Processo nº 0000275-41.2020.8.10.0115
ID: 324405614
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000275-41.2020.8.10.0115
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA APELAÇÃO CRIMINAL Nº. 0000275-41.2020.8.10.0115 ORIGEM: 1ª VARA DA COMARC…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA APELAÇÃO CRIMINAL Nº. 0000275-41.2020.8.10.0115 ORIGEM: 1ª VARA DA COMARCA DE ROSÁRIO APELANTES: PAULO ANDRE SILVA DE CASTRO e JOSE FRANCISCO SOARES DA SILVA REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO PROMOTORA: MARIA CRISTINA LOBATO MURILLO INCIDÊNCIA PENAL: ART. 33, CAPUT DA LEI Nº 11.343/2006 E ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003 ÓRGÃO JULGADOR: 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL RELATOR: Desembargador RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA REVISOR: Desembargador ANTÔNIO FERNANDO BAYMA ARAÚJO Ementa: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILAGEL DE ARMA DE FOGO. INGRESSO POLICIAL EM DOMICÍLIO SEM MANDADO JUDICIAL. DENÚNCIA ANÔNIMA SEM PRÉVIA INVESTIGAÇÃO. BUSCA DOMICILIAR AUTORIZADA POR TERCEIRO. ILICITUDE DA PROVA POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO SEM FUNDADAS RAZÕES. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta por Paulo Andre Silva de Castro e José Francisco Soares da Silva contra sentença que os condenou pelo crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), e, no caso do primeiro apelante, também pelo crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei nº 10.826/2003), com base em provas decorrentes de busca domiciliar realizada por policiais militares após denúncia anônima, sem mandado judicial e sem consentimento do morador. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se o ingresso dos policiais no domicílio dos apelantes foi legítimo, à luz do art. 5º, XI, da CF/1988, e da jurisprudência do STF (Tema 280); e (ii) saber se, à míngua de outras provas lícitas, é possível manter a condenação penal com base exclusivamente em provas declaradas ilícitas por derivação. III. Razões de decidir 3. A Constituição Federal (art. 5º, XI) e a jurisprudência consolidada do STF (Tema 280) e do STJ exigem fundadas razões, devidamente justificadas, para autorizar o ingresso domiciliar sem mandado judicial. A denúncia anônima, desacompanhada de diligências investigativas, não constitui justa causa para a violação do domicílio. 4. A entrada na residência dos apelantes foi motivada apenas por denúncia anônima, sem investigação prévia ou fundadas razões que caracterizassem flagrante delito, sendo autorizada por terceiro não morador do imóvel. 5. A entrada do imóvel permitida por terceiro não supre a autorização do morador da unidade habitacional. 6. No caso, os policiais ingressaram na residência apenas com base em denúncia anônima, sem qualquer monitoramento prévio, flagrante visual externo, ou consentimento do morador, o que caracteriza prova ilícita. 7. A ausência de consentimento dos moradores e de diligência prévia para verificação da denúncia compromete a legalidade da diligência policial, tornando ilícitas todas as provas dela decorrentes. 8. Considerando que todas as provas da materialidade e autoria decorreram diretamente da busca ilegal, e que não subsistem outras provas válidas nos autos, impõe-se a absolvição por ausência de provas lícitas da autoria. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso conhecido e provido para absolver o réu com fundamento no art. 386, V, do CPP, em razão da ilicitude das provas obtidas mediante violação domiciliar. Em desacordo com o parecer ministerial. Tese de julgamento: “1. A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial exige a presença de fundadas razões, sob pena de ilicitude da prova obtida e de todas as dela derivadas. 2. É ilícita a prova obtida mediante ingresso domiciliar não autorizado, fundado exclusivamente em denúncia anônima e sem investigação preliminar. 3. A autorização de ingresso por terceiro não morador não supre a ausência de consentimento do ocupante da residência. 4. A ausência de provas lícitas da autoria enseja absolvição penal com fundamento no art. 386, V, do CPP.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CPP, art. 386, V; Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput; Lei nº 10.826/2003, art. 12. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 05.11.2015; STJ, HC 505.705/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 17.12.2019; STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 2271391/MT, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 20.02.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos, proferiu a seguinte decisão "UNANIMEMENTE, CONTRA O PARECER DA DOUTA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA, A PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DEU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR RELATOR". Votaram neste julgamento os Senhores Desembargadores José Joaquim Figueiredo dos Anjos, Antonio Fernando Bayma Araujo e Raimundo Nonato Neris Ferreira – Relator. Presidência do Excelentíssimo Desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Procurador Eduardo Jorge Hiluy Nicolau. Sessão Virtual da Primeira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, com início em 01/07/2025 e término em 08/07/2025. Desembargador Raimundo Nonato Neris Ferreira Relator RELATÓRIO Paulo Andre Silva de Castro e José Francisco Soares da Silva interpuseram recurso de apelação criminal visando a reforma da sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara da Comarca de Rosário que julgou procedente a denúncia e os condenou pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (art. 33, caput da Lei n. 11.343/2006), bem como condenou Paulo Andre Silva de Castro pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/03). O primeiro foi condenado à pena de 06 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, bem como 573 dias-multa e o segundo, à pena de 05 anos de reclusão e 500 dias-multa, ambos em regime inicialmente semiaberto. Na oportunidade, o juízo de origem concedeu aos sentenciados o direito de recorrer em liberdade - sentença id. 42846989. Consta da denúncia (id. 42846878, págs. 04-05) que em 30 de abril de 2020, por volta das 06h30min, no povoado Prata, município de Rosário/MA, os apelantes foram presos em flagrante ao serem encontrados em posse de 01 (uma) pistola Taurus, calibre .380, cuja a propriedade foi assumida por Paulo Andre Silva de Castro, bem como foram apreendidas 02 (duas) porções de cocaína e mais 03 (três) trouxas da mesma substância, em massa líquida total de 44,852g (quarenta quatro gramas oitocentos cinquenta dois miligramas) de material branco sólido. Segundo consta da peça inicial, a polícia militar teria recebido informação, via telefone, de movimentação de tráfico de drogas e uma quitinete, ao se deslocarem até o local, fizeram busca no interior do imóvel e ali apreenderam as drogas e a arma. A substância entorpecente foi submetida a exame e constatada a presença de COCAÍNA na forma de SAL, substância esta de uso proscrito no Brasil. O laudo de exame em arma de fogo e cartuchos, constatou a eficiência para disparos (id. 42846878, págs. 43-46 e págs. 65-69). Em suas razões recursais (id. 42847003), a defesa sustenta a nulidade da prova por ilegalidade na invasão de domicílio, sem mandado judicial ou flagrante devidamente caracterizado, violando o art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Argumenta-se que todas as provas obtidas estão contaminadas por ilicitude, requerendo-se sua exclusão e consequente absolvição dos réus com base no art. 386, VII, do CPP. Subsidiariamente, pleiteia-se o reconhecimento da atipicidade da conduta para consumo pessoal, com fundamento na recente decisão do STF no RE 635.659 (Tema 506), que declarou a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, estendendo os efeitos aos usuários de outras substâncias além da maconha. Requer-se ainda, para Paulo André, a absolvição pelo crime de posse ilegal de arma por ausência de provas ou, alternativamente, a aplicação do princípio da consunção, absorvendo tal crime pela majorante do art. 40, IV, da Lei 11.343/06 e ausência de fundamentação para exasperação da multa. Por fim, requer-se a aplicação da causa de diminuição do tráfico privilegiado ao réu José Francisco, na fração máxima de 2/3 (dois terços), aplicação da pena restritiva de direitos, cômputo de tempo de prisão cautelar e adequação do regime inicial de cumprimento de pena. O órgão ministerial de 1º grau apresentou contrarrazões ao apelo no id. 42847008, pugnando pelo desprovimento do recurso. Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (id.44013159). É o relatório. VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise. 1. Da questão preliminar ao mérito - irregular violação de domicílio - e da ausência de provas Verifico que o cerne do apelo gira em torno da legalidade do ingresso na residência dos apelantes, local em que foram encontrados 44,852g (quarenta e quatro gramas e oitocentos e cinquenta e dois miligramas) de material branco sólido, contendo COCAÍNA na forma de SAL e a arma de fogo. Nesse sentido, o Órgão Ministerial aduz, de um lado, que os elementos de provas constantes dos autos são suficientes à constatação da narcotraficância e posse irregular de arma de fogo, não havendo dúvida apta a elidir as conclusões perfilhadas em suas manifestações processuais. Enquanto isso, de outro, a defesa se orienta no sentido de que as provas produzidas nos autos pela acusação, são incapazes de autorizar a prolação de ordem condenatória, uma vez que a entrada foi justificada apenas em uma denúncia anônima, sem prévia investigação. A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, estabelece a garantia fundamental da inviolabilidade domiciliar, preconizando que a ninguém é dado o direito de adentrar na casa de outrem sem que este o consinta. Entretanto, a mesma norma proibitiva excepciona a regra que cria, ao permitir o ingresso residencial nos casos de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Confira-se: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Interpretando esse comando constitucional, o Supremo Tribunal Federal definiu, em sede de repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo, a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno, quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (Tema 280). O Superior Tribunal de Justiça também possui julgado no mesmo sentido: “A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar.” (STJ. 6ª Turma. REsp 1.574.681/RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017). Como se nota, faz-se necessária a existência de fundadas razões que justifiquem o flagrante com o consequente ingresso na residência, sob pena de contrariar o inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, ainda que se esteja diante de um suposto crime de tráfico de drogas. Ocorre que, no caso dos autos, o flagrante não se justificou. Nesse sentido: PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO MINISTERIAL DE AFASTAR ABSOLVIÇÃO. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO INJUSTIFICADA. DENÚNCIA ANÔNIMA. FUGA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não configura justa causa para o ingresso de policiais no domicílio indicado. Tampouco o fato de um indivíduo correr para o interior de seu domicílio ou empreender fuga, ao avistar a guarnição policial, constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que, na residência em questão, estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não . Outrossim, é firme o entendimento deste Superior Tribunal no sentido de que nem mesmo a conjugação de desses dois fatores (denúncia anônima e fuga do agente após visualizar os policiais), como na hipótese dos autos, denota justa causa para a violação de domicílio, sendo imprescindível a prévia investigação policial para verificar a veracidade das informações recebidas. Precedentes" (AgRg no REsp n. 2.082.620/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/11/2023, DJe de 1º/12/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 2271391 MT 2022/0402026-4, Relator.: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 20/02/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/02/2024) - grifo nosso. Os elementos de informações colhidos na fase policial mediante denúncia anônima, informando que na residência ocorria intenso tráfico de drogas, não deveriam ensejar a abordagem prematura e sem prévia investigação. Não há nos autos nenhuma outra informação corroborando as suspeitas, não houve monitoramento ou campanas no local, nem outras investigações complementares, e, por fim, não houve consentimento dos apelantes para o ingresso na residência. O fato de se tratar de um complexo de quitinetes pode permitir que algum vizinho autorize a entrada na área comum e no seu próprio quitinete, mas não permite que os policiais adentrem na residência de outro morador, ainda que o terceiro tenha se identificado como dono do local. Os autos evidenciam que houve a entrada no domicílio, todavia esta ocorreu sem autorização do morador e sem ordem judicial. A testemunha Deijames de Paulo Freitas Gonçalves, policial militar que realizou a prisão em flagrante, afirmou em juízo (mídia audiovisual id. 42846982): TESTEMUNHA: - A quitinete era, salvo engano, do vizinho ao lado. Até hoje acredito que ele seja o dono das quitinetes. [...] Acredito que eles estavam morando lá pela quantidade de coisas que tinha ali dentro, de roupas, de tudo. Entendeu? [...] Pela denúncia eles não estavam há muito tempo lá, porque o denunciante, quando ligou para a central, falaram que eles estavam com dois ou três dias lá. Entendeu? [...] DEFESA: - [...] Eles próprios permitiram o acesso de vocês? TESTEMUNHA: - Não. A gente bateu no vizinho e falou que tinha uma denúncia de tráfico de drogas. O vizinho pegou e, como era dele ali, né; é dele ali, autorizou a gente a entrar lá [...] Por sua vez, a testemunha Linaele Soares Nogueira, que estava no interior da residência no momento da operação policial, afirmou em juízo: DEFESA: - A polícia chegou na quitinete que horas? TESTEMUNHA: - Era umas cinco e pouca da manhã. DEFESA: - É o horário que a senhora falou também na polícia. Eles pediram para entrar na casa, eles solicitaram? TESTEMUNHA: - Não. Não pediram. Eles foram chegando, bateram na porta, a gente abriu a porta e eles foram invadindo. Chama atenção o fato de que o local se tratava de um conjunto com diversas kitnetes e apenas com autorização de um terceiro para adentrar, a equipe policial fez buscas sem mandado e sem autorização no imóvel dos apelados. Outro ponto relevante é que a testemunha policial declarou que a denúncia informava que os apelantes estavam há poucos dias no local, de modo que o intenso tráfico de drogas denunciado, deveria ter sido monitorado e investigado para fins de confirmação. O testemunho policial é claro e preciso ao afirmar que não foi requerida autorização dos moradores para ali adentrar. Pelo relato do policial em juízo não é possível confirmar a necessária e indispensável fundada suspeita a justificar a entrada no interior da residência. Não se trata aqui de desacreditar nas palavras dos agentes de segurança pública, mas de sopesá-las dentro do conjunto probatório, vez que não há nos autos outras provas que indicassem que os apelantes comercializavam entorpecentes, além de uma única denúncia. A condenação exige bem mais do que mera probabilidade ou presunção, mas certeza sobre o cometimento do delito. Na ausência da justificativa para a busca domiciliar, a prova produzida a partir destas diligências deve ser considerada ilícita, mesmo que presente o estado de flagrância. Assim é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. BUSCA PESSOAL. GUARDA MUNICIPAL. ILICITUDE DAS PROVAS. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Nos termos do art. 240, § 2º, do CPP, para a realização de busca pessoal é necessária a presença de fundada suspeita no sentido de que a pessoa abordada esteja na posse de drogas, objetos ou papéis que constituam corpo de delito. 2. Verifica-se dos autos que os "guardas municipais realizavam ronda quando se depararam com o acusado, que correu assim que os viu, fato que levantou suspeita e motivou a abordagem". Foi então realizada a abordagem do acusado em local público, e, na busca pessoal, foi localizada em seu poder "uma sacola que continha 60 porções de maconha e 58 de cocaína". 3. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, quanto à realização de busca pessoal, o próprio § 2º do art. 240 do CPP consagra que é necessária a presença de fundada suspeita para que esteja autorizada a medida invasiva, estando ausente de razoabilidade considerar que o fato de ter o agente, ao avistar os guardas em via pública, aparentado nervosismo ou corrido, enquadre-se na excepcionalidade da revista pessoal ocorrida em seguida. 4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida, e mesmo pela falta de atribuições dos guardas municipais para a busca, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, devendo ser o paciente absolvido da imputação constante na denúncia. 5. Concessão do habeas corpus. Absolvição do paciente da imputação constante na denúncia. Expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso. (STJ. HC n. 704.964/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 15/8/2022). RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. INEXISTÊNCIA. BUSCA DOMICILIAR. INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE. NULIDADE DAS PROVAS. ABSOLVIÇÃO RESTABELECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A alegação de que o Acusado estava saindo de casa com uma mochila e depois teria tentado retornar ao seu interior diante da presença policial não pode ser tida como justificadora da revista pessoal. Com efeito, os arts. 240, § 2.º, e 244, ambos do Código de Processo Penal, exigem que haja fundada suspeita, e não mera impressão subjetiva, sobre a posse de objetos ilícitos para que seja possível a referida diligência. Esta fundada suspeita deve, portanto, ser objetiva e justificável a partir de dados concretos, independentemente de considerações pessoais acerca do "sentimento", "intuição" ou o "tirocínio" do agente policial que a executa. 2. Quanto à busca domiciliar, esta Corte Superior possui firme compreensão no sentido que o retorno do agente à sua casa em razão da presença policial não autoriza a presunção de que nela esteja sendo praticada conduta ilícita. Do mesmo modo, é pacífico o entendimento de que a apreensão de pequena quantidade de drogas na posse do Agente, em via pública, não justifica, por si só, o ingresso domiciliar sem mandado judicial. 3. A jurisprudência desta Corte Superior tem examinado com rigor a suposta autorização para ingresso em domicílio sem registro formal nos autos, afastando esse suposto consentimento quando, como no caso em apreço, as regras de experiência e o senso comum, somados às peculiaridades do caso concreto, não lhe conferem verossimilhança. 4. Recurso especial provido. (STJ. REsp n. 1.953.889/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022). Nota-se dos autos que os policiais ingressaram na residência sem apresentar de maneira inconteste as fundadas razões para o flagrante, apenas com base em denúncia anônima, o que não justifica de pronto a incursão no imóvel, sem nem mesmo a realização de prévio monitoramento e na ausência de autorização do morador. Ainda sobre a denúncia, dizem os Tribunais Superiores: Direito penal e processual penal. Ilicitude de busca e apreensão. 2. Fundamentação em denúncia anônima sem diligências complementares. Ilegalidade. Precedentes. 3. Decisão carente de motivação. A motivação da decisão, além de cumprir com o requisito formal de existência, deve ir além e materialmente ser apta a justificar o julgamento no caso concreto. Ilegalidade de decisão que se limita a invocar dispositivo constitucional sem analisar sua aplicabilidade ao caso concreto e assenta motivos que reproduzem texto-modelo aplicável a qualquer caso. Aplicabilidade do art. 315, § 2º, CPP, nos termos alterados pela Lei 13.964/2019. 4. Ordem de habeas corpus concedida para declarar a ilicitude da busca e apreensão realizada e, consequentemente, dos elementos probatórios produzidos por sua derivação. Trancamento do processo penal por manifesta ausência de justa causa. (STF. HC 180709, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 05-05-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 13-08-2020 PUBLIC 14-08-2020). * * * A denúncia anônima, quando ausentes outros indícios graves, não é elemento suficiente para a autorização de atuação estatal insidiosa na privacidade dos cidadãos, como para justificar interceptações telefônicas, invasão de domicílio ou mandado de busca e apreensão. (STJ. 6ª Turma. RHC 88.642/RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 26/11/2019). Sobre a busca autorizada por terceiro apontado como morador de outra kitnet e possível proprietário, o Superior Tribunal de Justiça também possui entendimento de ilegalidade da medida: PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. PROVA ILÍCITA. BUSCA DOMICILIAR AUTORIZADA POR TERCEIRO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO FORÇADO DOS POLICIAIS. ABSOLVIÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XI, estabelece que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616/RO, esclareceu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro GILMAR MENDES, julgado em 05/11/2015). 4. No caso, segundo se infere, a operação policial que resultou na apreensão da droga na casa da paciente se originou de denúncia anônima. Inicialmente, a ré foi submetida a revista pessoal na rua e com ela nada foi encontrado. Em seguida, os policiais se deslocaram até a sua residência, tendo sido a busca domiciliar autorizada por terceiro - apontado como locador do imóvel e proprietário do terreno onde estava a casa. 5. Como se verifica, não há qualquer das hipóteses constitucionais autorizadoras para o ingresso forçado dos policiais no domicílio da ré. A uma porque a entrada no imóvel foi permitida por terceiro, apontado como proprietário do terreno onde a casa estava localizada, quando apenas ao morador da unidade habitacional caberia tal autorização. A duas porque ausente qualquer circunstância fática que indicasse a ocorrência de tráfico de drogas no interior da residência, a autorizar a incursão policial. 6. Hipótese em que lastreada a condenação pelos delitos de tráfico de drogas e de associação para o tráfico em elementos probatórios colhidos mediante busca domiciliar ilegal, impõe-se a absolvição da paciente e corré. 7. Habeas corpus não conhecido. Ordem, concedida, de ofício, para declarar a invalidade das provas obtidas mediante violação domiciliar, e todas as dela decorrentes, na AP n. 0034338-69.2015.8.19.0066 e, consequentemente, para absolver a paciente e a corré pelos delitos dos arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006. (STJ. HC n. 505.705/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 19/12/2019). Da análise dos autos e de toda instrução probatória, não obstante a busca ter resultado na apreensão de drogas e de arma de fogo, verifico patente a nulidade de todas as provas oriundas da incursão, que não atendeu aos ditames legais. Ressalto, por oportuno, que está a se afirmar tão somente que as provas foram produzidas com base na atuação policial após violação de domicílio, portanto, eivada de inconstitucionalidade. Assim, diante da ilicitude da busca domiciliar, não subsistem outras provas nos autos, sendo necessária a absolvição dos réus por ausência de provas lícitas acerca da autoria dos crimes, nos termos do art. 386, V, do CPP. Prejudicados os demais pedidos. Ante o exposto, em desacordo com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, conheço e dou provimento ao recurso, a fim de reformar a sentença condenatória para declarar a nulidade das provas obtidas em violação domiciliar e absolver os réus Paulo Andre Silva de Castro e José Francisco Soares da Silva pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (art. 33, caput da Lei n. 11.343/2006) e ainda Paulo Andre Silva de Castro também pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/03). É como voto. Sessão Virtual da Primeira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, com início em 01/07/2025 e término em 08/07/2025. Desembargador Raimundo Nonato Neris Ferreira Relator
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