Processo nº 0802033-33.2022.8.10.0024
ID: 305561635
Tribunal: TJMA
Órgão: 2ª VARA CRIMINAL DE BACABAL
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0802033-33.2022.8.10.0024
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DO DESEMBARGADOR JOSÉ NILO RIBEIRO FILHO APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0802033-33.2022.8.10.0024 43ª SES…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DO DESEMBARGADOR JOSÉ NILO RIBEIRO FILHO APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0802033-33.2022.8.10.0024 43ª SESSÃO VIRTUAL DA TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL - INICIADA EM 18/11/2024 E FINALIZADA EM 25/11/2024 RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ NILO RIBEIRO FILHO REVISOR(A): DESEMBARGADOR(A) MARIA DA GRAÇA PERES SOARES AMORIM RECORRENTE: ANTÔNIO MÁRCIO GODINHO LEMOS REPRESENTANTE(S): DEFENSOR(A) PÚBLICO(A) MARCELO JORGE MARTINS RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO REPRESENTANTE: PROMOTOR(A) DE JUSTIÇA KLYCIA LUIZA CASTRO DE MENEZES PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA: JOAQUIM HENRIQUE DE CARVALHO LOBATO INCIDÊNCIA PENAL: ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 ORIGEM: 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BACABAL EMENTA PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS PROVAS. ILICITUDE DA BUSCA PESSOAL. AFASTADA. FUNDADAS RAZÕES PARA ABORDAGEM POLICIAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO E DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE CONSUMO PESSOAL. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. INIDONEIDADE DOS FUNDAMENTOS. RECONHECIMENTO. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Antônio Márcio Godinho Lemos contra sentença condenatória, expedida pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Bacabal/MA, que o condenou por tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006) à pena de 4 anos e 7 meses de reclusão, além de multa. A defesa requer a nulidade da prova pela alegada ilegalidade da busca pessoal, a absolvição por insuficiência probatória ou, subsidiariamente, a desclassificação para o art. 28 da Lei 11.343/2006. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em: (i) verificar a legalidade da busca pessoal realizada sem mandado, considerando a alegação de inexistência de justa causa; (ii) analisar a suficiência probatória para manutenção da condenação pelo crime de tráfico de drogas; e (iii) avaliar o redimensionamento da pena, incluindo eventual aplicação do tráfico privilegiado. III. Razões de decidir 3. A busca pessoal se revela legítima pela fundada suspeita e circunstâncias observadas pelos policiais, conforme interpretação dos artigos 240 e 244 do CPP e jurisprudência do STJ, que legitima abordagens amparadas em suspeitas razoáveis e não arbitrárias. 4. A materialidade e autoria do tráfico de drogas foram comprovadas com base em depoimentos dos policiais e laudos periciais confirmando a natureza ilícita das substâncias apreendidas, configurando tráfico ilícito nos termos do art. 33 da Lei 11.343/2006, sendo desnecessário que o agente seja flagrado comercializando a substância. 5. Em relação à dosimetria, é inidônea a valoração negativa dos motivos e das consequências do crime para majoração da pena-base, conforme entendimento jurisprudencial, fixando-se a pena no mínimo legal de 5 anos, não sendo aplicável a atenuante de menoridade relativa, por força da Súmula 231 do STJ. Mantida a fração redutora do tráfico privilegiado em 1/6, pela quantidade e natureza deletéria da droga apreendida. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso parcialmente provido para redimensionar a pena, fixando-a em 4 anos e 2 meses de reclusão, além de 416 dias-multa, em regime aberto. Tese de julgamento: “1. A busca pessoal realizada com base em suspeita justificada é legítima e válida. 2. Para configuração do crime de tráfico de drogas, é desnecessária a venda ou comercialização da substância ilícita, bastando a posse de entorpecente com finalidade de tráfico.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X e XXXV; CPP, arts. 240, 244 e 226; Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput; STJ, AgRg no HC 831827 SP e HC 382.306/RS; STF, HC 227823 SP. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC n. 774.140/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma; STJ, HC 725.534/SP; STF, HC 227823 SP, Rel. Min. Nunes Marques, 2ª Turma. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos, os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão decidiram, por unanimidade de votos e parcialmente de acordo com o Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, dar parcial provimento ao Recurso, nos termos do voto do(a) Desembargador(a) Relator(a). Votaram os(as) Senhores(as) Desembargadores(as) José Nilo Ribeiro Filho (Presidente), Maria da Graça Peres Soares Amorim e Raimundo Nonato Neris Ferreira. Funcionou pela Procuradoria-Geral de Justiça o(a) Sr.(a) Procurador(a) Regina Maria da Costa Leite. Sala das Sessões da Terceira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís (MA), data e hora do sistema. Desembargador José NILO RIBEIRO Filho Relator RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por Antônio Márcio Godinho Lemos, através da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, contra sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Bacabal/MA, que o condenou pela prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06), à pena de 04 (quatro) anos e 07 (sete) meses de reclusão e 459 (quatrocentos e cinquenta e nove) dias-multa (ID 40307329). Narra a denúncia que “no dia 09 de abril de 2022, por volta das 20:00 horas, a guarnição composta por Policiais Militares TITO ANTÔNIO DAS NEVES JÚNIOR e FAGNO OLIVEIRA SANTOS realizavam rondas na Rua 16, Vila São João, nesta cidade, quando avistaram o denunciado ANTÔNIO MARCIO GODINHO LEMOS, pessoa já conhecida da Polícia Militar pela mercância de drogas, razão pela qual decidiram realizar uma abordagem preventiva. Em ato contínuo, ao notar a aproximação da guarnição, o denunciado lançou uma sacola que trazia consigo em cima de uma casa, situada naquele logradouro, sendo que os Policiais realizaram a abordagem e encontraram com ele 09 (nove) pedras da substância identificada preliminarmente como crack, bem como a quantia de R$ 356,00 (trezentos e cinquenta e seis reais) e, ao localizarem a sacola descartada, observaram que em seu interior continha 108 (cento e oito) petecas da substância vegetal maconha como maconha tipo tof” (ID 40307264). Em suas razões (ID 40307349), sustenta o Recorrente, preliminarmente, a ilegalidade da busca pessoal perpetrada, pleiteando a consequente nulidade das provas obtidas. No mérito, pretende, em suma, a sua absolvição por insuficiência probatória e, subsidiariamente, a desclassificação da conduta do acusado para o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 e o redimensionamento da pena, afastando a valoração negativa das circunstâncias do crime, aplicando a redução relativa ao tráfico privilegiado na fração máxima. Contrarrazões ofertadas pelo Ministério Público Estadual (ID 40307351) pugnando pelo desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença objetada. Procuradoria-Geral de Justiça opina seja o recurso do Recorrente conhecido e parcialmente provido, ao fundamento de que “na segunda etapa da individualização da pena, a douta juíza de piso deixou de reduzir a fração ideal de 1/6 (um sexto), tendo em vista a incidência da menoridade relativa do réu, diminuindo a reprimenda, somente, em 06 (seis) meses, quando deveria reduzir 12 (doze) meses”. (ID 40524473). É, em síntese, o relatório. VOTO Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso interposto pelos acusados. Preliminarmente, no concernente à suposta ilegalidade da busca pessoal resultante da abordagem policial, sob a alegação de “que não havia nenhum motivo ensejador de tal suspeita fundada não deriva do suposto tráfico de drogas e nem nada que justifique a abordagem de indivíduos”, entendo não merecer guarida irresignação do Recorrente. Conjugando os artigos 240 e 244 do Código de Processo Penal, tem-se que, independentemente de mandado, proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo ou esteja na posse de arma proibida ou, dentre outras hipóteses, para descobrir objetos ou papeis que constituam corpo de delito (prova de infração), ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. Segundo o c. STJ, “há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto que constitua corpo de delito de uma infração penal.” (HC n. 774.140/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma) Quanto ao tema, não se descura de que são invioláveis a intimidade e a vida privada do indivíduo, como expressamente insculpido no art. 5º, X, da Constituição Federal. Trata-se de garantia fundamental que, por sua própria natureza, somente pode ser afastada em situações excepcionalíssimas, não se admitindo arbitrariedades ou medidas infundadas que a flexibilizem indevidamente, principalmente por agentes públicos representantes do Estado, competindo ao Poder Judiciário o poder-dever de apreciação da lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CF). Desse modo, em especial no âmbito penal, a busca pessoal, se indevida, deverá ser reconhecida como nula e, por conseguinte, o serão todas as provas que dela decorram direta ou indiretamente. Em contrapartida, será legítima se amparada em fundadas razões, isto é, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto, algo que, especialmente na atividade policial investigativa, poderá ocorrer até mesmo a partir de denúncia anônima. Conforme já decidido pelo c. STJ: “De tal modo a denúncia anônima foi minimamente confirmada, sendo que a busca pessoal/veicular (revista) e a busca domiciliar traduziram em exercício regular da atividade investigativa promovida pela autoridade policial, o que justificou a abordagem após a confirmação das informações relatadas na denúncia apócrifa.” (STJ - AgRg no HC: 831827 SP 2023/0208451-7, Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 27/06/2023, T5 - QUINTA TURMA). Feitas essas considerações e volvendo os olhares para o caso concreto, observo que o recorrente foi preso em flagrante delito por policiais militares após abordagem policial realizada sem mandado judicial, cumprindo examinar se, para tanto, houve ou não justa causa para a medida. E, antecipadamente, já digo que sim. Extrai-se dos autos do inquérito policial depoimentos dos policiais militares Tito Antônio das Neves Junior e Fagno Oliveira Santos que se confirmaram em juízo, no sentido de que, durante uma ronda no Município de Bacabal/MA, avistaram o acusado e, percebendo que este “jogou uma sacola em cima de uma casa daquela rua”, foram motivados a realizarem a abordagem que culminou na apreensão de “R$ 356,00 (trezentos e cinquenta e seis reais); 01 (um) cordão prata; 01 (um) cordão dourado; 108 (cento e oito) petecas de substancia aparentando ser ‘MACONHA’; 09 (nove) petecas de substância aparentando ser CRACK” e na sua prisão em flagrante. Com efeito, não se tratou de uma abordagem aleatória, exploratória (fishing expeditions) e/ou pautada em mero subjetivismo preconceituoso, amplamente reconhecidos pela jurisprudência como motivos ilegais e ocasionadores de nulidade de todas as provas derivadas (cf. teoria dos frutos da árvore envenenada), mas, sim, de uma diligência realizada a partir da percepção aguçada dos policiais militares diante de uma situação de possível flagrante delito que, inclusive, se convolou verdadeira. O tirocínio policial, ao contrário da interpretação equivocada que comumente lhe tem sido dada, é uma habilidade inerente e necessária à atividade fundamental da segurança pública realizada pelas polícias militares, a quem incumbem o exercício do policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública, conforme art. 144, § 5º, da Constituição Federal, uma vez que destinadas a evitar e combater a ocorrência ou continuidade de delitos. Assim, essa expertise tem de ser valorizada e utilizada como critério de validação das buscas pessoais e domiciliares, sem se descurar, evidentemente, da possibilidade de apuração de excessos e violações injustificadas, uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, da CF). Nessa esteira, no caso em exame, tendo em vista que a experiência dos policiais militares lhes possibilitou uma análise objetiva e satisfatória do contexto fático para percepção real do comportamento anômalo do acusado, é de se concluir que havia justa causa, ou seja, fundadas razões para a busca pessoal, o que a torna legítima, inexistindo nulidade a ser reconhecida. Na hipótese, o c. STF já decidiu: “É lícita a busca pessoal em caso de fundada suspeita de que o investigado esteja em posse de elementos que constituam corpo de delito, nos termos do art. 240, § 2º, e do art. 244 do Código de Processo Penal.” (HC: 227823 SP, Relator: NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 22/08/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-09-2023 PUBLIC 28-09-2023). No que diz respeito à arguição de inexistência de prova relativa à traficância, o Recorrente se escora no argumento de “ser usuário de drogas, e que estava com 09 pedras de crack que seriam destinadas ao consumo, e não à comercialização como aduzia a denúncia”, todavia, totalmente improcedente referida alegação. É que, consoante se depreende dos autos, a autoria e materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas encontram-se robustamente comprovadas no Auto de prisão em flagrante (ID 40307186), no Auto de apreensão (ID 40307186 – pág. 9), no Auto de constatação preliminar de substância de natureza entorpecente (ID 40307186 – pág. 10) e no Laudo Pericial Criminal nº 511/2022- LAF/QFO (ID 40307281), que atesta a natureza ilícita da substância, e especialmente na prova oral colhida sob o crivo do contraditório. Extrai-se do depoimento do policial militar Tito Antônio das Neves Junior “que estavam fazendo ronda pelo bairro; que avistaram o cidadão [acusado] andando a pé pela rua; que o outro integrante da guarnição já conhecia o acusado de outra ocorrência; que quando ele [acusado] avistou a viatura, rapidamente subiu a calçada em atitude que os impulsionou a fazer a abordagem nele; que quando deram o comando para ele [acusado] parar, o mesmo meteu a mão na calça, pegou uma sacola e a jogou em cima de uma casa; (...) que, diante dessa conduta, realizaram a busca pessoal; que, em seguida, com a ajuda do proprietário dessa residência, conseguiram retirar a sacola de cima da casa, onde foi encontrado o material; que dentro da sacola havia uma quantidade significativa de drogas; que eram mais de cem invólucros de substância análoga a ‘maconha’ e uma quantia em dinheiro trocado; que este dinheiro estava com ele [réu] e não na sacola (...)” (ID’s 40307310 e 40307311). Grifou-se. De igual modo, o militar Fagno Oliveira Santos, relatou que participou da diligência que levou à prisão em flagrante do Recorrente, destacando “que estavam fazendo ronda na Vila São João, quando perceberam o nacional [acusado] a frente da nossa viatura; que quando ele [réu] virou e percebeu a viatura, ele tentou empreender fuga, tentou correr; (...) que colocou a mão dentro da roupa, tirou uma sacola e jogou em cima de uma telhado; que, a partir de então, fizeram a busca da sacola e encontraram as substâncias que foram apresentadas; que fizeram a revista pessoal nele [acusado] e encontraram outras substâncias, que provavelmente era ‘crack’, ‘tof’, essas coisas; (...) que também encontraram dinheiro ‘trocado’ com o acusado; (...)” (ID’s 40307312 3 40307313). Grifou-se. Consabido que, para a configuração do tráfico, é dispensável que o agente seja preso no ato da mercancia ou após vender a droga. Isso porque o tipo descrito no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 é misto alternativo, ou seja, o crime se consuma com a prática de qualquer um dos núcleos trazidos pelo tipo, não se exigindo efetivo ato de comercialização da droga. Nessa perspectiva, o núcleo “vender” é apenas uma das condutas típicas, e não condição sine qua non para a caracterização do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, notadamente porque deve ser considerado traficante não apenas quem comercializa entorpecentes, mas todo aquele que de algum modo participa da produção, armazenamento e circulação de drogas. Conforme assente jurisprudência do Tribunal da Cidadania, “o crime de tráfico de drogas é tipo misto alternativo restando consumado quando o agente pratica um dos vários verbos nucleares inserido no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, sendo a venda prescindível ao seu reconhecimento” (HC 382.306/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 10/02/2017). Na mesma direção, posiciona-se esta Corte Estadual, ao estabelecer que “o flagrante de atos de mercancia é prescindível à caracterização do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, quando as circunstâncias da apreensão demonstram o emolduramento típico da conduta em um dos núcleos do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, indicativo de destinação comercial ilícita da droga”. (TJ-MA – APR: 00005239820128100143 MA 0049352019, Rel. JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA, Julgado em 30/01/2020, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Publicação: 11/02/2020). Com efeito, do contexto fático-probatório, ante a licitude das provas obtidas, mormente pelos consistentes e uníssonos depoimentos dos policiais militares no curso da instrução, e diante da significativa quantidade de droga apreendida e a forma em que estava acondicionada, o que leva à segura conclusão de que se destinaria à comercialização, resta evidente a prática da traficância pelo Recorrente, tornando-se, pois, inaplicável à espécie a desclassificação do delito para o previsto no art. 28, da Lei nº 11.343/2006. Por fim, passo ao exame do pleito de redimensionamento da pena, incialmente, no tocante à fixação da pena-base do crime de tráfico de drogas, pela valoração negativa das circunstâncias do crime (CP. art. 59). Na sentença recorrida, ao apreciar a primeira fase da dosimetria da pena, o Juízo a quo valorou negativamente os “motivos: [pois] o que levou o Réu à prática do delito foi o possível recebimento de quantia em dinheiro pela mercancia das drogas” e as consequências do crime, ao fundamento de que “(...) são nefastas posto que o crime traz graves prejuízos sociais” (ID 40307329). Nesse contexto, constato inidônea a fundamentação, pois, conforme assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “a busca por lucro fácil constitui elementar do tipo penal de tráfico de drogas, não justificando, por si só, o aumento da pena-base” (AgRg no AgRg no HC n. 704.098/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 28/6/2022, DJe de 1/7/2022.), bem como que “(...) insuficiente a motivar a exasperação da pena-base a afirmação de que as consequências do crime foram nefastas, porquanto os elementos apresentados pelas instâncias ordinárias não transcendem o resultado típico, são inerentes ao crime de tráfico de entorpecentes e já foram sopesados pelo legislador no momento da fixação da pena em abstrato do delito. Precedentes”. (HC n. 467.969/ES, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 16/10/2018.) Destarte, afastando a valoração negativa dos vetores motivos e consequências do crime, fixo a pena base no mínimo legal, qual seja, 5 (cinco) anos. Por conseguinte, apesar de constatar que, na época dos fatos, o Apelante possuía menos de 21 (vinte e um) anos, inaplicável à espécie, na segunda fase dosimétrica, a atenuante da menoridade relativa, por força da Súmula 231 do STJ, haja vista que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. A propósito, destaco que o entendimento da Súmula 231 foi reafirmado, recentemente, pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 158 de Repercussão Geral e pela própria corte Cidadã no Tema 190 de Recurso Repetitivo. Ausentes causas agravantes, mantenho a pena no mínimo legal. Acerca da terceira fase da dosimetria, por se tratar de recurso exclusivo da defesa, ante a vedação da reformatio in pejus, verificando que o Juízo de 1º Grau reconheceu o tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006), impossível o afastamento da benesse, embora os elementos indiquem que o acusado se utilizava do tráfico como meio de subsistência, ou seja, que se dedicava às atividades criminosas. Assim, verifico escorreita a decisão objurgada ao fixar a fração redutora em 1/6, considerando a quantidade de droga apreendida, i.e., “108 (cento e oito) petecas de substancia aparentando ser ‘MACONHA’; 09 (nove) petecas de substância aparentando ser CRACK”, especialmente, pela natureza deletéria desta última, de enorme fator destrutivo e causador de dependência química, aplicando, pois, ao Apelante a pena definitiva de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses, além de 416 dias-multa. Nesse sentido, é firme a jurisprudência da Corte Superior de Justiça ao afirmar que “a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do HC n. 725.534/SP, ocorrido em 27/4/2022, fixando-se a tese de que é possível a valoração da quantidade e natureza da droga apreendida, tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, neste último caso ainda que sejam os únicos elementos aferidos, desde que não tenham sidos considerados na primeira fase do cálculo da pena (Informativo do STJ n. 734, de 2 de maio de 2022)” (AgRg no HC n. 817.359/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, relator para acórdão Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/8/2024, REPDJe de 20/09/2024, REPDJe de 17/09/2024, DJe de 11/9/2024.). Grifou-se. ANTE O EXPOSTO, em parcial acordo com o Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, CONHEÇO e DOU PARCIAL PROVIMENTO à Apelação, exclusivamente para redimensionar a pena, fixando-a definitivamente em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses, a ser cumprido inicialmente em regime aberto, além de 416 dias-multa, ex vi do RITJMA art. 669, nos termos da fundamentação supra. É como voto. Publique-se. Sala das sessões virtuais da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís/MA, data e hora do sistema. Desembargador José NILO RIBEIRO Filho Relator
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