pelo magistrado; Que também se reconhece na outra foto em que está usando um chapéu; Que na foto não estava correndo e que aquele é o jeito como o acusado anda; Que, no dia dos fatos, acha que estava trajando bermuda preta e camisa preta com branco ou branca com preto; Que, depois de sair da rodoviária, foi lanchar com sua namorada, por volta de dez e pouca para onze da noite; Que foi à rodoviária tomar uma vitamina no Seu Dunga, como já explicou antes; Que, como a namorada do acusado falou, ele gosta de comer muito; Que foi tomar a vitamina por volta de dez e pouca da noite; Que acha que a confusão toda foi por volta desse horário; Que não lembra bem o horário; Que não conhecia os demais acusados; Que, no dia em que aconteceu o homicídio, o acusado estava na rodoviária; Que trabalhou o dia todo com a mãe na rodoviária; Que foi apenas olhar a confusão; Que, como já disse, quando acontece alguma confusão na rodoviária, todo mundo corre para assistir, e o acusado ficou assistindo também; Que nunca tinha visto aquelas pessoas que estavam na confusão; Que só os conhece de vista, andando por ali; Que não viu quando a vítima foi levada para fora da rodoviária; Que não viu o momento retratado no vídeo mostrado em audiência em que duas pessoas levam a vítima para fora da rodoviária; Que o acusado não passa por aquele mesmo caminho; Que foi embora pelo começo da rodoviária, onde se vende passagem; Que a aglomeração estava na parte de baixo; Que a rodoviária tem um começo e um final, e a aglomeração acontecia no estacionamento, enquanto o acusado estava no começo, onde se vendem passagens; Que saiu por esse lado; Que não saiu pelo mesmo local em que a vítima saiu com os outros dois acusados; Que a rodoviária tem duas saídas — uma em cima e outra embaixo — e também duas entradas; Que o acusado não sabe por que está sendo acusado desse crime, mas acha que é porque apareceu nas filmagens, mas se fosse por isso, era para acusarem todo mundo, pois havia várias pessoas assistindo; Que soube 100% sobre a morte da vítima quando foi preso e o delegado chegou lá; Que, no dia seguinte aos fatos, o acusado voltou para trabalhar e, na rodoviária, só comentavam que alguém havia morrido lá atrás, mas não diziam quem poderia ter mandado ou quem havia feito; Que o acusado não mandou ninguém matar a vítima; Que não trabalha com o tráfico e não faz parte de facção. Diante do contexto probatório anteriormente delineado, impõe-se reconhecer que, no presente caso, as circunstâncias fáticas revelam um ambiente marcado pela instilação de temor nas testemunhas, como se depreende da prova oral acima colacionada. Tal quadro, longe de ser desconsiderado, revela-se de importância capital e deve ser criteriosamente ponderado na valoração dos elementos probatórios que alicerçam a presente decisão de pronúncia. Nesse sentido, alinha-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no HC 810.692, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 11 de setembro de 2023, que reconhece a necessidade de se considerar, no juízo de admissibilidade da acusação, o impacto do temor eventualmente incutido nas testemunhas, sobretudo em delitos de maior gravidade, nos quais a dinâmica delitiva pode comprometer a espontaneidade e a firmeza das declarações. No precedente em referência, mesmo diante da ausência de oitiva de testemunhas oculares na fase processual, a decisão de pronúncia foi mantida, em razão das circunstâncias excepcionais do caso concreto, as quais justificaram a mitigação das exigências probatórias usuais O eminente Relator constatou que, dos autos, emergia um quadro em que todos os habitantes da comunidade viviam sob o espectro do medo e pavor causados pelos acusados, que faziam parte de um grupo amplamente temido na localidade. Este grupo atuava de forma habitual como um verdadeiro esquadrão de extermínio, perpetrando homicídios "à vista de todos", sem qualquer receio de represálias por parte das autoridades policiais, inclusive se apresentando publicamente sem qualquer disfarce, moldura fática que guarda possível similitude com a do presente caso. No panorama que se desdobra ante nós, delineia-se um cenário de apreensão comparável, no qual, não obstante a multiplicidade de evidências expostas às autoridades policiais, conforme se depreende da peça informativo, nenhum indivíduo demonstra disposição em ratificar tais asserções perante o escrutínio judicial. Esta hesitação não se insere no âmbito do inusitado, sobretudo quando se lança um olhar atento sobre o contexto vivenciado pelos habitantes dos bairros subjugados pelo jugo das facções criminosas. Ressalte-se, ainda, recente julgado de 2025 do Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a possibilidade de relativização da inadmissibilidade do testemunho indireto em hipóteses excepcionais, especialmente quando demonstrado que o temor generalizado instaurado na comunidade inviabiliza a oitiva de testemunhas oculares, comprometendo a colheita plena da prova testemunhal direta: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. JÚRI. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA EXCLUSIVA DE TESTEMUNHOS DE "OUVIR DIZER". TESTEMUNHOS AFIRMANDO QUE A COMUNIDADE POSSUI PAVOR DO DENUNCIADO. CRIME ENVOLVENDO CONFLITO COM O TRÁFICO DE DROGAS. DISTINGUISHING.EXCEPCIONALIDADE QUE JUSTIFICA A INEXISTÊNCIA DE DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS OCULARES DO DELITO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. A quebra da soberania dos veredictos é apenas admitida em hipóteses excepcionais, em que a decisão do Júri for manifestamente dissociada do contexto probatório, hipótese em que o Tribunal de Justiça está autorizado a determinar novo julgamento. E, como é cediço, diz-se manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que não encontra amparo nas provas produzidas, destoando, desse modo, inquestionavelmente, de todo o acervo probatório. 2. Segundo entendimento desta Corte Superior, o testemunho de "ouvir dizer" ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a condenação. É que o testemunho indireto (também conhecido como testemunho de "ouvir dizer" ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu. Sua utilidade deve se restringir a apenas indicar ao juízo testemunhas referidas para posterior ouvida na instrução processual, na forma do art. 209, § 1º, do CPP (AREsp 1940381/AL, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021). Precedentes. 3. No presente caso, verifica-se que apesar de nenhuma testemunha ocular ter sido ouvida perante o juízo, diante das peculiaridades do caso, entendo não assistir razão à defesa, isso porque, extrai-se dos autos que todas as pessoas da comunidade tinham medo dos envolvidos. A testemunha velada nº 01, em sessão plenária, registrou ter recebido ameaças pela sua condição; o genitor da vítima informou que uma senhora lhe relatou que seu filho viu o momento da execução, mas que não o permitiu testemunhar, acrescentando que várias pessoas no local foram agredidas para não prestarem testemunho; a genitora do ofendido esclareceu que várias pessoas presenciaram o delito, tendo sido algumas ameaçadas no bairro a não prestar depoimento, e outras agredidas.4. Conforme observado nos esclarecimentos testemunhais, a autoria do crime foi indicada por diversos populares, que não prestaram depoimento devido ao medo de represálias. Essas informações foram comunicadas ao primeiro policial que chegou à cena do crime e aos pais da vítima. Como é de conhecimento geral, em crimes envolvendo conflitos com o tráfico de drogas, o receio de represálias dificulta a obtenção de informações de possíveis testemunhas oculares, algo confirmado pelos depoimentos das testemunhas veladas e pelas contundentes declarações dos pais da vítima.5. Portanto, embora a jurisprudência desta Corte Superior considere insuficiente o testemunho indireto para fundamentar a condenação pelo Tribunal do Júri, excepcionalmente, o presente caso, devido à sua especificidade, merece um distinguishing. Extrai-se dos autos que a comunidade teme os recorrentes, visto que eles estão envolvidos com o tráfico de drogas, com atuação habitual na região, razão pela qual as pessoas que presenciaram o crime não se dispuseram a testemunhar perante as autoridades policiais e judiciais.6. Agravo regimental não provido.(AgRg no REsp n. 2.192.889/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025.) Noutra senda, é consabido que o fundamento da decisão de impronúncia reside na ausência de provas quanto à existência do fato ou de elementos indicativos de autoria. Tal circunstância, contudo, não se verifica no caso em apreço, em que emergem indícios em desfavor dos acusados. Importante destacar, ainda, que nada nos autos revela, até o momento, que os Réus tenham agido albergados em excludente de ilicitude. Do mesmo modo, o acervo probatório não demonstra claramente, até o momento, quaisquer circunstâncias que excluam o crime ou isente os acusados de pena. Do acervo constante dos autos, colhe-se substrato mínimo que revelam autoria e coautoria dos acusados J. L. G. M., A. D. S. M. e Luan Gabriel França Delfino, não se podendo esquecer que, no âmbito da pronúncia, não é aceitável uma fundamentação exauriente a respeito das circunstâncias do delito, sob pena de se incorrer no vício de excesso de linguagem, imiscuindo-se na competência constitucional do Júri. Tem-se que nesta fase processual somente se pode reconhecer a ausência de animus necandi em caso de certeza de que o crime apurado não se trata de delito doloso contra a vida, sob pena de macular aos princípios constitucionais da soberania dos veredictos e competência do Tribunal do Júri para apreciação destes delitos. Neste prisma, o reconhecimento da ausência de dolo e consequente desclassificação do delito no presente caso, não pode, por ora, ser acolhida, pois não há elementos nos autos que evidenciem, induvidosamente, que os acusados não agira com animus necandi. Se a intenção dos acusados J. L. G. M., A. D. S. M. e Luan Gabriel França Delfino era ou não ocasionar a morte da vítima, necessária é sua submissão ao Conselho de Sentença para decisão final, eis que, o elemento subjetivo do agente, ao menos nesta fase, tornara-se carente de certeza. Verifica-se, pois, que as conclusões das partes acerca dos fatos, as declarações dos acusados, testemunhas e as provas periciais devem ser avaliadas com detida cautela e aprofundado exame de mérito, funções atribuídas constitucionalmente ao Conselho de Sentença, juiz natural da causa. Sempre oportuno consignar que, no presente caso, não há um juízo de certeza. Observe-se, ainda, que, uma vez pronunciados os acusados pelo crime doloso contra a vida, devem estes ser pronunciados igualmente pelo ao delito conexo de organização criminosa (art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 12.850/2013) cuja competência para julgamento também é atribuída ao Júri, conforme explicita o professor GUILHERME DE SOUZA NUCCI2: (...) Havendo infração conexa, incluída na denúncia ou queixa, devidamente recebida, pronunciando o réu pelo delito doloso contra a vida, deve o juiz remeter a julgamento pelo Tribunal Popular os conexos, sem proceder a qualquer análise de mérito ou de admissibilidade quanto a eles. Aliás, se eram grotescas, atípicas ou inadmissíveis as caracterizações dos delitos conexos, tão logo foi oferecida a denúncia ou queixa, cabia ao magistrado rejeitá-la. Se acolheu a acusação, deve repassar ao juiz natural da causa o seu julgamento. Caberá, assim, aos jurados checar a materialidade e a prova da autoria para haver condenação. Não tem sentido o magistrado pronunciar pelo crime de sua competência e impronunciar pela infração penal conexa, cuja avaliação não lhe pertence. Exemplo: o réu responde por homicídio seguido de furto; havendo pronúncia pelo crime contra a vida, remete-se, automaticamente, o furto para análise dos jurados, exista ou não prova suficiente da materialidade, haja ou não provas suficientes acerca da autoria. É competente, na integralidade, o Conselho de Sentença para apreciar o crime patrimonial. O mesmo se diga quanto à vedação de absolver sumariamente o réu pelo crime conexo. (negritou-se). Dessa forma, considerando que a denúncia foi regularmente recebida também quanto ao crime previsto no art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 12.850/2013, e tendo em vista que, nesta fase procedimental, não compete a este juízo pronunciar-se sobre a subsistência ou não da imputação relativa a referida infração penal, impõe-se, por força do princípio do juiz natural e da competência constitucional do Tribunal do Júri, o encaminhamento do julgamento dos crimes conexos àquele órgão jurisdicional. Assim sendo, devem os acusados J. L. G. M., A. D. S. M. e Luan Gabriel França Delfino ser submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, a quem incumbe, com a devida profundidade e investidos da soberania que lhes é própria, valorar o conjunto probatório e deliberar sobre a responsabilidade penal dos réus tanto pelo delito doloso contra a vida quanto pelo crime que, a ele conexo, se entrelaçam na cadeia fático-jurídica descrita na peça acusatória. 4. DAS QUALIFICADORAS No que tange às qualificadoras atribuídas ao crime de homicídio, a matéria não comporta maiores digressões nesta fase processual. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que tais circunstâncias devem ser submetidas à apreciação do Tribunal do Júri, soberano na análise do mérito da causa, somente podendo ser afastadas pelo juízo togado quando manifestamente dissociadas do conjunto probatório, o que, inequivocamente, não se verifica na hipótese vertente. Com efeito, havendo suporte probatório mínimo e coerente nos autos, revela-se incabível o juízo antecipado de exclusão das qualificadoras, sob pena de indevida usurpação da competência constitucional do Conselho de Sentença, a quem incumbe a valoração substancial das teses acusatória e defensiva, nos estritos termos do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea "d", da Constituição Cidadã. Na linha da jurisprudência da Egrégia Corte Superior, “as qualificadoras do crime de homicídio só podem ser excluídas da decisão de pronúncia se forem manifestamente improcedentes, isto é, quando completamente destituídas de amparo nos autos, sendo vedado nessa fase valorar as provas para afastar a imputação concretamente apresentada pelo Ministério Público, sob pena de se usurpar o pleno exame dos fatos do juiz natural da causa, qual seja, o Tribunal do Júri” (HC nº 138.177/PB, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe de 28/8/2013). In casu, os elementos probatórios colhidos até o momento não autorizam, de forma categórica, o afastamento prematuro das qualificadoras articuladas pelo órgão ministerial — a saber: motivo torpe, recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima, meio cruel e emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Com efeito, à míngua de prova inequívoca no sentido de sua manifesta improcedência, impõe-se o reconhecimento da presença das referidas qualificadoras nesta fase de admissibilidade da acusação, porquanto sua exclusão somente se justifica quando forem absolutamente dissociadas dos elementos probatórios constantes dos autos — o que, como se vê, não é a hipótese. Consoante se depreende dos relatos prestados pelas testemunhas José Alves de Carvalho Filho e Carlos Eugênio Lopes, a motivação do crime, em tese, pode estar relacionada à atuação de facções criminosas na região, sendo possível que o delito tenha decorrido da suposição de que a vítima, juntamente com a testemunha Carlos Eugênio Lopes, integraria organização criminosa rival àquela da qual fariam parte os acusados. Tal circunstância, em tese, subsume-se à qualificadora do motivo torpe, por revelar origem vil, cuja análise definitiva cabe ao Tribunal do Júri. No que diz respeito à qualificadora do meio cruel, consta da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal (nº38) que meio cruel é aquele que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade. – Negritou-se e destacou-se. Por sua vez, o professor CEZAR ROBERTO BITENCOURT3 ensina: (...) Meio cruel é a forma brutal de perpetrar o crime, é meio bárbaro, martirizante, que revela ausência de piedade, v. g., pisoteamento da vítima, dilaceração do seu corpo a facadas etc. Meio cruel é o que causa a esta sofrimento desnecessário. No caso concreto, o laudo de exame cadavérico (Id.149166727) revela a existência de múltiplas lesões no corpo da vítima, de natureza e extensão significativas, denotando, ao menos em juízo preliminar, a possibilidade de que o crime tenha sido perpetrado com requintes de crueldade. Tal conclusão é reforçada pelos registros fotográficos constantes dos autos, os quais evidenciam indícios de sofrimento intenso, possivelmente relacionado à prática de atos equivalentes à tortura, notadamente no que tange à grave lesão constatada na região da perna da vítima (Id.135794390, págs. 30 a 36), conforme expressamente consignado na peça acusatória. Diante desse cenário, mostra-se prematuro qualquer juízo de exclusão da qualificadora relativa ao meio cruel, cuja subsunção típica deverá ser submetida ao crivo do Tribunal do Júri, no exercício de sua competência constitucional para valorar, com soberania, os elementos de prova produzidos sob o crivo do contraditório. Quanto à qualificadora relativa ao recurso que impossibilitou/diminuiu a defesa da vítima, os relatos prestados pelas testemunhas José Alves de Carvalho Filho e Carlos Eugênio Lopes, aliados ao conteúdo das fotografias do corpo da vítima (Id.135794390, págs. 30 a 36), conferem verossimilhança à dinâmica delitiva descrita na peça acusatória. Segundo a narrativa acusatória, os agentes, em número superior à vítima, teriam capturado esta no interior do terminal rodoviário e, em seguida, conduzido-a para fora do recinto, amarrando-lhe e, assim, restringindo-lhe qualquer possibilidade concreta de reação. Tais circunstâncias, em tese, evidenciam indícios suficientes da adoção de estratégia deliberada para neutralizar qualquer resistência da vítima, o que, justificaria o reconhecimento da qualificadora nesta fase, sendo certo que sua valoração definitiva deverá ser submetida à apreciação soberana do Tribunal do Júri, a quem incumbe o juízo definitivo sobre os elementos subjetivos e objetivos que qualificam o delito doloso contra a vida. Por derradeiro, diante da conclusão firmada no Laudo n.º 0067929/2025/PO – Exame em Projéteis (Id.149157473), o qual identificou o calibre compatível com .38 SPL NTA e considerou prejudicada a resposta ao quesito atinente à classificação da munição como de uso permitido ou restrito, entendo que resta ausente a certeza técnica necessária à subsunção da conduta ao tipo qualificado previsto no inciso VIII do §2º do art. 121 do Código Penal. Em virtude da indefinição pericial quanto à natureza da munição empregada, e diante do princípio da segurança jurídica que deve nortear as decisões judiciais mesmo na fase da pronúncia, entendo cabível, desde logo, o afastamento da referida qualificadora, por não restar demonstrado, ainda que em juízo de delibação, o requisito objetivo exigido para a caracterização da referida qualificadora. Concluo, pois, que os subsídios colhidos autorizam a admissibilidade do jus acusationis, à vista a presença dos pressupostos legais, os indícios de autoria e coautoria e a materialidade da infração, na modalidade de homicídio qualificado por motivo torpe, recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima, meio cruel (art. 121, §2º, incisos I, III, IV, assim como, no art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 12.850/2013). 6-DA MANTENÇA DA PRISÃO PREVENTIVA Compulsando os autos, constato que permanecem hígidos os fundamentos que ensejaram a decretação da prisão preventiva dos acusados, não se verificando qualquer alteração relevante no contexto fático-probatório que justifique a revogação da medida cautelar extrema. Consoante já consignado nos autos, a segregação cautelar mostra-se necessária em razão do modus operandi empregado, em tese, na prática delitiva, o qual denota acentuado grau de periculosidade. A narrativa dos fatos revela, em tese, uma execução sumária, deflagrada em local público — o Terminal Rodoviário de São Luís — à vista de transeuntes, o que intensifica a gravidade concreta da conduta e o potencial abalo à ordem pública. Ademais, conforme já delineado em tópicos anteriores, há elementos nos autos que indicam, ao menos em juízo preliminar, vínculo dos acusados com organização criminosa atuante na região, sendo plausível a hipótese de que o homicídio tenha decorrido da presunção de que a vítima e a testemunha Carlos Eugênio Lopes integrariam facção rival, circunstância que reforça a periculosidade social dos réus e evidencia risco concreto de reiteração delitiva ou de intimidação às testemunhas. Diante desse panorama, entendo que a imposição de medidas cautelares diversas da prisão se mostra manifestamente inadequada e insuficiente para salvaguardar a ordem pública. Ex positis, mantenho o decreto de prisão preventiva anteriormente proferido em desfavor de J. L. G. M., vulgo “CABELUDO”; A. D. S. M., vulgo “ALEX”; e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO, como medida necessária à garantia da ordem pública. 6. DECISÃO. Ex positis, PRONUNCIO os acusados J. L. G. M., vulgo “CABELUDO”, A. D. S. M., vulgo “ALEX” e LUAN GABRIEL FRANÇA DELFINO, nos autos qualificado, pela prática das condutas criminosas descritas no art.121, §2º, incisos I, III e IV do Código Penal e do art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 12.850/2013, na forma dos arts. 29 e 69 do Código Penal, perpetrada contra a vítima D. C. D. S., para via de consequência submetê-lo, oportunamente, a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, na forma do artigo 413 do Código de Processo Penal. Mantenho a prisão preventiva dos acusados. Para aprimorar a gestão processual, deve o servidor proceder à instalação da extensão PJe+R, já disponível ao Tribunal de Justiça do Maranhão, que tem por objetivo aumentar a eficiência, celeridade e efetividade do sistema PJe. Utilizando-se do recurso experimental 'Intimar Zap', deverá ser realizada a intimação da vítima acerca da presente decisão. Com a devida reverência aos princípios basilares da eficiência e celeridade processual, rogo, ao cabo desta exposição, que as partes, ao serem cientificadas da presente decisão, e caso não pretendam interpor recurso, registrem de maneira expressa o "CIENTE SEM RECURSO". Outrossim, é de se considerar ainda que o Superior Tribunal de Justiça adota uma interpretação restritiva no que tange à intervenção da vítima ou de seus familiares na qualidade de assistentes de acusação. A atuação desses assistentes é admitida exclusivamente nos atos expressamente elencados no art. 271 do Código de Processo Penal, o que impõe limites claros à sua participação processual. Assim, a legitimidade recursal do assistente de acusação só se configura diante da inércia do Ministério Público e, ainda, depende da natureza jurídica da decisão que se pretende impugnar (STJ - HC 430317/ES, 2017/0331114-0). Em harmonia com o entendimento consolidado, dada a natureza da decisão de pronúncia e considerando que sua comunicação formal ao órgão ministerial é suficiente para fins processuais, torna-se desnecessário o aguardo de prazo recursal por parte dos familiares da vítima. Dessa forma, bastará a intimação desses familiares, ficando dispensada a abertura de prazo para recorrer após inércia recursal do Ministério Público, em observância aos princípios da celeridade processual e da eficiência. Por fim, considerando que os fatos objeto da presente ação penal tiveram sua execução iniciada no interior do Terminal Rodoviário de São Luís/MA, local de expressivo fluxo de pessoas, constata-se falha relevante no sistema de vigilância privada ali existente. Conforme se extrai dos autos, os profissionais responsáveis pela segurança do terminal não conseguiram acionar a força policial em tempo hábil para evitar que a vítima fosse capturada dentro do referido espaço e, em seguida, executada nas suas imediações. Somam-se a isso os relatos de que um dos acusados, supostamente integrante de facção criminosa, exerceria atividade laboral no interior do terminal, circunstância que, se confirmada, evidencia não apenas a fragilidade da segurança no local, como também a infiltração de elementos ligados ao crime organizado em espaços de circulação pública. Diante desse cenário, impõe-se a atuação articulada dos entes públicos e privados responsáveis pela segurança urbana e pela administração do terminal. Determino, portanto, que se oficie ao Diretor da Sinart – Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário e Turístico Ltda., por meio do endereço eletrônico henrique.pedreira@sinart.com.br. Oficie-se também à Prefeitura Municipal de São Luís e à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão. As instituições mencionadas deverão, em cooperação conjunta, avaliar e adotar medidas urgentes para o reforço da segurança no Terminal Rodoviário de São Luís, com vistas à prevenção de novos episódios de violência e à preservação da ordem pública. Publique-se e intimem-se. São Luís – datado e assinado eletronicamente. GILBERTO DE MOURA LIMA Juiz da 1ª Vara do Tribunal Popular do Júri 1 (in Curso de Processo Penal, Ed. Del Rey, p. 563/564). 2 (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 8ª Ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 747-748). 3 Tratado de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo, ed. Saraiva, vol. 2, 3ª ed., 2003, p. 71-72. 03, p. 71-72.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0000607-15.2020.8.10.0048
ID: 256800269
Tribunal: TJMA
Órgão: 3ª Vara de Itapecuru Mirim
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0000607-15.2020.8.10.0048
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
COMARCA DE ITAPECURU-MIRIM 3ª VARA 0000607-15.2020.8.10.0048 MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO EDINILSON CAMPELO MENDES SENTENÇA Vistos, etc. Relatório. O representante do Ministério Público E…
COMARCA DE ITAPECURU-MIRIM 3ª VARA 0000607-15.2020.8.10.0048 MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO EDINILSON CAMPELO MENDES SENTENÇA Vistos, etc. Relatório. O representante do Ministério Público Estadual, lastreado em Inquérito Policial, ofereceu denúncia em desfavor de EDINILSON CAMPELO MENDES, brasileiro, natural de Itapecuru-Mirim/MA, nascido em 06/06/1998, filho de Edinelia Campelo e José Amaral Mendes, residente e domiciliado na Rua da Padaria, s/nº, Entroncamento, Itapecuru-Mirim/MA, como incurso nas penas do art. 14, da Lei 10.826/03 . Narra a denúncia em síntese que No dia 15 de setembro de 2020, no Povoado Entroncamento, zona rural de Itapecuru-Mirim/MA, Edinilson Campelo Mendes foi preso em flagrante por portar ilegalmente uma arma de fogo de uso permitido. Durante patrulhamento ostensivo, a polícia militar abordou uma motocicleta em atitude suspeita, conduzida por Francisco Vieira dos Santos, tendo Edinilson como passageiro. Na revista pessoal, foi encontrada com Edinilson uma arma tipo garrucha, calibre .20, de cor prata, juntamente com uma munição deflagrada. Após a abordagem, Edinilson foi colocado na viatura, mas conseguiu arrombar o compartimento traseiro do veículo e fugiu, restando apenas Francisco encaminhado à Delegacia de Polícia. Em depoimento, Francisco negou envolvimento, alegando que apenas dava carona a Edinilson e desconhecia a posse da arma. Nos autos, consta a apreensão da arma e do projétil deflagrado, além de exame pericial confirmando a eficiência da garrucha para disparos. A denúncia foi oferecida em 22/10/2020 (ID 64369099 fls. 03-05). A inicial ministerial foi recebida em 19/05/2021, determinando a citação do acusado para responder à acusação (ID 64369099 fls. 44). O cumprimento do mandado com a citação do réu ocorreu regularmente (ID 67020543). Assim, o denunciado, representado pela Defensoria Pública, apresentou resposta à acusação em 06/02/2023 (ID 85102625). Na audiência de instrução e julgamento realizada no dia 11/12/2023, esteve presente o acusado, as testemunhas arroladas pelo Ministério Público PM IGOR E PM SANCHES. Ocorre que, pelo tardar da hora e a dificuldade de conectividade por parte do acusado em participar por videoconferência, foi designado a audiência de continuação para o dia 11/03/2024, conforme ata de audiência. Nesse sentido, de acordo com o a certidão de id 114167539, fora registrada a impossibilidade de realização da audiência designada para a data de 11/03/2024, haja vista a incompatibilidade de pauta da Magistrada. Portanto, a audiência fora redesignada para o dia 04/04/2024. Na audiência de continuação realizada no dia 04/04/2024, esteve presente a testemunha arrolada pelo MP TARCISIO DOS SANTOS SANCHES. Ausente a testemunha PM IGOR, tendo o Ministério Público e a defesa insistido na oitiva do mesmo. Ausente o acusado EDINILSON CAMPELO MENDES, haja vista a sua não intimação, consoante diligência de ID 113893782. Tendo em vista a insistência na oitiva da testemunha PM IGOR, a audiência foi designada audiência em continuação para o dia 02/07/2024. Dando prosseguimento a marcha processual, foi realizada a audiência de continuação de instrução e julgamento no dia 02/07/2024. Onde esteve presente a testemunha arrolada pelo MP IGOR DA SILVA CORREA. Ausente o acusado. no mesmo ato, em título de diligência, a Defensoria requereu que fosse oficiado junto a secretária de saúde do município de Itapecuru-Mirim/MA e do Estado do Maranhão no sentido de informar se houve a entrada do réu: EDINILSON CAMPELO MENDES, como paciente, informando data de entrada e saída e/ou se ainda há permanência do mesmo no estabelecimento de saúde. Havendo negativa na resposta, que os autos fossem encaminhados às partes para apresentação de alegações finais. O Ministério Público apresentou suas alegações finais em memoriais escritos, protocolados sob o ID n. 135367706, sustentando a procedência integral da denúncia e requerendo a condenação de Ednilson Campelo Mendes com base na narrativa inicial. Alegações finais da defesa, apresentadas quererendo o reconhecimento da nulidade da busca pessoal realizada e a conseuqnete absolvição do réu. Eis o RELATÓRIO. FUNDAMENTO, consoante exigência do artigo 93, IX da Constituição Federal, à luz da inicial acusatória, defesa preliminar e demais provas coligidas durante a instrução criminal sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Indefiro o pedido de nulidade da busca pessoal realizada pelos policiais, tendo em vista que não restou evidenciada qualquer ilegalidade no procedimento adotado. Os depoimentos dos policiais militares Tarcísio dos Santos Sanches e Igor da Silva Correa demonstram que a abordagem se deu em razão de fundada suspeita. Conforme relatado, a equipe policial avistou os indivíduos em atitude suspeita, sendo que o garupa, Edinilson Campelo Mendes, portava um objeto parcialmente encoberto por um saco, mas com parte visível, permitindo a identificação de que se tratava de uma arma de fogo. Diante dessa constatação, a abordagem foi realizada dentro dos limites da legalidade, com a imediata apreensão do armamento. Além disso, não há contradições relevantes nos depoimentos prestados pelos agentes de segurança, sendo plenamente convergentes no essencial: a identificação prévia do objeto suspeito, a abordagem realizada em decorrência desse fator, a apreensão da arma e a posterior fuga do investigado da viatura policial. Portanto, não há elementos que justifiquem o reconhecimento da nulidade da busca pessoal, razão pela qual o pedido é indeferido. Quanto ao interrogatório judicial entendo que é ato processual que proporciona ao acusado a faculdade de apresentar direta e pessoalmente ao juiz sua versão a respeito dos fatos que lhe são imputados. Regra anterior contida no CPP dizia que o silêncio do acusado poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa. Tal disposição fora revogada pelo art. 5º, LXIII, da CF, que assegura ao acusado o direito ao silêncio, base fundamental do que se convencionou denominar “silêncio constitucional” e por isso é facultativa ao mesmo se ater aos fatos. Nessa mesma linha, o art. 8º, II, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada, consagrando assim o princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Em razão do disposto no art. 186 do CPP, depois de qualificado e cientificado quanto aos termos da imputação, antes de iniciar o interrogatório sobre sua conduta sociofamiliar e sobre o mérito, o juiz informará ao acusado do seu direito de permanecer calado e de não responder às perguntas que lhe forem formuladas, não sendo possível no caso concreto, diante de sua ausência ao ato judicial, no entanto não pode trazer prejuízo ao réu. Neste sentido a jurisprudência: “A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a autoincriminação, especialmente quando se tratar de pessoa exposta a atos de persecução penal. O Estado – que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus, como se culpados fossem, antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (RTJ 176/805-806) – também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512), em face da cláusula que lhes garante, constitucionalmente, a prerrogativa contra a autoincriminação. Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, (a) o direito de permanecer em silêncio, (b) o direito de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem de ser constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal (HC 96.219-MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Precedentes. – A invocação da prerrogativa contra a autoincriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza eminentemente constitucional, a adoção de medidas que afetem ou que restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a ‘persecutio criminis’ nem justifica, por igual motivo, a decretação de sua prisão cautelar. – O exercício do direito ao silêncio, que se revela insuscetível de qualquer censura policial e/ou judicial, não pode ser desrespeitado nem desconsiderado pelos órgãos e agentes da persecução penal, porque a prática concreta dessa prerrogativa constitucional – além de não importar em confissão – jamais poderá ser interpretada em prejuízo da defesa. Precedentes” (STF, HC 99.289/RS, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 23-6-2009, DJe 149, de 4-8-2011). A titulo de informação, ao contrário do que ocorre no Direito Processual Civil (CPC/2015, art. 385, § 1º), no processo penal a ausência de resposta por parte do acusado em relação às questões de mérito apresentadas pelo juiz, em hipótese alguma, importará em confissão, tampouco poderá, de qualquer forma, ser interpretada em prejuízo da defesa. Atualmente, não há, no direito processual penal brasileiro, “pena de confesso” nos casos de revelia, fuga ou silêncio no interrogatório. No decorrer da instrução criminal, restou comprovada a materialidade dos fatos imputados ao denunciado, não pairando dúvidas quanto ao evento delituoso, em especial, diante da apreensão da arma e termo de verificação de eficiência de arma de fogo em fls. 19 do id. 64369099. Em que pese nesse aspecto a defesa tenha manifestado pela falta de materialidade delitiva, entendo que tal entendimento não deve prosperar, pois o exame para aferição do funcionamento da arma de fogo não exige específico conhecimento técnico-científico, sendo certo que sua verificação pode ser realizada por policiais civis, capacitados para o manejo e utilização de armas de fogo, ao lado da prescindibilidade de sua realização. No caso, a arma de fogo tipo garruncha, foi periciada por policiais civis que comprovaram a potencialidade lesiva, constando do IP o “auto de exame e eficiência em arma de fogo”. Friso que o exame da arma não revela complexidade e, por isso, não se exigiria conhecimentos técnico-científicos especializados, podendo ser realizado por meio da deflagração das munições pelos policiais civis Assim, de forma inconteste, pelo menos quanto ao crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/03, observa-se que o delito ocorreu, estando cabalmente caracterizada a ocorrência material do fato. Esclareço a defesa, a posse de arma de fogo é a guarda da referida no interior da residência ou do trabalho do próprio agente, e o porte, por sua vez, ocorre quando a arma é levada para fora destes ambientes. Impossível a desclassificação do delito de porte de arma previsto no artigo 14 para as sanções do artigo 12 da Lei nº. 10.826 /03, como pleiteado, quando comprovado que o réu portava a arma em via pública, ainda que dentro do seu veículo. Prejudicado, portanto, o pedido de redimensionamento da pena, ante a não desclassificação do delito de porte de arma de fogo para posse. Resta, no entanto, aferir-se sobre a autoria do delito e responsabilidade penal do réu, para os quais procederei à análise conjunta, cotejando os fatos relacionado a denúncia com as provas carreadas aos autos. O réu, a titulo de informação, e alegado nas derradeiras manifestação da defesa, confessou a prática do crime tipificado no artigo 14 da lei nº 10.826/2003, perante a autoridade policial, afirmando que portava a arma encontrada, no entanto o referido material bélico seria de propriedade do indivíduo conhecido como “Kassio” que se encontrava no recinto da festa. Disse que a utilizava para se defender, conforme depreende-se de seu interrogatório constante em CD audiovisual. Embora a denominação legal do delito (art. 14 da lei 10.826/03) seja “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”, é fácil notar que o texto legal possui abrangência muito maior, já que existem inúmeras outras condutas típicas. Com efeito, as ações nucleares são portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar, que por si só inviabiliza o pedido da defesa no que tange a a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Trata-se, porém, de crime de ação múltipla — também chamado de crime de conteúdo variado ou de tipo misto alternativo — em que a realização de mais de uma conduta típica, em relação ao mesmo objeto material, constitui crime único, na medida em que as diversas ações descritas na lei estão separadas pela conjunção alternativa “ou”. Assim, se o agente adquire e, em seguida, porta a mesma arma de fogo, comete apenas um crime. Tratando-se de arma de uso permitido, estão previstas duas hipóteses na legislação: a posse em residência ou no local de trabalho caracteriza o crime do art. 12, se a arma não for registrada, enquanto o porte, em outros locais, caracteriza o crime do art. 14, se o agente não tiver a devida autorização expedida pela Polícia Federal, ainda que a arma seja registrada, como no caso dos autos. Armas de fogo são os instrumentos que, mediante a utilização da energia proveniente da pólvora, lançam a distância e com grande velocidade os projéteis. Possuem várias espécies, como, por exemplo, revólveres, pistolas, garruchas, espingardas, metralhadoras, granadas etc. O rol das armas de uso permitido, proibido ou restrito é disciplinado em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército (art. 23 do Estatuto). Trata-se, pois, de norma penal em branco. Atualmente, o rol de armas de uso permitido encontra-se no art. 17 do Decreto n. 3.665/2000. Tal dispositivo considera de uso permitido, por exemplo, as armas de fogo curtas (pistolas, revólveres) de repetição ou semiautomáticas de calibres .22 Long Rifle e .22 Short, .25 Auto (ou 6,35 mm ou 6,35 Browning), .32 Auto (ou 7,65 mm ou 7,65 Browning), .32 Short Colt, .38 S&W, .380 Auto Pistol (ou 9 mm Corto ou .380 ACP); as armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semiautomáticas de calibres .22 Long Rifle, .32-20, .38-40, e .44-40; as armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semiautomáticas, calibre 12 ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que 24 polegadas, ou seiscentos e dez milímetros etc. O Decreto utiliza denominações técnicas para descrever tais armas, mas, na prática, o maior número dos crimes envolve a posse de revólveres de calibre nominal 22, 32 ou 38, ou de pistolas de calibre 380 ou 765. No caso concreto, não há dúvida quanto a materialidade do crime, visto o auto de apreensão, bem como a autoria, já que foiflagranteado pelos policiais no momento em que portavam a arma em seu poder. Noto ainda, com a potencialidade da arma de fogo apreendida restou atestada por exame pericial, dúvidas não pairam sobre as responsabilidades criminais do réu, o qual se encontram incurso nas penas do artigo 14, da Lei nº 10.826/03, face ser um crime de perigo abstrato, muito embora que após o teste, tenha ficado danificada para novos disparos. Portanto, mesmo se houvesse desmuniciado (que não é o caso dos autos) não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, oportunidade em que rejeito a preliminar. Vale frisar que no contexto da legislação penal, a posse ou porte ilegal de arma de fogo é um crime de natureza formal, ou seja, sua consumação independe da ocorrência de um resultado lesivo específico. Quando uma arma de fogo é encontrada em posse conjunta de dois ou mais indivíduos, a imputação do delito pode ser estendida a todos os flagranteados, desde que haja indícios de que tinham ciência e domínio sobre o armamento e no caso dos autos ao conduto do veículo não há nada que indique sua participação ou anuência. Quanto a atenuante da confissão espontânea, o denunciado confessou espontaneamente a prática do crime de porte ilegal de arma de fogo, perante os policiais militares, razão pela qual devem ser beneficiados pela atenuante contida na parte geral do Código Penal. Prescreve o artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, que a confissão espontânea da autoria do crime, perante autoridade, é circunstância que sempre atua a pena. Assim, a princípio, entende-se que se o agente confessar espontaneamente a autoria do fato delituoso, em presença de autoridade, faz jus à circunstância legal genérica de redução de pena. Confessar significa “Declarar (o acusado) sua responsabilidade em crime que lhe é atribuído” (GUIMARÃES, p. 195). É, em outras palavras, o reconhecimento do agente pela prática de algum fato. Para NUCCI, “Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, (...) a prática de algum fato criminoso” (p. 253/254). No entanto, para a maioria, não basta que haja a confissão. Deve ela ser espontânea. Via de regra, nos casos em que há retratação do agente, não incide a atenuante genérica, salvo se a confissão anterior for utilizada para a elucidação da autoria delitiva. Assim sendo, no caso de o acusado ter confessado o crime no inquérito policial e vier a se retratar em juízo, em tese, não é cabível a benesse. Entretanto, se mesmo havendo a retratação, o julgador (leia-se magistrado) utilizar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, há que se levar em consideração essa circunstância legal na dosimetria da pena. Em suma: “a confissão extrajudicial regularmente testemunhada, não obstante retrata (sic) em juízo, mas corroborada pelos elementos de provas coletados na fase judicial, quando elevada em consideração pelo julgador na sentença, deverá ser considerada como um dos elementos que embasaram a condenação, o que conduz a necessidade de seu reconhecimento como uma circunstância atenuadora da pena” (SCHMITT, p. 148). A propósito, já se decidiu que “Há evidente ilegalidade se o Tribunal de origem utilizou a confissão extrajudicial do paciente para embasar a condenação concluindo que a retratação feita em juízo era dissonante das demais provas, mas deixou de reconhecer a atenuante genérica da confissão espontânea, (...)” (STJ. HC 112.623/MG. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. T6. DJe 15.06.2011). E também: “Se a confissão extrajudicial dos agentes é utilizada como fundamento para embasar e manter a conclusão condenatória (...) a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada, sendo irrelevante a retratação ocorrida na fase do contraditório” (STJ. HC 107.310/SP. Rel. Jorge Mussi. T5. DJe 24.08.2009). Com relação à confissão quando da ocorrência de prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos a fim de elucidar a autoria, “A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça considera que o flagrante não impede se reconheça a atenuante da confissão” (STJ. AgRg no REsp 816.375/MS. Rel. Celso Limongi. T6. DJe 02.05.2011). No mesmo sentido: STF. HC 77.653/MS. Rel. Ilmar Galvão. T1. Julg. 17.11.1998; STJ. HC 68.010/MS. Rel. Laurita Vaz. Julg. 27.03.2008. Observo que o depoimento de policiais pode ser utilizado como forma de fundamentar um decreto condenatório, não havendo nenhum impedimento neste sentido, ainda mais quando corroborado pelas demais provas dos autos e colhido observadas as garantias do devido processo legal e do contraditório. Isso porque os policiais são agentes do Estado contratados para exercer a função de repressão ao crime e garantir a segurança pública, não sendo lógico que sejam impedidos de prestar depoimento acerca dos fatos que presenciaram. A simples condição de ser policial não se traduz na sua automática suspeição ou na absoluta imprestabilidade de suas informações, já que o policial é ouvido como qualquer testemunha, observadas às disposições legais. Neste sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ABSOLVIÇÃO. PRETENSÃO. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. POLICIAIS. TESTEMUNHO. POSSIBILIDADE. 1. O Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, entendeu comprovada a autoria delitiva. 2. Induvidoso que a análise do pedido de absolvição implicaria incursão em matéria probatória, medida defesa em sede de recurso especial, ante o que preceitua a Súmula 7 desta Corte. 3. Os depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante constituem prova idônea, como a de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita, notadamente quando prestados em juízo sob o crivo do contraditório, aliado ao fato de estarem em consonância com o conjunto probatório dos autos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no AREsp: 338041 DF 2013/0163386-4, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 03/09/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2013). ______________________________________ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL CORROBORADA POR ELEMENTOS IDÔNEOS COLHIDOS NA FASE INSTRUTÓRIA. DEPOIMENTOS POLICIAIS. POSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA COM DEMAIS PROVAS. INOVAÇÃO PROCESSUAL. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não viola o Princípio da Colegialidade a apreciação unipessoal pelo Relator do mérito do recurso especial, quando obedecidos todos os requisitos para a sua admissibilidade, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil, aplicado analogicamente, bem como do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, observada a jurisprudência dominante desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal. Com a interposição do agravo regimental fica superada eventual violação ao referido princípio, em razão da reapreciação da matéria pelo órgão colegiado. 2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é plenamente possível a condenação baseada em confissão extrajudicial retratada em juízo, desde que corroborada por outros depoimentos colhidos na fase instrutória, sendo exatamente esse o caso dos autos. 3. Hipótese em que a condenação do recorrente não foi pautada unicamente na sua confissão extrajudicial (retratada em juízo), uma vez que tal prova não ficou isolada nos autos, estando suficientemente comprovada sua responsabilidade penal. 4. A jurisprudência desta Corte entende que os depoimentos de policiais constituem prova idônea, como a de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita, notadamente quando prestados em juízo sob o crivo do contraditório, aliado ao fato de estarem em consonância com o conjunto probatório dos autos, como ocorre in casu. 5. Não é possível, em agravo regimental, analisar questões somente arguidas nas suas razões, por caracterizar inovação de fundamentos. 6. Agravo regimental não provido.(STJ , Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/10/2013, T5 - QUINTA TURMA) Ex positis, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal consubstanciada na postulação ministerial em face do réu EDINILSON CAMPELO MENDES, vulgo “DIDICO” , brasileiro, natural de Axixá, como incurso nas penas do art. 14 DA LEI 10.826/03, e o condeno às penas do preceito secundário do tipo, a qual passo a dosar, individualmente, observando inicialmente as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal de uma só vez, ante se encontrarem na mesma situação: CULPABILIDADE: Impõe-se que se examine aqui a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, a maior ou menor reprovabilidade do comportamento praticado, não se esquecendo, porém, a realidade concreta em que ocorreu o crime, especialmente a maior ou menor exigibilidade de outra conduta. O dolo que agora se encontra localizado no tipo penal pode e deve ser aqui considerado para avaliar o grau de censurabilidade da ação tida como típica e antijurídica: quanto mais intenso o dolo, maior será a censura; quanto menor a sua intensidade, menor será a censura. O crime praticado foi com dolo direto de primeiro grau. A culpabilidade ultrapassou o tipo legalmente previsto. Não como valorar negativamente. ANTECEDENTES: Por antecedentes se devem entender a vida anteacta do réu, nesse aspecto o réu ao tempo do crime o réu já ostentava condenação criminal. CONDUTA SOCIAL: Deve-se analisar o conjunto do comportamento do agente em seu meio social, na família, na sociedade, na empresa, na associação de bairro e etc. Nada foi demonstrado a esse respeito. PERSONALIDADE DO AGENTE: Entendo que deve ser compreendida como síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo, na feliz expressão de Nelson Hungria trata-se do "exame do homem total, corpo e alma". Nesta análise da personalidade deve verificar sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constituiu um episódio acidental na vida do réu. Durante o processo não foram colhidos elementos que atestem a personalidade do réu voltada para o crime. MOTIVOS DO CRIME: Na clássica definição de Alta Villa motivos são "os precedentes causais de caráter psicológico da ação". Os motivos constituem a fonte propulsora da vontade criminosa. Não há crime gratuito ou sem motivos. Para a dosagem da pena é fundamental considerar a natureza e qualidade dos motivos que levaram o indivíduo à prática do crime. Durante o processo não ficaram evidenciados os verdadeiros motivos do crime. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: "Entende-se por circunstâncias os elementos acidentais do delito, ou seja, aqueles que não são elementos constitutivos do tipo, afetando apenas a gravidade do crime", segundo a definição de Heleno Cláudio Fragoso. Conforme defluem do próprio fato delituoso, tais como forma e natureza da ação delituosa, os tipos e meios utilizados, objeto, tempo, lugar, forma de execução, a atitude ou estado de ânimo do réu antes, durante ou depois do crime, e outros semelhantes. Não como valorar negativamente. CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME: Referem-se, na verdade, analisar, consoante ensina Damásio Evangelista de Jesus, "à maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada pela infração penal à vítima ou a terceiros", a maior ou menor danosidade decorrente da ação delituosa praticada ou o maior ou menor alarme social provocado, isto é, a maior ou menor irradiação de resultados, não necessariamente típicos, do crime, e nesse aspecto o delito não deixou consequências além das consequências diretas decorrentes da ação. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: A doutrina entende que o comportamento da vítima pode contribuir para fazer surgir, estimular no delinquente o impulso delitivo. Analisadas todas as circunstâncias judiciais, constatando que não existe circunstância judicial desfavorável, é de se fixar à pena base em 2 anos, 3 meses de reclusão. Passo agora a considerar, de acordo com o artigo 68 caput do Código Penal, assim entendidas as atenuantes genéricas constantes do artigo 65 do Código Penal, e as circunstâncias agravantes, elencadas nos arts. 61 e 62 do mesmo Código. Não vislumbro a existência de nenhuma agravante. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES e AGRAVANTES: considerando a confissão dos réus fixo a pena em 2 (dois) anos de reclusão. Por derradeiro, passo a terceira fase da aplicação da pena, considerando as CAUSAS DE AUMENTO (MAJORANTES): Não Há causas de aumento da parte especial do Código Penal. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO (MINORANTES): Não há causas de diminuição da parte especial do Código Penal. CAUSAS DE AUMENTO DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL: Não há causas de aumento da parte geral do Código Penal. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL: Não há causas de diminuição da parte geral do Código Penal. MULTA: Está prevista cumulativamente no preceito secundário do tipo penal, razão pela qual, passo a aplicá-la. A pena de multa será fixada em duas fases distintas. Na primeira fase, deve ser a multa fixada proporcionalmente à gravidade do tipo de crime praticado e às circunstâncias que foram levadas em conta na fixação da pena corporal. A pena na primeira fase não será fixada em unidades monetárias, mas em uma unidade denominada dia-multa, e o valor do dia-multa será estabelecido na segunda fase de fixação da pena pecuniária com base na condição socioeconômica do réu. Para o tipo penal em tela, o número de dias-multa varia de 10 a 360 dias-multa. Fixo a pena de multa no presente caso em 10 dias-multa, expressão da estrita proporcionalidade com a pena de reclusão imposta. Fixados na primeira fase, o número de dias-multa a serem pagos, caberá ao juiz, na segunda fase, a fixação do valor unitário de cada um destes dias-multa. Levando em conta a capacidade socioeconômica do agente, fixo o dia-multa em 1/30 avos do salário mínimo nacional vigente à época do ilícito. PENA DEFINITIVA: Sopesados todos os argumentos, condeno o réu EDINILSON CAMPELO MENDES, como incurso nas penas do art. 14 DA LEI 10.826/03, em 2 anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, considerado o valor de 1/30 avos do salário mínimo nacional, que deve ser corrigida monetariamente desde a data do crime, até o efetivo pagamento. DETRAÇÃO: observando as inovações trazidas pela Lei nº 12.736/2012 ao Código de Processo Penal, no parágrafo 2º do seu artigo 387, "O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade", verifico que eu período ergastulado pelo agente em nada vai alterar o regime inicial da pena. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA: Considerando que o réu foi condenado a uma pena inferior a 04 anos de reclusão, sendo considerado tecnicamente primário, o regime de cumprimento da pena será inicialmente o aberto, a teor do art. 33, § 2º, “c” e § 3º, do Código Penal, devendo ser cumprido na residência do réu, ante a ausência de casa de albergado ou estabelecimento adequado nesta Comarca. Ressalta-se o magistério de Celso Delmanto, o qual, lastreado em exaustiva análise jurisprudencial, indica que o cumprimento da pena em regime aberto deve ser realizado na casa do condenado no caso de inexistência de estabelecimento adequado: Sobre a casa do albergado, vide LEP, art. 93 a 95. Antes, durante e depois da reforma penal de 1984, sabia-se da quase inexistência de casas do albergado no Brasil, mesmo nas mais progressistas cidades. O óbvio aconteceu e, atualmente, o regime aberto vem sendo, na maioria das vezes, cumprido sem casa do albergado, na própria casa do condenado, a fim dele não ser prejudicado em função da contumaz inércia do estado, apear da lei o proibir, salvo em hipótese de caráter excepcional (LEP, AR. 117). [...] Jurisprudência – Falta de casas do albergado. A insuficiência delas tem levado os tribunais a contorná-la de diversas maneiras: a) Com prisão-albergue domiciliar: quando o condenado tem direito a iniciar a pena em regime aberto, ou obtém a progressão para esse regime, mas inexistem casas do albergado ou estabelecimentos adequados, ou vagas neles, defere-se o recolhimento na própria casa do condenado, mesmo que este não se ache nas hipóteses previstas pelo art. 117 da LEP (STF, RT 657/373; STJ, RT 667/345; REso em RHC 13.219/MG, j. 29.10.2002, DJU 2.12.2002, p. 370, in RBCCCr 41/357; ReSP 173.663/MG, j. 3.12.98, DJU 22.2.99, p. 123, in RBCCR 26/316; Resp 153.454/DF, j 18.8.98, DJU 21.9.98, p. 235, in RBCCr, 24/334; HC 5.361-RS, J. 2.4.96, dju 13.10.97, p. 51611, in RBCCr 22/319; HC 3.461, DJU 25.4.94, p. 964; RESP 6.855, dju 18.2.91, p. 1044; mv – RHC 903, DJU 18.2.91, p. 1044; TJSP, RT708/306, RJTSP 157/333, AgEx 78.645, J. 5.2.90; mv – RT 686/328; TJPR, HC 708/306, RJTJSP 157/333, AgEx 78.645, j. 5.2.90; mv – RT 686/328; TJPR, HC 455.506-0, j. 20.12.2007, DOE 11.1.2008, IN Bol. IBCCr 184/1160; HC 451.626-1, j. 29.11.2007, DOE 14.12.2007, in Bol. IBCCr 182/1144, PJ 42/199; TJPR, JTAPR 2/308, j. 29.11.2007, DOE 14.12.2007, IN Bol. IBCCr 182/1144; PJ 42/199; TJPR JTAPR 2/308 RT 686/365; TJDF, RDJTJDF 43/340; TJMG, AgEx 1.000.07.461.303-5/0001 (1), J. 12.2.2008, doe 1.3.2008, in Bol. IBCCr nº 185, p. 1168; TJRS, RT 855/686; TACsSP, RJDTACr 19/48 (DELMANTO, Celso. [et al.] Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 231). SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS: As hipóteses que autorizam a substituição da pena corporal por pena restritivas de direitos, previstas no art. 44 do Código Penal, quais sejam: a)- pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos; b)- crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa ou crime culposo; c)- não ser o réu reincidente em crime doloso; e d)- a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do réu serem-lhe favoráveis. Da análise dos autos verifica-se que o denunciado NÃO faz jus à substituição da pena corporal por pena restritiva de direitos, uma vez desatendida a alínea “d”. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS): As hipóteses que autorizam a suspensão condicional da pena (Sursis), previstas no art. 77 do Código Penal, quais sejam: a)- pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos; b)- não ser o réu reincidente em crime doloso; c)- a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; e d)- não seja indicada ou cabível a substituição por pena restritiva de direitos. Da análise dos autos verifica-se que o denunciado NÃO faz jus à substituição da pena corporal por pena restritiva de direitos, uma vez desatendida a alínea “c”. EFEITOS DA CONDENAÇÃO (ART. 91 E 92 DO CP): Não existem efeitos específicos da condenação aqui imposta, a não ser aquele efeito automático previsto no inciso I do art. 91, do Código Penal, ou seja, tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Transitada em julgado esta decisão, e/ou após o trânsito em julgado de eventual recurso: a)- Remetem-se os Autos ao Cartório Contador, para o cálculo das custas processuais e atualização da pena de multa aplicada; b)- Seja lançado o nome do réu no rol dos culpados, nos termos do artigo 393, inciso II do Código de Processo Penal; c)- Oficie-se à Justiça Eleitoral, comunicando a suspensão dos direitos políticos do réu, a teor do inciso III do artigo 15 da Constituição Federal; d) Expeça-se a guia de execução da pena no Sistema SEEU. Concedo a possibilidade do réu de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da presente sentença, salvo se por outro motivo estiver preso, ou fato superveniente autorizar seu ergástulo, servindo esta sentença como alvará de soltura, ante a desproporcionalidade entre o regime inicial da pena aberto e a prisão cautelar similar ao regime fechado. Comunique-se ao Comando da Policia Militar para fiscalizar, na medida de suas atribuições, o cumprimento das medidas impostas ao condenado. Por fim, cadastrem o presente processo e lancem a decisão no Portal do Conselho Nacional de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Custas na forma da Lei. Itapecuru-Mirim/MA, data da assinatura CELSO SERAFIM JÚNIOR Juiz de Direito Titular da 3ª Vara da Comarca de Itapecuru-Mirim/MA
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0804562-84.2021.8.10.0048
ID: 321951965
Tribunal: TJMA
Órgão: 3ª Vara de Itapecuru Mirim
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0804562-84.2021.8.10.0048
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
COMARCA DE ITAPECURU-MIRIM 3ª VARA 0804562-84.2021.8.10.0048 2º Distrito de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim JEAN DA CONCEICAO e outros SENTENÇA Vistos, etc. Relatório. O representante do Ministério …
COMARCA DE ITAPECURU-MIRIM 3ª VARA 0804562-84.2021.8.10.0048 2º Distrito de Polícia Civil de Itapecuru-Mirim JEAN DA CONCEICAO e outros SENTENÇA Vistos, etc. Relatório. O representante do Ministério Público Estadual, lastreado em Inquérito Policial, ofereceu denúncia em desfavor de JEAN DA CONCEIÇÃO, CPF Nº 609.087.453-11, brasileiro, solteiro, estudante, natural de Uberaba/MG, nascido em 23/06/1997, filho de Maria Glória da Conceição, residente na Rua Professor Leonel Amorim, nº 191, Bairro Centro, Itapecuru-Mirim/MA E ADEMAR CABRAL DE SOUSA, CPF Nº 610.942.583-42, brasileiro, solteiro, estudante, natural de Itapecuru-Mirim/MA, nascido em 13/04/1994, filho de Ademar Eurípedes de Sousa e Francisca das Chagas Pereira Cabral, residente na Rua Benjamim Pereira, nº 66, Bairro Roseana Sarney, Itapecuru-Mirim/MA, como incurso nas penas do art. 14 DA LEI 10.826/03. Narra a denúncia em síntese que no dia 30.12.21, Jean da Conceição e Ademar Cabral de Sousa foram presos em flagrante pelo crime do porte de arma de fogo. Segundo consta nos autos, a Força Tática da Polícia Militar realizava rondas na cidade de Itapecuru-Mirim, quando avistaram dois indivíduos, ora denunciados, em uma motocicleta Suzuki, de placa OXY 2987. Relata o condutor que os investigados, ao avistarem a viatura, tentaram empreender fuga. Todavia, durante o acompanhamento tático, perderam o controle do veículo e caíram ao solo. Após alcançar os flagranteados, foram realizadas revistas pessoais em ambos, sendo encontrado com o investigado Ademar uma arma de fogo calibre .32 de número HF 13319,com seis munições, sendo ainda encontradas mais nove munições em seu bolso. Após a apreensão da arma, os investigados foram presos em flagrante, sendo o suspeito Ademar Cabral de Sousa conduzido à DEPOL, enquanto que Jean da Conceição fora encaminhado para um hospital em São Luís, em razão das fraturas relatadas. Em solo policial, o investigado Ademar Cabral de Sousa, em síntese, confessou o porte de arma apreendida, informando que na data dos fatos deslocava-se até a residência de sua mãe, na cidade de Itapecuru-Mirim, acompanhado de Jean da Conceição, quando ao avistarem a Força Tática, empreenderam fuga, vez que tinham ciência que eram procurados pela polícia. Acrescentou, ainda, que durante a fuga, Jean da Conceição era quem pilotava a motocicleta, que ele tinha o conhecimento da arma e, ao perder o controle do veículo, caiu ao solo, vindo a fraturar sua perna esquerda. Por fim, informou o denunciado que portava tal arma para proteção, vez que estava sendo ameaçado de morte. Determinado a citação dos acusados, estes apresentaram defesa prévia, através de Defensor Público. Dando prosseguimento a marcha processual, foi designada audiência de instrução e julgamento, sendo realizado os interrogatórios do Réus em 01/10/2024 , utilizando-se o sistema de gravação audiovisual, nos termos do artigo 405 do CPP e da Resolução nº 105/2010-CNJ e Resolução 16/2012 – TJMA Nas alegações finais da acusação apresentadas em audiência, asseverando os termos iniciais, pugnando pela procedência do pedido e consequentemente a condenação do acusado com a imputação do crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/2003. Alegações finais da defesa, apresentadas também em audiência requerendo a absolvição dos réus. Eis o RELATÓRIO. FUNDAMENTO, consoante exigência do artigo 93, IX da Constituição Federal, à luz da inicial acusatória, defesa preliminar e demais provas coligidas durante a instrução criminal sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Quanto ao interrogatório judicial entendo que é ato processual que proporciona ao acusado a faculdade de apresentar direta e pessoalmente ao juiz sua versão a respeito dos fatos que lhe são imputados. Regra anterior contida no CPP dizia que o silêncio do acusado poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa. Tal disposição fora revogada pelo art. 5º, LXIII, da CF, que assegura ao acusado o direito ao silêncio, base fundamental do que se convencionou denominar “silêncio constitucional” e por isso é facultativa ao mesmo se ater aos fatos. Nessa mesma linha, o art. 8º, II, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada, consagrando assim o princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Em razão do disposto no art. 186 do CPP, depois de qualificado e cientificado quanto aos termos da imputação, antes de iniciar o interrogatório sobre sua conduta sociofamiliar e sobre o mérito, o juiz informará ao acusado do seu direito de permanecer calado e de não responder às perguntas que lhe forem formuladas, não sendo possível no caso concreto, diante de sua ausência ao ato judicial, no entanto não pode trazer prejuízo ao réu. Neste sentido a jurisprudência: “A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a autoincriminação, especialmente quando se tratar de pessoa exposta a atos de persecução penal. O Estado – que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus, como se culpados fossem, antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (RTJ 176/805-806) – também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512), em face da cláusula que lhes garante, constitucionalmente, a prerrogativa contra a autoincriminação. Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, (a) o direito de permanecer em silêncio, (b) o direito de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem de ser constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal (HC 96.219-MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Precedentes. – A invocação da prerrogativa contra a autoincriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza eminentemente constitucional, a adoção de medidas que afetem ou que restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a ‘persecutio criminis’ nem justifica, por igual motivo, a decretação de sua prisão cautelar. – O exercício do direito ao silêncio, que se revela insuscetível de qualquer censura policial e/ou judicial, não pode ser desrespeitado nem desconsiderado pelos órgãos e agentes da persecução penal, porque a prática concreta dessa prerrogativa constitucional – além de não importar em confissão – jamais poderá ser interpretada em prejuízo da defesa. Precedentes” (STF, HC 99.289/RS, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 23-6-2009, DJe 149, de 4-8-2011). A titulo de informação, ao contrário do que ocorre no Direito Processual Civil (CPC/2015, art. 385, § 1º), no processo penal a ausência de resposta por parte do acusado em relação às questões de mérito apresentadas pelo juiz, em hipótese alguma, importará em confissão, tampouco poderá, de qualquer forma, ser interpretada em prejuízo da defesa. Atualmente, não há, no direito processual penal brasileiro, “pena de confesso” nos casos de revelia, fuga ou silêncio no interrogatório. No decorrer da instrução criminal, restou comprovada a materialidade dos fatos imputados ao denunciado, não pairando dúvidas quanto ao evento delituoso, em especial, diante da apreensão da arma e termo de verificação de eficiência de arma de fogo em fls. 23 do id. 58646612. Em que pese nesse aspecto a defesa tenha manifestado pela falta de materialidade delitiva, entendo que tal entendimento não deve prosperar, pois o exame para aferição do funcionamento da arma de fogo não exige específico conhecimento técnico-científico, sendo certo que sua verificação pode ser realizada por policiais civis, capacitados para o manejo e utilização de armas de fogo, ao lado da prescindibilidade de sua realização. No caso, a arma de fogo do tipo revólver cal. 32, numeração HF13319, marca Taurus, cabo em madeira foi periciada por policiais civis que comprovaram a potencialidade lesiva, constando do IP o “auto de exame e eficiência em arma de fogo”. Friso que o exame da arma não revela complexidade e, por isso, não se exigiria conhecimentos técnico-científicos especializados, podendo ser realizado por meio da deflagração das munições pelos policiais civis Assim, de forma inconteste, pelo menos quanto ao crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/03, observa-se que o delito ocorreu, estando cabalmente caracterizada a ocorrência material do fato. Esclareço a defesa, a posse de arma de fogo é a guarda da referida no interior da residência ou do trabalho do próprio agente, e o porte, por sua vez, ocorre quando a arma é levada para fora destes ambientes. Impossível a desclassificação do delito de porte de arma previsto no artigo 14 para as sanções do artigo 12 da Lei nº. 10.826 /03, como pleiteado, quando comprovado que o réu portava a arma em via pública, ainda que dentro do seu veículo. Prejudicado, portanto, o pedido de redimensionamento da pena, ante a não desclassificação do delito de porte de arma de fogo para posse. Resta, no entanto, aferir-se sobre a autoria do delito e responsabilidade penal do réu, para os quais procederei à análise conjunta, cotejando os fatos relacionado a denúncia com as provas carreadas aos autos. O réu, a titulo de informação, e alegado nas derradeiras manifestação da defesa, confessou a prática do crime tipificado no artigo 14 da lei nº 10.826/2003, perante a autoridade policial, afirmando que portava a arma encontrada, no entanto o referido material bélico seria de propriedade do indivíduo conhecido como “Kassio” que se encontrava no recinto da festa. Disse que a utilizava para se defender, conforme depreende-se de seu interrogatório constante em CD audiovisual. Embora a denominação legal do delito (art. 14 da lei 10.826/03) seja “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”, é fácil notar que o texto legal possui abrangência muito maior, já que existem inúmeras outras condutas típicas. Com efeito, as ações nucleares são portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar, que por si só inviabiliza o pedido da defesa no que tange a a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Trata-se, porém, de crime de ação múltipla — também chamado de crime de conteúdo variado ou de tipo misto alternativo — em que a realização de mais de uma conduta típica, em relação ao mesmo objeto material, constitui crime único, na medida em que as diversas ações descritas na lei estão separadas pela conjunção alternativa “ou”. Assim, se o agente adquire e, em seguida, porta a mesma arma de fogo, comete apenas um crime. Tratando-se de arma de uso permitido, estão previstas duas hipóteses na legislação: a posse em residência ou no local de trabalho caracteriza o crime do art. 12, se a arma não for registrada, enquanto o porte, em outros locais, caracteriza o crime do art. 14, se o agente não tiver a devida autorização expedida pela Polícia Federal, ainda que a arma seja registrada, como no caso dos autos. Armas de fogo são os instrumentos que, mediante a utilização da energia proveniente da pólvora, lançam a distância e com grande velocidade os projéteis. Possuem várias espécies, como, por exemplo, revólveres, pistolas, garruchas, espingardas, metralhadoras, granadas etc. O rol das armas de uso permitido, proibido ou restrito é disciplinado em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército (art. 23 do Estatuto). Trata-se, pois, de norma penal em branco. Atualmente, o rol de armas de uso permitido encontra-se no art. 17 do Decreto n. 3.665/2000. Tal dispositivo considera de uso permitido, por exemplo, as armas de fogo curtas (pistolas, revólveres) de repetição ou semiautomáticas de calibres .22 Long Rifle e .22 Short, .25 Auto (ou 6,35 mm ou 6,35 Browning), .32 Auto (ou 7,65 mm ou 7,65 Browning), .32 Short Colt, .38 S&W, .380 Auto Pistol (ou 9 mm Corto ou .380 ACP); as armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semiautomáticas de calibres .22 Long Rifle, .32-20, .38-40, e .44-40; as armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semiautomáticas, calibre 12 ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que 24 polegadas, ou seiscentos e dez milímetros etc. O Decreto utiliza denominações técnicas para descrever tais armas, mas, na prática, o maior número dos crimes envolve a posse de revólveres de calibre nominal 22, 32 ou 38, ou de pistolas de calibre 380 ou 765. No caso concreto, não há dúvida quanto a materialidade do crime, visto o auto de apreensão (revolver calibre 32, com 15 munições), bem como a autoria, já que foram flagranteados pelos policiais no momento em que portavam a arma em seu poder. Noto ainda, com a potencialidade da arma de fogo apreendida restou atestada por exame pericial, dúvidas não pairam sobre as responsabilidades criminais do réu, o qual se encontram incurso nas penas do artigo 14, da Lei nº 10.826/03, face ser um crime de perigo abstrato, muito embora que após o teste, tenha ficado danificada para novos disparos. Portanto, mesmo se houvesse desmuniciado (que não é o caso dos autos) não conduz à atipicidade da conduta, bastando, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, oportunidade em que rejeito a preliminar. Vale frisar que no contexto da legislação penal, a posse ou porte ilegal de arma de fogo é um crime de natureza formal, ou seja, sua consumação independe da ocorrência de um resultado lesivo específico. Quando uma arma de fogo é encontrada em posse conjunta de dois ou mais indivíduos, a imputação do delito pode ser estendida a todos os flagranteados, desde que haja indícios de que tinham ciência e domínio sobre o armamento. O entendimento jurisprudencial e doutrinário aponta que, para a configuração do crime previsto no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), é necessário demonstrar que ambos os agentes detinham a posse ou o porte da arma de maneira compartilhada, caracterizando o chamado concurso de agentes. Dessa forma, ainda que a arma esteja sob a posse direta de apenas um dos flagranteados, o outro pode ser igualmente responsabilizado se houver elementos que indiquem sua participação ou anuência. Nesse sentido, se restar comprovado que os envolvidos tinham ciência da presença da arma e exerciam, ainda que de forma indireta, o controle sobre ela, ambos poderão responder pelo crime de porte ilegal de arma de fogo. A análise das circunstâncias do flagrante, dos depoimentos e demais provas colhidas no inquérito será fundamental para a individualização da conduta e eventual responsabilização penal. Dessa forma, a posse conjunta da arma de fogo pelos flagranteados pode ensejar a imputação do crime a ambos, nos termos da legislação vigente e da interpretação consolidada nos tribunais. Quanto a atenuante da confissão espontânea, o denunciado confessou espontaneamente a prática do crime de porte ilegal de arma de fogo, perante a autoridade policial, razão pela qual devem ser beneficiados pela atenuante contida na parte geral do Código Penal. Prescreve o artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, que a confissão espontânea da autoria do crime, perante autoridade, é circunstância que sempre atua a pena. Assim, a princípio, entende-se que se o agente confessar espontaneamente a autoria do fato delituoso, em presença de autoridade, faz jus à circunstância legal genérica de redução de pena. Confessar significa “Declarar (o acusado) sua responsabilidade em crime que lhe é atribuído” (GUIMARÃES, p. 195). É, em outras palavras, o reconhecimento do agente pela prática de algum fato. Para NUCCI, “Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, (...) a prática de algum fato criminoso” (p. 253/254). No entanto, para a maioria, não basta que haja a confissão. Deve ela ser espontânea. Via de regra, nos casos em que há retratação do agente, não incide a atenuante genérica, salvo se a confissão anterior for utilizada para a elucidação da autoria delitiva. Assim sendo, no caso de o acusado ter confessado o crime no inquérito policial e vier a se retratar em juízo, em tese, não é cabível a benesse. Entretanto, se mesmo havendo a retratação, o julgador (leia-se magistrado) utilizar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, há que se levar em consideração essa circunstância legal na dosimetria da pena. Em suma: “a confissão extrajudicial regularmente testemunhada, não obstante retrata (sic) em juízo, mas corroborada pelos elementos de provas coletados na fase judicial, quando elevada em consideração pelo julgador na sentença, deverá ser considerada como um dos elementos que embasaram a condenação, o que conduz a necessidade de seu reconhecimento como uma circunstância atenuadora da pena” (SCHMITT, p. 148). A propósito, já se decidiu que “Há evidente ilegalidade se o Tribunal de origem utilizou a confissão extrajudicial do paciente para embasar a condenação concluindo que a retratação feita em juízo era dissonante das demais provas, mas deixou de reconhecer a atenuante genérica da confissão espontânea, (...)” (STJ. HC 112.623/MG. Rel. Maria Thereza de Assis Moura. T6. DJe 15.06.2011). E também: “Se a confissão extrajudicial dos agentes é utilizada como fundamento para embasar e manter a conclusão condenatória (...) a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada, sendo irrelevante a retratação ocorrida na fase do contraditório” (STJ. HC 107.310/SP. Rel. Jorge Mussi. T5. DJe 24.08.2009). Com relação à confissão quando da ocorrência de prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos a fim de elucidar a autoria, “A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça considera que o flagrante não impede se reconheça a atenuante da confissão” (STJ. AgRg no REsp 816.375/MS. Rel. Celso Limongi. T6. DJe 02.05.2011). No mesmo sentido: STF. HC 77.653/MS. Rel. Ilmar Galvão. T1. Julg. 17.11.1998; STJ. HC 68.010/MS. Rel. Laurita Vaz. Julg. 27.03.2008. No caso dos autos, ainda conta o depoimento dos policiais militares que prenderam em flagrante delito os réus, que disseram, de forma uníssona que durante ronda da equipe de foram avistados dois indivíduos em uma motocicleta em atitudes suspeitas. Ao perceberem a presença da viatura, os suspeitos tentaram fugir, mas foram perseguidos e perderam o controle do veículo, caindo ao solo. Após abordagem e revista pessoal, foi encontrado com Ademar um revólver calibre 32, numeração HF13319, carregado com seis munições, além de nove munições intactas em seu bolso. Em seguida, foi solicitado apoio para prestar socorro aos conduzidos, sendo Jean da Conceição encaminhado ao hospital. Observo que o depoimento de policiais pode ser utilizado como forma de fundamentar um decreto condenatório, não havendo nenhum impedimento neste sentido, ainda mais quando corroborado pelas demais provas dos autos e colhido observadas as garantias do devido processo legal e do contraditório. Isso porque os policiais são agentes do Estado contratados para exercer a função de repressão ao crime e garantir a segurança pública, não sendo lógico que sejam impedidos de prestar depoimento acerca dos fatos que presenciaram. A simples condição de ser policial não se traduz na sua automática suspeição ou na absoluta imprestabilidade de suas informações, já que o policial é ouvido como qualquer testemunha, observadas às disposições legais. Neste sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ABSOLVIÇÃO. PRETENSÃO. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. POLICIAIS. TESTEMUNHO. POSSIBILIDADE. 1. O Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, entendeu comprovada a autoria delitiva. 2. Induvidoso que a análise do pedido de absolvição implicaria incursão em matéria probatória, medida defesa em sede de recurso especial, ante o que preceitua a Súmula 7 desta Corte. 3. Os depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante constituem prova idônea, como a de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita, notadamente quando prestados em juízo sob o crivo do contraditório, aliado ao fato de estarem em consonância com o conjunto probatório dos autos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no AREsp: 338041 DF 2013/0163386-4, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 03/09/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2013). ______________________________________ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL CORROBORADA POR ELEMENTOS IDÔNEOS COLHIDOS NA FASE INSTRUTÓRIA. DEPOIMENTOS POLICIAIS. POSSIBILIDADE. CONSONÂNCIA COM DEMAIS PROVAS. INOVAÇÃO PROCESSUAL. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não viola o Princípio da Colegialidade a apreciação unipessoal pelo Relator do mérito do recurso especial, quando obedecidos todos os requisitos para a sua admissibilidade, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil, aplicado analogicamente, bem como do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, observada a jurisprudência dominante desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal. Com a interposição do agravo regimental fica superada eventual violação ao referido princípio, em razão da reapreciação da matéria pelo órgão colegiado. 2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é plenamente possível a condenação baseada em confissão extrajudicial retratada em juízo, desde que corroborada por outros depoimentos colhidos na fase instrutória, sendo exatamente esse o caso dos autos. 3. Hipótese em que a condenação do recorrente não foi pautada unicamente na sua confissão extrajudicial (retratada em juízo), uma vez que tal prova não ficou isolada nos autos, estando suficientemente comprovada sua responsabilidade penal. 4. A jurisprudência desta Corte entende que os depoimentos de policiais constituem prova idônea, como a de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita, notadamente quando prestados em juízo sob o crivo do contraditório, aliado ao fato de estarem em consonância com o conjunto probatório dos autos, como ocorre in casu. 5. Não é possível, em agravo regimental, analisar questões somente arguidas nas suas razões, por caracterizar inovação de fundamentos. 6. Agravo regimental não provido.(STJ , Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/10/2013, T5 - QUINTA TURMA) Ex positis, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal consubstanciada na postulação ministerial em face do réu JEAN DA CONCEIÇÃO e ADEMAR CABRAL DE SOUSA , brasileiro, natural de Axixá, como incurso nas penas do art. 14 DA LEI 10.826/03, e o condeno às penas do preceito secundário do tipo, a qual passo a dosar, individualmente, observando inicialmente as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal de uma só vez, ante se encontrarem na mesma situação: CULPABILIDADE: Impõe-se que se examine aqui a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, a maior ou menor reprovabilidade do comportamento praticado, não se esquecendo, porém, a realidade concreta em que ocorreu o crime, especialmente a maior ou menor exigibilidade de outra conduta. O dolo que agora se encontra localizado no tipo penal pode e deve ser aqui considerado para avaliar o grau de censurabilidade da ação tida como típica e antijurídica: quanto mais intenso o dolo, maior será a censura; quanto menor a sua intensidade, menor será a censura. O crime praticado foi com dolo direto de primeiro grau. A culpabilidade ultrapassou o tipo legalmente previstoNo caso em apreço, a culpabilidade dos agentes deve ser valorada negativamente, considerando-se a maior reprovabilidade da conduta decorrente do concurso de pessoas. O porte ilegal de arma de fogo já configura, por si só, uma infração de relevante potencial lesivo à segurança pública. No entanto, quando praticado por mais de um indivíduo em contexto de associação para a prática delitiva, há um evidente incremento na gravidade da infração. O concurso de pessoas evidencia uma maior organização e potencial ofensivo dos agentes, aumentando os riscos à ordem pública e à integridade de terceiros. A divisão de tarefas entre os envolvidos demonstra um maior planejamento e consciência da ilicitude, o que reforça o juízo negativo da culpabilidade. Além disso, a cooperação entre os agentes sugere uma maior audácia e propensão à reiteração criminosa, aspectos que devem ser considerados para fins de agravamento da pena. Dessa forma, o envolvimento de mais de um agente na posse e no porte ilegal de arma de fogo deve ser interpretado como fator que agrava a conduta criminosa, justificando uma reprimenda mais severa, compatível com o maior grau de reprovabilidade dos fatos narrados. ANTECEDENTES: Por antecedentes se devem entender a vida anteacta do réu, nesse aspecto o réu ao tempo do crime eram considerados primários. CONDUTA SOCIAL: Deve-se analisar o conjunto do comportamento do agente em seu meio social, na família, na sociedade, na empresa, na associação de bairro e etc. Nada foi demonstrado a esse respeito. PERSONALIDADE DO AGENTE: Entendo que deve ser compreendida como síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo, na feliz expressão de Nelson Hungria trata-se do "exame do homem total, corpo e alma". Nesta análise da personalidade deve verificar sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constituiu um episódio acidental na vida do réu. Durante o processo não foram colhidos elementos que atestem a personalidade do réu voltada para o crime. MOTIVOS DO CRIME: Na clássica definição de Alta Villa motivos são "os precedentes causais de caráter psicológico da ação". Os motivos constituem a fonte propulsora da vontade criminosa. Não há crime gratuito ou sem motivos. Para a dosagem da pena é fundamental considerar a natureza e qualidade dos motivos que levaram o indivíduo à prática do crime. Durante o processo não ficaram evidenciados os verdadeiros motivos do crime. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: "Entende-se por circunstâncias os elementos acidentais do delito, ou seja, aqueles que não são elementos constitutivos do tipo, afetando apenas a gravidade do crime", segundo a definição de Heleno Cláudio Fragoso. Conforme defluem do próprio fato delituoso, tais como forma e natureza da ação delituosa, os tipos e meios utilizados, objeto, tempo, lugar, forma de execução, a atitude ou estado de ânimo do réu antes, durante ou depois do crime, e outros semelhantes. Considerando que que os réus tentaram se evadir do local dos fatos, desobedecendo os comandos dos policiais militares. A fuga ocorreu em uma motocicleta em via pública, aumentando consideravelmente o risco de acidente, colocando em perigo a vida e a integridade física não apenas dos próprios acusados, mas também de terceiros inocentes. Tal conduta revela um grau acentuado de desrespeito às autoridades e um intento claro de frustrar a ação policial, tornando o fato ainda mais reprovável, deve tá l circunstância ser valorada negativamente.. CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME: Referem-se, na verdade, analisar, consoante ensina Damásio Evangelista de Jesus, "à maior ou menor intensidade da lesão jurídica causada pela infração penal à vítima ou a terceiros", a maior ou menor danosidade decorrente da ação delituosa praticada ou o maior ou menor alarme social provocado, isto é, a maior ou menor irradiação de resultados, não necessariamente típicos, do crime, e nesse aspecto o delito não deixou consequências além das consequências diretas decorrentes da ação. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: A doutrina entende que o comportamento da vítima pode contribuir para fazer surgir, estimular no delinquente o impulso delitivo. Analisadas todas as circunstâncias judiciais, constatando que não existe circunstância judicial desfavorável, é de se fixar à pena base em 2 anos, 6 meses de reclusão. Passo agora a considerar, de acordo com o artigo 68 caput do Código Penal, assim entendidas as atenuantes genéricas constantes do artigo 65 do Código Penal, e as circunstâncias agravantes, elencadas nos arts. 61 e 62 do mesmo Código. Não vislumbro a existência de nenhuma agravante. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES e AGRAVANTES: considerando a confissão dos réus fixo a pena em 2 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão. Por derradeiro, passo a terceira fase da aplicação da pena, considerando as CAUSAS DE AUMENTO (MAJORANTES): Não Há causas de aumento da parte especial do Código Penal. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO (MINORANTES): Não há causas de diminuição da parte especial do Código Penal. CAUSAS DE AUMENTO DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL: Não há causas de aumento da parte geral do Código Penal. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL: Não há causas de diminuição da parte geral do Código Penal. MULTA: Está prevista cumulativamente no preceito secundário do tipo penal, razão pela qual, passo a aplicá-la. A pena de multa será fixada em duas fases distintas. Na primeira fase, deve ser a multa fixada proporcionalmente à gravidade do tipo de crime praticado e às circunstâncias que foram levadas em conta na fixação da pena corporal. A pena na primeira fase não será fixada em unidades monetárias, mas em uma unidade denominada dia-multa, e o valor do dia-multa será estabelecido na segunda fase de fixação da pena pecuniária com base na condição socioeconômica do réu. Para o tipo penal em tela, o número de dias-multa varia de 10 a 360 dias-multa. Fixo a pena de multa no presente caso em 45 (quarenta e cinco) dias-multa, expressão da estrita proporcionalidade com a pena de reclusão imposta. Fixados na primeira fase, o número de dias-multa a serem pagos, caberá ao juiz, na segunda fase, a fixação do valor unitário de cada um destes dias-multa. Levando em conta a capacidade socioeconômica do agente, fixo o dia-multa em 1/30 avos do salário mínimo nacional vigente à época do ilícito. PENA DEFINITIVA: Sopesados todos os argumentos, condeno o réu JEAN DA CONCEIÇÃO e ADEMAR CABRAL DE SOUSA, como incurso nas penas do art. 14 DA LEI 10.826/03, em 2 anos, 1 mês de reclusão e 45 (quarenta e cinco) dias-multa, considerado o valor de 1/30 avos do salário mínimo nacional, que deve ser corrigida monetariamente desde a data do crime, até o efetivo pagamento. DETRAÇÃO: observando as inovações trazidas pela Lei nº 12.736/2012 ao Código de Processo Penal, no parágrafo 2º do seu artigo 387, "O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade", verifico que eu período ergastulado pelo agente em nada vai alterar o regime inicial da pena. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA: Considerando que o réu foi condenado a uma pena inferior a 04 anos de reclusão, sendo considerado tecnicamente primário, o regime de cumprimento da pena será inicialmente o aberto, a teor do art. 33, § 2º, “c” e § 3º, do Código Penal, devendo ser cumprido na residência do réu, ante a ausência de casa de albergado ou estabelecimento adequado nesta Comarca. Ressalta-se o magistério de Celso Delmanto, o qual, lastreado em exaustiva análise jurisprudencial, indica que o cumprimento da pena em regime aberto deve ser realizado na casa do condenado no caso de inexistência de estabelecimento adequado: Sobre a casa do albergado, vide LEP, art. 93 a 95. Antes, durante e depois da reforma penal de 1984, sabia-se da quase inexistência de casas do albergado no Brasil, mesmo nas mais progressistas cidades. O óbvio aconteceu e, atualmente, o regime aberto vem sendo, na maioria das vezes, cumprido sem casa do albergado, na própria casa do condenado, a fim dele não ser prejudicado em função da contumaz inércia do estado, apear da lei o proibir, salvo em hipótese de caráter excepcional (LEP, AR. 117). [...] Jurisprudência – Falta de casas do albergado. A insuficiência delas tem levado os tribunais a contorná-la de diversas maneiras: a) Com prisão-albergue domiciliar: quando o condenado tem direito a iniciar a pena em regime aberto, ou obtém a progressão para esse regime, mas inexistem casas do albergado ou estabelecimentos adequados, ou vagas neles, defere-se o recolhimento na própria casa do condenado, mesmo que este não se ache nas hipóteses previstas pelo art. 117 da LEP (STF, RT 657/373; STJ, RT 667/345; REso em RHC 13.219/MG, j. 29.10.2002, DJU 2.12.2002, p. 370, in RBCCCr 41/357; ReSP 173.663/MG, j. 3.12.98, DJU 22.2.99, p. 123, in RBCCR 26/316; Resp 153.454/DF, j 18.8.98, DJU 21.9.98, p. 235, in RBCCr, 24/334; HC 5.361-RS, J. 2.4.96, dju 13.10.97, p. 51611, in RBCCr 22/319; HC 3.461, DJU 25.4.94, p. 964; RESP 6.855, dju 18.2.91, p. 1044; mv – RHC 903, DJU 18.2.91, p. 1044; TJSP, RT708/306, RJTSP 157/333, AgEx 78.645, J. 5.2.90; mv – RT 686/328; TJPR, HC 708/306, RJTJSP 157/333, AgEx 78.645, j. 5.2.90; mv – RT 686/328; TJPR, HC 455.506-0, j. 20.12.2007, DOE 11.1.2008, IN Bol. IBCCr 184/1160; HC 451.626-1, j. 29.11.2007, DOE 14.12.2007, in Bol. IBCCr 182/1144, PJ 42/199; TJPR, JTAPR 2/308, j. 29.11.2007, DOE 14.12.2007, IN Bol. IBCCr 182/1144; PJ 42/199; TJPR JTAPR 2/308 RT 686/365; TJDF, RDJTJDF 43/340; TJMG, AgEx 1.000.07.461.303-5/0001 (1), J. 12.2.2008, doe 1.3.2008, in Bol. IBCCr nº 185, p. 1168; TJRS, RT 855/686; TACsSP, RJDTACr 19/48 (DELMANTO, Celso. [et al.] Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 231). SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS: As hipóteses que autorizam a substituição da pena corporal por pena restritivas de direitos, previstas no art. 44 do Código Penal, quais sejam: a)- pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos; b)- crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa ou crime culposo; c)- não ser o réu reincidente em crime doloso; e d)- a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do réu serem-lhe favoráveis. Da análise dos autos verifica-se que o denunciado NÃO faz jus à substituição da pena corporal por pena restritiva de direitos, uma vez desatendida a alínea “d”. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS): As hipóteses que autorizam a suspensão condicional da pena (Sursis), previstas no art. 77 do Código Penal, quais sejam: a)- pena privativa de liberdade não superior a 2 (dois) anos; b)- não ser o réu reincidente em crime doloso; c)- a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; e d)- não seja indicada ou cabível a substituição por pena restritiva de direitos. Da análise dos autos verifica-se que o denunciado NÃO faz jus à substituição da pena corporal por pena restritiva de direitos, uma vez desatendida a alínea “c”. EFEITOS DA CONDENAÇÃO (ART. 91 E 92 DO CP): Não existem efeitos específicos da condenação aqui imposta, a não ser aquele efeito automático previsto no inciso I do art. 91, do Código Penal, ou seja, tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Transitada em julgado esta decisão, e/ou após o trânsito em julgado de eventual recurso: a)- Remetem-se os Autos ao Cartório Contador, para o cálculo das custas processuais e atualização da pena de multa aplicada; b)- Seja lançado o nome do réu no rol dos culpados, nos termos do artigo 393, inciso II do Código de Processo Penal; c)- Oficie-se à Justiça Eleitoral, comunicando a suspensão dos direitos políticos do réu, a teor do inciso III do artigo 15 da Constituição Federal; d) Expeça-se a guia de execução da pena no Sistema SEEU. Concedo a possibilidade do réu de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da presente sentença, salvo se por outro motivo estiver preso, ou fato superveniente autorizar seu ergástulo, servindo esta sentença como alvará de soltura, ante a desproporcionalidade entre o regime inicial da pena aberto e a prisão cautelar similar ao regime fechado. Comunique-se ao Comando da Policia Militar para fiscalizar, na medida de suas atribuições, o cumprimento das medidas impostas ao condenado. Por fim, cadastrem o presente processo e lancem a decisão no Portal do Conselho Nacional de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Custas na forma da Lei. Itapecuru-Mirim/MA, data da assinatura CELSO SERAFIM JÚNIOR Juiz de Direito Titular da 3ª Vara da Comarca de Itapecuru-Mirim/MA
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0002104-83.2010.8.10.0058
ID: 309202542
Tribunal: TJMA
Órgão: 2ª Vara Criminal de São José de Ribamar
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0002104-83.2010.8.10.0058
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DA ILHA DE SÃO LUÍS TERMO JUDICIÁRIO DE SÃO JOSÉ DE RIBAMAR SEGUNDA VARA CRIMINAL Processo nº 0002104-83.2010.8.10.0058 (20072010) AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCI…
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DA ILHA DE SÃO LUÍS TERMO JUDICIÁRIO DE SÃO JOSÉ DE RIBAMAR SEGUNDA VARA CRIMINAL Processo nº 0002104-83.2010.8.10.0058 (20072010) AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO MARANHÃO Réu: WELTE DOS SANTOS SOUZA, vulgo “Dodô” – assistido pela Defensoria Pública do Maranhão. Vítima: JOCELIO TAVARES SERRAO, conhecido como “Puiuca”. DECISÃO DE PRONÚNCIA Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em desfavor de WELTE DOS SANTOS SOUZA, vulgo "Dodô", já qualificado nos autos, acusado da prática de homicídio qualificado contra JOCELIO TAVARES SERRÃO, crime tipificado no art. 121, §2º, inc. IV, do Código Penal. Quanto aos fatos, narra a denúncia (ID 70064520 - Pág. 28): “[...] No dia 14 de agosto do ano em curso, o indigitado praticou crime de homicídio em face de JOCÉLIO TAVARES SERRÃO mediante disparo de arma de fogo em via pública, no Parque Jair, neste Município. Segundo consta, no dia 12 de agosto do ano em curso, por volta das 09h, WELTE DOS SANTOS, vulgo DODÓ, ora denunciado, deixou a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais) em cima da mesa da cozinha para as despesas do lar, em seguida saiu de casa para dar uma volta. Quando retornou, por volta das 20h, o indigitado não viu o dinheiro, ocasião em que perguntou para a sua esposa se a mesma havia pegado, ao que esta respondeu que não. Em uma conversa informal na porta de casa, DODÓ ficou sabendo que JOCIEL TAVARES SERRÃO, conhecido como TABAJARA, tinha sido visto saindo do seu quintal. No dia seguinte, o denunciado foi até a casa do suposto ladrão esclarecer a história, oportunidade em que TABAJARA confirmou a autoria do furto e disse que no dia 14/08/2010 iria devolver a quantia furtada. No fatídico dia, por volta das 19h, DODÓ se armou com um revólver calibre 38 e foi até a casa de TABAJARA resgatar a quantia furtada, ocasião em que o encontrou na companhia de seu tio CLAUDIO LUCIO SERRÃO, vulgo SENHOR, e seu irmão JOCELIO TAVARES SERRÃO, vulgo “PUIUCA”, ora vítima. Nos fatos que se seguem, DODÓ, de arma em punho, seguiu ao encontro de TABAJARA, que saiu em desembalada carreira, juntamente com “PUIUCA”. Na sequência, a vítima voltou para buscar sua bicicleta que deixou na casa de seu irmão, ocasião em que foi emboscado por DODÓ, que pensando tratar-se de “TABAJARA", disparou um tiro que atingiu a barriga da vítima, a qual caiu mortalmente ferida. Em seguida, o indigitado empreendeu fuga, tomando rumo ignorado, enquanto a vítima foi levada para o hospital Socorrão II, onde não resistiu ao ferimento, vindo a óbito por volta das 3h do dia seguinte.” A denúncia veio instruída com o Inquérito Policial nº 031/2010 – Parque Vitória que foi instaurado mediante portaria, com base na ocorrência nº 4705/2010 (ID 70064518 - Pág. 17). Certidão de óbito da vítima (ID 70064518 - Pág. 22). Exame cadavérico nº 10418/2010 (ID 70064518 - Pág. 45), que concluiu que a causa da morte da vítima foi “choque hemorrágico por lesão de vasos e vísceras abdominais por projétil de arma de fogo”. Termos de declarações prestadas por Domingos Nogueira Machado, vulgo "Bigode" (ID 70064518 - Pág. 18); Lourença Serrão Nascimento (ID 70064518 - Pág. 33); Klicia Rodrigues (ID 70064518 - Pág. 35); Claudio Lucio Serrão Santos, vulgo "Senhor" (ID 70064518 - Pág. 40) e Jociel Tavares Serrão, conhecido como "Tabajara" (ID 70064518 - Pág. 51). O acusado WELTE DOS SANTOS SOUZA foi interrogado pela autoridade policial em 18/08/2010 (ID 70064518 - Pág. 24). Documento de identidade e CPF do acusado juntado ao ID 70064518 - Pág. 31. O relatório policial concluiu pelo indiciamento do inculpado pela prática do crime de homicídio qualificado previsto no art. 121, §2º, incs. II e IV, do CP. Na ocasião, a autoridade policial representou pela decretação da prisão preventiva do ora acusado (ID 70064518 - Pág. 57). Denúncia recebida em 16/12/2010 (ID 70175758 - Pág. 75). O acusado foi regularmente citado (ID 70064518 - Pág. 83) e, após, apresentou resposta à acusação por intermédio de advogado constituído, oportunidade em que requereu a gratuidade de justiça (ID 70064520 - Pág. 35 c/c ID 70064519 - Pág. 3). Na audiência de instrução aberta em 02/12/2011, estavam presentes as testemunhas Domingos Nogueira Machado, vulgo "Bigode", Klicia Rodrigues, Lourença Serrão Nascimento e Waldemir Silva Menezes. Todavia, ante a ausência justificada do promotor de justiça, o ato foi redesignado (ID 70064519 - Pág. 24). Em 04/12/2012, a testemunha Jociel Tavares Serrão foi inquirida em juízo, por intermédio de carta precatória, conforme ata de audiência (ID 70064519 - Pág. 64) e termo da transcrição de depoimento prestado (ID 70064519 - Pág. 65). O acusado passou a ser assistido pela Defensoria Pública, que se habilitou nos autos (ID 70064520 - Pág. 67). Na audiência de instrução realizada em 09/10/2019, estavam presentes o acusado e a testemunha Domingos Nogueira Machado. Ausentes as testemunhas Klicia Rodrigues, Lourença Serrão Nascimento e Claudio Lucio Serrão Santos. Na oportunidade, foi ouvida a testemunha Domingos e, ao final, a acusação insistiu na oitiva dos ausentes (ID 70064520 – Pág. 83). O Ministério Público desistiu da oitiva da testemunha Klicia Rodrigues ante o esgotamento dos meios para sua localização (ID 70064521 - Pág. 7). A audiência de instrução em continuação foi realizada no dia 04/02/2020, ocasião em foi decretada a revelia do acusado em razão da sua ausência injustificada e, ato contínuo, foi ouvida a testemunha presente (Lourença Serrão Nascimento). No ato, o Ministério Público insistiu na oitiva da testemunha ausente, Cláudio Lúcio Serrão Dos Santos (ID 70064521 - Pág. 8). Em 17/04/2024, aberta a audiência, constatou-se a ausência da testemunha Cláudio Lúcio Serrão Santos, não localizada para intimação, razão pela qual o Ministério Público requereu prazo para apresentação de novo endereço (ID 117079057). O Parquet desistiu da oitiva da testemunha Cláudio Lúcio Serrão Santos em função do esgotamento de todos os meios possíveis para a obtenção de seu paradeiro atualizado sem que, contudo, tenham sido obtidos novos elementos de informação (ID 118673544). Audiência em continuação aberta no dia 25/06/2024 para fins de realização do interrogatório do acusado, todavia, o acusado e seu defensor informaram que aquele se reservaria ao direito de permanecer em silêncio e que não responderia a nenhuma pergunta em relação aos fatos (ID 122707717). Diante de falha técnica na gravação audiovisual do depoimento da testemunha Domingos Nogueira Machado, no intervalo de 08h00 a 11h31, foi designada nova audiência para sua reinquirição (ID 127504446 c/c ID 134809764). Em 11/12/2024, a testemunha Domingos Nogueira Machado foi ouvida novamente em juízo. Na sequência, o acusado reafirmou o exercício do direito constitucional ao silêncio (ID 136856309). O Ministério Público Estadual ofereceu alegações finais pugnando pela pronúncia do acusado nos termos do art. 121, §2º, inc. IV, do CP (ID 143608492). Em suas alegações finais, o inculpado requereu, através da Defensoria Pública do Maranhão, a impronúncia (art. 414 do CPP) fundamentada na ausência de indícios suficientes de autoria e, subsidiariamente, o afastamento da qualificadora do delito de homicídio (ID 145884074). É o relatório. Decido. I – DA IMPUTAÇÃO PENAL O inculpado WELTE DOS SANTOS SOUZA, conhecido como "Dodô", foi denunciado pela suposta prática do crime de homicídio qualificado previsto no art. 121, §2º, inc. IV, do Código Penal: Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. […] § 2° Se o homicídio é cometido: […] IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; […] Pena - reclusão, de doze a trinta anos. II – DA PRONÚNCIA Cumpre registrar, inicialmente, que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea 'd', atribui ao Tribunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, assim definidos no Código Penal, devendo o magistrado, após o encerramento da fase preliminar, efetuar mero juízo de admissibilidade da acusação. Assim, finda a instrução processual, o julgador monocrático deve adotar uma das possibilidades expostas no Código de Processo Penal: a pronúncia (art. 413), caso se convença da existência do crime e de indícios suficientes de autoria; a impronúncia (art. 414), quando não se convencer da materialidade do crime ou da existência de indícios suficientes de autoria; a desclassificação (art. 419), caso se convença da existência de crime diverso daquele da competência do Tribunal do Júri; ou a absolvição sumária (art. 415), quando comprovada alguma circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu. Imperioso destacar que a impronúncia, a desclassificação ou a absolvição sumária só podem decorrer de uma convicção plena e inconteste do magistrado, pois nessa fase basta a existência de indícios suficientes de autoria para o prosseguimento do feito perante o Tribunal do Júri, não se exigindo o mesmo juízo de certeza necessário para uma condenação criminal. In casu, é inconteste o cumprimento do requisito da materialidade, pois o exame cadavérico nº 10418/2010 (ID 70064518 - Pág. 45) e a certidão de óbito da vítima (ID 70064518 - Pág. 22) demonstram que a causa da morte do ofendido, Jocelio Tavares Serrão, foi “[…] choque hemorrágico por lesão de vasos e vísceras abdominais por projétil de arma de fogo”. Em juízo, foram produzidas provas que trazem indícios suficientes da autoria que recai sobre o acusado, senão vejamos. A testemunha Domingos Nogueira Machado, vulgo "Bigode", disse: a) não sabe o horário dos fatos, pois não presenciou o ocorrido; b) “pela manhã”, surgiram notícias de que “haviam matado um” e ouviu dizer que o autor foi o “Dodô”; c) ouviu dizer que o crime aconteceu fora da casa do “Tabajara”; d) nunca ouviu dizer que “Dodô” era envolvido em crime ou facção. A testemunha Lourença Serrão Nascimento, tia da vítima, declarou: a) soube da morte no dia seguinte aos fatos; b) estava em casa quando uma ambulância do Socorrão II chegou, lhe perguntaram se era tia da vítima e lhe comunicaram que ele faleceu em razão de ter sido baleado no Parque Jair, pela noite, no dia 14; c) foi registrar ocorrência na delegacia e, em seguida, foi reconhecer o corpo no hospital; d) ouviu dizer que quem matou seu sobrinho foi um indivíduo conhecido como “Dodô”, mas não o conhece; e) quando foi dar seu depoimento na delegacia, soube que o autor foi “Dodô”; f) Jocelio era um menino calmo e que não se envolvia em confusão, gostava de jogar bola e trabalhar, […] na época, tinha uma filha de 06 (seis) meses de idade e não era envolvido com drogas; g) na época dos fatos, a vítima morava com uma mulher chamada Klicia, mas não acha que ela teve algo a ver com a morte dele, pois ela estava “quase que parida em casa”; h) antes de saber da morte de Jocelio, Klicia já havia lhe contado que ele havia sido baleado; i) seu outro sobrinho Jociel, vulgo “Tabajara”, também faleceu, foi assassinado em um interior posteriormente; j) ouviu do próprio Dodô, na delegacia, que Tabajara lhe devia R$ 50,00; k) Dodô foi à delegacia prestar depoimento na companhia de advogado enquanto a declarante também estava lá para ser ouvida, pois estava como “responsável” da vítima menor de idade; l) ouviu a confissão do “Dodô”, ele disse que a confusão foi por causa de R$ 50,00 e que Jocelio foi morto por engano; m) na ocasião, também ouviu que Jocelio havia dito para Dodô que pagaria o dinheiro que Jociel estava devendo, mas que teria que ir buscar em casa; n) ouviu dizer que Dodô falou que não aceitaria assim, pois ele queria receber o dinheiro naquele momento e, caso Jociel não pagasse logo, o irmão pagaria com a vida; o) esse foi o depoimento prestado por Dodô; p) soube que eles (Jociel e Jocelio) correram após o Dodô falar, mas Jocelio retornou ao local para buscar sua bicicleta e acabou sendo morto por engano; q) […] na delegacia, não ficou na mesma sala do interrogatório do acusado, mas ficou em uma sala próxima e conseguiu ouvir o depoimento dele; r) […] naquela época, Tabajara estava mexendo com coisas alheias, cometendo furtos/roubos. Embora as testemunhas Domingos e Lourença não tenham presenciado os fatos, cumpre destacar que a Sra. Lourença declarou, sob o compromisso legal previsto no art. 203 do Código de Processo Penal e sob as penas do art. 242 do Código Penal, que ouviu, pessoalmente, o acusado confessar a autoria do disparo de arma de fogo durante a fase inquisitorial. Ressaltou, ainda, que o imputado se encontrava acompanhado por advogado na ocasião, circunstância corroborada pelo termo de interrogatório de ID 70064518 - Pág. 24 e relatório policial de ID 70064518 - Pág. 58. Outrossim, nos termos do depoimento juntado ao ID 70064519 - Pág. 65, a testemunha JOCIEL TAVARES SERRÃO, vulgo “Tabajara”, irmão da vítima, foi inquirida em juízo, ocasião em que afirmou que presenciou o acusado chegando armado em sua residência: a) não se recorda do dia nem do ano exato em que ocorreram os fatos, mas foi num sábado; b) seu irmão, Jocélio, teve um relacionamento com a namorada de Dodô; c) Jocélio e Dodô haviam discutido anteriormente aos fatos que culminaram na morte da vítima; d) a discussão se deu por causa da disputa envolvendo a namorada de Dodô; e) Dodô foi até a porta de sua residência e efetuou um disparo contra seu irmão, Jocélio. f) […] nunca pegou dinheiro de Dodô; g) no momento dos fatos, também se encontrava em sua residência um homem chamado Cláudio Lúcio, conhecido como “Senhor”. h) ao ver Dodô chegar armado, saiu correndo junto com a vítima; i) aproximadamente vinte minutos depois, retornou à sua casa e, nesse momento, seu irmão, a vítima, também retornou para pegar sua bicicleta; j) nessa ocasião, Dodô apareceu e efetuou um disparo que atingiu a região abdominal da vítima; k) após verificar que seu irmão havia sido baleado, providenciou sua ida ao Hospital Socorrão II, onde ele veio a falecer horas depois. Por fim, o acusado WELTE DOS SANTOS SOUZA, vulgo "Dodô", durante a instrução processual, optou por permanecer em silêncio. É certo que, no decorrer da instrução criminal, houve algumas aparentes divergências entre os depoimentos prestados pelas testemunhas Jociel Tavares Serrão (vulgo “Tabajara”) e Lourença Serrão Nascimento, no que se refere, em tese, à motivação do crime e à identidade do suposto “alvo inicial” (Jociel ou Jocélio) do disparo. Ocorre que tais divergências não possuem o condão de afastar os indícios suficientes de autoria constantes nos autos, os quais autorizam a submissão do acusado ao julgamento pelo Tribunal Popular do Júri ante a morte da vítima Jocélio por disparo de projétil de arma de fogo. Importa destacar o previsto no art. 20, §3º, do CP: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”. A lição de NUCCI[i] exemplifica o supracitado dispositivo legal: “[...] É esse o sentido do §3º. do art. 20: se o agente, pretendendo matar A, confunde-o com B, alvejando mortalmente este último, responde normalmente por homicídio, uma vez que o tipo penal protege o ser humano, pouco importante seja ele A ou B. [...] Condições ou qualidades da vítima virtual: no caso supramencionado, as condições ou qualidades pessoais levadas em conta para a configuração do delito e sua punição são as da vítima virtual, e não as da vítima real. Ex.: pretendendo matar seu desafeto, o agente atira, em ledo engano, atingindo seu próprio pai; não responderá por parricídio, com a agravante do art. 61, II, e, do Código Penal (delito contra ascendente). Embora tenha morrido seu genitor, a intenção era atingir pessoa estranha. Dá-se o mesmo em situação inversa: pretendendo matar o pai, o agente desfere o tiro, enganando-se quanto à pessoa, atingindo um estranho; responderá por homicídio com a agravante do art. 61, II, e, do Código Penal, vale dizer, como se tivesse atingido seu genitor.” (NUCCI, 2025, p.189.) Conforme já fundamentado, este não é o momento processual adequado para aprofundado juízo sobre as versões apresentadas acerca da dinâmica dos fatos, tampouco para a análise exauriente sobre eventual motivação do crime e erro sobre pessoa (error in persona), sob pena de “excesso de linguagem” e/ou usurpação da competência atribuída constitucionalmente ao Tribunal do Júri. Ademais, acerca da qualificadora ora imputada e capitulada no art. 121, §2º, inc. IV, do CP, é sabido que ela é caracterizada pelo emboscada, um meio que dificultou a defesa do ofendido e está configurada, em tese, em razão de o autor efetuar o disparo de arma de fogo enquanto estava escondido detrás de um portão, de forma sorrateira, atingindo a vítima de surpresa quando esta voltou para buscar sua bicicleta na residência do seu irmão cerca de 20 (vinte) minutos após o contato entre as partes. Assim, é imprescindível que o Conselho de Sentença delibere soberanamente sobre os fatos, a autoria, as provas, o dolo e, inclusive, sobre as nuances da motivação, eventual erro sobre a pessoa (art. 20, §3º, do CP) e a incidência ou não da qualificadora imputada, por não se mostrar manifestamente improcedente, conforme jurisprudência consolidada [...]. (STJ - AgRg no REsp: 1977510 SP 2021/0393380-9). Ante o exposto, com fulcro no art. 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o acusado WELTE DOS SANTOS SOUZA, vulgo "Dodô", já qualificado nos autos, para que seja levado a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri na pena do art. 121, §2º, inc. IV, do Código Penal, em razão da imputação do crime de homicídio qualificado em face da vítima JOCÉLIO TAVARES SERRÃO, conhecido como “Puiuca”. Reconheço o direito do acusado de recorrer e aguardar o julgamento em liberdade, pois não vislumbro, neste momento, motivo capaz de ensejar a decretação da sua prisão preventiva. Determino que o acusado seja intimado pessoalmente da presente decisão. Caso não seja encontrado, intime-se por edital, com prazo de 15 (quinze) dias (parágrafo único do art. 420 do CPP). Intime-se o representante do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública do Maranhão. Notifiquem-se os familiares da vítima fatal na pessoa da testemunha Lourença Serrão Nascimento, já qualificada nos autos. Registre-se. Publique-se. Cumpra-se. Após a preclusão desta pronúncia, intimem-se as partes para os fins do art. 422 do Código de Processo Penal e, em seguida, com ou sem manifestação, voltem os autos conclusos para impulso oficial. São José de Ribamar/MA, data do sistema. Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa Titular da 2ª Vara Criminal do Termo Judiciário de São José de Ribamar [i] NUCCI, Guilherme de S. Código Penal Comentado - 25ª Edição 2025. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025. E-book.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0001838-87.2017.8.10.0111
ID: 319362402
Tribunal: TJMA
Órgão: VARA ÚNICA DE PIO XII
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0001838-87.2017.8.10.0111
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JURANDIR GARCIA DA SILVA
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
MARCOS VINICIUS OLIVEIRA MONTEIRO
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ALANA RAFAELA QUEIROZ SANTOS
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO MARANHÃO COMARCA DE PIO XII VARA ÚNICA DA COMARCA DE PIO XII Processo n. 0001838-87.2017.8.10.0111 [Crimes da Lei de licitações] Requerente: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANH…
PODER JUDICIÁRIO DO MARANHÃO COMARCA DE PIO XII VARA ÚNICA DA COMARCA DE PIO XII Processo n. 0001838-87.2017.8.10.0111 [Crimes da Lei de licitações] Requerente: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO Requerido: DAVI RIBEIRO DA SILVA SENTENÇA Trata-se de Ação Penal Pública incondicionada, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO em face de DAVI RIBEIRO DA SILVA, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime tipificado no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. Narra a peça acusatória, em síntese, que o denunciado, na qualidade de então Presidente da Câmara Municipal de Pio XII/MA, durante o exercício financeiro de 2008, teria deixado de realizar os devidos procedimentos licitatórios para a contratação de serviços. A exordial, fundamentada no Inquérito Civil nº 003/2015-PJPIOXII, que por sua vez se baseou em acórdãos do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (PL-TCE/MA nº 281/2011 e nº 560/2013) , aponta que o réu teria realizado despesas mediante fracionamento indevido, com o fim de burlar a obrigatoriedade da licitação. As contratações questionadas, conforme detalhado no Relatório de Informação Técnica nº 118/2010-UTCGE/NUPEC 2, são as seguintes: 1. Locação de Veículo (Ford Fiesta, Placa NHC 3090), no valor de R$ 24.000,00, tendo como credora Jordélia Nascimento Ferreira. 2. Assessoria Jurídica, no valor de R$ 39.000,00, contratada com Antônio Nicolau Júnior. 3. Assessoria Contábil, no valor de R$ 26.880,00, tendo como credor Miuzete Fontenele Nascimento. Sustenta o órgão ministerial que a dispensa da licitação ocorreu fora das hipóteses legais e que a conduta do denunciado foi praticada com dolo específico de causar dano ao erário, gerando prejuízo efetivo, uma vez que a contratação direta permitiria a prática de preços mais elevados. Ao final, o Ministério Público requereu a condenação do réu nas penas do art. 89 da Lei nº 8.666/1993. A denúncia, datada de 06 de dezembro de 2017, foi recebida por este Juízo em 22 de março de 2018. Regularmente citado, o acusado apresentou Resposta à Acusação em 11 de junho de 2018, por meio de advogado constituído. Em sua defesa, arguiu, em suma, a ausência de dolo ou má-fé em sua conduta, afirmando ser este um requisito indispensável para a caracterização do tipo penal. Suscitou inexistência de comprovação de efetivo prejuízo ao erário público, alegando que os serviços foram devidamente prestados, em prol do interesse público e com valores de mercado, não havendo superfaturamento. Ademais, defendeu a licitude das contratações, que teriam sido formalizadas em processos administrativos e motivadas pela necessidade dos serviços, não ferindo os princípios da administração pública. Argumentou a fragilidade da acusação, que estaria baseada em meras provas indiciárias e confundiria irregularidade administrativa com ilícito criminal. Ao final, a defesa requereu a rejeição preliminar da denúncia com a consequente extinção do processo. Protestou provar o alegado por todos os meios de prova e arrolou testemunhas. O Ministério Público apresentou petição abordando a superveniência da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). Sustentou, em síntese, que embora o art. 89 da Lei nº 8.666/1993 tenha sido formalmente revogado, não ocorreu abolitio criminis. A conduta de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais, imputada ao réu, passou a ser tipificada no art. 337-E do Código Penal , operando-se o fenômeno da continuidade normativo-típica. A abolitio criminis teria ocorrido apenas para a conduta de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade", a qual não é objeto da presente ação penal. Ao final, pugnou pelo prosseguimento regular do feito. Durante a fase de instrução, em deliberação proferida na audiência de 05 de dezembro de 2024, este Juízo indeferiu o pedido do Ministério Público para arrolar testemunhas, por ter sido apresentado fora do prazo legal (preclusão), uma vez que o rol acusatório deve constar na própria denúncia. Eis os resumos dos depoimentos da audiência ocorrida no dia 20 de janeiro de 2025: BENEDITO SANTOS: A testemunha, que trabalhou na Câmara Municipal por dois anos durante a gestão do réu como operador de áudio e em serviços gerais, declarou não ter conhecimento sobre os processos de licitação, a locação de veículos ou a contratação de assessorias. Descreveu o réu como uma pessoa de boa índole que sempre arcou com os compromissos, afirmando ter ficado surpreso com as acusações. Ele mencionou que o contador na época era o Sr. Miuzete. PAULO RICARDO GOIS VIEIRA: A testemunha, pedreiro, conhece o réu apenas "de vista" por ter votado nele em algumas eleições. Afirmou não ter nenhum conhecimento sobre os fatos apurados, como a dispensa de licitação para a contratação de serviços. Descreveu a reputação do réu na comunidade como sendo de uma "pessoa de bem" e que a acusação foi uma "surpresa". OLIVEIRA SANTOS CRISPIM BARRETO: A testemunha, que também conhece o réu apenas da cidade, declarou nunca ter trabalhado na Câmara e não ter conhecimento algum sobre os fatos do processo. Afirmou que nunca ouviu falar mal do réu, descrevendo-o como um homem que não se envolve em confusões. Também se disse surpreso com as acusações. DAVI RIBEIRO DA SILVA: O réu admitiu que as contratações foram realizadas sem o processo formal de licitação, mas atribuiu o fato à sua falta de conhecimento técnico e à total confiança em sua assessoria jurídica e contábil da época. Ele declarou não ter conhecimento de licitação e só fazia o que eles mandavam. Afirmou que o advogado, Dr. Antônio Nicolau, já prestava serviços para a Câmara na gestão anterior. Por recomendação do presidente que o antecedeu e pela experiência do profissional, optou por mantê-lo. Quanto ao contador, sua intenção era também manter o da gestão passada, mas este veio a falecer, o que o obrigou a contratar o Sr. Miuzete, que, segundo ele, era o único contador de seu conhecimento na região à época. Sobre a locação do veículo, relatou que a proprietária do veículo Ford Fiesta, Sra. Jordélia, ofereceu o serviço de locação à Câmara. Como a instituição precisava de um carro para diligências, como entregar convocações aos vereadores que moravam na zona rural, ele consultou sua assessoria, que teria autorizado a contratação direta. Questionado, o réu inicialmente mencionou que precisava do carro por morar a 14 km da cidade. Posteriormente, disse que não usava o veículo para seu deslocamento pessoal (para o qual usava sua própria moto), mas sim para as necessidades da Câmara, como levar documentos aos vereadores que residiam em sua região. O réu insistiu que não agiu com a intenção de burlar a lei e que não obteve qualquer benefício pessoal com as contratações. Afirmou que todos os serviços foram devidamente prestados e pagos. A reprovação de suas contas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) foi, para ele, uma surpresa, pois confiava plenamente na orientação de sua assessoria. Em alegações finais por memoriais, o Ministério Público requereu a condenação do réu nos termos da denúncia, pelo crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 (por três vezes, em continuidade delitiva), argumentando que a materialidade e a autoria restaram comprovadas pelos documentos e pela confissão do acusado. Sustentou a presença do dolo, rechaçando a tese de desconhecimento da lei por se tratar de agente político experiente. Defendeu que o crime é de natureza formal, não exigindo resultado danoso, embora, no caso concreto, o prejuízo tenha sido quantificado pelo TCE. Ao final, pleiteou a condenação do réu, a reparação do dano no valor de R$ 57.305,15, e a aplicação das sanções de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública pelo prazo de 5 (cinco) anos e a inclusão nos cadastros de restrição de direitos (INFODIP, CNCIAI e CNIB) após o trânsito em julgado. Por sua vez, a Defesa, em seus memoriais finais, pugnou pela improcedência da denúncia e a consequente absolvição do réu. Sustentou, preliminarmente, a atipicidade da conduta pela ocorrência de abolitio criminis, argumentando que o art. 89 da Lei nº 8.666/93, que fundamenta a acusação, foi revogado. A defesa assevera que a nova legislação (Lei nº 14.133/2021) não reproduziu integralmente o tipo penal anterior, descriminalizando a conduta de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa" , o que imporia a extinção da punibilidade por se tratar de lei penal mais benéfica. No mérito, defendeu a absolvição por atipicidade da conduta, centrando sua tese na ausência de dolo específico e de efetivo prejuízo ao erário, requisitos que considera indispensáveis para a configuração do delito, conforme jurisprudência do STJ. Alegou que o réu não agiu com a intenção de causar dano, mas sim por falta de conhecimento técnico, tendo confiado integralmente na orientação de sua assessoria jurídica e contábil, a quem caberia a responsabilidade pelos trâmites formais. Além disso, afirmou não ter havido fracionamento indevido de despesa, pois os serviços contratados possuíam objetos distintos. A defesa concluiu que os serviços foram efetivamente prestados sem indícios de superfaturamento e que a mera reprovação das contas pelo TCE, baseada em erros formais sanáveis, é insuficiente para sustentar uma condenação criminal. Por fim, requereu, subsidiariamente, em caso de condenação, a aplicação de atenuantes, o regime de pena menos gravoso, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e o direito de apelar em liberdade. É o relatório. Decido. O processo transcorreu de forma regular, com a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, não havendo nulidades a serem declaradas ou sanadas. Das Questões Preliminares A Defesa suscitou, em suas alegações finais, teses que, por sua natureza, devem ser apreciadas antes do exame de mérito: a inépcia da denúncia e a abolitio criminis. Quanto à alegada inépcia da denúncia por não descrever o dolo específico do agente, a preliminar não merece acolhida. A peça acusatória atende plenamente aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo de forma clara e objetiva a conduta imputada ao réu: a dispensa de licitação fora das hipóteses legais para três contratações específicas durante o exercício de 2008. A denúncia qualifica o acusado, classifica o crime e, ao contrário do que alega a defesa, imputa o elemento volitivo ao afirmar que a conduta reflete "a intenção específica do gestor público em causar prejuízo ao erário". A efetiva comprovação desse elemento subjetivo é matéria de mérito, a ser analisada com a prova dos autos, não constituindo um vício formal da peça de ingresso. A narrativa permitiu ao réu o pleno exercício de sua defesa, como de fato ocorreu ao longo de toda a instrução. Rejeito, pois, a preliminar. No que tange à tese de abolitio criminis decorrente da revogação do art. 89 da Lei nº 8.666/93 pela Lei nº 14.133/2021, também sem razão a Defesa. O fenômeno em questão não se configurou. O legislador, ao revogar os crimes da antiga Lei de Licitações, transferiu a disciplina para o Código Penal, em clara aplicação do princípio da continuidade normativo-típica. A conduta central de "dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei", imputada ao acusado, foi substancialmente mantida no novo tipo penal do art. 337-E do Código Penal, que criminaliza o ato de "admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei". Houve, portanto, mera alteração topográfica da norma, sem supressão da sua natureza incriminadora. Nesse sentido, transcrevo o seguinte julgado: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. ART. 89 DA LEI N . 8.666/1993. ADVENTO DA LEI 14.133/2021 . ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1 . Não houve abolitio criminis da conduta tipificada no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, que permanece integralmente criminalizada pelo art . 337-E do CP, com a superveniência da Lei n. 14.133/2021. A pena prevista no preceito secundário do novo tipo penal é que não pode, por certo, ser aplicada ao presente caso, por ser mais onerosa ao réu, mas não se procedeu à descriminalização das condutas descritas no dispositivo que foi revogado pela novel legis . 2. Segundo a jurisprudência desta Corte, "[o] cotejo do art. 337-E ( CP) com o art. 89 da Lei 8 .666/93 evidencia uma continuidade normativo-típica, já que o caráter criminoso do fato foi mantido, só que em outro dispositivo penal" (AgRg no AREsp n. 1.938.488/SP, Rel . Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), 6ª T., DJe 30/11/2021). 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 2114154 SP 2023/0449257-5, Relator.: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 08/04/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/04/2024) A supressão penal (abolitio criminis) operou-se apenas para a conduta autônoma de "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade", o que não constitui o núcleo da acusação nestes autos, que versa sobre a ausência completa do procedimento licitatório para contratações que o exigiam. Desta forma, afasto a preliminar. Superadas as questões processuais, passo ao exame do mérito da causa. A pretensão punitiva do Estado é procedente. A jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, consolidada a partir da Ação Penal n. 480/MG e reafirmada em julgados subsequentes, como o AgRg no AREsp 2.625.884/MA, estabelece que a configuração do crime do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 exige a comprovação de dois elementos cumulativos: (i) o dolo específico de causar dano ao erário e (ii) a demonstração do efetivo prejuízo à Administração Pública. Uma análise detida das provas produzidas sob o crivo do contraditório demonstra que ambos os requisitos se encontram presentes na hipótese dos autos. Contrariamente ao que sustenta a Defesa, uma análise aprofundada das provas produzidas sob o crivo do contraditório revela que ambos os requisitos se encontram devidamente configurados no presente caso, autorizando um decreto condenatório. A materialidade do delito está robustamente comprovada pela prova documental, em especial pelos Acórdãos do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, que atestam a realização de despesas para serviços contínuos sem qualquer procedimento licitatório. A autoria é inconteste, recaindo sobre o réu, que, como Presidente da Câmara e ordenador de despesas, era o responsável legal pelas contratações, fato por ele mesmo confirmado em seu interrogatório judicial. O requisito do efetivo prejuízo, em crimes desta natureza, não demanda, necessariamente, a comprovação de um superfaturamento aritmético. Conforme a linha de entendimento adotada pelo próprio STJ, o prejuízo decorrente da dispensa indevida de licitação é presumido (in re ipsa) por subtrair da Administração a oportunidade de contratar a partir da melhor proposta, especialmente quando não há uma justificativa objetiva para tanto, vejamos: AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL E VIOLAÇÃO DOS ARTS. 89 DA LEI N . 8.666/1993; 178, I, E 193, AMBOS DA LEI N. 14.133/2021; E 337-E DO CP . CRIME DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. DOLO ESPECÍFICO E PREJUÍZO AO ERÁRIO. DANO IN RE IPSA. PONTOS IDENTIFICADOS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA . ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE INCURSÃO NO ARCABOUÇO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ . 1. Consta do combatido acórdão os seguintes fundamentos para o reconhecimento do dolo específico do agravante, bem como do prejuízo ao erário: Mesmo sendo a corrente mais moderna adepta da natureza material do crime de dispensa ilegal de licitação tipificado no art. 89 da Lei n. 8 .666/93, de forma a demandar, para sua caracterização, a comprovação de que houve prejuízo efetivo ao erário em decorrência da dispensa de licitação fora das hipóteses legais, inclusive com a exigência do dolo específico consubstanciado no especial fim de lesar o patrimônio público, referidos elementos são extraídos extreme de dúvidas dos autos. [...] Quanto ao dano ao erário, na linha do entendimento da Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ressai que "o prejuízo decorrente da dispensa indevida de licitação é presumido (dano in re ipsa), consubstanciado na impossibilidade da contratação pela Administração da melhor proposta" ( AgRg no REsp 1.499.706/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria), mormente quando não houve qualquer justificativa objetiva para a escolha aperfeiçoada de forma direta e verbal, restringindo o ora apelante a aduzir que foi "recomendação do prefeito" (sic), violando os princípios da impessoalidade, moralidade, isonomia, transparência e competitividade . [...] O dolo específico também ressai manifesto diante da ausência de qualquer decreto de emergência e do pedido expresso de JOSÉ CARLOS DE MUSIS voltado ao denunciante Josué Martins (dono de construtora interessado em participar da licitação) no sentido de que deixasse de participar do referido processo licitatório, justamente porque já havia outra empresa por ele ilegitimamente contratada para a execução do serviço, em manifesta burla aos ditames legais a ocultar a verdadeira intenção do agente. [...] Ou seja, as nuances e os motivos do ato demonstram a vontade deliberada do apelante em lesar o patrimônio público, esquivando-se, pois, de selecionar a melhor proposta à Administração, ignorando a existência de certame licitatório que já estava em andamento para dele subtrair e antecipar, sem qualquer justificativa, a execução da obra que era objeto da apontada tomada de preço, sem olvidar de que o julgamento das contas pela instância administrativa do Tribunal de Contas não vincula o órgão judicial em sua análise quanto à caracterização de crime. [...] Desse modo, diante da completude do cenário posto, não obstante o apelante tente se esquivar da responsabilidade pelo referido delito, o contexto delituoso certifica a autoria e o respectivo dolo necessário à sua configuração, sendo de rigor afastar a pretensão absolutória formulada em sede recursal (fls. 1.122/1.124) . 2. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que para a configuração do crime de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais - art. 89 da Lei n. 8 .666/93 -, exige-se a presença do dolo específico de causar dano ao erário e do efetivo prejuízo à Administração Pública. [...] No presente caso, não obstante as instâncias de origem tenham afirmado ser desnecessária a demonstração do dolo específico e do prejuízo ao erário, ambos os quesitos foram devidamente demonstrados na sentença e no acórdão de apelação, com fundamento nas provas documentais e testemunhais, não havendo, portanto, em se falar em atipicidade da conduta ( HC n. 452.323/SP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 12/9/2018). 3 . Para alterar o entendimento da Corte de origem, seria necessária a incursão na seara fático-probatória, medida esta inviabilizada diante do óbice constante da Súmula 7/STJ. 4. Concluindo o Tribunal regional, a partir da análise do arcabouço probatório existente nos autos, acerca da materialidade delitiva e do dolo específico assestados aos recorrentes, a desconstituição do julgado no intuito de abrigar o pleito defensivo absolutório ou de desclassificação do delito não encontra espaço na via eleita, porquanto seria necessário a este Tribunal Superior de Justiça aprofundado revolvimento do contexto fático-probatório, providência incabível em Recurso Especial, conforme já assentado pelo Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte ( AgRg no AREsp n . 577.270/SC, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 4/5/2018). 5. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg nos EDcl no REsp: 1979813 MT 2022/0010550-7, Relator.: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 28/10/2022) Registre-se que a Súmula 645 do Superior Tribunal de Justiça é inaplicável ao caso concreto, pois se refere a um tipo penal distinto daquele imputado na denúncia. O referido verbete, que estabelece ser o "crime de fraude à licitação" de natureza formal, prescindindo da comprovação de prejuízo, foi construída com base na jurisprudência do delito tipificado no artigo 90 da Lei 8.666/93, o qual pune a frustração do caráter competitivo de um certame em andamento. Essa exigência consolidou-se como forma de diferenciar a mera irregularidade administrativa do ato criminal, que demanda uma intenção deliberada de lesar o interesse público. No caso em tela, o réu, entretanto, ao contratar diretamente os serviços de assessoria jurídica, assessoria contábil e locação de veículo, frustrou o dever de competir. Privou, assim, a Câmara Municipal de Pio XII de buscar e selecionar, por meio de um certame público e isonômico, propostas potencialmente mais vantajosas, seja em termos de preço, seja em termos de qualidade. Essa perda da oportunidade de realizar o melhor negócio para o interesse público configura, por si só, o dano efetivo ao erário. A lesão reside na própria supressão da competitividade, princípio basilar que visa à economicidade e à eficiência na gestão pública. Ademais, no presente feito, esse dano presumido é reforçado pela prova documental consistente no Acórdão PL-TCE nº 560/2013, que, após análise técnica, apurou uma perda financeira concreta de R$ 57.305,15. Portanto, seja pela natureza do dano in re ipsa, seja pela constatação da Corte de Contas, o requisito do efetivo prejuízo está inequivocamente preenchido. O dolo específico, por sua vez, manifesta-se de forma clara nas circunstâncias objetivas que permearam a conduta do acusado. Não se trata de um erro escusável ou de uma falha administrativa isolada, mas de um modus operandi deliberado, que revela a vontade consciente de burlar a lei para favorecer contratações diretas, em detrimento do interesse público. A intenção de lesar o patrimônio público é extraída da própria conduta do réu. Como ordenador de despesas, ele não apenas autorizou um ato ilegal, mas implementou um regime de ausência de licitações na Câmara Municipal, como ele mesmo confessou em juízo ao afirmar que "nunca teve nenhuma licitação" sob sua gestão. Essa supressão completa e sistemática dos procedimentos competitivos para todos os serviços essenciais demonstra a vontade deliberada de se esquivar do dever de selecionar a melhor proposta para a Administração. A justificativa de que agiu por desconhecimento ou com base em orientação de terceiros não se sustenta. Sendo um político com oito anos de mandato de vereador e já no segundo ano de presidência, sua alegação de ignorância da lei mais fundamental de gastos públicos é inverossímil. A sua conduta, ao escolher pessoalmente os contratados sem qualquer critério objetivo ou justificativa formal, violou frontalmente os princípios da impessoalidade, moralidade e isonomia. O dolo específico, portanto, não reside em um desejo íntimo de "roubar" o erário, mas na vontade consciente de praticar o ato (dispensar a licitação) sabendo que o resultado necessário dessa ação é a não obtenção da proposta mais vantajosa, o que, por si, constitui a lesão ao patrimônio público tutelado pela norma. Ao optar deliberadamente pelo caminho da ilegalidade, o réu assumiu e quis o resultado danoso inerente à sua conduta. Desse modo, diante da completude do cenário posto, onde o prejuízo ao erário é manifesto e o dolo específico do agente exsurge das circunstâncias fáticas, afasta-se a pretensão absolutória. O conjunto probatório certifica a autoria, a materialidade e o elemento subjetivo necessário à configuração do crime, sendo de rigor a condenação do réu nas penas do art. 89 da Lei nº 8.666/1993. Fica, assim, demonstrado que o réu praticou o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. A denúncia imputa a prática por três vezes, e os autos comprovam que foram três contratações distintas (veículo, assessoria jurídica e assessoria contábil) que deveriam ter sido, cada uma, objeto de procedimento próprio. Trata-se, portanto, de três crimes da mesma espécie, praticados em condições semelhantes de tempo (dentro do mesmo exercício financeiro), lugar (na Câmara Municipal) e maneira de execução (contratação direta sem formalidades). Tais circunstâncias caracterizam a ficção jurídica da continuidade delitiva, prevista no art. 71 do Código Penal, devendo as condutas serem unificadas para fins de aplicação da pena, conforme requerido pela acusação. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para CONDENAR o réu DAVI RIBEIRO DA SILVA, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/1993 (por três vezes), na forma do art. 71 do Código Penal. Atendendo ao sistema trifásico do art. 68 do Código Penal, passo a individualizar a pena para o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/1993, cuja sanção em abstrato é de detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. 1ª Fase: Pena-Base (Art. 59, CP) Analisando as circunstâncias judiciais, uma a uma: Culpabilidade: A culpabilidade do agente, entendida como o grau de reprovabilidade de sua conduta, revela-se normal ao tipo penal. Embora tenha agido na condição de Presidente da Câmara, tal qualidade é inerente ao crime próprio de responsabilidade, não podendo ser utilizada para exasperar a pena-base sob pena de bis in idem. Antecedentes: O réu é tecnicamente primário, inexistindo em seu desfavor qualquer sentença condenatória com trânsito em julgado, conforme certidões juntadas aos autos. Circunstância favorável. Conduta Social: A prova testemunhal produzida em juízo indica que o réu possui boa reputação na comunidade onde vive. Não há nos autos elementos que desabonem sua conduta social. Personalidade do Agente: Não há nos autos elementos técnicos, como laudos psicossociais, que permitam uma análise aprofundada da personalidade do agente. Portanto, tal circunstância deve ser considerada neutra. Motivos do Crime: Os motivos que levaram ao delito — a busca por celeridade ou a conveniência de se furtar ao procedimento licitatório — são inerentes ao próprio tipo penal de dispensa indevida de licitação, não podendo ser valorados negativamente. Circunstâncias do Crime: As circunstâncias em que o crime se deu são as ordinárias do tipo penal, consistindo na contratação direta sem o devido processo legal. Não se vislumbra a presença de elementos extraordinários que justifiquem a exasperação da pena nesta fase. Consequências do Crime: Embora o prejuízo ao erário seja um requisito para a caracterização do delito, conforme a jurisprudência aplicada, seu valor já compõe a própria tipicidade da conduta. Utilizá-lo para majorar a pena-base configuraria dupla valoração do mesmo fato. Assim, a consequência é considerada elemento do tipo, e não uma circunstância judicial desfavorável. Comportamento da Vítima: A vítima é a coletividade, não havendo que se falar em seu comportamento para a prática do delito. Diante da análise das circunstâncias judiciais, sendo todas neutras ou favoráveis ao acusado, fixo a pena-base em seu patamar mínimo legal, qual seja, 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa. 2ª Fase: Pena Intermediária Reconheço a presença da circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, 'd', do CP), uma vez que o réu admitiu em juízo a não realização dos procedimentos licitatórios. Contudo, deixo de aplicá-la, em observância ao disposto na Súmula 231 do STJ e no Tema 158 do STF, que vedam a condução da pena para aquém do mínimo legal nesta fase. Não há circunstâncias agravantes a serem consideradas. Assim, mantenho a pena intermediária em 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa. 3ª Fase: Pena Definitiva Na terceira e última fase, incide a causa de aumento de pena referente à continuidade delitiva (art. 71, CP), uma vez que o réu praticou, em sequência e sob condições semelhantes, três crimes da mesma espécie. Considerando o número de infrações (três), majoro a pena na fração de 1/4 (um quarto). Dessa forma, a pena definitiva fica estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de detenção. Aplicando a mesma fração de aumento à pena de multa, fixo-a em 13 (treze) dias-multa. O valor de cada dia-multa é fixado em 1/13 (um treze avos) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. A pena definitiva foi fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de detenção, patamar inferior a 4 (quatro) anos. Considerando que o réu é primário e que todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal foram consideradas neutras ou favoráveis, estabeleço o regime inicial aberto para o cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, 'c', do Código Penal. Não há registro nos autos de que o acusado tenha cumprido qualquer período de prisão provisória. Desta forma, deixo de aplicar o instituto da detração, por ausência de tempo a ser computado. Por outro lado, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é medida que se impõe. O réu preenche todos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal: a pena aplicada é inferior a 4 anos; o crime foi cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; o réu não é reincidente em crime doloso; e a análise das circunstâncias judiciais indica que a substituição é socialmente recomendável e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. Assim, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, a serem definidas pelo Juízo da Execução. Operada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por ser esta mais benéfica ao réu, resta incabível a concessão da suspensão condicional da pena (sursis), conforme vedação expressa do art. 77, III, do Código Penal. Deixo de fixar valor mínimo a título de reparação de danos, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal. Embora o Ministério Público tenha requerido tal medida em suas alegações finais, o pedido não constou expressamente da denúncia, o que impediu o exercício do contraditório e da ampla defesa sobre o tema específico do quantum indenizatório durante a instrução processual, tornando inviável a sua fixação nesta seara. Fica resguardado o direito de eventual ressarcimento na esfera cível. O acusado respondeu ao processo em liberdade e não demonstrou, em momento algum, a intenção de frustrar a aplicação da lei penal ou de criar embaraços à instrução. Ausentes os requisitos da prisão preventiva previstos nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal, e considerando o regime de pena fixado e a substituição operada, concedo ao réu o direito de recorrer desta sentença em liberdade. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais. Publique-se. Registre-se. Intime-se o acusado por meio de seu advogado constituído, na forma do art. 392, II, do CPP. Sem vítimas a serem comunicadas. Notifique-se o Ministério Público (art. 390 do CPP). Transitada em julgado a presente decisão, tomem-se as seguintes providências: 1. Proceda-se ao recolhimento do valor atribuído a título de pena pecuniária, nos termos do art. 50 do CP e art. 686 do CPP. 2. Expeça-se guia de execução definitiva. 3. Oficie-se ao Tribunal regional Eleitoral do Maranhão, para os fins previstos no Código Eleitoral e na Constituição Federal, em especial o artigo 15, cadastrando-o no sistema INFODIP da Justiça Eleitoral. 4. Adotadas todas as providências acima, inclusive formação de guia de execução definitiva, mediante certidão, PROCEDA-SE ao IMEDIATO arquivamento desta ação penal com baixa na distribuição. Cumpram-se. Pio XII/MA, datada e assinada eletronicamente. DANIEL LUZ E SILVA ALMEIDA Juiz de Direito Titular da Vara Única da Comarca de Pio XII
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Processo nº 0013497-69.2016.8.10.0001
ID: 325387157
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Vara do Tribunal do Júri de São Luís
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0013497-69.2016.8.10.0001
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE RIBAMAR MORAIS PADRE FILHO
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
FREDERICO SANTOS RODRIGUES
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 1ª UNIDADE JURISDICIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA Nº 0013497-69.2016.8.10.0001 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO RÉU: BR…
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 1ª UNIDADE JURISDICIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA Nº 0013497-69.2016.8.10.0001 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO RÉU: BRUNO TRINDADE ADVOGADO: FREDERICO SANTOS RODRIGUES, OAB/MA N.º 16.929 VÍTIMA: MAX DAYVS CHAGAS MONÇÃO META 2- A- PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO DECISÃO DE PRONÚNCIA O Ministério Público do Estado do Maranhão, nos autos da Ação originária nº 48291-58.2012.8.10.0001, denunciou Clelson Mendes Trindade e BRUNO TRINDADE, como incursos nas sanções art.121, § 2º, incisos II, III e IV, c/c o artigo 29, ambos do Código Penal, cujos fatos se deram em 27 de setembro de 2010. As condutas imputadas, foram, segundo narra o Ministério Público na peça acusatória (ID.76216086), supostamente perpetradas nos moldes a seguir delineados: (…) Consta do incluso Inquérito Policial que, no dia 27 de setembro de 2010, por volta das 01:00 horas, na Rua Antônio Dino, nas proximidades da Boate Dama da Noite, bairro São Cristóvão, nesta Cidade, os denunciados CLELSON MENDES TRINDADE e BRUNO TRINDADE, em companhia de um indivíduo identificado como "RABICÓ", imbuídos do propósito de matar (animus necandi), por motivo fútil, convergiram para ceifar vida da vítima MAX DAYVS CHAGAS MONÇÃO, mediante ato cruel, pois foi espancada até a morte por intermédio de socos, chutes, pedradas e pauladas. Segundo se logrou apurar, a vítima, que estava em companhia de HERMÍNIO MACHADO, WANDERSON, vulgo "SINAL" e CRISTIANO MENDES, vulgo "CRIS", estavam na Boate Dama da Noite, quando em um determinado momento, ao lado de fora daquele estabelecimento, se enrolou juntamente com seus amigos em uma confusão envolvendo um possível roubo de um cordão pertencente a um dos amigos dos acusados. Em meio a contenda, que envolvia várias pessoas, os denunciados e o indivíduo identificado como "RABICÓ" partiram para cima da vítima que, em posse de uma arma de fogo, desferiu alguns tiros em via pública tendo saiu em desabalada carreira do meio da confusão, porém, foi alcançada pelos denunciados em uma rua situada nas imediações da boate, momento em que passaram a lhe espancar com socos, chutes, pedradas (uso de blocos de concretos) e pauladas, que foram causa suficiente para a entrar em estado de choque, pois no momento em que era espancada, começou a se debater até morte. Ato contínuo, os denunciados saíram em desabalada carreira, tomando rumo ignorado. (como no original.). (como no original). O Recebimento da denúncia se deu no dia 17 de setembro de 2015 (ID.76216092- pg.75). Iniciada a primeira fase nos autos originários (Proc.48291-58.2012.8.10.0001), apenas o acusado Clelson Mendes Trindade foi pessoalmente citado, sendo o processo desmembrado em relação ao acusado Bruno Trindade, por não ter ocorrido sua citação pessoal, originando os presentes autos que permaneceram suspensos até a sua prisão, conforme noticiada pelo evento de ID.137632398. Nos autos da ação originária, submetido ao Júri Popular o corréu Clelson Mendes Trindade fora absolvido. Pessoalmente citado em 15/01/2025 (ID.138755659), o acusado Bruno Trindade constituiu advogado (ID.139108324). Resposta escrita à acusação, nos termos da petição de ID.139108323. Apresentadas as alegações finais do Ministério Público, em memoriais, o Ministério Público, reiterou a imputação formulada na peça acusatória. O Promotor de Justiça, fundamentando-se nos elementos de prova constantes dos autos, requereu a pronúncia do acusado nos exatos termos da denúncia, ressaltando a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade a justificar a submissão do réu BRUNO TRINDADE ao julgamento pelo Tribunal do Júri (ID.149001124). A defesa técnica, em memoriais finais apresentados de forma intempestiva em 12 de julho de 2025 (ID. 154340412), sustenta, em síntese, a nulidade do depoimento prestado por Márcia Camila, sob o argumento de que se trata de informante e parte interessada, sem o compromisso legal com a verdade, alegando que sua narrativa estaria contaminada por sentimentos pessoais, diante de suposto relacionamento conflituoso com o acusado, marcado por episódios de ciúmes e perseguições. Aduz, ainda, a ausência de indícios suficientes de autoria aptos a embasar a pronúncia do réu Bruno Trindade, pleiteando sua impronúncia com fundamento no art. 414 do Código de Processo Penal. De forma subsidiária, requer o afastamento das qualificadoras imputadas na denúncia, por entender que não foram minimamente demonstradas nos autos com o grau de probabilidade exigido nesta fase processual. É o que cumpre relatar. Fundamento e decido. I-DO VALOR PROBATÓRIO DO DEPOIMENTO PRESTADO POR INFORMANTE A defesa sustenta, em síntese, a nulidade do depoimento prestado por MÁRCIA CAMILA SANTOS AROUCHE, ao argumento de que se trata de informante e parte interessada, sem compromisso legal com a verdade, alegando que sua narrativa estaria comprometida por sentimentos pessoais decorrentes de suposto relacionamento conflituoso com o acusado, permeado por episódios de ciúmes e perseguições. Entretanto, como é cediço, os depoimentos prestados por informantes não são, por si só, destituídos de valor probatório, sendo pacífico o entendimento jurisprudencial de que tais declarações podem ser consideradas válidas e relevantes, desde que apresentem coerência e harmonia com os demais elementos constantes dos autos (STJ - AREsp: 1776146 DF 2020/0270648-0, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Publicação: DJ 18/12/2020). Assim, no exame de admissibilidade do jus accusationis, a ser realizado nas linhas subsequentes, competirá a este Juízo avaliar a consistência e compatibilidade das declarações prestadas pela informante Márcia Camila Santos Arouche com o conjunto probatório dos autos, aferindo sua utilidade no contexto da formação da culpa. Não tendo sido suscitadas outras questões preliminares, e inexistindo vícios formais ou nulidades a serem reconhecidas de ofício, passo à análise do conjunto probatório com vistas à admissibilidade da acusação. II- DO JUS ACUSATIONIS Sabe-se que rito do Júri é conhecido como bifásico e, nesta primeira fase, de juízo de admissibilidade ou de prelibação, o juiz admite ou rejeita a acusação, sem penetrar no exame de mérito. Com efeito, dispõe o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Lei Cidadã de 1988, que compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, preceito este complementado pelas regras infraconstitucionais encartadas no art. 74, § 1º do Código de Processo Penal, e no art. 78, inciso I do mesmo diploma, dispondo este último acerca da prevalência do foro do Júri também para o julgamento dos crimes conexos. Nessa conjuntura, impende enfatizar a preleção do saudoso Ministro do Supremo Tribunal Federal, MENEZES DE DIREITO, ao relatar o HC 94169, no que concerne às possíveis decisões a serem tomadas pelo juiz singular, ao final da fase do sumário de culpa: Habeas corpus. Processual penal. Sentença de pronúncia. Não-ocorrência de excesso de linguagem. 1. A fase processual denominada sumário da culpa é reservada essencialmente à formação de um juízo positivo ou negativo sobre a existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Ela se desenvolve perante o juiz singular que examinará a existência provável ou possível de um crime doloso contra a vida e, ao final, decidirá (1) pela absolvição sumária, quando presente causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade; (2) pela desclassificação do crime, quando se convencer de que o crime praticado não é doloso e contra a vida; (3) pela impronúncia, quando ausente a prova da materialidade ou de indícios de autoria; ou (4) pela pronúncia, se reputar presente a prova e os indícios referidos. 2. (...) Omissis. 3. Habeas corpus denegado. (HC 94169, Relator: Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 07/10/2008, DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-01 PP-00178 RTJ VOL-00208-03 PP-01159 – Destacou-se) Posta esta inflexão, cabe averiguar os fatos e as teses expendidas nos autos. III – DA PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS QUE AUTORIZAM A ADMISSIBILIDADE DO JUS É consabido que apenas quando comprovada a materialidade do fato delituoso e havendo elementos indicativos de autoria (art. 413/CPP) poderá ser proferida decisão de pronúncia, pois se trata de um mero juízo de admissibilidade da denúncia, devendo-se, reservar o exame mais apurado da acusação para o Soberano Tribunal Popular do Júri, cuja competência lhe é constitucionalmente assegurada conforme dispõe o art. 5.° inciso XXXVIII, alínea 'd', da nossa Lei Maior. Oportuna é a lição de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA1: Pronuncia-se alguém quando ao exame do material probatório levado aos autos se pode verificar a demonstração da provável existência de um crime doloso contra a vida, bem como da respectiva e suposta autoria. Na decisão de pronúncia, o que o juiz afirma, com efeito, é a existência de provas no sentido da materialidade e da autoria. Em relação à primeira, materialidade, a prova há de ser segura quanto ao fato. Já em relação à autoria, bastará a presença de elementos indicativos, devendo o juiz, o tanto quanto possível, abster-se de revelar um convencimento absoluto quanto a ela. É preciso ter em conta que a decisão de pronúncia somente deve revelar um juízo de probabilidade e não o de certeza. (destacou). No mesmo sentido, alinha-se a jurisprudência consolidada do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que, em reiterados julgados, tem reafirmado a necessidade de indícios e suficientes de autoria e prova materialidade para a pronúncia do acusado: (...) 2. Estabelece o art. 413 do Código de Processo Penal que, para a decisão de pronúncia, basta, além da constatação de indícios de autoria, que esteja o julgador convencido da existência do crime. Não se exige, portanto, prova inconteste de sua autoria, sendo bastante que o magistrado se convença da materialidade da infração. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (STF - HC: 210299 MG 0066523-70.2021 .1.00.0000, Relator.: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 28/03/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: 29/04/2022) - Destacou-se) Mesmo entendimento professa o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: (…) 1. A sentença de pronúncia possui cunho declaratório e finaliza mero juízo de admissibilidade, não comportando exame aprofundado de provas ou juízo meritório. Nesse diapasão, cabe ao Juiz apenas verificar a existência nos autos de materialidade do delito e indícios de autoria, conforme mandamento do art. 413 do Código de Processo Penal. 2. A presença de indícios de autoria não se cuida de prova de certeza da prática delitiva, exigível somente para a sentença condenatória. Não obstante, deve ser demonstrada, em decisão concretamente fundamentada, a presença dos referidos indícios, como ocorreu na espécie. (STJ - AgRg no HC: 805189 CE 2023/0060804-0, Relator.: RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 15/05/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2023). (negritou-se). Fixadas tais premissas, passo à análise das teses sustentadas pelas partes, à luz do conjunto probatório e dos princípios que regem o processo penal. Ab initio, cumpre assinalar que a materialidade do fato delituoso mostra-se suficientemente evidenciada pelos elementos periciais constantes dos autos, notadamente pelo Exame Cadavérico da vítima, acostado à página 102 do Id. 76216092, o qual aponta que a causa da morte foi “traumatismo crânio-encefálico”. No que concerne aos indícios de autoria, faz-se necessário ressaltar que, nesta fase processual, não se exige a certeza absoluta da autoria delitiva, mas sim a existência de indícios suficientes que apontem para a possível participação do réu nos fatos narrados. A exigência de certeza nesse momento processual equivaleria a antecipar um juízo de mérito, invadindo a competência constitucional do Tribunal do Júri, órgão soberano para a apreciação dos crimes dolosos contra a vida. Assim, impõe-se ao Magistrado pronunciante tão somente a verificação da justa causa, resguardando ao Conselho de Sentença o julgamento definitivo da causa, em respeito ao princípio da plenitude de defesa. A propósito GUILHERME DE SOUZA NUCCI2· ensina: Capítulo X DOS INDÍCIOS “1. Conceito de indício: o indício é um fato secundário, conhecido e provado, que, tendo relação com o fato principal autorize, por raciocínio indutivo-dedutivo, a conclusão da existência de outro fato secundário ou outra circunstância. É prova indireta, embora não tenha, por causa disso, menor valia. (…)”. In casu, no que se refere aos indícios de autoria capazes de amparar o juízo de admissibilidade da acusação, verifico que tais elementos, podem ser extraídos dos depoimentos colhidos em Juízo. A prova testemunhal colhida nos autos apresenta indícios suficientes de autoria a justificar a submissão do acusado Bruno Trindade a julgamento pelo Tribunal do Júri. Destaca-se, em especial, o depoimento de Márcia Camila Santos Arouche, que, embora qualificada como informante, confirmou em juízo os principais elementos relatados em sede policial, apontando o acusado como um dos indivíduos que perseguiu a vítima, em meio à confusão ocorrida após o encerramento da festa. Sua narrativa, ainda que envolta em limitações naturais decorrentes das circunstâncias dos fatos, revela-se coerente e compatível com os demais elementos de prova reunidos até o momento. Vejamos: Que a informante tem uma filha com o acusado; Que a informante foi companheira do acusado Bruno, mas à época dos fatos não tinha mais nada com ele, só estava gestante dele, mas o acusado já estava com outra pessoa; Que no dia dos fatos a informante tinha ido para a festa com umas colegas da informante, e o acusado já estava lá com todos os colegas dele e uma menina; Que a informante ainda falou com o acusado para que ele ficasse lá curtindo, pois a informante estava na festa, mas não tinha mais nada com ele; Que a informante estava com três meses de gravidez do acusado; Que na festa estava cada um para o seu lado; que teve uma confusão lá, que todos usavam droga expostos do jeito que queriam; Que teve uma confusão dentro da boate, pois tinham pegado o cordão do acusado Bruno; Que puxaram o cordão do acusado Bruno, e já havia outra confusão também, mas o rapaz que puxou o cordão dele ninguém sabia quem era; Que a informante saiu para fora da boate também; Que ninguém sabia quem tinha puxado o cordão do acusado; Que todos saíram para o lado de fora da boate e a informante saiu também; que lá fora, a informante e as colegas da informante encontraram um grupo de gente correndo atrás de um rapaz; Que o acusado Bruno passou, mas não saiu correndo; Que a informante só sabe que os “pequenos” que estavam com Bruno saíram todos correndo atrás do rapaz; Que esse rapaz teria pego o cordão; Que começaram a jogar um monte de pedras e esse rapaz correu; Que esse que faleceu correu, escorregou e eles começaram a jogar um monte de pedra em cima dele; Que depois que o rapaz caiu jogaram muitas pedras nele; Que aí a informante apagou e, quando voltou, já viu um monte de gente em volta do corpo do homem; Que a informante não sabe dizer se o rapaz morreu no local, mas já tinha muita gente lá e também em cima da informante lhe acudindo porque havia passado mal e desmaiado; Que a informante não via mais ele; Que já encontrou com eles em uma viatura, que a informante pediu que a levassem para Santa Efigênia, onde mora; Que a informante estava grávida de três meses; Que viu o pessoal passando correndo, viu essa pessoa cair e jogarem pedra e pau nela; Que a informante não se recorda se era pedra e pau ou só pedra, porque tinha muita gente jogando coisa em cima dele; Que a informante não viu quem foi, porque era muita gente; que era um tumulto grande; Que a informante passou mal e foi socorrida; Que passou uma viatura e a informante disse para o pessoal que estava com ela que não tinha dinheiro para a passagem; Que depois disso a informante já foi encontrar o acusado na DECOP da Cidade Operária; Que a informante teve a filha do acusado; Que depois dos fatos a informante não teve mais contato com o acusado em nada, porque o acusado não estava mais com a informante; Que a informante não teve mais contato com o acusado, mesmo tendo uma filha com ele, porque quem resolve tudo da filha da informante é a irmã da informante, que toma conta da criança; Que a informante não fala nem com a mãe do acusado; Que a informante só foi saber de tudo isso quando a polícia chegou à casa dela, porque na delegacia a informante deu seu endereço e acha que eles não deram os deles; Que a informante prestou depoimento lá na Delegacia de Homicídios, mas não tem vínculo nenhum com o acusado e não estava com ele na festa; Que, tanto é assim, que a informante falou para o delegado da Delegacia de Homicídios que havia câmeras no local e que puxassem as imagens, porque a informante nem enxergou; Que Bruno não estava no grupo de gente que a informante viu correr atrás da vítima; Que a informante não está dizendo que Bruno estava, mas está dizendo que o viu passar; Que a informante não está dizendo que Bruno jogou pedra na vítima; Que o advogado de defesa está confundindo as coisas, porque a informante não está dizendo que foi Bruno quem jogou pedra na vítima; Que a informante não está em audiência para acusar ninguém, não está nem contra nem a favor do acusado Bruno; Que a informante quer é tirar seu nome dessa situação, porque depois disso todo tempo a polícia tem ido à casa da informante para que ela deponha, e a informante não pediu essa vida para Deus; Que a informante sabe que o acusado foi detido porque foi na viatura em que o acusado Bruno estava que a informante pediu uma carona até em casa, mas a testemunha não estava com Bruno; Que a informante não sabe de negócio de tiro, não; Que a informante não viu tiro, não; Que a informante não se recorda se Bruno estava inserido na primeira e na segunda confusão, porque isso já faz muito tempo; Que a informante não pode afirmar se Bruno estava; Que a informante não viu nem se lembra, e tinha muita gente em volta do moço, mas a informante não lembra muito bem quem foi, não; Que a informante não atribui a Bruno nenhuma paulada ou pedrada contra a vítima; Que a informante lembra que deu um depoimento na delegacia; Que a informante confirma que o acusado Bruno se encontrava na Boate Marrocos na noite dos fatos; que Bruno era conhecido pelo apelido de “Telé”; Que a informante não se recorda se teve uma breve conversa com o acusado Bruno na porta da Boate, conforme relatou na delegacia; Que a testemunha confirma a informação dada na delegacia de polícia de que “houve uma confusão na frente da boate e um homem saiu correndo, sendo imediatamente perseguido por BRUNO TRINDADE, CLEUSON, RABICÓ e um outro rapaz que a depoente não conhece; QUE, a depoente viu quando o homem escorregou e caiu em uma poça de lama e, neste momento, foi cercado por BRUNO, CLEUSON, RABICÓ e o outro rapaz, os quais passaram a pegar blocos de concreto e passaram a arremessar contra a cabeça e o corpo do homem que estava caído; o homem se mexia, colocando os braços na frente do rosto e tentando se defender”; Que a informante confirma a declaração dada na delegacia de polícia de que “o homem já não mais reagia, e os rapazes não paravam de bater com as pedras; Que os rapazes passaram alguns minutos jogando pedras na cabeça do rapaz; Que a depoente e ARIANDE pediam para eles pararem de jogar pedras, mas eles não atendiam, inclusive a depoente chegou a empurrar BRUNO, segurou CLEUSON, mas eles estavam ‘doidos’ e continuavam a jogar; Que acredita que eles passaram ‘meia hora jogando pedras’ e somente pararam quando o rapaz já estava ‘se batendo todo’, mas nada dizia”; Que a informante confirma a declaração dada na delegacia de que “passou mal, pois estava grávida e foi amparada pela ARIANDE”; Que a informante confirma em juízo a declaração dada na delegacia de que “os rapazes saíram correndo em direção à Avenida Guajajaras; QUE, a depoente e ARIANDE voltaram para a frente da Boate Marrocos, e passados alguns minutos, BRUNO, CLEUSON, RABICÓ e o outro rapaz retornaram, sendo que BRUNO perguntou sobre o rapaz, e a depoente falou que eles haviam matado o rapaz, pois ele ficou se tremendo todo e depois não se mexeu mais; QUE, BRUNO disse a seguinte frase: “isso foi só pra ele botar fé na minha cara”; Que a informante confirma que advertiu o acusado dizendo que ele “estava era lascado”, e o acusado Bruno ficou rindo; Que a informante confirma a informação dada na delegacia de “que neste momento chegou uma viatura da Polícia Militar, e BRUNO foi falar com os militares dizendo que um tal de NEGO LÉO havia roubado seu cordão, apontando-o, e os policiais militares pegaram NEGO LÉO e colocaram na viatura; QUE, os policiais foram conversar com a informante e ela falou que viu NEGO LÉO pegando o cordão, e falou para a informante acompanhá-los até o Plantão da DECOP; QUE, a informante foi colocada no banco traseiro da viatura, enquanto BRUNO, CLEUSON, RABICÓ, o quarto elemento que não conhece, e ainda NEGO LÉO foram colocados no xadrez da viatura, e todos foram conduzidos para o Plantão DECOP”; que a informante acrescenta que lá Bruno e os demais deram o endereço errado e a informante deu seu endereço certo, e a polícia foi bater primeiramente na casa da informante, sendo que ela não estava nem com eles, e eles querendo meter a informante em coisa que ela não tinha nada a ver; que a informante confirma que afirmou na delegacia que Bruno é filho de MARIA DE RIBAMAR TRINDADE e morava na Vila Ariri; Que depois que a informante deu o depoimento na delegacia, a vida da informante virou um inferno e houve gente ameaçando a informante por causa disso; Que as ameaças foram feitas pelos parentes do acusado Bruno e ele sabe muito bem quem são os parentes dele; que ao lado da casa da informante mora a filha do acusado Bruno e ele está colocando até a filha dele em risco; que, por causa dessas coisas de Bruno, os filhos da informante estão todos em um abrigo, em razão das confusões e do nome da informante estar envolvido com a justiça. Por sua vez, o depoimento da testemunha ARIADNE RAYANE VIERA, embora limitado em seu alcance perceptivo, confirma a presença de Márcia Camila e do acusado no local, bem como o ambiente de confusão generalizada, o que corrobora, em parte, a versão apresentada: Que a testemunha estava na festa no dia dos fatos; Que a testemunha não conhecia a vítima nem nenhum dos envolvidos; Que a testemunha não conhece a pessoa alcunhada “Rabicó”; Que a testemunha só conhecia aquele que era namorado da amiga da testemunha, mas só de longe, de festa, sem manter amizade com nenhum deles; Que a testemunha lembra da briga que houve na festa no dia dos fatos; Que a testemunha não sabe o motivo da confusão; Que a testemunha soube, na delegacia, no dia em que foi depor, que a vítima tinha morrido; Que no dia dos fatos a testemunha não viu as pessoas correndo atrás da vítima, nem presenciou a confusão que gerou a morte da vítima; Que a testemunha lembra muito bem o que falou na delegacia; Que, na delegacia, a testemunha afirmou que estava na festa; Que a testemunha não conhece nem a vítima nem as pessoas envolvidas na morte da vítima; Que, se houver fotos, a testemunha pode tentar identificar essas pessoas, mas até agora, das outras vezes em que mostraram, a testemunha não reconheceu ninguém; Que a testemunha lembra que, no dia dos fatos, estava em uma festa e sua colega correu, e então a testemunha também correu, já havia uma confusão e aglomeração de gente; Que havia muita gente na confusão; Que a testemunha não chegou a ouvir os tiros que teriam sido disparados pela vítima, Que estaria armada; Que a testemunha não ouviu tiros; Que, quando a colega da testemunha correu, a briga já estava acontecendo do lado de fora; Que, quando a testemunha olhou, havia uma aglomeração de cerca de seis, sete ou oito pessoas, por aí; Que a testemunha não ouviu falar que um indivíduo chamado “Rabicó” teria tido uma rixa com a vítima anteriormente; Que a testemunha não conhece “Rabicó” e nunca o viu; Que há muito tempo a testemunha foi ouvida na delegacia; Que a testemunha não se lembra de, na delegacia, ter atribuído culpa a alguém; Que a testemunha não chegou a ver a vítima depois; Que a testemunha não sabe o motivo da briga; Que só poderá dizer se conhece Bruno Trindade se o vir por foto; Que, na noite dos fatos, a testemunha estava com Márcia Camila; Que Márcia Camila era amiga da testemunha e estava com ela na festa; Que, quando Márcia Camila correu a uma certa distância, a testemunha correu para chamá-la, mas a confusão e a aglomeração já haviam se formado; Que a testemunha conhecia Bruno Trindade, ex-companheiro de Márcia Camila, apenas de vista, de longe, de festas, mas nunca chegou a cumprimentá-lo ou conversar com ele; Que no local havia bastante gente e estava escuro; Que a testemunha não viu Bruno Trindade correndo atrás da vítima, pois correu atrás de Márcia Camila e não dele; Que a testemunha viu Márcia Camila correndo, e não Bruno; Que o acusado Bruno Trindade estava naquela confusão; Que a testemunha não viu muito bem, pois já havia uma aglomeração e o rapaz já estava no chão; que Márcia Camila não é mais amiga da testemunha há muito tempo; Que a testemunha não tem mais notícias de Márcia Camila; Que foi Márcia Camila quem forneceu o endereço da testemunha; que a testemunha não conhecia “Rabicó” nem nenhum dos envolvidos; Que a testemunha também não conhecia a vítima. As demais testemunhas, ainda que não tenham identificado diretamente os autores das agressões, confirmam a ocorrência de tumulto, perseguições e violência no local dos fatos, o que, somado ao conjunto probatório, autoriza o juízo positivo de admissibilidade da acusação. A seu turno, LUZIA RIBEIRO FERREIRA quando ouvida em juízo, informou que: Que a testemunha não se lembra dos fatos; que a testemunha não se recorda de ter prestado depoimento no 10º DP; Que a testemunha quer que seja lido o depoimento que prestou no 10º DP; Que, ao ser lido seu depoimento, a testemunha se recorda do que se trata; Que, apesar de não se recordar muito, a testemunha confirma o depoimento prestado na delegacia, pois realmente era gerente na boate à época dos fatos e realmente escutou os tiros, mas apenas fechou o portão e não viu quem era; Que a testemunha não ouviu comentários sobre quem seriam os autores da morte da vítima; Que, passados cerca de um ano dos fatos, a testemunha foi embora de São Luís e foi morar em Bacabeira; Que, nesse período, não houve comentários sobre quem seriam os autores do crime; que a testemunha não ouviu falar em Bruno e Rabicó; Que, à época em que a testemunha trabalhou na boate, ela se chamava Marrocos, e quando passou a se chamar Dama da Noite, a testemunha já não trabalhava mais lá; Que, naquele dia, a testemunha apenas ouviu tiros, mas não chegou a ver nada, apenas fechou o portão, todo mundo entrou, e a testemunha fechou a boate e não viu mais nada; que a testemunha não se recorda de ter visto linchamento de várias pessoas contra uma pessoa, nem briga de um grupo. Quanto à testemunha WANDERSON DA SILVA, ouvida em juízo, declarou, em síntese: Que a testemunha estava na boate no dia dos fatos; Que a testemunha estava acompanhada de Ermínio, Cris, Nego Léo e a vítima Max; Que o acusado estava no começo da confusão; Que estavam no bar, terminou a festa e, na saída, todo mundo estava saindo quando Nego Léo tomou o cordão de um rapaz lá, na saída; Que quem tomou o cordão do rapaz foi Nego Léo; Que a testemunha não sabe o nome de Nego Léo, só o conhece por esse apelido; Que Nego Léo é irmão de Cris; Que começou a confusão da galera lá; Que a vítima Max puxou uma arma; Que, na hora em que a vítima puxou a arma, eles desceram correndo a rua, e a vítima correndo atrás; Que a vítima ficou atirando neles até lá embaixo; que, nisso, eles correram e a testemunha ficou; Que a testemunha não sabe dizer se a vítima estava atirando para cima ou se estava atirando neles, pois só dava para escutar os tiros; Que, como eles correram, a vítima só estava atirando para cima; Que a vítima deve ter atirado para assustar; Que a testemunha ficou no local e, quando se deu conta, a vítima estava vindo com a arma na mão; Que a testemunha reconheceu a vítima de longe; Que a vítima ainda não estava tão próxima quando a testemunha viu um rapaz dar uma pesada, uma “voadora”, na vítima; Que a vítima caiu para o lado e saiu correndo, entrando em uma ruazinha; Que a testemunha não sabe dizer quem foi o rapaz que deu a “voadora” na vítima; que, na hora, a testemunha ficou nervosa e não sabia o que fazer; Que, desde o começo, a testemunha ficou assustada; que deram uma “voadora” na vítima, ela caiu e saiu correndo para uma rua; Que a testemunha acha que a vítima não tinha mais munição no revólver e acredita que foi por isso que a vítima não revidou e acabou acontecendo aquilo com ela; Que, além da pessoa que deu a “voadora” na vítima, deu para ver que uma galera correu atrás dela; que não dava para ver quem era, mas deu para perceber que havia mais pessoas correndo atrás da vítima; Que, no primeiro momento em que Nego Léo pegou o cordão, não deu para ver quem eram as pessoas que quiseram bater no grupo da testemunha; Que foi no final da festa e tudo aconteceu muito rápido; Que, se a testemunha olhar, não sabe dizer se foi o acusado, porque já faz muito tempo; Que a testemunha não consegue reconhecer os autores; Que, nem na época em que foi ouvido na delegacia, a testemunha falou o nome dos autores, pois não sabia quem eram; Que a testemunha ficou “rodado” lá no dia dos fatos e permaneceu no terminal; Que a testemunha saiu correndo para as bandas do terminal e lá ficou até de manhã; Que não foi ao velório nem ao enterro da vítima porque não tinha muita intimidade com ela; Que não soube da morte da vítima no dia dos fatos; Que a testemunha pegou um ônibus de manhã e foi para casa, ainda sem saber da morte da vítima; Que a testemunha pensou que a vítima tinha apenas saído correndo; que a testemunha soube da morte da vítima no outro dia, por volta das 12h; Que a testemunha acredita ter sido esse o depoimento prestado à polícia; que a testemunha não lembra dos outros dois acusados; Que a testemunha havia conhecido a vítima há cerca de três meses e que não eram amigos próximos; que a testemunha não consegue identificar ninguém que participou dos fatos; Que a testemunha não chegou a ver a morte da vítima porque estava de longe; Que a testemunha viu apenas a vítima vindo; que viu a vítima vindo e um rapaz se aproximando e desferindo uma pesada nela, fazendo com que caísse; que, nessa hora, a testemunha ficou assustada; Que havia muita gente; que a testemunha ficou sem rumo e saiu correndo para as bandas do terminal, subindo; Que havia muita gente naquele dia na boate; Que a testemunha e a vítima tinham ido no mesmo veículo para a boate; Que a testemunha é conhecida pelo apelido de “Sinal”; Que a vítima foi no mesmo veículo que a testemunha e mais três pessoas; Que eram cinco pessoas no carro; Que o grupo da testemunha não tinha problemas com outro grupo e nem fazia parte de facção; Que a testemunha acha que, naquela época, nem havia isso de facção; que não existia essas coisas de facção naquele tempo. Anderson Roberto Melônio Sousa declarou que não estava presente na festa nem presenciou qualquer desdobramento da confusão criminosa, tendo sido ouvido apenas em razão de sua CNH ter ficado no veículo em que a irmã da vítima prestara carona uma semana antes; afirmou não conhecer o acusado Bruno Trindade e nada ter a acrescentar aos autos, por não dispor de qualquer informação relevante sobre o episódio. O acusado negou envolvimento nos fatos, afirmando que já se encontrava detido quando o crime ocorreu e que soube da morte da vítima apenas no dia seguinte. Atribuiu a imputação feita por Márcia Camila a desavenças pessoais e ciúmes, sustentando que não conhece os autores do crime e não estava no local da agressão.: Que o acusado tem um processo antigo, no qual foi acusado de um roubo, mas nunca chegou nada para ele; Que o acusado não sabe se foi condenado por esse roubo; Que o acusado não participou da morte da vítima e nem sabe quem participou; que, no dia em que os fatos aconteceram, o acusado foi detido por causa de um cordão, e quando foi solto, já era de manhã; Que foi quando ficou sabendo dos fatos; Que o acusado ouviu o depoimento de sua ex-companheira; Que o acusado confirma que seu cordão foi realmente tomado, mas nega envolvimento com o crime; Que sua ex-companheira tinha motivos para dizer que o acusado participou dos fatos, porque o perseguia, e em todas as festas em que o acusado estava, se ela o visse, queria “bagunçar” com ele; Que a ex-companheira do acusado foi detida, e foi determinada uma medida para que ela não se aproximasse dele; Que o acusado não tinha como ter dito nada à ex-companheira, pois já estava detido e só saiu no dia seguinte; Que o acusado não estava no momento dos fatos; Que o acusado estava na boate, mas não estava presente na hora da morte; Que o acusado não foi conduzido com Rabicó, e sim com outro grupo; Que o acusado nega tudo; Que não foi ele quem participou da morte da vítima; Que sua ex-companheira o acusou por tê-lo visto com outra menina, e sempre que o via, queria “bagunçar” com ele; Que a ex-companheira armou toda essa situação por ciúmes do acusado; Que sempre que ela o via, queria confusão, e o acusado acredita que ela ficou zangada e quis “laranjar” o acusado em uma coisa que ele não fez; Que o acusado foi detido com Hermínio Machado Lopes; Que foram detidos em momento anterior à confusão que ocorreu na festa; Que a confusão estava acontecendo mais à frente, e a viatura já estava em frente à boate Dama da Noite quando os levaram; Que o acusado foi detido por causa do cordão; Que tomaram o cordão da menina que estava com o acusado no Dama da Noite; Que a viatura apareceu; Que o acusado estava na boate quando roubaram o cordão da menina, e foi quando saiu da boate que a viatura chegou; Que, com a chegada da viatura, foram levados logo para a DECOP, mas no local onde ocorreu o crime o acusado não estava; Que o acusado não sabe quem matou a vítima, e só ficou sabendo no outro dia, quando comentaram com ele; Que o acusado ouviu por alto que o autor do crime teria sido um tal de “Rabicó”; que o acusado tem uma filha de 15 anos com a informante Márcia; Que não tem mais nada a acrescentar além do que já foi perguntado. Como é consabido, o fundamento jurídico da decisão de impronúncia repousa na ausência de provas da existência do fato delituoso ou na inexistência de elementos indicativos mínimos de autoria ou participação, o que manifestamente não se verifica na hipótese vertente. Com efeito, não há como se impronunciar o acusado porquanto tal providência processual somente se justifica quando a imputação deduzida pela acusação revela-se integralmente dissociada do conjunto probatório coligido aos autos, o que, no presente caso, não ocorre. O conjunto da prova testemunhal colhida em juízo, composto pelos depoimentos da informante e das testemunhas ouvidas, revela um contexto fático minimamente coeso, que aponta para a presença do acusado no local dos fatos e para sua potencial participação nas agressões que culminaram na morte da vítima, ainda que com divergências e limitações naturais à memória e ao alcance perceptivo de cada depoente. As declarações prestadas, especialmente aquelas que situam o acusado no cenário da perseguição e da agressão, apresentam convergência razoável quanto à dinâmica dos acontecimentos, e são corroboradas pelo exame pericial acostado aos autos, o qual confirma a natureza e o padrão das lesões sofridas pela vítima, compatíveis com os meios de execução descritos. Diante desse conjunto probatório, impõe-se o prosseguimento da ação penal, cabendo ao Tribunal do Júri, juízo natural da causa, a análise aprofundada da culpabilidade, da autoria e das circunstâncias do crime, à luz da prova produzida. Veja-se que não se pode, nesta fase, extrair do conjunto probatório prova cabal de que o acusado em alusão efetivamente não cooperara para morte da vítima, não sendo, pois, acertada a decisão de impronúncia. Colhe-se dos depoimentos prestados em Juízo substrato mínimo que revelam a autoria dos fatos, não se podendo esquecer que, no âmbito da pronúncia, não é aceitável uma fundamentação exauriente a respeito das circunstâncias do delito, sob pena de se incorrer no vício de excesso de linguagem, imiscuindo-se na competência constitucional do Júri. In casu, há prova mínima, judicializada e fora garantido ao acusado garantido o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa que lhe são inerentes, condições para decisão de pronúncia conforme compreensão de ambas as Turmas criminais do STJ (AgRg no AREsp n. 1.878.528/AL, Sexta Turma, DJe de 22/9/2022). Destarte, impõe-se reconhecer que as versões apresentadas, os testemunhos colhidos e os elementos probatórios constantes dos autos, inclusive de natureza pericial, reclamam detida valoração e exame exauriente, o que somente pode ser realizado pelo Tribunal Popular, a quem cabe, por força constitucional, decidir sobre a responsabilidade penal do acusado. Do mesmo modo, o acervo probatório não demonstra claramente, até o momento, quaisquer circunstâncias que excluam o crime ou isente o acusado de pena. Por fim, cumpre reiterar que o juízo ora formulado não consubstancia certeza, mas tão somente a verificação da presença de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, pressupostos que autorizam a submissão do feito ao crivo do Tribunal do Júri. IV – DAS QUALIFICADORAS No que tange às qualificadoras do crime de homicídio, a matéria não comporta maiores digressões, porquanto pacífico o entendimento de que tais circunstâncias somente podem ser afastadas quando manifestamente dissociadas do conjunto probatório constante nos autos (AgRg no AREsp n. 2.198.026/MT, Ministro João Batista Moreira, Desembargador convocado do TRF1, Quinta Turma, DJe 3/5/2023). No caso em apreço, a imputação formulada pelo Ministério Público encontra respaldo nos elementos indiciários constantes dos autos, sendo juridicamente possível, nesta fase processual, a manutenção da capitulação jurídica prevista no art. 121, § 2º, incisos II (recurso que dificultou a defesa da vítima), III (meio cruel) e IV (motivo fútil). Com efeito, à míngua de prova inequívoca no sentido de sua manifesta improcedência, impõe-se o reconhecimento da presença das referidas qualificadoras nesta fase de admissibilidade da acusação, porquanto sua exclusão somente se justifica quando forem absolutamente dissociadas dos elementos probatórios constantes dos autos, o que, como se vê, não é a hipótese. A qualificadora do motivo fútil, prevista no art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, deve ser mantida, uma vez que os elementos dos autos indicam que o crime teria ocorrido em razão de desentendimentos durante uma festa em razão da substração de um cordão, o que, em tese, pode caracterizar a qualificadora, cabendo ao Tribunal do Júri apreciá-la. No que diz respeito à qualificadora do meio cruel, consta da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal (nº38) que meio cruel é aquele que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade. – Negritou-se e destacou-se. Por sua vez, o professor CEZAR ROBERTO BITENCOURT3 ensina: (...) Meio cruel é a forma brutal de perpetrar o crime, é meio bárbaro, martirizante, que revela ausência de piedade, v. g., pisoteamento da vítima, dilaceração do seu corpo a facadas etc. Meio cruel é o que causa a esta sofrimento desnecessário. No caso concreto, o laudo de exame cadavérico descreve múltiplas lesões externas e internas na vítima, como equimoses, escoriações, fraturas no crânio e hemorragias encefálicas, compatíveis com ação violenta e repetida mediante emprego de instrumentos contundentes. Tais circunstâncias, em tese, evidenciam sofrimento físico intenso, devendo a análise definitiva sobre a presença da qualificadora ser feita pelo Tribunal do Júri. Ademais, há relatos de que a vítima foi cercada e agredida com pedras e objetos contundentes, o que, em tese, pode indicar forma especialmente dolorosa de execução, devendo a sua configuração ser apreciada pelo Conselho de Sentença. Diante desse cenário, mostra-se prematuro qualquer juízo de exclusão da qualificadora relativa ao meio cruel, cuja subsunção típica deverá ser submetida ao crivo do Tribunal do Júri, no exercício de sua competência constitucional para valorar, com soberania, os elementos de prova produzidos sob o crivo do contraditório. Quanto à qualificadora relativa ao recurso que impossibilitou/diminuiu a defesa da vítima, os relatos colhidos durante a instrução criminal que indicam que, em tese, a vítima foi perseguida por um grupo de pessoas, o que, em tese, pode ter limitado suas possibilidades de reação, sendo matéria a ser examinada pelo Tribunal do Júri. Tais circunstâncias, em tese, evidenciam indícios suficientes da adoção de estratégia deliberada para neutralizar qualquer resistência da vítima, o que, justificaria o reconhecimento da qualificadora nesta fase, sendo certo que sua valoração definitiva deverá ser submetida à apreciação soberana do Tribunal do Júri, a quem incumbe o juízo definitivo sobre os elementos subjetivos e objetivos que qualificam o delito doloso contra a vida. Concluo, pois, que os subsídios colhidos autorizam a admissibilidade do jus acusationis, à vista a presença dos pressupostos legais, os indícios de autoria e coautoria e a materialidade da infração, na modalidade de homicídio qualificado por motivo fútil, recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima e meio cruel. V- DO DISPOSITIVO Ex positis, presentes a materialidade do fato e indícios de autoria e não restando evidenciada de forma inequívoca, na fase instrutória do processo, qualquer das descriminantes a que se refere o art. 23 do Código Penal, ou, ainda, qualquer das hipóteses previstas no art. 415 do CPP, não sendo também o caso de o MM. Juiz remeter o processo ao juízo competente (art. 419 do CPP), PRONUNCIO o acusado BRUNO TRINDADE, por incidência comportamental descrita no art.121, § 2º, incisos II, III e IV, c/c o artigo 29, ambos do Código Penal, em conformidade ao que estabelece o art. 413 da Lei Adjetiva Penal, a fim de que sejam submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, alínea “d”, CF). Com a devida reverência aos princípios basilares da eficiência e celeridade processual, rogo, ao cabo desta exposição, que as partes, ao serem cientificadas da presente decisão, e caso não pretendam interpor recurso, registrem de maneira expressa o "CIENTE SEM RECURSO". Outrossim, é de se considerar ainda que o Superior Tribunal de Justiça adota uma interpretação restritiva no que tange à intervenção da vítima ou de seus familiares na qualidade de assistentes de acusação. A atuação desses assistentes é admitida exclusivamente nos atos expressamente elencados no art. 271 do Código de Processo Penal, o que impõe limites claros à sua participação processual. Assim, a legitimidade recursal do assistente de acusação só se configura diante da inércia do Ministério Público e, ainda, depende da natureza jurídica da decisão que se pretende impugnar (STJ - HC 430317/ES, 2017/0331114-0). Em harmonia com o entendimento consolidado, dada a natureza da decisão de pronúncia e considerando que sua comunicação formal ao órgão ministerial é suficiente para fins processuais, torna-se desnecessário o aguardo de prazo recursal por parte dos familiares da vítima. Dessa forma, bastará a intimação desses familiares, ficando dispensada a abertura de prazo para recorrer após inércia recursal do Ministério Público, em observância aos princípios da celeridade processual e da eficiência. Após a preclusão, intimem-se às partes, para os fins do art. 422 do CPP. Em caso de interposição de Recurso em sentido estrito pelas partes, diante da inexistência de efeito suspensivo dos recursos constitucionais, eventuais recursos deverão ser processados na forma de instrumento, com cópia integral dos autos. Publique-se e intimem-se. Ressalte-se que o presente feito integra a Meta 2-A do Conselho Nacional de Justiça, razão pela qual todas as intimações e diligências devem ser cumpridas com prioridade. São Luís/MA, datado e assinado eletronicamente. Juiz JOSÉ AUGUSTO SÁ COSTA LEITE Funcionando pela 1ª Vara do Tribunal do Júri PORTARIA-CGJ - 19442025 1 (in Curso de Processo Penal, Ed. Del Rey, 6ª ed., 2006, p. 563/564). 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Pg. 605 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 3 Tratado de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo, ed. Saraiva, vol. 2, 3ª ed., 2003, p. 71-72.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear
Encontrou 9208 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.
Fazer Login para Ver Detalhes