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Juizo Da Vara Especial Cole…
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JUIZO DA VARA ESPECIAL COLEGIADA DOS CRIMES ORGANIZADOS consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 339268438
Tribunal: TJMA
Órgão: 3ª Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 0813968-40.2025.8.10.0000
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ZOROASTRO DE JESUS PEREIRA SOUSA
OAB/MA XXXXXX
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SESSÃO DO DIA __________ HABEAS CORPUS nº 0813968-40.2025.8.10.0000 PROCESSO DE ORIGEM Nº 0842359-02.2025.8.10.0001 PACIENTE: ZACARIAS PROCÓPIO MORAES IMPETRANTE: ZOROASTRO DE JESUS PEREIRA SOUSA – O…
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Processo nº 0811879-44.2025.8.10.0000
ID: 275311891
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 0811879-44.2025.8.10.0000
Data de Disponibilização:
21/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA _________________________________________________________________________…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA _____________________________________________________________________________________________________________________________ HABEAS CORPUS Nº 0811879-44.2025.8.10.0000 PROCESSO ORIGINÁRIO Nº 0801111-26.2024.8.10.0087 PACIENTE: ROBERTO ERICLES DE OLIVEIRA ALMEIDA IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO DEFENSOR PÚBLICO: RONALD DA LUZ BARRADAS JÚNIOR IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE GOVERNADOR EUGÊNIO BARROS/MA INCIDÊNCIA PENAL: ART. 24-A DA LEI Nº 11.340/06 RELATOR: DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão em favor do paciente Roberto Ericles de Oliveira Almeida, sendo apontado como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Governador Eugênio Barros/MA. A impetração (ID 44787861) insurge-se contra a prisão preventiva do paciente, a qual foi decretada em razão da suposta prática do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (art. 24-A da Lei nº 11.340/2006). Consta dos autos que, em 15/07/2024, foram concedidas medidas protetivas de urgência em favor da vítima, R. E. D. O. A. (Processo n° 0801100-94.2024.8.10.0087), das quais o paciente, seu filho Roberto Ericles de Oliveira Almeida, teve plena ciência, dentre as quais a de proibição de se aproximar da vítima e de seus familiares, devendo manter distância mínima de 200 (duzentos) metros, bem como qualquer tipo de contato ou comunicação com os mesmos; não se aproximar da vítima, seus familiares e das testemunhas, fixando o limite de 200 (duzentos) metros de distância para o requerido, além de outras. Extrai-se, ainda, que, no dia seguinte, 16/07/2024, a vítima estava em sua residência quando foi surpreendida pela chegada do paciente, seu filho, que tentou invadir o imóvel, tendo a ofendida acionado policiais militares, o quais realizaram a prisão em flagrante do paciente. E, sob o argumento de que a custódia em apreço está a constituir ilegal constrangimento infligido ao paciente, clama a impetrante pela concessão do ordem. Para tanto, sustenta, em síntese, a ocorrência de constrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo na formação da culpa, bem como a ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. Aduz que o paciente está preso cautelarmente desde 17/07/2024, sem que a instrução processual tenha se iniciado, razão pela qual, segundo a impetrante, está caracterizada a violação ao prazo previsto no art. 400 do Código de Processo Penal[1]. Sustenta que a demora não é atribuível à defesa e que a instauração de incidente de insanidade mental, com a suspensão do processo, não justifica a manutenção da custódia cautelar pelo tempo já transcorrido, especialmente diante da ausência de conclusão do exame pericial. Argumenta, ainda, que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP, uma vez que o crime imputado ao paciente (art. 24-A da Lei 11.340/06) não envolve violência ou grave ameaça, e que o paciente possui primariedade, endereço fixo e não há indícios de que pretenda obstruir a instrução criminal ou se furtar à aplicação da lei penal. Ao final, requer liminarmente a concessão da ordem para que seja relaxada a prisão preventiva do paciente, com a expedição do alvará de soltura. Subsidiariamente, pleiteia a substituição da prisão por medidas cautelares diversas, como a prisão domiciliar com monitoração eletrônica. No mérito, pugna pela confirmação da liminar e concessão definitiva da ordem. Instruída a peça de ingresso com os documentos contidos nos ID’s 44787875 e 44789058. Reservei-me para apreciar a medida liminar após as informações da autoridade impetrada (ID 44875767), que as prestou (ID 44239341) afirmando que a denúncia contra o paciente foi oferecida e recebida nos dias 02/08/2024 e 06/08/2024, respectivamente, seguindo-se a apresentação da resposta à acusação em 29/08/2024 e realização da audiência de instrução e julgamento no dia 01/10/2024, com abertura de prazo para as partes formularem suas alegações finais por memoriais. Afirma que o Ministério Público, em 16/10/2024, requereu a instauração de incidente de insanidade mental do paciente, com a consequente suspensão do processo, sendo o pleito deferido por decisão de 18/10/2024, e o incidente instaurado em 24/10/2024 (Processo nº 0801722-76.2024.8.10.0087). Especificamente sobre as etapas do procedimento do incidente de insanidade mental, a autoridade informa: “(...) A defesa apresentou quesitos periciais nos autos do incidente no dia 07/11/2024 (ID 134115278 do incidente). Em 11/12/2024, foi expedida solicitação de realização do exame psiquiátrico ao Núcleo de Perícias Psiquiátricas – NPP, concedendo-se o prazo de 45 dias para conclusão (ID 136878043 do incidente). No processo principal, em 16/01/2025, foi proferida decisão de reavaliação da prisão preventiva, que a manteve por considerar ausentes condições para substituição por medidas cautelares diversas (ID 138169774). O NPP agendou a realização do exame pericial para o dia 25/02/2025, às 14h (ID 137491215 do incidente). Em 28/04/2025, o Ministério Público requereu a provocação do NPP para informar sobre a realização e o resultado do exame (ID 147208686 do incidente), sendo expedida certidão pela Secretaria Judicial, relatando justificativa do atraso pela alta demanda pericial (ID 147215067). Na mesma data, o Juízo determinou prazo de 10 (dez) dias para apresentação do laudo pericial (ID 147224187 do incidente). Em 29/04/2025, nova decisão manteve a prisão preventiva, com fundamento no histórico comportamental do acusado, que indica risco concreto de reiteração delitiva e ameaça à vítima e às testemunhas (ID 147023207 dos autos principais). No dia 30/04/2025, a defesa apresentou pedido de relaxamento de prisão, alegando excesso de prazo na formação da culpa (ID 147405791). O Ministério Público, ao se manifestar em 30/04/2025, opinou pelo indeferimento do pleito, por ausência de fato novo relevante (ID 147426440). O laudo pericial foi juntado aos autos do incidente em 06/05/2025, concluindo que o paciente é portador de esquizofrenia paranoide (CID-10: F20.0) (ID 147737429). Na mesma data, foi determinada vista às partes para manifestação sobre o laudo (IDs 147737443 e 147737448 do incidente). Em 09/05/2025, foi proferida decisão indeferindo o relaxamento da prisão, por ausência de vícios, ilegalidades ou causas supervenientes que autorizem a medida pretendida (ID 148203340).” Acresce que “o processo principal permanece suspenso, até decisão final nos autos do incidente de insanidade mental, que se encontra atualmente na fase de manifestação das partes sobre o laudo pericial.” É o relatório. Passo a decidir. A concessão da medida liminar em sede de habeas corpus somente se justifica em situações excepcionais, em que exsurge evidenciada, de forma inequívoca, a ilegalidade da coação sofrida pelo cidadão. No caso sob exame, não constato, neste momento processual, a ocorrência dos pressupostos autorizadores do deferimento da liminar, mormente no tocante ao fumus boni iuris (plausibilidade do direito alegado). Com efeito, observo que o paciente foi preso em flagrante em 16/07/2024, com posterior conversão da custódia em preventiva, ante a imputação da prática da infração penal descrita no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006[2] (com a redação anterior à Lei nº 14.994, de 09/10/2024), tendo como vítima, R. E. D. O. A., genitora do custodiado. Pelos termos da decisão de decretação da prisão cautelar, proferida em audiência de custódia realizada em 02/02/2025 (ID 44062941), verifico que o juízo de origem, apontando circunstâncias fáticas, destacou a existência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, além do preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 312 e 313, I e III, ambos do Código de Processo Penal. Para melhor compreensão, transcrevo excerto da referida decisão (ID 44789058, p. 15): “(...) Dessa forma, homologo o auto de prisão em flagrante de ROBERTO ERICLES DE OLIVEIRA ALMEIDA, confirmando a legalidade da prisão realizada pela autoridade policial. Isso posto, passo ao exame quanto à possibilidade de impor PRISÃO PREVENTIVA ao flagranteado. O cerne da presente querela está direcionado para a possibilidade de decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 310, II, CPP, após pleito ministerial, quando o acusado, tenha, supostamente, cometido o crime tipificado no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006. Para a decretação da custódia preventiva, com base no artigo 312, CPP, é necessária a demonstração dos seguintes requisitos: a)prova da existência do crime; b)indícios suficientes de autoria e c)garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e/ou aplicação da lei penal. Na situação apresentada, consta nos autos do processo nº 0801100-94.2024.8.10.0037 medidas protetivas deferidas em favor da vítima, Rosangela Elizethe de Oliveira Almeida. O representado demonstrou que não cumpriu as medidas protetivas deferidas em favor da sua genitora, fato este corroborado por meio do depoimento de testemunhas, bem como por meio da sua prisão em flagrante, onde o autuado teve que ser contido por populares quando tentou atear fogo na motocicleta. Esses fatos, portanto, demonstram que existem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade. Resta, assim, comprovado o fumus comissi delicti. Quanto ao periculum in libertatis, atrelado aos demais requisitos presentes no artigo 312, CPP, a manutenção do acusado em liberdade não se mostra recomendável, porque há comprometimento da ordem pública, em razão do descumprimento de medidas protetivas impostas. A conduta do acusado demonstra que, apesar da concessão das medidas mencionadas, este as descumpriu, colocando, deste modo, a vida da vítima em risco. Ademais, insta salientar ainda, que na decisão que concedeu as medidas protetivas de urgência em favor da vítima, havia a observação que, havendo descumprimento destas, a consequência seria a decretação da prisão preventiva do representado, com fulcro no art. 24-A da Lei 11.340/06. Não acolho o pedido da defesa de colocar o autuado em liberdade, haja vista que custódia preventiva se faz necessária para que este seja impelido a cumprir as medidas protetivas impostas, o qual já havia ficado ciente que o seu descumprimento acarretaria na sua prisão preventiva, conforme dispõe o art. 313, III, do CPP. Ainda, crimes em contexto de violência doméstica e familiar autorizam o decreto preventivo quando a pena é inferior à quatro anos. À vista do exposto, bem como em consonância com o parecer ministerial, decreto, com base no artigo 310, II c/c artigo 312, ambos do CPP c/c art. 20 da Lei 11.340/06 a prisão preventiva de ROBERTO ERICLES DE OLIVEIRA ALMEIDA. (...).” (Grifei) Com efeito, nos termos do art. 20 Lei Maria da Penha[3] e do art. 313, III, do CPP[4], admite-se a decretação da prisão preventiva para os casos mais graves a envolver violência doméstica, independentemente da pena máxima in abstrato do crime imputado, inclusive para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Destaque-se, ainda, que, também nas hipóteses de descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão, há possibilidade legal de decretação da prisão preventiva, conforme dispõem os arts. 282, § 4º e 350, ambos do CPP[5]. In casu, é fato incontroverso que existiam medidas cautelares de proteção à vítima que deveriam ser cumpridas pelo paciente, dentre elas a de proibição de aproximar-se a menos de 200m (duzentos metros) da casa (inclusive devendo deixar a residência, caso ainda compartilhasse com a ofendida), além da proibição de o custodiado manter contato com a ofendida ou seus familiares. É bem verdade que não podem as MPU’s ter vigência indefinida, mas devem perdurar enquanto houver risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima, nada obstando que seja a autoridade judicial provocada pelo próprio ofensor, diante de decurso substancial de tempo ou mesmo pela reconciliação com a vítima (julgamento recente envolvendo o Tema Repetitivo nº 1.249[6] - REsp nº 2.070.717/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 13/11/2024, publicação em 25/03/2025). Assim, tenho, a princípio, que as medidas protetivas de urgência em questão estavam vigentes ao tempo do fato, quando decretada a preventiva, por supostamente voltar a ofender a integridade psicológica da vítima, diante do descumprimento das medidas de não aproximação e de manter contato com a ofendida. Outrossim, em análise preliminar, ressalto que a custódia cautelar, em casos a envolver violência doméstica contra a mulher, não está condicionada ao efetivo descumprimento das medidas protetivas, sendo possível sua decretação quando houver fundado receio de vir a vítima sofrer mal maior à sua integridade física ou psicológica. Nesse sentido, aliás, está posto o Enunciado nº 29 do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – FONAVID, verbis: “É possível a prisão cautelar do agressor independentemente de concessão ou descumprimento de medida protetiva, a fim de assegurar a integridade física e/ou psicológica da ofendida”. Sobre o tema, a Suprema Corte pondera que “[a] jurisprudência do STF reconhece a idoneidade da prisão preventiva em casos de violência doméstica e descumprimento de medidas protetivas, sendo a manutenção da custódia justificada pela persistência dos riscos à ordem pública e à integridade da vítima.” (HC 249.130 AgR, Relator Ministro André Mendonça, Segunda Turma, julgado em 24/02/2025, publicação em 28/02/2025). (Grifei) De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que “[a] jurisprudência desta Corte reconhece que, em casos de violência doméstica e descumprimento de medidas protetivas, a prisão preventiva é justificada para assegurar a eficácia das medidas de proteção e evitar novos atos de violência.” (HC nº 931.569/MG, Relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, publicação em 04/12/2024). (Grifei) A bem de ver, tenho que a decisão ora impugnada atende às disposições do art. 93, IX da CF/1988 e apontam para a presença dos requisitos da prisão preventiva, elencados nos artigos 312 e 313, III, ambos do CPP. Por outro lado, a concessão de liberdade, em sede de habeas corpus, por alegada ausência de substrato hígido de autoria e materialidade delitivas constitui medida excepcionalíssima, somente reconhecida quando demonstrada de forma inequívoca a procedência da tese. É que a estreita via do habeas corpus não comporta a análise aprofundada de provas, não admitindo a incursão em elementos de informação obtidos na fase inquisitorial, a exemplo de insuficiência dos depoimentos das testemunhas colhidos pela autoridade policial ou alegada invalidade de prova testemunhal ou pericial, de modo que eventual dúvida sobre a autoria e a materialidade do delito deve ser inicialmente dirimida pelo Juízo de base, sob pena, inclusive, de supressão de instância. A exigência de provas concretas e robustas de que o acusado é autor ou partícipe do crime, em verdade, é condição para sua condenação. Eventuais dúvidas sobre a dinâmica dos fatos e capitulação dos delitos devem ser dirimidas ao longo da instrução criminal e submetidas ao juízo competente da demanda, na oportunidade própria. Destaco, ainda, também ser inadmissível, na presente via, máxime nesta fase de cognição sumária, o acolhimento da tese de violação do princípio da homogeneidade, tendo em vista que não é possível ter a certeza de qual a sanção ou regime de cumprimento de pena será aplicado ao segregado, em caso de condenação. Pontuo que, em face do acautelamento provisório do paciente encontrar amparo no art. 313, III, do CPP, e no art. 20, caput, da Lei Maria da Penha, torna-se irrelevante o quantitativo de pena abstratamente previsto no ilícito penal a ele imputado. De outro turno, as condições pessoais favoráveis do paciente, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, embora dotadas de certo grau de relevância, não impedem a decretação da prisão preventiva, desde que existam nos autos elementos concretos que justificam a sua imposição, especialmente diante da gravidade das circunstâncias verificadas. Nesse sentido: STJ, AgRg no HC nº 950.743/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 12/03/2025, publicação em 19/03/2025. Por fim, registro não restar configurada coação indevida à liberdade de locomoção do paciente pelo lapso temporal decorrido de seu encarceramento provisório, pois o feito tramita regularmente. Conforme as informações prestadas pela autoridade impetrada, a instrução criminal foi encerrada, estando o feito aguardando somente as alegações finais, as quais serão apresentadas assim que as partes formulem manifestação sobre o laudo pericial lançado nos autos do incidente de insanidade mental. Nessas circunstâncias, incide o Enunciado 52 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.” Cito, ainda, julgado do Tribunal da Cidadania aplicável ao caso sob exame: “PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DO ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 52 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A alegação de excesso de prazo encontra-se superada. Segundo informações disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal de origem, foi encerrada a instrução da ação penal n. 0000966-13.2021.8.17.5810. Incidência da Súmula n. 52 do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, constata-se que foi determinada, a pedido das partes, a instauração de incidente de insanidade mental do acusado, com a suspensão do curso do processo, a inviabilizar o reconhecimento de injustificada mora no processamento do feito. 2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC n. 809.352/PE, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 6/12/2023) (Grifei) Decerto, as medidas protetivas de urgência impostas a favor da vítima não demonstraram ser suficientes, no caso concreto, para fazer cessar a situação de violência a que submetida pelo segregado. Assim, a teor do art. 312 e art. 313, III, do CPP, concluo como indispensável a manutenção do ergástulo cautelar do paciente, dada a real necessidade de proteção à integridade física e psíquica da ofendida, além da garantia da ordem pública, como bem destacado no decisum preventivo, razão pela qual não vislumbro a procedência da tese defensiva relativa à alegação de violação do inciso IX do art. 93 da CF/1988. Em suma, nessa fase de cognição sumária, não constato, de plano, a ilegalidade da prisão do paciente, nada impedindo a reanálise, quando do julgamento do mérito do writ, dos pontos apresentados pela impetrante. Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de concessão da liminar contido na petição inicial, sem prejuízo do julgamento do mérito do presente habeas corpus pela egrégia Primeira Câmara de Direito Criminal. Abra-se vista dos autos ao órgão do Ministério Público, para pronunciamento. Comunique-se o Juízo de origem sobre o inteiro teor desta decisão (art. 382 do RITJMA[7]). Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. São Luís/MA, data da assinatura eletrônica. Desembargador Raimundo Nonato Neris Ferreira Relator [1]CPP. Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. [2]Lei nº 11.340/2006. Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. [3]Lei nº 11.340/2006. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. [4]CPP. Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (...) III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (...). [5]CPP. Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...) § 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código. CPP. Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso. Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4º do art. 282 deste Código. [6]Teses jurídicas do Tema Repetitivo nº 1.249/STJ: “I - As medidas protetivas de urgência (MPUs) têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência (atual ou vindoura) de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal; II - A duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado; III - Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida; IV - Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.” [7]RITJMA: Art. 382. As decisões de habeas corpus, mandado de segurança, agravo de instrumento, agravo em execução penal e correições parciais serão comunicadas imediatamente ao juízo de origem.
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Processo nº 0000431-94.2019.8.10.0040
ID: 337953808
Tribunal: TJMA
Órgão: 2ª VARA CRIMINAL DE IMPERATRIZ
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0000431-94.2019.8.10.0040
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IVAN SANTOS PAIVA
OAB/MA XXXXXX
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PATRICIA COUTINHO CAVALCANTE ALBUQUERQUE
OAB/MA XXXXXX
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ENOQUE CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE
OAB/MA XXXXXX
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ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA Fórum Henrique De La Roque - Rua Rui Barbosa, s/nº, Centro, CEP 65.900-440, Imperatriz/MA Processo nº 0000431-94.2019.…
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA Fórum Henrique De La Roque - Rua Rui Barbosa, s/nº, Centro, CEP 65.900-440, Imperatriz/MA Processo nº 0000431-94.2019.8.10.0040 [Feminicídio, Homicídio Qualificado] AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI (282) AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO ACUSADO: REU: E. V. C. SENTENÇA Trata-se de ação penal instaurada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em face de E. V. C., devidamente qualificado nos autos, imputando-lhe a prática dos delitos previstos nos arts. 121, §2º, incisos II (motivo fútil), III (meio cruel), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) e VI (feminicídio), bem como art. 347, parágrafo único, todos c/c art. 69, caput, todos do Código Penal, em razão do homicídio perpetrado em desfavor da vítima CARINA SILVA SOUSA, ocorrido no dia 19 de janeiro de 2019, por volta das 23h00min, nesta cidade de Imperatriz/MA. Narra a denúncia ministerial que o acusado, após conduzir a vítima até a residência de sua companheira, aproveitando-se da ausência desta, iniciou uma discussão em razão de um alegado "repentino desinteresse sexual", ocasião em que, dominado por animus necandi, desferiu múltiplos golpes com instrumento contundente (marreta) na região craniana da vítima, causando-lhe traumatismo cranioencefálico e consequente óbito. Em seguida, teria lavado o corpo e o local do crime, transportado o cadáver em veículo automotor até local ermo e lá o abandonado despido, tentando, assim, fraudar a apuração dos fatos delituosos. Recebida a denúncia, o acusado foi regularmente citado e apresentou resposta à acusação por intermédio de defensor constituído (ID 83741270). No decorrer da instrução criminal, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela Defesa. Ao final da instrução, foi oportunizado ao acusado o exercício do direito de ser interrogado, ocasião em que optou por permanecer em silêncio, nos termos da garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição da República. Encerrada a fase instrutória, foram as partes instadas a se manifestarem em razões finais por memoriais escritos, conforme faculdade prevista no art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal. O Ministério Público, em suas alegações finais (ID 153011107), pugnou pela pronúncia do acusado E. V. C., sustentando a existência de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria delitiva, bem como a presença de todas as qualificadoras e da fraude processual descritas na peça acusatória, requerendo, ao final, a submissão do réu ao julgamento pelo Tribunal do Júri Popular. Por sua vez, a Defesa técnica (ID 155134749), aduziu, preliminarmente, a necessidade de instauração de novo incidente de insanidade mental, à luz de novos elementos surgidos durante a instrução, notadamente o depoimento da médica do CAPS. No mérito, sustentou a inexistência de elementos mínimos que autorizem a pronúncia do acusado com as qualificadoras descritas na denúncia, pugnando, subsidiariamente, pela desclassificação para homicídio simples, ou ainda, pela impronúncia. Aduziu, por fim, a existência de semi-imputabilidade do acusado, a ser considerada em eventual fase de dosimetria da pena. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Passo a decidir. I – DA PRELIMINAR DE INSTAURAÇÃO DE NOVO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL A defesa, em suas alegações finais, arguiu, em sede preliminar, a necessidade de instauração de novo incidente de insanidade mental, sob o fundamento de que, durante a instrução processual, teriam emergido elementos fáticos e probatórios que colocariam em dúvida a higidez psíquica do acusado, notadamente o depoimento da médica Dra. Kelly Santiago Galdez Teixeira, profissional atuante no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e responsável pelo atendimento do réu em momento imediatamente posterior aos fatos. A pretensão, todavia, não merece prosperar. Nos próprios autos do incidente de insanidade mental n.º 0002852-57.2019.8.10.0040, verifica-se que a sua instauração teve como um dos principais fundamentos justamente o relatório médico elaborado pela Dra. Kelly Santiago Galdez Teixeira — a mesma profissional agora destacada pela Defesa como portadora de informações "novas". Assim, os elementos clínicos hoje apontados como supervenientes já haviam sido considerados à época da perícia oficial, não havendo, portanto, qualquer fato novo ou elemento substancialmente diverso que justifique a reiteração do incidente. O referido incidente resultou na elaboração de Laudo Pericial Psiquiátrico Forense, produzido por peritos oficiais regularmente nomeados e que, com base em criteriosa avaliação técnica, concluiu pela existência de capacidade parcial de entendimento e autodeterminação do acusado à época dos fatos, o que caracteriza semi-imputabilidade, nos termos do art. 26, parágrafo único, do Código Penal. O laudo pericial foi expressamente homologado por este juízo, sem qualquer oposição das partes, conforme se extrai do termo de ciência constante dos autos do incidente. Ressalte-se, ainda, que não se vislumbra a ocorrência de fato novo ou superveniente que, nos termos do art. 149 do Código de Processo Penal, justifique a instauração de novo incidente. O simples reiterar de informações já disponíveis no momento da perícia anterior — ainda que agora verbalizadas em audiência — não altera o conteúdo probatório já valorado e consolidado no laudo oficial. A jurisprudência é pacífica ao exigir a presença de elementos novos e substancialmente divergentes para legitimar a reabertura da discussão sobre a imputabilidade penal: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE FURTO QUALIFICADO. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL REALIZADO. SUBMISSÃO DO RÉU À NOVA PERÍCIA MÉDICA . INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO - Não se extraindo dos autos novos elementos de convicção a embasarem pleito defensivo atinente à instauração de novo incidente de insanidade mental do réu, impõe-se a manutenção da perícia realizada por psiquiatra forense. (TJ-MG - APR: 09341377820178130024 Belo Horizonte, Relator.: Des.(a) Matheus Chaves Jardim, Data de Julgamento: 22/11/2018, 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/12/2018) Assim, inexistindo qualquer elemento técnico inovador ou divergente daquilo que já foi submetido à análise pericial, rejeito a preliminar de instauração de novo incidente de insanidade mental. II – DO CRIME DE HOMICÍDIO Para que se prolate uma decisão de pronúncia é necessário verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e de indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita, conforme se depreende do § 1º e do caput do artigo 413 do Código de Processo Penal: Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. A decisão de pronúncia deve, portanto, indicar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita. Trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, estando a análise adstrita, tão somente, à prova de materialidade e indícios de autoria, caso contrário, sobrepor-se-ia à competência do Tribunal do Júri. Renato Brasileiro de Lima ao se debruçar sobre o tema, explica: A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413, caput, do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020). Em outras palavras, para fins de pronúncia, como adverte referido doutrinador, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, tal qual se exige em relação à materialidade, é necessário um conjunto de provas que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso, de modo a se evitar que alguém seja exposto de maneira temerária a um julgamento perante o Tribunal do Júri. Acrescenta-se que no procedimento escalonado do Tribunal do Júri vigora, nesta fase de julgamento acerca da admissibilidade da denúncia, o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual, "[...] existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular" (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 833). A materialidade do delito é inequívoca e restou cabalmente comprovada no curso da instrução processual, especialmente por meio dos laudos periciais constantes dos autos, notadamente o Laudo de Exame Cadavérico (ID 83741250) e o Laudo de Exame em Local de Morte Violenta (ID 83741255), que atestam que a vítima CARINA SILVA SOUSA foi atingida por múltiplos golpes na região da cabeça, desferidos por instrumento contundente — marreta —, os quais resultaram em traumatismo crânio-encefálico e consequente óbito imediato. O exame necroscópico identificou oito lesões contusas na região craniana da vítima, suficientes para indicar o propósito de eliminar a vida da ofendida. Diante desse contexto, não vislumbro dúvida quanto à presença do animus necandi suficiente para a desclassificação do delito. Quanto à autoria, essa se apresenta inconteste e confessada. Embora o acusado E. V. C. tenha optado, em juízo, por exercer o direito ao silêncio, nos termos da garantia constitucional prevista no art. 5º, LXIII, da Constituição da República, a autoria fora anteriormente admitida pelo próprio réu em sede inquisitorial, além de estar amplamente corroborada pelos seguintes elementos de convicção: · Laudo pericial genético que identificou material biológico da vítima no cabo e cabeça da marreta, bem como no interior da residência utilizada pelo acusado; · Depoimentos testemunhais, especialmente de VALDIRENE SOUSA CARVALHO, que constatou alterações incomuns na casa — incluindo a ausência da marreta de seu local habitual, vestígios de limpeza recente e manchas no teto do quarto; · Prova pericial ambiental, que confirma que a vítima foi morta em local diverso daquele em que foi posteriormente encontrada, o que coaduna com a narrativa ministerial de que o corpo fora transportado com a intenção de dificultar a investigação. Assim, nesta fase preliminar de admissibilidade da acusação, verificam-se indícios suficientes da autoria atribuída ao acusado, além da prova da materialidade do delito, consubstanciada nos laudos periciais que apontam a existência de múltiplas lesões contusas na região craniana da vítima, causadas por instrumento contundente. Tais elementos, somados ao conjunto probatório coligido aos autos, são suficientes para submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, órgão competente para o juízo de mérito. III – DO EXAME DAS QUALIFICADORAS A análise que se segue visa verificar se tais circunstâncias qualificadoras restam minimamente demonstradas nos autos, à luz do que dispõe o art. 413, caput, do Código de Processo Penal, segundo o qual, para fins de pronúncia, exige-se prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, inclusive quanto às qualificadoras, desde que não sejam manifestamente improcedentes ou infundadas. a) Do motivo fútil (art. 121, § 2º, II, CP) A qualificadora do motivo fútil repousa, na denúncia, sobre a alegação de que a agressão letal teria sido motivada por uma discussão iniciada após repentino desinteresse sexual do acusado em relação à vítima. Tal narrativa, embora delineie um contexto de conflito interpessoal, revela-se, ao menos nesta fase de admissibilidade, insuficiente para afastar, de plano, a plausibilidade da qualificadora. Isso porque o desfecho do evento — a morte brutal da vítima, após breve desentendimento — pode sim ser compreendido, em tese, como resultado de motivo desproporcional à discussão, especialmente se considerado o número e a região dos golpes. Conforme doutrina dominante, o motivo fútil caracteriza-se pela absoluta desproporção entre a causa do delito e a intensidade da reação do agente, sendo desnecessária, nesta etapa processual, a prova cabal do animus — bastando a plausibilidade da imputação. Portanto, não se trata de qualificadora manifestamente descabida, razão pela qual deve ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri. b) Do meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP) A denúncia imputa ao acusado a qualificadora do meio cruel, sustentando que o homicídio foi praticado com excessiva brutalidade, mediante a aplicação de diversos golpes de marreta na cabeça da vítima, o que, segundo o Ministério Público, teria acarretado sofrimento desnecessário e acentuado. Entretanto, à luz do que se extrai dos elementos constantes nos autos, especialmente do Laudo Cadavérico (ID 83741250), não há comprovação suficiente de que a vítima tenha sido submetida a sofrimento físico ou moral de natureza intensa ou desnecessária antes de sua morte, tampouco há evidência de que os múltiplos golpes tenham sido desferidos com o propósito de prolongar a dor ou a agonia da ofendida. Conforme assinala a doutrina e jurisprudências majoritárias, a caracterização do meio cruel não pode ser presumida a partir da mera repetição dos golpes, exigindo-se a demonstração de dolo específico de causar sofrimento atroz: EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL, MEIO CRUEL, EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO] - PRONÚNCIA - QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL, MEIO CRUEL E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA NÃO CARACTERIZADAS - PRETENSÃO RECURSAL DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - HOMICÍDIO MOTIVADO POR CIÚMES - FIM DO RELACIONAMENTO - ATAQUE REPENTINO DE ARMA BRANCA - VÍTIMA DESARMADA - GOLPES INICIADOS QUANDO A VÍTIMA ESTAVA “DE COSTAS” - DIFICULDADE DE DEFESA - MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - ANÁLISE RESERVADA AO TRIBUNAL DO JÚRI - MEIO CRUEL - QUANTIDADE DE GOLPES - INSUFICIÊNCIA PARA DEMONSTRAMR VONTADE DE CAUSAR SOFRIMENTO DESNECESSÁRIO A VÍTIMA - QUALIFICADORA AFASTADA - LIÇÕES DOUTRINÁRIAS - ENUNCIADO CRIMINAL 2 DO TJMT - JULGADOS DO TJMT - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A QUALIFICADORA DO MEIO CRUEL. Cabe “ao Conselho de Sentença analisar se o contexto trazido aos autos autoriza a qualificação do ciúme como motivo fútil” (TJMT, RSE 43217/2018). O ataque de arma branca repentino contra vítima desarmada, cujos golpes iniciaram quando a vítima estava “de costas” pode revelar dificuldade de defesa (TJMT, RSE 0016453-63.2020 .8.11.0042). A exclusão de qualificadora, na pronúncia, é medida excepcional, admissível apenas quando se revelarem absolutamente improcedentes, sob pena de suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri (TJMT, RSE nº 137979/2017; RSE NU 1023152-48 .2021.8.11.0000; TJMT, Enunciado Criminal 2) . A caracterização do meio cruel pressupõe que o agente efetue “o ato com evidente intuito de maldade, ou seja, querendo impor à vítima um sofrimento desnecessário e não pela multiplicidade dos atos executórios utilizados na prática do crime”. Em outras palavras, o que a define “não é a violência da ação praticada com sanha e fúria, mas o propósito deliberado e alcançado de aumentar, desnecessariamente e sadicamente, o sofrimento do ofendido” (MIRABETE. Julio Fabrini, Código Penal Interpretado, 5º ed., SP: Atlas, 2005, p . 926). “O meio cruel, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP, é aquele em que o agente, ao praticar o delito, provoca um maior sofrimento à vítima. Vale dizer, quando se leva à efeito o crime com evidente instinto de maldade, objetivando impor à vítima um sofrimento desnecessário . Dessa maneira, a multiplicidade de atos executórios (in casu, reiteração de facadas), por si só, não configura a qualificadora do meio cruel.” (TJMT, RSE nº 156630/2017) Recurso provido parcialmente para afastar a qualificadora do meio cruel ( CP, art. 121, § 2º, III), mantida a pronúncia por homicídio qualificado pelo motivo fútil, emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima e feminícidio ( CP, 121, § 2º, II, IV e VI c/c § 2º-A, I). (TJ-MT - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: 10003817220238110011, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 13/02/2024, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 19/02/2024) No presente caso, a dinâmica dos fatos, o instrumento utilizado (marreta) e, principalmente, as características das lesões constatadas nos exames periciais, indicam que a morte da vítima foi quase imediata, provavelmente ocorrendo logo no primeiro ou nos primeiros golpes desferidos, em razão da extensão e gravidade do traumatismo crânio-encefálico. Desse modo, não se pode afirmar que houve sofrimento prolongado, tampouco se constata intenção de provocar dor adicional à ofendida. Ademais, importa destacar que, no laudo de exame necroscópico (ID 83741250), ao ser especificamente questionado acerca da existência de meio cruel, o perito oficial registrou expressamente a resposta como "prejudicado", deixando de atestar qualquer sofrimento prolongado ou agravado da vítima. Tal anotação técnica reforça a ausência de suporte probatório mínimo para a incidência da referida qualificadora, a qual, por conseguinte, deve ser afastada nesta decisão de pronúncia. Por fim, não se pode ignorar que a fase de pronúncia exige apenas o juízo de admissibilidade da acusação, e não se admite que qualificadoras manifestamente improcedentes ou despidas de lastro mínimo de verossimilhança sejam levadas à apreciação do Tribunal do Júri, sob pena de violação ao devido processo legal e à competência constitucional do magistrado togado na fase de saneamento do feito (art. 413, §1º, CPP). Assim, afasto a qualificadora do meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP), por entender que ela não se sustenta diante do conjunto probatório coligido aos autos, sendo manifestamente incabível na hipótese concreta. c) Do recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, CP) A dinâmica dos fatos descrita na denúncia indica que a vítima foi surpreendida com os golpes de marreta, enquanto se encontrava despida e, possivelmente, em ambiente de vulnerabilidade, após discussão com o acusado. A Defesa sustenta que houve discussão prévia e que, portanto, a vítima não estaria em estado de imprevisibilidade. Todavia, a mera existência de desentendimento verbal não é suficiente, por si só, para afastar a possibilidade de que o réu tenha se valido de recurso ardiloso ou de surpresa para desferir os golpes com maior eficácia, sem chance de defesa por parte da vítima. Nesta fase, exige-se apenas a plausibilidade da tese acusatória, não se exigindo demonstração irrefutável da qualificadora, motivo pelo qual também esta deve ser submetida à apreciação do Tribunal Popular. d) Do feminicídio (art. 121, § 2º, VI, CP) A qualificadora do feminicídio está fundada no fato de que o homicídio foi cometido em razão da condição do sexo feminino da vítima, no contexto de relacionamento íntimo e de possível violência de gênero, conforme o art. 121, § 2º-A, inciso II, do Código Penal. Consta dos autos que o acusado e a vítima se conheciam por meio de aplicativo de relacionamento e mantinham encontros íntimos regulares. No dia do crime, estavam sozinhos na residência utilizada pelo acusado, em ambiente privado, circunstância que evidencia íntima relação pessoal e afetiva. Embora não haja elementos suficientes para afirmar de modo categórico que o crime decorreu de misoginia ou de um padrão sistemático de dominação masculina, tais exigências não são indispensáveis para a incidência da qualificadora, bastando a existência de vínculo íntimo ou afetivo e a conexão do crime com tal contexto. Assim, a presença de indícios de que a motivação esteja relacionada a conflito no âmbito relacional e que a vítima tenha sido morta enquanto mulher, autoriza o reconhecimento da qualificadora em sede de pronúncia, cabendo ao Tribunal do Júri o exame de seu efetivo cabimento. IV – DO CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL A denúncia também imputa ao acusado E. V. C. a prática do delito de fraude processual, previsto no art. 347, parágrafo único, do Código Penal, sob a alegação de que, após o homicídio da vítima CARINA SILVA SOUSA, ele teria promovido alterações relevantes na cena do crime, lavando o corpo da vítima, higienizando os cômodos da residência onde os fatos se deram, removendo vestígios visíveis de sangue e, ainda, transportando o cadáver até local diverso, onde o abandonou em via pública, com o intuito de induzir a erro a autoridade policial e os peritos responsáveis pela apuração da infração penal. A materialidade delitiva está bem delineada nos autos, especialmente pelos laudos periciais, que atestam a presença de sangue humano na residência. Além disso, os depoimentos testemunhais, especialmente o de VALDIRENE SOUSA CARVALHO, evidenciam comportamento atípico do acusado nos dias subsequentes ao crime, inclusive com indícios de que a residência teria sido lavada e objetos remanejados ou suprimidos. Tais elementos são suficientes para indicar a prática, em tese, da conduta descrita no tipo penal do art. 347, parágrafo único, do CP, a saber, inovar artificiosamente o estado de lugar, coisa ou pessoa, no curso de investigação penal, em crime praticado com violência à pessoa. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, ou seja, a presença do dolo específico de induzir a erro o juiz ou o perito, é certo que tal avaliação exige valoração mais aprofundada da prova e análise do contexto fático-emocional do agente à época da conduta, especialmente considerando a tese defensiva de que o acusado poderia ter agido sob estado de perturbação ou pânico. Contudo, nesta fase processual, não se exige certeza ou demonstração inequívoca do dolo específico, bastando que haja indícios plausíveis da ocorrência do fato típico e de sua autoria, o que se verifica no caso. Importante ressaltar que o exercício do direito ao silêncio e a garantia da não autoincriminação assegurados constitucionalmente (art. 5º, LXIII, da CRFB) não autorizam o acusado a praticar atos positivos de obstrução da justiça, tampouco a modificar o local do crime para criar uma realidade artificial e induzir as autoridades à erro de percepção sobre a dinâmica dos fatos. Neste contexto, entendendo-se pela presença de elementos indiciários relevantes, a análise definitiva quanto à existência do dolo específico, à intenção fraudulenta e à efetiva finalidade de obstar a investigação penal deverá ser submetida ao Tribunal do Júri, competente para julgar tanto o crime doloso contra a vida quanto os delitos conexos, nos termos do art. 78, I, do Código de Processo Penal. Assim, restando presentes os requisitos legais do art. 413 do CPP, mantenho na decisão de pronúncia também a imputação relativa ao crime previsto no art. 347, parágrafo único, do Código Penal, para que seja igualmente apreciado pelo Conselho de Sentença. DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, com fundamento no art. 413, caput, do Código de Processo Penal, e estando comprovada a materialidade delitiva e presentes indícios suficientes de autoria, inclusive em relação às circunstâncias qualificadoras e ao delito conexo, pronuncio o acusado E. V. C., já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II (motivo fútil), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) e VI (feminicídio), do Código Penal, e art. 347, parágrafo único, do Código Penal, todos na forma do art. 69 do mesmo diploma legal, para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular desta Comarca de Imperatriz/MA, competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e seus conexos, nos termos do art. 5º, XXXVIII, alínea "d", da Constituição da República. Entendo desnecessária a decretação de prisão preventiva nesse momento, ausente o periculum libertatis. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Imperatriz – MA, data da assinatura eletrônica. Juiz Glender Malheiros Guimarães Titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Imperatriz
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Processo nº 0000431-94.2019.8.10.0040
ID: 337956000
Tribunal: TJMA
Órgão: 2ª VARA CRIMINAL DE IMPERATRIZ
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0000431-94.2019.8.10.0040
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IVAN SANTOS PAIVA
OAB/MA XXXXXX
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PATRICIA COUTINHO CAVALCANTE ALBUQUERQUE
OAB/MA XXXXXX
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ENOQUE CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE
OAB/MA XXXXXX
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ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA Fórum Henrique De La Roque - Rua Rui Barbosa, s/nº, Centro, CEP 65.900-440, Imperatriz/MA Processo nº 0000431-94.2019.…
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA Fórum Henrique De La Roque - Rua Rui Barbosa, s/nº, Centro, CEP 65.900-440, Imperatriz/MA Processo nº 0000431-94.2019.8.10.0040 [Feminicídio, Homicídio Qualificado] AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI (282) AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO ACUSADO: REU: E. V. C. SENTENÇA Trata-se de ação penal instaurada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em face de E. V. C., devidamente qualificado nos autos, imputando-lhe a prática dos delitos previstos nos arts. 121, §2º, incisos II (motivo fútil), III (meio cruel), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) e VI (feminicídio), bem como art. 347, parágrafo único, todos c/c art. 69, caput, todos do Código Penal, em razão do homicídio perpetrado em desfavor da vítima CARINA SILVA SOUSA, ocorrido no dia 19 de janeiro de 2019, por volta das 23h00min, nesta cidade de Imperatriz/MA. Narra a denúncia ministerial que o acusado, após conduzir a vítima até a residência de sua companheira, aproveitando-se da ausência desta, iniciou uma discussão em razão de um alegado "repentino desinteresse sexual", ocasião em que, dominado por animus necandi, desferiu múltiplos golpes com instrumento contundente (marreta) na região craniana da vítima, causando-lhe traumatismo cranioencefálico e consequente óbito. Em seguida, teria lavado o corpo e o local do crime, transportado o cadáver em veículo automotor até local ermo e lá o abandonado despido, tentando, assim, fraudar a apuração dos fatos delituosos. Recebida a denúncia, o acusado foi regularmente citado e apresentou resposta à acusação por intermédio de defensor constituído (ID 83741270). No decorrer da instrução criminal, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e pela Defesa. Ao final da instrução, foi oportunizado ao acusado o exercício do direito de ser interrogado, ocasião em que optou por permanecer em silêncio, nos termos da garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição da República. Encerrada a fase instrutória, foram as partes instadas a se manifestarem em razões finais por memoriais escritos, conforme faculdade prevista no art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal. O Ministério Público, em suas alegações finais (ID 153011107), pugnou pela pronúncia do acusado E. V. C., sustentando a existência de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria delitiva, bem como a presença de todas as qualificadoras e da fraude processual descritas na peça acusatória, requerendo, ao final, a submissão do réu ao julgamento pelo Tribunal do Júri Popular. Por sua vez, a Defesa técnica (ID 155134749), aduziu, preliminarmente, a necessidade de instauração de novo incidente de insanidade mental, à luz de novos elementos surgidos durante a instrução, notadamente o depoimento da médica do CAPS. No mérito, sustentou a inexistência de elementos mínimos que autorizem a pronúncia do acusado com as qualificadoras descritas na denúncia, pugnando, subsidiariamente, pela desclassificação para homicídio simples, ou ainda, pela impronúncia. Aduziu, por fim, a existência de semi-imputabilidade do acusado, a ser considerada em eventual fase de dosimetria da pena. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Passo a decidir. I – DA PRELIMINAR DE INSTAURAÇÃO DE NOVO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL A defesa, em suas alegações finais, arguiu, em sede preliminar, a necessidade de instauração de novo incidente de insanidade mental, sob o fundamento de que, durante a instrução processual, teriam emergido elementos fáticos e probatórios que colocariam em dúvida a higidez psíquica do acusado, notadamente o depoimento da médica Dra. Kelly Santiago Galdez Teixeira, profissional atuante no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e responsável pelo atendimento do réu em momento imediatamente posterior aos fatos. A pretensão, todavia, não merece prosperar. Nos próprios autos do incidente de insanidade mental n.º 0002852-57.2019.8.10.0040, verifica-se que a sua instauração teve como um dos principais fundamentos justamente o relatório médico elaborado pela Dra. Kelly Santiago Galdez Teixeira — a mesma profissional agora destacada pela Defesa como portadora de informações "novas". Assim, os elementos clínicos hoje apontados como supervenientes já haviam sido considerados à época da perícia oficial, não havendo, portanto, qualquer fato novo ou elemento substancialmente diverso que justifique a reiteração do incidente. O referido incidente resultou na elaboração de Laudo Pericial Psiquiátrico Forense, produzido por peritos oficiais regularmente nomeados e que, com base em criteriosa avaliação técnica, concluiu pela existência de capacidade parcial de entendimento e autodeterminação do acusado à época dos fatos, o que caracteriza semi-imputabilidade, nos termos do art. 26, parágrafo único, do Código Penal. O laudo pericial foi expressamente homologado por este juízo, sem qualquer oposição das partes, conforme se extrai do termo de ciência constante dos autos do incidente. Ressalte-se, ainda, que não se vislumbra a ocorrência de fato novo ou superveniente que, nos termos do art. 149 do Código de Processo Penal, justifique a instauração de novo incidente. O simples reiterar de informações já disponíveis no momento da perícia anterior — ainda que agora verbalizadas em audiência — não altera o conteúdo probatório já valorado e consolidado no laudo oficial. A jurisprudência é pacífica ao exigir a presença de elementos novos e substancialmente divergentes para legitimar a reabertura da discussão sobre a imputabilidade penal: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO DE FURTO QUALIFICADO. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL REALIZADO. SUBMISSÃO DO RÉU À NOVA PERÍCIA MÉDICA . INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO - Não se extraindo dos autos novos elementos de convicção a embasarem pleito defensivo atinente à instauração de novo incidente de insanidade mental do réu, impõe-se a manutenção da perícia realizada por psiquiatra forense. (TJ-MG - APR: 09341377820178130024 Belo Horizonte, Relator.: Des.(a) Matheus Chaves Jardim, Data de Julgamento: 22/11/2018, 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/12/2018) Assim, inexistindo qualquer elemento técnico inovador ou divergente daquilo que já foi submetido à análise pericial, rejeito a preliminar de instauração de novo incidente de insanidade mental. II – DO CRIME DE HOMICÍDIO Para que se prolate uma decisão de pronúncia é necessário verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e de indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita, conforme se depreende do § 1º e do caput do artigo 413 do Código de Processo Penal: Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. A decisão de pronúncia deve, portanto, indicar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita. Trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, estando a análise adstrita, tão somente, à prova de materialidade e indícios de autoria, caso contrário, sobrepor-se-ia à competência do Tribunal do Júri. Renato Brasileiro de Lima ao se debruçar sobre o tema, explica: A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413, caput, do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020). Em outras palavras, para fins de pronúncia, como adverte referido doutrinador, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, tal qual se exige em relação à materialidade, é necessário um conjunto de provas que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso, de modo a se evitar que alguém seja exposto de maneira temerária a um julgamento perante o Tribunal do Júri. Acrescenta-se que no procedimento escalonado do Tribunal do Júri vigora, nesta fase de julgamento acerca da admissibilidade da denúncia, o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual, "[...] existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular" (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 833). A materialidade do delito é inequívoca e restou cabalmente comprovada no curso da instrução processual, especialmente por meio dos laudos periciais constantes dos autos, notadamente o Laudo de Exame Cadavérico (ID 83741250) e o Laudo de Exame em Local de Morte Violenta (ID 83741255), que atestam que a vítima CARINA SILVA SOUSA foi atingida por múltiplos golpes na região da cabeça, desferidos por instrumento contundente — marreta —, os quais resultaram em traumatismo crânio-encefálico e consequente óbito imediato. O exame necroscópico identificou oito lesões contusas na região craniana da vítima, suficientes para indicar o propósito de eliminar a vida da ofendida. Diante desse contexto, não vislumbro dúvida quanto à presença do animus necandi suficiente para a desclassificação do delito. Quanto à autoria, essa se apresenta inconteste e confessada. Embora o acusado E. V. C. tenha optado, em juízo, por exercer o direito ao silêncio, nos termos da garantia constitucional prevista no art. 5º, LXIII, da Constituição da República, a autoria fora anteriormente admitida pelo próprio réu em sede inquisitorial, além de estar amplamente corroborada pelos seguintes elementos de convicção: · Laudo pericial genético que identificou material biológico da vítima no cabo e cabeça da marreta, bem como no interior da residência utilizada pelo acusado; · Depoimentos testemunhais, especialmente de VALDIRENE SOUSA CARVALHO, que constatou alterações incomuns na casa — incluindo a ausência da marreta de seu local habitual, vestígios de limpeza recente e manchas no teto do quarto; · Prova pericial ambiental, que confirma que a vítima foi morta em local diverso daquele em que foi posteriormente encontrada, o que coaduna com a narrativa ministerial de que o corpo fora transportado com a intenção de dificultar a investigação. Assim, nesta fase preliminar de admissibilidade da acusação, verificam-se indícios suficientes da autoria atribuída ao acusado, além da prova da materialidade do delito, consubstanciada nos laudos periciais que apontam a existência de múltiplas lesões contusas na região craniana da vítima, causadas por instrumento contundente. Tais elementos, somados ao conjunto probatório coligido aos autos, são suficientes para submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, órgão competente para o juízo de mérito. III – DO EXAME DAS QUALIFICADORAS A análise que se segue visa verificar se tais circunstâncias qualificadoras restam minimamente demonstradas nos autos, à luz do que dispõe o art. 413, caput, do Código de Processo Penal, segundo o qual, para fins de pronúncia, exige-se prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, inclusive quanto às qualificadoras, desde que não sejam manifestamente improcedentes ou infundadas. a) Do motivo fútil (art. 121, § 2º, II, CP) A qualificadora do motivo fútil repousa, na denúncia, sobre a alegação de que a agressão letal teria sido motivada por uma discussão iniciada após repentino desinteresse sexual do acusado em relação à vítima. Tal narrativa, embora delineie um contexto de conflito interpessoal, revela-se, ao menos nesta fase de admissibilidade, insuficiente para afastar, de plano, a plausibilidade da qualificadora. Isso porque o desfecho do evento — a morte brutal da vítima, após breve desentendimento — pode sim ser compreendido, em tese, como resultado de motivo desproporcional à discussão, especialmente se considerado o número e a região dos golpes. Conforme doutrina dominante, o motivo fútil caracteriza-se pela absoluta desproporção entre a causa do delito e a intensidade da reação do agente, sendo desnecessária, nesta etapa processual, a prova cabal do animus — bastando a plausibilidade da imputação. Portanto, não se trata de qualificadora manifestamente descabida, razão pela qual deve ser submetida à apreciação do Tribunal do Júri. b) Do meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP) A denúncia imputa ao acusado a qualificadora do meio cruel, sustentando que o homicídio foi praticado com excessiva brutalidade, mediante a aplicação de diversos golpes de marreta na cabeça da vítima, o que, segundo o Ministério Público, teria acarretado sofrimento desnecessário e acentuado. Entretanto, à luz do que se extrai dos elementos constantes nos autos, especialmente do Laudo Cadavérico (ID 83741250), não há comprovação suficiente de que a vítima tenha sido submetida a sofrimento físico ou moral de natureza intensa ou desnecessária antes de sua morte, tampouco há evidência de que os múltiplos golpes tenham sido desferidos com o propósito de prolongar a dor ou a agonia da ofendida. Conforme assinala a doutrina e jurisprudências majoritárias, a caracterização do meio cruel não pode ser presumida a partir da mera repetição dos golpes, exigindo-se a demonstração de dolo específico de causar sofrimento atroz: EMENTA RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL, MEIO CRUEL, EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E FEMINICÍDIO] - PRONÚNCIA - QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL, MEIO CRUEL E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA NÃO CARACTERIZADAS - PRETENSÃO RECURSAL DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - HOMICÍDIO MOTIVADO POR CIÚMES - FIM DO RELACIONAMENTO - ATAQUE REPENTINO DE ARMA BRANCA - VÍTIMA DESARMADA - GOLPES INICIADOS QUANDO A VÍTIMA ESTAVA “DE COSTAS” - DIFICULDADE DE DEFESA - MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - ANÁLISE RESERVADA AO TRIBUNAL DO JÚRI - MEIO CRUEL - QUANTIDADE DE GOLPES - INSUFICIÊNCIA PARA DEMONSTRAMR VONTADE DE CAUSAR SOFRIMENTO DESNECESSÁRIO A VÍTIMA - QUALIFICADORA AFASTADA - LIÇÕES DOUTRINÁRIAS - ENUNCIADO CRIMINAL 2 DO TJMT - JULGADOS DO TJMT - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A QUALIFICADORA DO MEIO CRUEL. Cabe “ao Conselho de Sentença analisar se o contexto trazido aos autos autoriza a qualificação do ciúme como motivo fútil” (TJMT, RSE 43217/2018). O ataque de arma branca repentino contra vítima desarmada, cujos golpes iniciaram quando a vítima estava “de costas” pode revelar dificuldade de defesa (TJMT, RSE 0016453-63.2020 .8.11.0042). A exclusão de qualificadora, na pronúncia, é medida excepcional, admissível apenas quando se revelarem absolutamente improcedentes, sob pena de suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri (TJMT, RSE nº 137979/2017; RSE NU 1023152-48 .2021.8.11.0000; TJMT, Enunciado Criminal 2) . A caracterização do meio cruel pressupõe que o agente efetue “o ato com evidente intuito de maldade, ou seja, querendo impor à vítima um sofrimento desnecessário e não pela multiplicidade dos atos executórios utilizados na prática do crime”. Em outras palavras, o que a define “não é a violência da ação praticada com sanha e fúria, mas o propósito deliberado e alcançado de aumentar, desnecessariamente e sadicamente, o sofrimento do ofendido” (MIRABETE. Julio Fabrini, Código Penal Interpretado, 5º ed., SP: Atlas, 2005, p . 926). “O meio cruel, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP, é aquele em que o agente, ao praticar o delito, provoca um maior sofrimento à vítima. Vale dizer, quando se leva à efeito o crime com evidente instinto de maldade, objetivando impor à vítima um sofrimento desnecessário . Dessa maneira, a multiplicidade de atos executórios (in casu, reiteração de facadas), por si só, não configura a qualificadora do meio cruel.” (TJMT, RSE nº 156630/2017) Recurso provido parcialmente para afastar a qualificadora do meio cruel ( CP, art. 121, § 2º, III), mantida a pronúncia por homicídio qualificado pelo motivo fútil, emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima e feminícidio ( CP, 121, § 2º, II, IV e VI c/c § 2º-A, I). (TJ-MT - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: 10003817220238110011, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 13/02/2024, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 19/02/2024) No presente caso, a dinâmica dos fatos, o instrumento utilizado (marreta) e, principalmente, as características das lesões constatadas nos exames periciais, indicam que a morte da vítima foi quase imediata, provavelmente ocorrendo logo no primeiro ou nos primeiros golpes desferidos, em razão da extensão e gravidade do traumatismo crânio-encefálico. Desse modo, não se pode afirmar que houve sofrimento prolongado, tampouco se constata intenção de provocar dor adicional à ofendida. Ademais, importa destacar que, no laudo de exame necroscópico (ID 83741250), ao ser especificamente questionado acerca da existência de meio cruel, o perito oficial registrou expressamente a resposta como "prejudicado", deixando de atestar qualquer sofrimento prolongado ou agravado da vítima. Tal anotação técnica reforça a ausência de suporte probatório mínimo para a incidência da referida qualificadora, a qual, por conseguinte, deve ser afastada nesta decisão de pronúncia. Por fim, não se pode ignorar que a fase de pronúncia exige apenas o juízo de admissibilidade da acusação, e não se admite que qualificadoras manifestamente improcedentes ou despidas de lastro mínimo de verossimilhança sejam levadas à apreciação do Tribunal do Júri, sob pena de violação ao devido processo legal e à competência constitucional do magistrado togado na fase de saneamento do feito (art. 413, §1º, CPP). Assim, afasto a qualificadora do meio cruel (art. 121, § 2º, III, CP), por entender que ela não se sustenta diante do conjunto probatório coligido aos autos, sendo manifestamente incabível na hipótese concreta. c) Do recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, CP) A dinâmica dos fatos descrita na denúncia indica que a vítima foi surpreendida com os golpes de marreta, enquanto se encontrava despida e, possivelmente, em ambiente de vulnerabilidade, após discussão com o acusado. A Defesa sustenta que houve discussão prévia e que, portanto, a vítima não estaria em estado de imprevisibilidade. Todavia, a mera existência de desentendimento verbal não é suficiente, por si só, para afastar a possibilidade de que o réu tenha se valido de recurso ardiloso ou de surpresa para desferir os golpes com maior eficácia, sem chance de defesa por parte da vítima. Nesta fase, exige-se apenas a plausibilidade da tese acusatória, não se exigindo demonstração irrefutável da qualificadora, motivo pelo qual também esta deve ser submetida à apreciação do Tribunal Popular. d) Do feminicídio (art. 121, § 2º, VI, CP) A qualificadora do feminicídio está fundada no fato de que o homicídio foi cometido em razão da condição do sexo feminino da vítima, no contexto de relacionamento íntimo e de possível violência de gênero, conforme o art. 121, § 2º-A, inciso II, do Código Penal. Consta dos autos que o acusado e a vítima se conheciam por meio de aplicativo de relacionamento e mantinham encontros íntimos regulares. No dia do crime, estavam sozinhos na residência utilizada pelo acusado, em ambiente privado, circunstância que evidencia íntima relação pessoal e afetiva. Embora não haja elementos suficientes para afirmar de modo categórico que o crime decorreu de misoginia ou de um padrão sistemático de dominação masculina, tais exigências não são indispensáveis para a incidência da qualificadora, bastando a existência de vínculo íntimo ou afetivo e a conexão do crime com tal contexto. Assim, a presença de indícios de que a motivação esteja relacionada a conflito no âmbito relacional e que a vítima tenha sido morta enquanto mulher, autoriza o reconhecimento da qualificadora em sede de pronúncia, cabendo ao Tribunal do Júri o exame de seu efetivo cabimento. IV – DO CRIME DE FRAUDE PROCESSUAL A denúncia também imputa ao acusado E. V. C. a prática do delito de fraude processual, previsto no art. 347, parágrafo único, do Código Penal, sob a alegação de que, após o homicídio da vítima CARINA SILVA SOUSA, ele teria promovido alterações relevantes na cena do crime, lavando o corpo da vítima, higienizando os cômodos da residência onde os fatos se deram, removendo vestígios visíveis de sangue e, ainda, transportando o cadáver até local diverso, onde o abandonou em via pública, com o intuito de induzir a erro a autoridade policial e os peritos responsáveis pela apuração da infração penal. A materialidade delitiva está bem delineada nos autos, especialmente pelos laudos periciais, que atestam a presença de sangue humano na residência. Além disso, os depoimentos testemunhais, especialmente o de VALDIRENE SOUSA CARVALHO, evidenciam comportamento atípico do acusado nos dias subsequentes ao crime, inclusive com indícios de que a residência teria sido lavada e objetos remanejados ou suprimidos. Tais elementos são suficientes para indicar a prática, em tese, da conduta descrita no tipo penal do art. 347, parágrafo único, do CP, a saber, inovar artificiosamente o estado de lugar, coisa ou pessoa, no curso de investigação penal, em crime praticado com violência à pessoa. Quanto ao elemento subjetivo do tipo, ou seja, a presença do dolo específico de induzir a erro o juiz ou o perito, é certo que tal avaliação exige valoração mais aprofundada da prova e análise do contexto fático-emocional do agente à época da conduta, especialmente considerando a tese defensiva de que o acusado poderia ter agido sob estado de perturbação ou pânico. Contudo, nesta fase processual, não se exige certeza ou demonstração inequívoca do dolo específico, bastando que haja indícios plausíveis da ocorrência do fato típico e de sua autoria, o que se verifica no caso. Importante ressaltar que o exercício do direito ao silêncio e a garantia da não autoincriminação assegurados constitucionalmente (art. 5º, LXIII, da CRFB) não autorizam o acusado a praticar atos positivos de obstrução da justiça, tampouco a modificar o local do crime para criar uma realidade artificial e induzir as autoridades à erro de percepção sobre a dinâmica dos fatos. Neste contexto, entendendo-se pela presença de elementos indiciários relevantes, a análise definitiva quanto à existência do dolo específico, à intenção fraudulenta e à efetiva finalidade de obstar a investigação penal deverá ser submetida ao Tribunal do Júri, competente para julgar tanto o crime doloso contra a vida quanto os delitos conexos, nos termos do art. 78, I, do Código de Processo Penal. Assim, restando presentes os requisitos legais do art. 413 do CPP, mantenho na decisão de pronúncia também a imputação relativa ao crime previsto no art. 347, parágrafo único, do Código Penal, para que seja igualmente apreciado pelo Conselho de Sentença. DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, com fundamento no art. 413, caput, do Código de Processo Penal, e estando comprovada a materialidade delitiva e presentes indícios suficientes de autoria, inclusive em relação às circunstâncias qualificadoras e ao delito conexo, pronuncio o acusado E. V. C., já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II (motivo fútil), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima) e VI (feminicídio), do Código Penal, e art. 347, parágrafo único, do Código Penal, todos na forma do art. 69 do mesmo diploma legal, para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular desta Comarca de Imperatriz/MA, competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e seus conexos, nos termos do art. 5º, XXXVIII, alínea "d", da Constituição da República. Entendo desnecessária a decretação de prisão preventiva nesse momento, ausente o periculum libertatis. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Imperatriz – MA, data da assinatura eletrônica. Juiz Glender Malheiros Guimarães Titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Imperatriz
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Processo nº 0800009-79.2025.8.10.0039
ID: 326775945
Tribunal: TJMA
Órgão: 2ª Vara de Lago da Pedra
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0800009-79.2025.8.10.0039
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO MATEUS DIOGO NUNES
OAB/MA XXXXXX
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ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO NAUJ - NÚCLEO DE APOIO ÀS UNIDADES JUDICIAIS SISTEMA DE PROCESSO ELETRÔNICO: Processo Judicial Eletrônico – PJe PROCESSO Nº.: 0800009-79.2025.8.10.0039 AUTOR: MINI…
ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO NAUJ - NÚCLEO DE APOIO ÀS UNIDADES JUDICIAIS SISTEMA DE PROCESSO ELETRÔNICO: Processo Judicial Eletrônico – PJe PROCESSO Nº.: 0800009-79.2025.8.10.0039 AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO VÍTIMA: CLEUDE MONTEIRO DA SILVA FLAGRANTEADO: TEODORICO ARRAIS DE MORAIS NETO Advogado do(a) FLAGRANTEADO: FRANCISCO MATEUS DIOGO NUNES - MA20461 SENTENÇA O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, ofereceu denúncia em desfavor de TEODORICO ARRAIS DE MORAIS NETO, qualificado no ID 139192804, pela prática dos crimes capitulados no art. 24-A da Lei nº 11.340/06, art. 129, caput, art. 147, do Código Penal e art. 15 da Lei nº 10.826/03. Consta na inicial acusatória que, no dia 04 de janeiro de 2025, por volta das 03h, na residência localizada na Rua do Comércio, Centro, Lago dos Rodrigues/MA, o denunciado, com emprego de violência, arrombou a porta da residência da vítima, Cleude Monteiro da Silva, e, portando arma de fogo (revólver calibre .38, numeração PJ19874), desferiu três disparos em direção à sua residência. Narra o Parquet que, após a entrada violenta, o denunciado travou luta corporal com o Sr. Valdian, que conseguiu desarmá-lo com a ajuda de vizinhos. Durante a ação, a Sra. Cleude e Valdian sofreram escoriações pelo corpo, conforme relatado nos exames de corpo de delito de pág. 10 e 15, ID138519358. Consta ainda que, após a imobilização do denunciado, a Polícia Militar foi acionada, efetuando a prisão em flagrante de Teodorico, que foi encaminhado à Delegacia de Polícia juntamente com a arma de fogo utilizada, com três cápsulas deflagradas e duas munições intactas, conforme auto de exibição e apreensão de pág.07, ID138519358. Destaca que, segundo os elementos colhidos, a ação do denunciado foi desencadeada por episódios ocorridos entre ele e a vítima Cleude, em meados do mês de dezembro de 2024, quando ele passou a reagir às fotos publicadas pela vítima em sua conta na rede social Instagram e, posteriormente, passou a enviar mensagens a ela, configurando comportamento importuno. Informa que, ao se sentir importunada pelo denunciado e sofrer ameaças de violência, a vítima Cleude o repreendeu informando que era casada. Teodorico, no entanto, retrucou alegando que ela era livre para fazer o que desejasse e, na tentativa de se livrar do denunciado, a vítima bloqueou o perfil de Teodorico na rede social, no entanto, ele criou um novo perfil e continuou a importuná-la, incluindo ameaças de violência. Ressalta que, segundo os relatos da vítima, Teodorico chegou a intimidá-la pessoalmente em seu local de trabalho, proferindo ameaças de morte. Em razão desses fatos, Cleude solicitou medidas protetivas de urgência, que foram concedidas nos autos do processo nº 0806467-49.2024.8.10.0039, as quais foram flagrantemente descumpridas pelo denunciado. Assim, entendendo presentes os indícios de autoria e materialidade dos crimes narrados, pleiteou o Ministério Público a condenação do acusado nas sanções a eles cominadas. A denúncia foi recebida no dia 30 de janeiro de 2025 (ID 139550845). Citado, o acusado apresentou Resposta à acusação, conforme petição de ID 143503540. Realizada audiência de instrução, foram ouvidas as vítimas, as testemunhas de acusação e defesa, bem como interrogado o acusado. Na oportunidade, a defesa pugnou a revogação da prisão preventiva do acusado, o que foi indeferido (ID 148496965 e ID 148727505). Em alegações finais, o Ministério Público pleiteou a condenação do acusado nos termos da denúncia, com a manutenção das medidas protetivas impostas e, ainda, a prisão preventiva decretada em seu desfavor (ID 151018383). A defesa, por sua vez, apresentou alegações finais pugnando a absolvição do acusado e, em caso de condenação, a aplicação da pena no mínimo legal e fixação do regime aberto (ID 151501626). Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido. Trata-se, in casu, de ação penal movida pelo Ministério Público em face de TEODORICO ARRAIS DE MORAIS NETO, em que este é acusado da prática dos crimes capitulados no art. 24-A da Lei nº 11.340/06, art. 129, caput, art. 147, do Código Penal e art. 15 da Lei nº 10.826/03. Para a condenação do acusado faz-se necessário que exista prova cristalina e conclusiva da materialidade e autoria dos delitos. Assim, passo a verificar esses aspectos. Realizada a instrução processual, verifica-se a oitiva das vítimas, duas testemunhas de acusação, duas de defesa, bem como o interrogatório do acusado. A vítima CLEUDE MONTEIRO DA SILVA declarou o seguinte: “que a depoente nunca teve relacionamento com o acusado; que tinha relacionamento com o acusado só por mensagem; que o acusado começou curtindo suas fotos no instagram, mandava coraçãozinho, sempre curtia quando a depoente postava story e ele falou que começou a lhe seguir, depois não seguiu mais e a depoente ficou na cabeça dele; que o acusado começou a seguir a depoente de novo, mandou mensagem lhe elogiando, dizendo que era linda, encantadora, começou a fazer perguntas de onde era, como era sua vida, falou que era de Lago do Junco, que era amigo de Patrícia, filha do Raimundo Burrao, que inclusive a depoente conhece ela; que o acusado fez uma viagem para casa da Patrícia e ele perguntou da depoente para ela e ela disse que não lembrava; que todo dia o acusado mandava mensagem para a depoente; que começou a conversa como amizade e depois ficou como uma paquera; que a conversa com o acusado durou uns 3 meses; que a primeira mensagem foi em fevereiro de 2024; que a situação ficou violenta quando a depoente disse que não ia mais conversar com o acusado, por ser casada; que o acusado sempre perguntava pela vida da depoente, mas não falava nada para ele; que o acusado começou a bisbilhotar a vida da depoente, perguntando onde morava, quem era aquela menina dos olhos grandes que trabalhava em uma loja de calçados; que a depoente falou para o acusado parar pois isso iria gerar confusão; que a depoente não falava nada para o acusado e ele ficava furioso, começava a falar coisas horríveis; que o acusado falava que o sobrenome da depoente era negro, que a depoente não tinha coragem, a chamava de porcaria, que era um nada; que a depoente bloqueava o acusado e tem dois números que ele mandava mensagem também; que quando a depoente bloqueava o acusado, passava 4 dias, 5 dias e chegava outra mensagem de numero diferente; que a depoente pediu medida protetiva em dezembro; que a depoente pediu a medida porque o acusado começou a ameaça-la de querer tirar de sua casa; que primeiro ele bisbilhotou sua vida; que o acusado dizia que sabia que o marido da depoente a deixava só em casa; que o acusado insistia em tirar a depoente de casa, incentivando a separação; que o acusado estava em Foz do Iguaçu e começou a lhe ameaçar; que o acusado disse que ia sair de lá, pegar o voo e começou a mandar foto de passagem; que o acusado disse que a depoente ainda tinha ate o dia 3 para sair de casa e se ela não saísse de casa, ele iria lá; que o acusado mandava fotos da passagem, dizendo que estava na rodoviária; que quando a depoente não conversava com o acusado, ele lhe enlouquecia, começava a tratar mal, falando muitas coisas; que a depoente ficou com medo do acusado chegar em sua casa; que quando o acusado a ofendia nas conversas, ela o bloqueava; que quando bloqueava o acusado, ele mandava mensagem de números de amigos dele; que a depoente dizia para o acusado que não queria mais conversar com ele, ele falava um monte de coisa, ele não aceitava, lhe ofendia; que no outro dia o acusado falava do telefone dos amigos dele, como se não tivesse acontecido nada, pedindo desculpa; que o acusado lhe visitava no trabalho antes dele viajar para Foz do Iguaçu; que o acusado disse que ia chegar dia 4 e dia 5 ele ia em sua casa falar com seu marido; que o acusado primeiro chegou, parou no seu trabalho e disse assim: 'eu já fui lá, te vira lá com ele'; que o marido da depoente ligou e perguntou o que estava acontecendo; que antes da medida sair, que o acusado recebeu a intimação, ele foi no trabalho da depoente e lhe esculhambou, falou horrores com a depoente pessoalmente; que o acusado descumpriu a medida protetiva quando mandou mensagem do telefone do amigo dele; que o acusado mandou mensagem do telefone do amigo dele, dizendo que iria lhe deixar em paz, que estava indo embora; que passou 15 dias; que o acusado arrombou a porta dia 4 de madrugada; que a depoente estava dormindo com seu marido e ouviram um barulho; que a depoente saiu e ouviu o disparo de arma de fogo; que o disparo foi em direção a porta do quarto; que o acusado arrebentou a porta da sala e fez o primeiro disparo dentro da casa; que essa bala pegou na parede; que a depoente começou a gritar, ficou na frente, abraçou seu marido para ele não reagir; que o acusado começou a chutar a depoente, lhe xingando, perguntando o que queria com ele; que o marido da depoente ficou tentando se soltar; que a depoente ficou entre eles dois tentando impedir; que o acusado deu mais disparos em direção a depoente; que o disparo não pegou na depoente; que o acusado apontou a arma para a depoente e seu esposo; que esses tiros pegaram na parede e na caixa de som; que o tiro não pegou porque estavam se desviando; que o marido da depoente conseguiu pegar na mao do acusado que estava a arma e deu um mata leao nele; que conseguirar tirar a arma da mao do acusado e seu marido ficou segurando ele; que a depoente correu em direçao a rua; que o acusado deu um chute na depoente e caiu de cara no chão; que quando a depoente caiu, o acusado bateu em seu rosto; que o marido da depoente pegou o acusado e segurou de novo; que a depoente correu para delegacia; que a depoente entregou a arma para os policiais; que o marido da depoente imobilizou o acusado e os policiais chegaram lá e prenderam ele; que foram na viatura junto com eles para Pedreiras; que o acusado chutava o camburão e dizia para fazerem um acordo; que era de madrugada, e a depoente e o marido não tinham como ir de outra forma para delegacia; que o acusado estava pedindo acordo era para polícia; que o acusado ofereceu dinheiro para o marido da depoente soltar ele; que o acusado ofereceu 5 mil reais; que o acusado ofereceu dinheiro também para sair de dentro da casa da depoente; que desde então o acusado esta preso; que durante esse período não recebeu nenhum comunicado da parte do acusado; que ouviu falar que o acusado pediu para a tia dele ir falar com a depoente para retirar a queixa; que essa tia não falou com a depoente; que na casa só tinha a depoente e o marido; que o marido da depoente também ficou com lesão; que o acusado deu uma mordida no ombro dele e na perna; que a depoente continua trabalhando; que a depoente esta fazendo tratamento psiquiatrico depois desse fato; que a depoente ainda sente medo; que se o acusado for solto, ainda quer a manutenção das medidas protetivas; que tem medo real do acusado; que sabe que o acusado já teve comportamento violento com a filha dele e com outra pessoa; que tinha uns 8 meses que conversavam; que nesse período, a depoente disse uma vez para o acusado lhe deixar em paz, mas ele não desistia, dizia que nunca tinha gostado de ninguém; que o acusado tentava lhe convencer com dinheiro; que convive com seu companheiro por 12 anos; que a depoente saiu correndo com a arma e seu marido ficou segurando o acusado; que amarraram os braços do acusado para poder ser entregue a policia; que as lesões no acusado foi em razão da luta corporal na casa da depoente; que o acusado começou a chutar a depoente dentro de casa; que o acusado disse a depoente que era agiota e trabalhava com jogos". A vítima VALDIAN COSTA DAMASCENO relatou: “que já tinha visto o acusado passando na cidade; que o acusado bateu na porta do depoente, atendeu ele, mandou ele entrar, disse que sentasse e ele disse que tinha coisa séria a tratar com o depoente; que o acusado ofereceu dinheiro ao depoente para sair de casa; que o acusado disse que a Cleude queria se separar do depoente; que o depoente ligou para Cleude e ela lhe contou a historia; que Cleude disse que o acusado estava perseguindo ela, mostrou as mensagens ao depoente; que o depoente disse para Cleude cortar a conversa ou pedir medida protetiva; que o acusado a perseguia, ela ficava com medo, ele mandava mensagem; que o depoente respondia a mensagem do acusado pedindo para deixa-los em paz; que o acusado pediu desculpas dizendo que ia parar; que o acusado continuou enviando mensagens de números estranhos; que Cleude pediu medida protetiva quando o acusado passou a ameaça-la, assim como ao depoente; que Cleude quis mostrar ao depoente as mensagens de ameaça, mas não quis ver; que o acusado ameaçava da Cleude sair de casa ou ele ia dar um jeito; que no dia do fato, a Cleude e o depoente estavam dormindo quando ouviram um barulho; que o depoente saiu, a porta é de correr, e pôs a cara fora do quarto e viu uma pessoa em pé com a lanterna do celular ligada e um tiro do lado do seu rosto na parede; que o depoente correu e Cleude foi atrás; que a Cleude discutiu com o acusado, chorando, gritando; quo acusado falou umas coisas, ele foi para cima, o depoente ficou no meio deles, e o acusado deu um chute em Cleude; que o depoente tentou pegar a arma do acusado; que Cleude escorregou na água do cachorro; que o acusado apontou a arma para Cleude e conseguiu pegar na arma e o acusado deu um tiro; que Cleude caiu de novo; que o depoente conseguiu pegar a arma do acusado; que o depoente deu um mata leao no acusado; que Cleude saiu correndo e ficou na porta gritando pedindo socorro mas não veio ninguém; que o acusado saiu correndo atrás dela; que o acusado conseguiu derrubar Cleude e estava pisando nela; que o depoente imobilizou o acusado; que alguém lhe deu uma corda e imobilizou ele; que Cleude saiu correndo para chamar a polícia; que no dia o acusado ofereceu dinheiro ao depoente para solta-lo; que o acusado disse: 'quando eu sair eu te mato'; que o depoente e Cleude foram com a policia para Pedreiras; que na viatura o acusado estava tentando subornar os policiais; que no dia do ocorrido o depoente estava no quarto dormindo; que o depoente não possuía arma de fogo em casa; que o depoente não tem passagem pela polícia nem usa drogas; que o depoente conheceu o acusado no dia que ele foi pedir que saísse de casa; que Cleude bloqueou o acusado, mas ele mandava mensagem de outros números; que soube que o acusado conversava com sua esposa quando ele lhe ofereceu dinheiro para sair de casa; que a primeira vez que o acusado foi a casa do depoente, não percebeu se ele estava armado; que nesse dia não discutiram, o depoente só pediu que o acusado saísse de sua casa; que sua esposa lhe mostrou toda conversa; que as agressões que aconteceram no dia 4 foram mutuas, o depoente estava se defendendo, protegendo sua casa e sua vida”. A testemunha JOSÉ FERREIRA NETO informou: “que o depoente se encontrava de serviço em Lago dos Rodrigues com outros policiais, neste dia estava tendo um evento na cidade, quando a vítima chegou procurando eles no evento informando que teria sido agredida pelo acusado e ele estaria com uma arma de fogo e que ela veio e o esposo dela ficou e travou uma luta corporal onde o esposo conseguiu conter o acusado, detendo ele na casa do casal; que foram alguns policiais na viatura checar a ocorrência e encontraram o acusado imobilizado pelo esposo da vítima; que voltaram com ele na viatura para o evento e lá se deslocaram ate a cidade de Pedreiras para entregar o preso; que a vítima apresentava sinais de lesão pelo rosto; que o réu não ofereceu resistência; que durante o trajeto o réu não gritou com os policiais nem com a vítima; que enquanto estava com o acusado, este não ofereceu dinheiro para ser solto; que soube que tinha a medida protetiva através da vítima; que os policiais que foram primeiro lá lhe entregaram a arma de fogo; que a arma foi entregue na delegacia; que no mesmo dia do ocorrido, o acusado foi abordado no evento que estavam, mas não encontraram arma com ele no momento; que o depoente estava no carro no trajeto para Pedreiras e não houve nenhum tipo de suborno por parte do acusado”. A testemunha JOAO PEDRO ALVES narrou: “que quando chegaram na residência da vítima, o acusado estava imobilizado pelo marido dela; que foi informado que eles entraram em conflito e ela disse que foi feito disparo de arma de fogo dentro da residência, eles entraram em luta corporal e ela conseguiu pegar a arma de fogo e saiu para localizar a guarnição; que chegaram ao local e conduziram o acusado para delegacia; que a vítima estava lesionada, mas não lembra em que parte do corpo; que o Valdian e o réu estavam com lesões, principalmente na face; que a arma de fogo foi encontrada; que a vitima tirou a arma de fogo do conduzido e entregou a policia; que participou do transporte do réu e das vítimas até Pedreiras; que o réu não apresentou resistência; que o réu ameaçou a vítima e o marido dela no trajeto; que o réu ameaçou a vítima de morte assim que foi conduzido; que o réu não ofereceu dinheiro para os policiais para soltarem ele; que o acusado estava alcoolizado e gritando e ameaçando a vítimas durante o transporte; que o réu tinha sinais de hematomas quando foi abordado”. Passada à oitiva das testemunhas de defesa, o Sr. ANTONIEL FIRMINO DE SOUSA disse: “que o depoente conhece o acusado há mais de 20 anos, ele trabalhava como professor em Parauapebas, foi para Lago do Junto, montou uma lojinha e vendia roupas de time; que o réu foi embora pra São Paulo; que o acusado disse que ia para São Paulo para viver outra vida, pois tinha novos planos para vida dele; que depois do acontecido, o réu disse que voltou porque não teve uma resposta positiva de um caso que estava tendo na vida dele; que o acusado disse ao depoente que existia contato entre ele e uma mulher, mas não dava detalhes; que quando houve a atitude do acusado ir até a casa dessa pessoa, falar para o marido o que estava acontecendo entre eles, ele lhe disse que trocava mensagem com ela, ela dando esperanças para ele e ele chegou ao ponto de acreditar no que ela falava e ele se viu obrigado a expor ao marido dessa pessoa, porque achava que ela não estava tendo coragem; que o réu é uma boa pessoa, pai dedicado com os filhos, inteligente, sempre ve ele em programas sociais, é uma pessoa de coração bom, sempre pensando no bem de suas filhas; que o depoente conhece o Valdian de vista; que o depoente já ouviu boatos de que o Valdian consome drogas; que o depoente não tem a informação de que o acusado andava armado na cidade”. A Testemunha MANUEL WALBERT QUINTINO DA SILVA narrou: “que o acusado tem uma conduta boa na cidade, bom pai, cuidadoso com os filhos; que o acusado disse para o depoente que veio para Lago do Junco em razão de um relacionamento; que o acusado disse que estava envolvido e que trocavam mensagens; que durante o decorrer dos fatos, o acusado se viu obrigado a ir na residência do casal pois para ele, estaria salvando ela de alguma coisa e estaria fazendo bem para ela, ele estava apaixonado por ela e ele decidiu, pois ela já tinha dito que queria morar com ele e ele se viu no ponto de fazer isso; que a família do acusado é de gente boa na cidade; que nunca soube de confusão, brigas, envolvendo o acusado”. O réu, por sua vez, ao ser interrogado, respondeu: “que conheceu Cleude no instagram, comentou em um story e passaram a conversar; que ela disse que era casada e o marido era viciado em crack, cocaína; que ela não gosta do marido, pede o divórcio, manda ele embora e ele não vai, ele agride ela; que Cleude nao gostava de falar do casamento; que o marido de Cleude trafica drogas nas festas; que Cleude marcou várias vezes para ir para São Paulo encontrar o interrogado; que Cleude tem pavor do marido; que quando o depoente voltou de São Paulo pra tirar Cleude de casa, o interrogado foi falar com o marido dela; que depois disso, Cleude pediu a medida protetiva; que Cleude pediu a medida porque o interrogado disse que ia na casa dela; que Cleude não disse ao interrogado que era agredida pelo marido, soube por terceiras pessoas; que nesse dia, Cleude mandou mensagem pedindo ajuda, as 23h; que o interrogado não viu na hora porque estava na festa; que o interrogado conversava com Cleude pelo whatsapp, mesmo com as medidas protetivas; que Cleude reclamava do marido, pedia para o interrogado esperar, dizia que lhe amava, dizia para deixar as coisas abaixarem, dizia que o marido a perseguia, fazia lavagem cerebral nela; que o interrogado viu a mensagem de Cleude de madrugada; que o interrogado chegou na casa de Cleude e a chamou, mas não foi atendido; que o interrogado arrebentou a porta e foi recebido a porrada; que quando o interrogado estava no chão e foi se levantar, Valdian puxou a arma e apontou para o interrogado e Cleude chegou e ficou na sua frente e disse para não atirar; que o interrogado pegou na arma e a arma foi para baixo e Cleude pegou também; que os 3 ficaram pegando na arma e teve dois disparos e a arma caiu; que Cleude pegou a arma e saiu correndo; que o interrogado continuou sendo espancado e foi amarrado e levado para o presidio; que o interrogado não sabia que Cleude e Valdian estavam na viatura; que o interrogado não ameaçou a Cleude de morte na viatura; que essa mensagem que Cleude mandou pedindo ajuda foi para o celular do amigo do interrogado; que a vítima Cleude nunca disse ao interrogado que era vítima de violência doméstica do Valdian; que o interrogado tem áudio dela chorando dizendo que não aguentava mais e agradecendo por se importar com ela; que sobre a agressão de Valdian em relação a Cleude, a cidade comentava, ela não falou nada sobre isso ao interrogado; que quando o interrogado encontrou Cleude na loja, ela não estava acompanhada do marido; que quando o interrogado esteve com Cleude na loja, ela não disse porque não iria sair de casa; que Cleude não contou nestas oportunidades que o marido dela batia nela; que o interrogado não ficou afastado da vitima porque ela passou 11 meses de sua vida dizendo que queria ser feliz, que o interrogado era o amor da vida dela; que o interrogado não cumpriu a decisao porque Cleude continuava conversando com o interrogado pelo whatsapp e também porque sabia que ela estava sendo obrigada a fazer a medida; que Cleude disse que não queria ter entrado com a medida protetiva, que ela fez obrigada; que o interrogado conversava com Cleude por meio de whatsapp de Jesus Alexandre, seu amigo; que o interrogado não passou isso para sua defesa, porque os advogados nem foram no presídio; que o advogado Vicente conversou com o interrogado e falou para ele que tinha os prints das conversas; que o interrogado foi para a casa de Cleude nesse dia porque estava na festa e o Jesus Alexandre estava lá; que o interrogado só foi na festa dar uma volta e ia para casa; que Jesus Alexandre lhe mostrou a mensagem enviada por Cleude de madrugada e foi na casa dela; que a arma era de Valdian; que o interrogado não sabe porque Jesus Alexandre não foi depor na delegacia; que o interrogado recebeu visita da sua família nesse tempo preso; que o interrogado não falou sobre essa situação para sua família; que o interrogado enviou dinheiro para Cleude várias vezes; que o único dinheiro que ela ficou foi 300 reais; que os outros valores ela devolveu; que Cleude disse ao interrogado que já tinha ido ao psiquiatra; que tem um áudio de Cleude dizendo que ela tem ansiedade, problemas; que o interrogado já foi ao psiquiatra e psicólogo; que quando o interrogado morava em São Paulo, foi diagnosticado com TDAH”. Pois bem. Da análise dos depoimentos acima, entendo que a presente ação penal deve ser julgada procedente. Inicialmente, tem-se a imputação ao acusado do crime previsto no art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006. Trata-se do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência. Sabe-se que o crime em questão é delito formal, que se configura no momento em que o agente viola qualquer das medidas que lhe foram judicialmente impostas, não se exigindo um dolo específico na ação. Veja-se: Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO DA DEFESA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA . ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRAS DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA . Impõe-se a manutenção da condenação pela prática do crime de descumprimento de medidas protetivas, se restou demonstrado que o réu tinha conhecimento das cautelares deferidas em favor da vítima e, de forma consciente, violou as proibições de aproximação e de manter contato. O descumprimento de medidas protetivas de urgência é crime formal e se consuma no momento em que o agente realiza a conduta omissiva ou comissiva imposta. Nas infrações penais cometidas no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher, as palavras da vítima revestem-se de especial credibilidade, mormente quando confirmadas por outros elementos de prova. (TJ-DF 07006752020238070009 1897781, Relator.: ESDRAS NEVES, Data de Julgamento: 25/07/2024, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 05/08/2024) RECURSO DE APELAÇÃO – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA –DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1) PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS – CONSENTIMENTO DA VÍTIMA – NÃO DEMONSTRAÇÃO – EVENTUAL CONSENTIMENTO DA VÍTIMA NÃO AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 24-A DA LEI Nº 11.340/06 – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE TUTELA BEM JURÍDICO INDISPONÍVEL – 2) ABSOLVIÇÃO DO DELITO DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO – AUSÊNCIA PROBATÓRIA – IMPROCEDÊNCIA – MATERIALIDADES E AUTORIA DEMONSTRADAS – MENSAGENS DE WHATSAPP – PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA – CONJUNTO PROBATÓRIO HIGIDO – APELO IMPROVIDO. A Administração da Justiça é um bem jurídico indisponível por natureza . Assim, o mero descumprimento de decisão judicial que defere medida protetiva de urgência já é suficiente para a configuração do delito tipificado no art. 24-A da Lei nº 11.340/06, de modo que nem o consentimento da vítima é circunstância capaz de afastar a incidência da norma, haja vista a existência de preponderante interesse público no cumprimento da referida ordem. Tratando-se de crime de natureza formal, que não depende de resultado naturalístico para a sua consumação, basta a comprovação do descumprimento da medida protetiva de urgência para que seja imposta a condenação . Ainda, demonstrado que a vítima não autorizou a aproximação do apelante e, por outro lado, comprovando que ele tinha ciência plena e inequívoca das restrições impostas judicialmente em favor da ex-companheira, sobretudo, dos efeitos em caso de desrespeito, deve ser afastada a tese absolutória de atipicidade e preservada a condenação pelo crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência (art. 24-A da Lei nº. 11.340/2006) . Demonstradas nos autos autoria e materialidade do delito de coação no curso do processo, pois restou demonstrado que o apelante utilizou de mensagens de WhatsApp para intimidar a vítima, imperiosa a manutenção da condenação. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 1000036-86.2023.8 .11.0050, Relator.: RUI RAMOS RIBEIRO, Data de Julgamento: 30/04/2024, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 03/05/2024). No caso, verifica-se que haviam sido deferidas medidas protetivas em favor da vítima no dia 10 de dezembro de 2024, conforme decisão proferida nos autos do processo n.º 0806467-49.2024.8.10.0039, da qual o acusado fora devidamente cientificado em 13/12/2024. De acordo com a denúncia, o acusado deixou de cumprir a decisão judicial no que tange a aproximação da ofendida e contato com esta. Tal fato fora corroborado pelo depoimento da vítima Cleude e demais testemunhas ouvidas, que relataram que o acusado se encontrava na residência da referida vítima no dia dos fatos. Além disso, o próprio acusado confirmou que esteve no local. Quanto a autodefesa do acusado no sentido de que teria comparecido à residência da vítima a pedido desta, não há comprovação nos autos de tal solicitação. O acusado afirma que a vítima teria enviado mensagem via whatsapp para um amigo daquele pedindo que a salvasse, pois, segundo o acusado, a vítima estaria sofrendo violência doméstica por parte de seu companheiro, no entanto, o referido amigo não fora indicado como testemunha para confirmar sua versão, bem como não foi apresentada nenhuma outra prova indiciária de que tal mensagem tenha sido enviada pela vítima. Não restou comprovado, além disso, o consentimento da vítima de que o acusado se aproximasse da mesma, o que, de fato, conforme sustentou a defesa técnica, poderia afastar o dolo na sua conduta, conforme entendimento jurisprudencial. Sobre este fato, a vítima destacou que encontrava-se dormindo quando acordou com um barulho e o marido desta, ao verificar do que se tratava, constatou a presença do acusado em sua residência. A vítima Valdian confirmou o relato da vítima Cleude. Logo, reconheço que a narrativa apresentada na exordial acusatória foi comprovada pelas provas carreadas ao processo, de modo a concluir tanto pela ocorrência do crime de descumprimento de decisão judicial como pela autoria do ora acusado. A respeito do crime de lesão corporal, verifica-se que a materialidade delitiva encontra-se devidamente demonstrada em relação a ambas as vítimas. É o que se constata dos exames de corpo de delito acostados no ID 138519358, páginas 10 e 15, nos quais se verificam as descrições das lesões constatadas nas vítimas no dia dos fatos. Quanto a autoria, também não há dúvidas que deve ser atribuída ao acusado. Conforme se infere dos depoimentos das vítimas, estas ratificaram em Juízo as agressões perpetradas pelo acusado. Outrossim, as testemunhas ouvidas confirmaram que, no momento do atendimento da ocorrência, constataram que as vítimas encontravam-se lesionadas. Não merece prosperar a tese arguida pela defesa técnica do acusado no sentido de que teria ocorrido agressões recíprocas. Em que pese a declaração da vítima Valdian de que também teria agredido o acusado, depreende-se da prova colhida, especialmente os depoimentos das vítimas, que o acusado quem iniciou as agressões, invadindo a residência de ambos portando uma arma de fogo, concluindo-se, portanto, que os atos empregados pelas vítimas constituíram atos de defesa das mesmas. Ambas as vítimas sustentaram, assim como em sede policial, que a luta corporal havida com o acusado decorreu do fato deste encontrar-se armado e, diante da ameaça imposta devido ao referido artefato, não tiveram outra alternativa a não ser defenderem-se do perigo iminente do uso de tal arma. Assim, não reconheço a existência de agressões recíprocas. Também não se verifica configurada a legítima defesa, conforme igualmente destacou a defesa técnica. O art. 25 do Código Pena prevê: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Dos relatos acima não se constata injusta agressão das vítimas em face do acusado que, por sua vez, repita-se, foi ele quem iniciou as agressões, invadindo a residência do casal, de posse de uma arma de fogo, tendo estes apenas se defendido das investidas do acusado. Assim, diante dos elementos probatórios acima citados, não resta dúvida que as vítimas sofreram lesões corporais provocadas pelo acusado. Frisa-se, ainda, a existência do dolo na ação do acusado, que é o elemento subjetivo da conduta, in casu, a vontade livre e consciente de lesionar a vítima (animus laedendi). Logo, inconteste a autoria, a materialidade delitiva e o elemento subjetivo, da conduta, incorrendo o réu na conduta do art. 129, caput, do CPB, em relação a ambas as vítimas. O crime de ameaça também se encontra devidamente configurado. A materialidade do referido delito encontra-se consubstanciada na prova oral produzida na fase inquisitorial e em juízo. A autoria delitiva é certa e decorre dos depoimentos colhidos em juízo, à luz do contraditório e da ampla defesa. Para a configuração do crime de ameaça, não há necessidade de ter o agente vontade de fazer o mal anunciado, basta o dolo específico de intimidar a vítima, o que ocorreu no caso concreto. A esse respeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE AMEAÇA NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DOMÉSTICAS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO- PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Concluindo as instâncias de origem, com base no contexto probatório existente nos autos, especialmente as declarações prestadas pela vítima e demais testemunhas em ambas as fases do processo, acerca da autoria e materialidade assestadas ao agravante pela prática do crime de ameaça no âmbito das relações domésticas, a pretensão de absolvição na via especial esbarra no óbice intransponível da Súmula n. 7/STJ. 2. Para a caracterização do delito previsto no art. 147 do Código Penal, que possui natureza jurídica de delito formal, é suficiente a ocorrência do temor na vítima de que a ameaça proferida em seu desfavor venha a se concretizar. 3. Dada a adoção da teoria da actio libera in causa pelo Código Penal, somente a embriaguez completa, decorrente de caso fortuito ou força maior que reduza ou anule a capacidade de discernimento do agente quanto ao caráter ilícito de sua conduta, é causa de redução ou exclusão da responsabilidade penal nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 28 do Diploma Repressor. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 1.247.201/DF, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/5/2018, DJe de 1/6/2018.) Grifo nosso. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. ART. 147, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - CP. 1) ABSOLVIÇÃO. ÓBICE DO REVOLVIMENTO FÁTICO- PROBATÓRIO, VEDADO CONFORME SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 2) JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESCABIDA. 3) DOCUMENTO NOVO QUE NÃO DENOTA IMINENTE COAÇÃO ILEGAL. AMEAÇA INDIRETA ADMITIDA. 4) VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE DESCABIDA EM RECURSO ESPECIAL. 5) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O pleito absolutório esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ, pois a condenação proveniente das instâncias ordinárias foi embasada na prova dos autos. 2. Não é possível a juntada de documento novo em sede de embargos de declaração. Precedentes (EDcl no HC 236.647/PI, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 12/6/2013). 3. O crime de ameaça é de forma livre, podendo ser praticado através de palavras, gestos, escritos ou qualquer outro meio simbólico, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita e, ainda, condicional, desde que a intimidação seja apta a causar temor na vítima (RHC 66.148/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 12/12/2016). 3.1. No caso concreto, os termos de reinquirição de testemunha sequer denotam iminente coação ilegal flagrante a ser conhecida de ofício, pois não rechaçam a forma indireta do delito. 4. Não se insere no rol de competências do Superior Tribunal de Justiça a análise de malferimento a dispositivos constitucionais, porquanto se trata de matéria afeta ao âmbito de cognição do Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso III, alíneas a, da Constituição da República) (AgRg no AREsp 1421659/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 1º/4/2019). 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.641.808/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 8/2/2021.) Grifo nosso. A vítima Cleude foi clara ao detalhar que sentia muito medo do acusado e que, diante de sua insistência em manter contato, bloqueou o mesmo por diversas vezes de suas redes sociais, porém o mesmo sempre conseguia alguma alternativa para entrar em contato com a mesma, o que a deixou temerosa e motivou o pedido de medidas protetivas. Inclusive, a testemunha ouvida, o Sr. Joao Pedro Alves ressaltou que, ainda na presença dos policiais, o acusado ameaçou a vítima de morte. Como se vê, não merece prosperar o pleito de absolvição, em razão da ausência de prova para a configuração do tipo penal. Por meio do conjunto probatório ofertado, foi demonstrado que a vítima Cleude foi ameaçada pelo réu, sendo de rigor a sua condenação nas penas deste delito. Por fim, tem-se a imputação da prática do crime previsto no art. 15, da Lei n.º 10.826/2003, qual seja, disparo de arma de fogo, o qual encontra-se normatizado da seguinte forma: “Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”. Para a configuração desse delito, basta o agente acionar arma de fogo em lugar habitado, já que se trata de delito de mera conduta e de perigo abstrato, no qual o bem jurídico protegido é a incolumidade pública, não se perquirindo qual a intenção - dolo - do agente[1]. Restou evidenciado pelas provas testemunhais que o denunciado de fato disparou arma de fogo em lugar habitado, uma vez que o fez no interior da residência das vítimas, conforme informado por estas. Assim, não restam dúvidas de que a materialidade e autoria delitivas estão devidamente comprovadas. A tese defensorial de que a referida arma não seria de propriedade do acusado, sob a justificativa de que, anteriormente ao fato, o acusado teria sido submetido a revista pessoal em uma festa e com ele nada fora encontrado, não se sustenta, pois não é suficiente, por si só, para demonstrar que não fosse proprietário da arma apreendida, podendo ter se armado antes de se dirigir à residência das vítimas. Outrossim, as vítimas foram contundentes ao afirmar, tanto em sede inquisitorial quanto em Juízo, que o acusado chegou a sua residência já de posse da arma de fogo, sendo o referido objeto tomado de suas mãos pelas vítimas e entregue aos policiais como forma de evitar maiores consequências. Nesse sentido, certa deve ser a condenação do acusado também nas penas cominadas a este delito. Por fim, acerca da prisão preventiva do acusado, diante de todo histórico do acusado em relação às vítimas, entendo que persistem os requisitos da custódia cautelar, como forma de garantir a ordem pública, razão pela qual a mesma deve ser mantida. Diante do exposto, em face das razões apontadas, e pelo que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR o acusado TEODORICO ARRAIS DE MORAIS NETO, nas penas do art. 24-A da Lei nº 11.340/06, art. 129, caput, art. 147, do Código Penal e art. 15 da Lei nº 10.826/03. Passo, assim, a dosar a pena a ser-lhe aplicada, nos termos do art. 68, do CPB. DOSIMETRIA DA PENA - DO CRIME DO ART. 24-A, DA LEI N.º 11.340/2006 Pela análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, constata-se que o grau de culpabilidade é normal à espécie, nada havendo a valorar; No tocante aos antecedentes, verifica-se que o acusado não possui condenação por crime anterior; No que respeita à conduta social, nada fora colhido nos autos, pelo que deve ser considerada neutra. Em relação à personalidade, inexistem elementos suficientes para avaliá-la. Quanto aos motivos, deve ser desfavorável ao acusado, diante da fantasiosa ideia de que a vítima Cleude estaria sofrendo violência doméstica, sem qualquer comprovação, o que teria motivado o acusado a descumprir a decisao judicial de manter-se afastado da mesma; No que se refere às circunstâncias, nada a considerar; As consequências não são desfavoráveis, posto que não foram além da consumação. Por fim, inexistiu participação da vítima para o cometimento do ilícito. Desse modo, fixo a pena-base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, deixo de aplicar qualquer circunstância atenuante ou agravante, pois inexistem no caso. Igualmente, inexistem causas de aumento e diminuição de pena, seja da parte especial ou geral, pelo que mantenho a pena em terceira fase em 02 (DOIS) ANOS E 03 (TRÊS) MESES DE RECLUSÃO E 11 (ONZE) DIAS-MULTA. - DO CRIME DO ART. 129, CAPUT, DO CPB, EM RELAÇAO À VÍTIMA CLEUDE MONTEIRO DA SILVA Pela análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, constata-se que o grau de culpabilidade é normal à espécie, nada havendo a valorar. No tocante aos antecedentes, verifica-se que o réu não possui condenação por crime anterior. No que respeita à conduta social, nada fora colhido nos autos, pelo que deve ser considerada neutra. Em relação à personalidade, inexistem elementos suficientes para avaliá-la. Quanto aos motivos, nada a considerar. No que se refere às circunstâncias, nada a valorar. As consequências não são desfavoráveis, posto que não foram além da consumação. Por fim, inexistiu participação da vítima para o cometimento do ilícito. Desse modo, fixo a pena-base em 03 (três) meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria, deixo de aplicar qualquer circunstância atenuante ou agravante, pois inexistem no caso. Igualmente, inexistem causas de diminuição e de aumento de pena, seja da parte especial ou geral. Assim, FIXO A PENA EM TERCEIRA FASE EM DETENÇÃO DE 03 (TRÊS) MESES. - DO CRIME DO ART. 129, CAPUT, DO CPB, EM RELAÇAO À VÍTIMA VALDIAN COSTA DAMASCENA Pela análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, constata-se que o grau de culpabilidade é normal à espécie, nada havendo a valorar. No tocante aos antecedentes, verifica-se que o réu não possui condenação por crime anterior. No que respeita à conduta social, nada fora colhido nos autos, pelo que deve ser considerada neutra. Em relação à personalidade, inexistem elementos suficientes para avaliá-la. Quanto aos motivos, nada a considerar. No que se refere às circunstâncias, nada a valorar. As consequências não são desfavoráveis, posto que não foram além da consumação. Por fim, inexistiu participação da vítima para o cometimento do ilícito. Desse modo, fixo a pena-base em 03 (três) meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria, deixo de aplicar qualquer circunstância atenuante ou agravante, pois inexistem no caso. Igualmente, inexistem causas de diminuição e de aumento de pena, seja da parte especial ou geral. Assim, FIXO A PENA EM TERCEIRA FASE EM DETENÇÃO DE 03 (TRÊS) MESES. - DO CRIME DO ART. 147, DO CPB Pela análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, constata-se que o grau de culpabilidade é normal à espécie, nada havendo a valorar. No tocante aos antecedentes, verifica-se que o réu não possui condenação por crime anterior. No que respeita à conduta social, nada fora colhido nos autos, pelo que deve ser considerada neutra. Em relação à personalidade, inexistem elementos suficientes para avaliá-la; motivos são desfavoráveis ao acusado, pois passou a ameaçar a vítima após fantasiar um relacionamento com esta e ser ignorado por ela, mediante bloqueio nas redes sociais; circunstâncias: nada a considerar; as consequências: também são desfavoráveis, diante da alteração no estado psicológico da vítima e o temor incutido na mesma diante das insistências do acusado; comportamento da vítima: não lhe é aproveitável. À vista dessas circunstâncias analisadas individualmente é que fixo a pena-base privativa de liberdade em 01 (um) mês e 07 (sete) dias de detenção. Na segunda fase da dosimetria, deixo de aplicar qualquer circunstância atenuante ou agravante, pois inexistem no caso. Por fim, inexistem causas de aumento ou diminuição de pena. Assim, FIXO A PENA EM TERCEIRA FASE EM 01 (UM) MÊS E 07 (SETE) DIAS DE DETENÇÃO. - DO CRIME DO ART. 15, DA LEI N.º 10.826/2003 Analisadas as diretrizes do art. 59, do Código Penal, denoto que a culpabilidade é normal à espécie, nada tendo a valorar; No tocante aos antecedentes, verifica-se que o réu não possui condenação por crime anterior; não há elementos que desabonem a conduta social do condenado no seio social, ambiente familiar ou no trabalho; Não houve exame psicológico para se averiguar a personalidade do agente pelo que deve ser considerada neutra; os motivos que levaram o agente a cometer o crime e as circunstâncias do mesmo pesam em desfavor do réu, uma vez que cometido após invasão do domicílio das vítimas enquanto estas dormiam e sob a justificativa de que a vítima Cleude deveria ser salva do seu companheiro sem qualquer prova concreta para tanto; as consequências do crime não foram demasiadamente maléficas, não havendo grande extensão ou repercussão social; comportamento da vítima: não lhe é aproveitável. À vista dessas circunstâncias analisadas individualmente é que fixo a pena-base privativa de liberdade em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, verifico que inexistem atenuantes e agravantes. Por fim, em terceira fase, não percebo a presença de quaisquer causas de aumento e/ou diminuição de pena. ASSIM, FIXO A REPRIMENDA PENAL EM TERCEIRA FASE EM 02 (DOIS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 13 (TREZE) DIAS-MULTA. - DO SOMATÓRIO Considerando o concurso de crimes, reconheço o concurso material do art. 69 do Código Penal e somo as penas fixadas, TORNANDO-A EM DEFINITIVO EM 04 (QUATRO) ANOS E 09 (NOVE) MESES DE RECLUSAO E 24 (VINTE E QUATRO) DIAS MULTA E 07 (SETE) MESES E 07 (SETE) DIAS DE DETENÇAO. O REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA É O SEMIABERTO, NOS TERMOS DO ART. 33, § 2º, “b”, DO CPB. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por não satisfazer o requisito previsto no art. 44, I, do CPB. Igualmente, deixo de conceder a suspensão condicional da pena, haja vista que a pena definitiva excede a 02 (dois) anos, não preenchendo o requisito previsto no art. 77, caput, do CPB. O dia-multa deverá ser calculado na base de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, em atenção à situação econômica do réu, devendo ser recolhida nos termos previstos no artigo 50 do Código Penal, sob pena de, por inadimplemento, ser considerada dívida de valor. Nego ao acusado o direito de recorrer em liberdade, mantendo a prisão preventiva anteriormente decretada pelos fundamentos já expostos nestes autos. Ademais, inexiste alteração fática superveniente que torne recomendável a revogação da prisão já decretada, ainda mais diante do fato de já existir a presente sentença condenatória, fulcrada em certeza, e não apenas em indícios de autoria. Igualmente, mantenho as medidas protetivas já impostas em desfavor do acusado. Transitada em julgado, providencie a secretaria judicial: a) oficiar a justiça eleitoral, para suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, da Constituição Federal); b) lançar o nome do réu no rol dos culpados; c) preencher e remeter o boletim individual à secretaria de segurança pública; d) forme-se a guia de execução definitiva no SEEU (arts. 105/106 da LEP), inclusive com oportuna abertura de vista ao Ministério Público nos referidos autos. Custas pelo réu. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. SERVE A PRESENTE SENTENÇA COMO MANDADO. Lago da Pedra/MA, data do sistema. PEDRO HENRIQUE HOLANDA PASCOAL Juiz de Direito Auxiliar NAUJ – Núcleo de Apoio às Unidades Judiciais (Portaria nº 3730/2024-CGJ) [1] TJRS: ACR 70048735294
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Processo nº 0000133-98.2017.8.10.0064
ID: 305667827
Tribunal: TJMA
Órgão: 3ª Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000133-98.2017.8.10.0064
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL SESSÃO INICIADA EM 09/06/2025 E ENCERRADA EM 16/06/2025 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000133-98.2017.8.10.0064 APELANTE: ELYFAS FRAZÃO PETRUS DEFENSOR PÚBLICO: MARCOS CÉSA…
TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL SESSÃO INICIADA EM 09/06/2025 E ENCERRADA EM 16/06/2025 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000133-98.2017.8.10.0064 APELANTE: ELYFAS FRAZÃO PETRUS DEFENSOR PÚBLICO: MARCOS CÉSAR DA SILVA FORT APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO INCIDÊNCIA PENAL: ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06 C/C ART. 12 DA LEI 10.826/03 ORIGEM: JUÍZO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE ALCÂNTARA RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA DA GRAÇA PERES SOARES AMORIM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. INGRESSO DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. FLAGRANTE DELITO CONFIGURADO. VALIDADE DAS PROVAS. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO GENÉRICA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO PRIVILEGIADO. REDIMENSIONAMENTO DA FRAÇÃO REDUTORA. PRESCRIÇÃO RETROATIVA DO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PARCIAL PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME Apelação Criminal interposta por Elyfas Frazão Petrus contra sentença proferida pela Vara Única da Comarca de Alcântara/MA, que o condenou a 6 anos, 10 meses e 14 dias de reclusão, em regime semiaberto, além de 10 meses de detenção e 700 dias-multa, pela prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006) e posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003). Requer a absolvição por insuficiência de provas ou, subsidiariamente, a readequação da dosimetria, o reconhecimento da prescrição do delito de posse de arma e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) a validade do ingresso policial no domicílio sem mandado judicial; (ii) a existência de elementos suficientes para a condenação pelo crime de tráfico de drogas; e (iii) a adequação da dosimetria da pena, incluindo o reconhecimento da prescrição do crime de posse ilegal de arma de fogo e a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. III. RAZÕES DE DECIDIR O ingresso policial em domicílio sem mandado judicial é válido, nos termos do art. 5º, XI, da Constituição Federal, quando amparado por fundadas razões que indiquem situação de flagrante delito, conforme definido pelo STF no Tema 280 da Repercussão Geral (RE 603.616). No caso, a fuga do réu ao avistar os policiais e as denúncias de tráfico configuraram justa causa para a entrada na residência. A materialidade e a autoria do crime de tráfico de drogas estão devidamente comprovadas pelos depoimentos dos policiais, apreensão de substâncias entorpecentes (aproximadamente 2 kg de maconha) e documentos pessoais do acusado no local, sendo os depoimentos policiais meio de prova idôneo para condenação, conforme jurisprudência consolidada do STJ. A valoração negativa da culpabilidade e da quantidade de droga na dosimetria inicial foi inadequadamente fundamentada, uma vez que a premeditação e organização não foram concretamente demonstradas, em violação ao art. 93, IX, da CF/88, e a quantidade de droga não pode ser analisada isoladamente da natureza, nos termos da jurisprudência do STJ. A aplicação da causa de diminuição do tráfico privilegiado (§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006) foi mantida no patamar de 1/6, em razão da quantidade e natureza da droga, com deslocamento da análise dessa circunstância para a terceira fase da dosimetria, evitando-se bis in idem. Reconhecida a prescrição retroativa do crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003), nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, diante do decurso de mais de três anos entre o recebimento da denúncia e o trânsito em julgado para a acusação. Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista o quantum da pena fixado em 05 (cinco) anos e 01 (um) dias de reclusão. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: O ingresso policial em domicílio sem mandado judicial é válido quando há fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem situação de flagrante delito, conforme o art. 5º, XI, da CF/88 e o Tema 280 da Repercussão Geral. A condenação pelo crime de tráfico de drogas pode ser fundamentada em depoimentos de policiais prestados sob o crivo do contraditório, desde que corroborados por outros elementos de prova. A valoração da culpabilidade e da quantidade/natureza da droga deve ser concretamente fundamentada, vedada a análise isolada ou genérica desses fatores. A causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 deve ser aplicada no patamar máximo, salvo fundamentação idônea que justifique a redução em fração menor. A prescrição retroativa da pretensão punitiva é aplicável quando presentes os requisitos do art. 107, IV, do Código Penal. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CP, arts. 59, 107, IV, 33, § 2º, "b", e 44, I; Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput e § 4º; Lei nº 10.826/2003, art. 12; STJ, Tema Repetitivo 1214; STF, Tema 280 da Repercussão Geral. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 05/11/2015; STJ, REsp nº 1.887.511/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 09/06/2021; STJ, AgRg no HC 629.109/ES, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 15/02/2022. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos de Apelação Criminal na Ação Penal nº 0000133-98.2017.8.10.0064, “unanimemente e em desacordo com o parecer ministerial, a Terceira Câmara de Direito Criminal deu parcial provimento ao recurso, reconhecendo a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, nos termos do voto da Desembargadora Relatora”. Votaram os Senhores Desembargadores Maria da Graça Peres Soares Amorim (Relatora), José Nilo Ribeiro Filho e Talvick Afonso Atta de Freitas. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Regina Maria da Costa leite. São Luís/MA, data do sistema. Desembargadora Maria da Graça Peres Soares Amorim Relatora RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interpostas por Elyfas Frazão Petrus contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara, única da Comarca de Alcântara/MA (ID 37694203), pela qual foi condenado às penas de 6 (seis) anos, 10 (dez) meses e 14 (quinze) dias de reclusão, em regime semiaberto, e 10 (dez) meses de detenção mais 700 (setecentos) dias-multa, como incurso nos crimes do art. 157, § 2º, II e V, do CP (Tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo), sendo-lhe concedido o direito de aguardar o trânsito em julgado em liberdade. Segundo descreve a denúncia (ID 37694127, págs. 2/3), no dia 30/11/2016, após denúncias anônimas sobre tráfico de drogas na Comunidade Manival, zona rural de Alcântara/MA, policiais civis e militares realizaram uma operação e identificaram a residência de Elyas Frazão Petrus, "Catapora", como ponto de comércio de drogas. Consta que o denunciado fugiu ao perceber a chegada dos policiais, mas na casa foram apreendidos 1,655 kg de maconha, um galão de "Loló", uma espingarda artesanal e materiais relacionados ao tráfico, como balança de precisão e plástico filme. As razões recursais do Apelante encontram-se no ID 37694225, em que requer sua absolvição por insuficiências de prova de autoria delitiva, na forma do art. 386, V e VII, do CPP. Para tanto, suscita, em síntese, a ausência de provas válidas, fundamentando que o ingresso na residência foi ilegal e as provas obtidas estão contaminadas (teoria dos frutos da árvore envenenada). Além disso, argumenta que não há comprovação de que a droga era de sua propriedade. Subsidiariamente, pugna pela exclusão da valoração negativa da culpabilidade, argumentando que a fundamentação utilizada (premeditação e organização), porquanto inidoneamente fundamentadas. Pleiteia, ademais, a aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, no patamar máximo de 2/3. Por fim, requer a extinção da punibilidade por prescrição do delito atinente a posse ilegal de arma de fogo, bem como a substituição da privativa de liberdade em restritiva de direitos. Contrarrazões do Ministério Público no ID 37694229, em que se manifesta pelo provimento parcial do apelo, tão somente para o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa do crime de posse ilegal de arma de fogo. Em parecer elaborado pela Dra. Regina Maria da Costa Leita, digna Procuradora de Justiça, a PGJ manifesta-se pelo "conhecimento e parcial provimento do Recurso de Apelação Criminal interposto em favor de ELYFAS FRAZAO PETRUS, vulgo “Catapora”, no sentido de ser declarada extinta a sua punibilidade, quanto ao crime tipificado no artigo 12, da Lei nº 10.826/2003, em face da prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, inciso IV; 109, inciso VI; 110, §1º e 119, todos do Código Penal, mantendo-se os demais termos do édito condenatório". (ID 45158103). É o relatório. VOTO Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso. Conforme relatado, no dia 30 de novembro de 2016, após receberem denúncias anônimas indicando a prática de tráfico de drogas na Comunidade Manival, zona rural de Alcântara/MA, policiais civis e militares realizaram uma operação no local. Durante a ação, identificaram a residência de Elyas Frazão Petrus, conhecido como "Catapora", como ponto de comércio de entorpecentes. Consta que o denunciado conseguiu fugir ao notar a aproximação das autoridades, mas, no interior do imóvel, foram apreendidos 1,655 kg de maconha, um galão de "Loló", uma espingarda artesanal e diversos materiais utilizados no tráfico, como balança de precisão e plástico filme. Acerca da alegada ilicitude das provas obtidas no interior da residência, preceitua o art. 5º, XI, da Constituição Federal que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.” Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal definiu, em sede de repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem ocorrência, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - DJe 09.05.2016, Public. 10.05.2016). Note-se que o texto constitucional estabelece exceções ao direito de inviolabilidade do domicílio, dentre elas o caso de flagrante delito e o próprio consentimento do morador. In casu, colhe-se da decisão impugnada e dos documentos que guarnecem a petição inicial, que a incursão policial restou motivada diante de denúncia anônima de que na casa estaria sendo praticado o crime de tráfico de drogas, sendo que, ao chegarem ao local, tendo o acusado avistado a presença dos agentes de segurança, este apreendeu fuga pelos fundos da residência. Em situação similar ao caso dos autos, o Supremo Tribunal Federal tem decidido pela validade do ingresso dos agentes policiais no interior do domicílio, conforme recentes julgados que adiante transcrevo: “PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 16, § 1º, IV, DA LEI 10.826/2003). BUSCA DOMICILIAR. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO NO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADAS A POSTERIORI. OBSERVÂNCIA DAS DIRETRIZES FIXADAS POR ESTA SUPREMA CORTE NO JULGAMENTO DO TEMA 280 DA REPERCUSSÃO GERAL. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O alcance interpretativo do inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal foi definido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na análise do RE 603.616/RO (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 10/5/2016, Tema 280 de Repercussão Geral), a partir, exatamente, das premissas da excepcionalidade e necessidade de eficácia total da garantia fundamental; tendo sido estabelecida a seguinte TESE: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.” 2. A atitude suspeita do acusado e a fuga para o interior de sua residência ao perceber a presença dos policiais, que se deslocaram até a região após o recebimento de denúncia anônima acerca da prática delituosa, evidenciam a existência de justa causa para o ingresso domiciliar, que resultou na apreensão de “um revólver, marca Rossi, calibre 38, com numeração suprimida, e duas munições calibre 38 intactos”. 3. O entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL impõe que os agentes estatais devem nortear suas ações, em tais casos, motivadamente e com base em elementos probatórios mínimos que indiquem a ocorrência de situação flagrante. A justa causa, portanto, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito. Precedentes. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (RE 1459386 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 25-03-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08-05-2024 PUBLIC 09-05-2024). (grifei) “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. INGRESSO EM DOMICÍLIO. FUGA DO INVESTIGADO. FUNDADAS RAZÕES PARA A ENTRADA NO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADAS A POSTERIORI. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DIVERGÊNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. INTERPRETAÇÃO DO TEMA Nº 280 DA REPERCUSSÃO GERAL. (...). 1. O Plenário desta Suprema Corte, no julgamento do RE 603.616-RG (Tema nº 280 da repercussão geral), fixou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”. 2. Na hipótese, a Corte de origem desconsiderou a fuga do investigado ao avistar os agentes policiais. Nessas circunstâncias, esta Suprema Corte tem entendido que estão presentes fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indicam que dentro da casa ocorria situação de flagrante delito. Precedentes. 3. Agravo interno conhecido e provido, para dar provimento ao recurso extraordinário.” (STF - RE 1447090 AGR / RS, Relator: Ministro FLÁVIO DINO, julgado em sessão virtual da Primeira Turma de 3 a 10 de maio de 2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n). (sublinhei) Entendo, assim, configurada, na espécie, exceção à regra constitucional de inviolabilidade de domicílio – o estado de flagrância – de sorte que o contexto fático anterior estaria a apontar para a existência de justa causa para o ingresso dos policiais no interior da residência. Adentrando no mérito do apelo interposto por Elyfas Frazão Petrus, adianto, diante das informações constantes do inquérito policial e das provas produzidas durante a fase judicial, devidamente submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa, estarem presentes elementos suficientes a sustentar ao apelante a imputação da prática do crime de tráfico de drogas. Assim entendo, porque a materialidade delitiva está robustamente comprovada por meio do Auto de Apresentação e Apreensão de ID 44203072 (págs. 11/12) – a qual registrou formalmente a apreensão de aproximadamente 2kg de maconha, separados em pedaços, além de uma espingarda do tipo “bate-bucha” – do Auto de Constatação Preliminar de Substância Tóxica (ID 44203072 – pág. 14) – exame que identificou que a substância apreendida era droga ilícita – e do Laudo Pericial Criminal (ID 44203072, pág. 30) – documento técnico elaborado pelo Instituto de Criminalística (ILAF/MA), que confirmou a natureza entorpecente da substância apreendida, atestando tratar-se de maconha. No pertinente à autoria delitiva, ao contrário da pretensão recursal, constato haver nos autos provas capazes de relacionar o apelante a atos de mercancia de substâncias entorpecentes, suficientes a caracterizar o tipo penal descrito no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Com efeito, os depoimentos dos policiais que participaram da operação policial que culminou na apreensão da droga e na prisão do apelante, prestados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ratificaram os elementos colhidos na fase pré-processual a ensejar a autoria delitiva. Nesse sentido, destaco o depoimento da testemunha Jean Cláudio Souto Ribeiro (policial civil): “(…) Que receberam informações dos moradores da comunidade Manival de que havia um intenso movimento em uma das últimas casas do povoado; Que a casa pertencia a uma pessoa que já havia sido presa por tráfico de drogas, a qual estaria morando em São Luís; Que a casa deveria estar desocupada, contudo, havia um casal e um homem; Que assim que a polícia chegou no local os indivíduos empreenderam fuga pelos fundos da casa; Que o depoente chegou a manter contato visual com os dois homens; Que os dois homens adentraram em uma canoa; Que um dos homens que estavam na casa era o acusado; Que a documentação do acusado estava dentro da sacola onde foi encontrada a droga; Que foi apreendida cerca de 2 kg de maconha e uma espingarda do tipo bate bucha; Que não houve a prisão do acusado; Que os policiais fizeram o reconhecimento visual do acusado e posteriormente encontram seus documentos pessoais dentro da sacola onde estava a droga; Que verificaram no sistema que o acusado já havia passado pelo sistema prisional e que possuía um mandado de prisão em aberto contra ele; Que a casa pertencia ao tio do acusado; Que confirma ter sido um dos responsáveis por encontrar a droga; Que a droga estava no quintal; Que a droga estava separada em vários pedaços; Que havia cerca de 30 pedaços de drogas; Que no momento da ação policial conseguiram identificar o acusado; Que avistaram o acusado e outro indivíduos; Que quando localizaram os documentos do acusado no interior da residência reconheceram que ele era um dos indivíduos que haviam empreendido fuga logo após a chegada da polícia no local (...) ” (cf. registros em sentença de ID 37694203). De igual modo, a testemunha policial Josene Lima Mendonça: “(...) Que receberam denúncias de que havia um grande tráfico de drogas na residência em que adentraram, no Povoado Manival; Que uma equipe composta pela depoente, Jean, policiais militares e o delegado Rafael foram até a residência do acusado; Que chegando lá, o acusado se evadiu; Que o acusado pulou a janela e caiu no mato; Que adentraram a residência; Que dentro da geladeira foi encontrado maconha; Que no quintal foi encontrada uma mochila contendo maconhada prensada e embalada; Que na mochila havia um tijolo de droga já embalada; Que a droga encontrada na geladeira já se encontrava fracionada; Que também foram encontrados alguns vidros, além da substância conhecida como “loló”; Que foi encontrada um espingarda dentro do quarto do acusado; Que não se recorda se a arma estava municiada; Que não conhecia o acusado; (...)” Por seu turno, quando arguido, o apelante afirmou que as acusações de traficância não eram verdadeiras, arguindo que a droga encontrada em sua residência destinava-se para consumo próprio. Colhe-se dos autos, portanto, que os policiais afirmaram que já tinham informes de que a residência de Elyfas Frazão Petrus era utilizada como ponto de venda de drogas. Destarte, os informes prévios, aliados à situação encontrada (quantidade e acondicionamento das drogas), reforçaram a suspeita de tráfico de entorpecentes. Ato contínuo, consta nos autos que no interior da residência, foram localizadas 30 pedaços de maconha, totalizando aproximadamente 2 kg, uma espingarda do tipo “bate-bucha”, bem como documento pessoais do acusado, encontrados dentro de uma sacola junto às drogas. Desse modo, a quantidade significativa de drogas apreendidas, o modo de acondicionamento em porções individuais, a localização das substâncias dentro da residência e os relatos dos policiais confirmam que Elyfas Frazão Petrus praticava tráfico de drogas em sua casa, configurando o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Cumpre observar que o fato de o comando sentencial encontrar fundamento no depoimento dos policiais responsáveis pela prisão do recorrente, não retira a legitimidade da condenação, porquanto tais declarações foram prestadas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, revestindo-se de credibilidade, sem olvidar que a defesa não impugnou em nenhum momento referidos testemunhos. Sobre a matéria, nossas Cortes Superiores firmaram entendimento no sentido de que o fato de as testemunhas arroladas pela acusação serem os mesmos policiais que participaram da operação que culminou na apreensão de substâncias entorpecentes não afasta a validade de seus depoimentos, mormente quando corroborados com o conjunto probatório colhido na fase processual, tendo em vista a circunstância de que prestados, reitere-se, com regular observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, o STJ tem assentado que: “(...) ‘Segundo a jurisprudência consolidada desta Corte, o depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova’ (HC n. 449.657/SP, Quinta Turma, de minha relatoria, DJe de 14/8/2018)” (AgRg no HC 639.519/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021). Ressalte-se, por oportuno, que o crime de tráfico de drogas é de ação múltipla, infringindo o ordenamento jurídico o cidadão que praticar qualquer um dos dezoito núcleos do tipo previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006: “importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente”. Para sua caracterização não é obrigatória a comprovação da prática de atos de mercancia pelo agente, sendo bastante, para tanto, que realize, conscientemente, qualquer das condutas acima elencadas. Desse modo, concluo que o arcabouço probatório dos autos é suficiente a demonstrar a autoria e materialidade do delito de tráfico de drogas imputado ao apelante, rejeitando-se, por essa razão, a pretensão absolutória. Superadas as teses absolutórias, passo à análise da dosimetria. Ab initio, ressalto preambularmente que o amplo efeito devolutivo da apelação autoriza a Corte Estadual, quando instada a se manifestar acerca da dosimetria da pena, a examinar as circunstâncias judiciais e rever a individualização da pena, seja para manter ou reduzir a sanção imposta em primeira instância ou para manter ou abrandar o regime inicial, consoante a orientação pacífica do STF e do STJ. Segundo o colendo Superior Tribunal de Justiça, “o efeito devolutivo da apelação é amplo, permitindo a revisão da dosimetria da pena em recurso exclusivo da defesa, sem que haja violação do disposto no art. 617 do CPP, desde que o quantum da pena não ultrapasse aquele fixado na sentença.” (AgRg no HC 534.886/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 09/02/2021, DJe 12/02/2021). Grifou-se. Tal entendimento está em consonância com a orientação decisória do Pretório Excelso, veja-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÂNSITO. DOSIMETRIA. APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. 1. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial, relativa ao mérito da ação penal e adstrita ao acervo fático-probatório, insindicável, em regra, na via estreita do habeas corpus. Precedentes. 2. O amplo efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal, ainda que em julgamento de recurso exclusivo da Defesa, a reafirmar, infirmar ou alterar os fundamentos da sentença, desde que não agrave a situação final do réu, como ocorreu na hipótese. Precedentes. 3. Inviável a reavaliação de aspectos fáticos utilizados para a dosimetria da pena nas instâncias ordinárias. Precedentes. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF - HC: 231330 AL, Relator: Min. FLÁVIO DINO, Data de Julgamento: 18/03/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 20-03-2024 PUBLIC 21-03-2024). “O amplo efeito devolutivo do recurso de Apelação autoriza o Tribunal local, ainda que em julgamento de irresignação exclusiva da Defesa, a alterar a fundamentação da sentença, desde que o desfecho não agrave o quantum final de pena fixado. Precedentes. (...).” (HC 168174 AgR, Rel. Mina. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 17/05/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 25-05-2021 PUBLIC 26-05-2021). Cabe ressaltar inicialmente que a aplicação da pena consiste em método judicial de discricionariedade, juridicamente vinculada à suficiência para prevenção e reprovação da infração penal. Desse modo, o juiz, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador, deve eleger o quantum ideal, valendo-se do livre convencimento, com fundamentada exposição de seu raciocínio, aplicando o princípio constitucional da individualização da pena. No pertinente à primeira etapa do cálculo dosimétrico, a exasperação da pena-base deve ser justificada pela presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, concretamente demonstradas, conforme dispõe o art. 59 do Código Penal. Sem embargo, verifico que a pena basilar relativa ao crime de tráfico de drogas foi fixada em 8 (oito) anos e 3 (três) meses de reclusão e 830 (oitocentos e trinta) dias-multa em face da valoração negativa da culpabilidade, circunstâncias do crime, natureza e quantidade da droga apreendida, sob os seguintes fundamentos: “O tipo prevê como pena em abstrato a reclusão de 05 (cinco) anos a 15 (quinze) anos e multa entre 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, razão pala qual passo sua dosimetria. Para a fixação da pena base, atento para as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, bem como do artigo 42 da Lei n.º 11.343/2006. Vejo que a culpabilidade é grave tendo em vista que houve toda uma premeditação e organização para o delito, passando o Réu a comercializar a droga de forma organizada e não esporádica, o que ultrapassa o simples tipo penal. Quanto aos antecedentes, não constato existir nos autos informações que comprovem serem negativos. No que tange à conduta social, não há elementos nos autos a serem valorados negativamente. Analisando a personalidade do Réu, verifico que inexistem nos autos, elementos suficientes para sua aferição, razão pela qual deixo de atribuir um valor negativo. Os motivos do crime visam à obtenção de lucro fácil, o que já é punido pelo tipo penal, razão pela qual deixo de valorá-lo negativamente. As circunstâncias do crime são graves uma vez que o réu mantinha o armazenamento do entorpecente dentro da residência do seu tio, ondes estava supostamente passando férias, pondo em risco sua família, visto que o acusado afirmou que sua esposa grávida estava no local. No que tange às consequências do crime, deixo de valorar negativamente, posto que não contemplo subsídios para tanto nos autos. Para o caso inexiste aferição quanto ao comportamento da vítima. Apesar da natureza da droga (maconha), a quantidade (1,655kg) deve ser valorada negativamente na fixação da pena base para o caso em apreço. Considerando o conjunto das circunstâncias judiciais retro indigitadas, segundo um critério proporcional, valorizo cada circunstância judicial no patamar de 13 (treze) meses, tendo em vista a divisão entre o resultado da diferença de anos entre pena máxima e a mínima, com o número de 09 circunstâncias judiciais, de modo que, havendo TRÊS circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo sua pena-base em 08 (oito) anos e 03 (três) meses de reclusão e 830 (oitocentos e trinta) dias-multa, cada um no equivalente a um trigésimo do salário-mínimo vigente ao tempo do fato delituoso, observado o disposto no artigo 60 do Código Penal.” (Grifei) Com efeito, quanto a circunstância judicial atinente a culpabilidade, o juízo a quo expôs o seguinte fundamento (ID 37694203, verbis: “Vejo que a culpabilidade é grave tendo em vista que houve toda uma premeditação e organização para o delito, passando o Réu a comercializar a droga de forma organizada e não esporádica, o que ultrapassa o simples tipo penal.” Da leitura da sentença, infere-se que o juízo a quo utilizou fundamentação genérica, não expondo elementos fáticos a justificar a premeditação e a organização, o que, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consubstancia nulidade apta a ensejar a reforma, verbis: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. ANÁLISE DESFAVORÁVEL DA CULPABILIDADE, PERSONALIDADE, CONDUTA SOCIAL E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTOS GENÉRICOS E INERENTES AO TIPO PENAL. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA E REDUÇÃO DA PENA CONCEDIDOS. 1. (...) Entretanto, o julgador deixou de indicar elementos concretos dos autos pelos quais entendeu serem reprováveis tais circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, tendo se valido de elementos genéricos ou próprios do tipo penal incriminador, em manifesto desacordo, portanto, com o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. 2. Acerca da culpabilidade, as instâncias ordinárias limitaram-se a afirmar que a culpabilidade do agente foi acentuada e intensa. Todavia, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal não servem para o agravamento da pena, como se constata na espécie. (STJ - AgRg no HC: 629109 ES 2020/0313164-3, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 15/02/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/02/2022) Isto posto, dou provimento ao recurso neste particular, para afastar a circunstância judicial negativada atinente a culpabilidade e, por conseguinte, com espeque na tese firmada no Tema Repetitivo 1214, reduzir proporcionalmente a pena-base em 13 (treze) meses, fixando-a, portanto, em 07 (sete) anos e 02 (dois) meses, mais 720 (setecentos e vinte) dias-multa. Na fase intermediária, não foram sopesadas circunstâncias atenuantes ou agravantes. Por fim, na terceira etapa verifico que embora tenha o magistrado de base reconhecido a causa minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, aplicou a redutora em sua fração mínima (um sexto), apresentando o seguinte fundamento a justificar essa modulação, verbis: “Presente uma causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, que permite uma redução da pena de 1/6 a 2/3. Analisando todo o desenrolar do iter criminis, entendo que não a assiste direito ao Acusado uma redução no patamar máximo, já que o mesmo se encontrava na atividade de tráfico há algum tempo no local, o qual merece o benefício de redução do patamar máximo. Desta feita, dado o tempo que já se encontrava na atividade, causando lesões à sociedade, DIMINUO a pena anteriormente dosada em um 1/6 (um sexto), passando a dosá-la em 06 (seis) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 692 (seiscentos e noventa e dois) dias-multa, a qual torno definitiva em razão da inexistência de causa de aumento de pena.” (ID 37694203) Sem embargo, dispõe o § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, “nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. (grifei) Trata-se de direito subjetivo do réu, de modo que, atendidos cumulativamente os requisitos legais supratranscritos, de rigor a aplicação da causa minorante. Por sua vez, a escolha da fração redutora – que varia de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) – insere-se dentro do juízo de discricionariedade do magistrado, no entanto, para definição de fração diversa do máximo legal exige-se fundamentação concreta. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça “entende que o redutor deve ser aplicado na fração de 2/3 quando presentes as condições legais, salvo fundamentação concreta que justifique redução menor” (AgRg no AREsp n. 2.066.116/AL, Rel. Min. Messod Azulay Neto, DJe de 30/5/2023). Assim, a princípio, estar-se-ia diante de hipótese de aplicação do redutor no patamar máximo. No entanto, apesar da não ter sido citado pelo magistrado quando da apreciação da fração redutora, verifico haver nos autos elementos suficientes para modular idoneamente a fração redutora no patamar escolhido pelo magistrado de base, uma vez que, apara além do fato de o réu se dedicar há algum tempo ao tráfico de drogas no local, destaca-se a natureza e quantidade da droga apreendida, qual seja, 2 kg de maconha (quantidade relevante, a demonstrar a escala do comércio de drogas pelo autor), droga de alto potencial de adição, e capaz de provocar severas consequências neurológicas ao usuário. Cumpre observar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 666/334/AM, submetido ao regime de repercussão geral (Tese nº 712), fixou o entendimento de que a natureza e a quantidade de entorpecentes não podem ser utilizadas em duas fases da dosimetria da pena, sob pena de bis in idem. Por sua vez, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Resp n. 1.887.511/SP, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, em 09.06.2021, decidiu que a natureza e a quantidade das drogas apreendidas são circunstâncias a serem necessariamente valoradas na fixação da pena-base, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, somente podendo ser consideradas para o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2016, quando houver a indicação de outros elementos concretos adicionais que caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou a integração à organização criminosa. Posteriormente, a tese firmada no REsp n. 1.887.511/SP foi flexibilizada para admitir a modulação da fração de redução do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 na terceira fase da dosimetria, com base na quantidade e natureza das drogas apreendidas, desde que não tenham sido consideradas na fixação da pena-base (HC n. 725.534, Terceira Seção do STJ). In casu, conforme já apreciado, verifica-se que o juiz sentenciante utilizou a quantidade e natureza da droga na fixação da pena-base, o que, a princípio, estaria a obstar a utilização desse fundamento na terceira fase, para modulação da minorante do tráfico privilegiado. No entanto, considerando o princípio do tantum devolutum quantum appelatum, é possível deslocar esse fundamento da primeira para a terceira fase do cálculo dosimétrico, sem que isso configure reformatio in pejus. A propósito, esta egrégia Corte de Justiça já decidiu que “o princípio do tantum devolutum quantum appelatum autoriza, mesmo em recurso exclusivo da defesa, o deslocamento dos parâmetros relacionados à quantidade, variedade e natureza da droga, valorados como circunstâncias do crime, para serem considerados na terceira fase, em conjunto com outros elementos concretos indicativos de dedicação do apelante a atividades criminosas.” (EIfNu 0000191-71.2018.8.10.0095, Rel. Desembargador(a) JOSE LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA, SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL, DJe 24/10/2022). Assim, por entender que a utilização da natureza e quantidade da droga na terceira fase da dosimetria se revela mais adequada e proporcional ao caso concreto, impõe-se o deslocamento do vetor jurídico para a terceira na fase. Nesse contexto, retifico a pena definitiva da apelante para 05 (cinco) anos e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, além de 510 (quinhentos e dez) dias-multa. Mantenho o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, do CP. Nos termos do art. 44, inciso I, do Código Penal, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos é incabível quando a condenação for superior a quatro anos de reclusão, salvo na hipótese de o crime ter sido praticado sem violência ou grave ameaça e o condenado ser tecnicamente primário, o que não se aplica ao presente caso. A pena fixada, superior ao limite legal de quatro anos, inviabiliza a substituição pretendida, devendo ser mantido o regime de cumprimento de pena estabelecido na sentença. Por fim, quanto ao crime de posse irregular de arma de fogo, destaca-se que o recebimento da denúncia ocorreu em 15 de janeiro de 2018, e a sentença condenatória, que fixou a pena em 10 meses de detenção e 8 dias-multa, foi prolatada em 12 de junho de 2023, transitando em julgado para a acusação em 5 de outubro de 2023, sem recurso ministerial. Considerando o decurso de mais de três anos entre o recebimento da denúncia e o trânsito em julgado da sentença para a acusação, impõe-se o reconhecimento da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal, extinguindo-se a punibilidade do apelante quanto ao crime de posse ilegal de arma de fogo, previsto no art. 12 da Lei n.º 10.826/03. Ante o exposto, em desacordo com o parecer ministerial, conheço do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para reconhecer a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal, extinguindo-se a punibilidade do apelante quanto ao crime de posse ilegal de arma de fogo, previsto no art. 12 da Lei n.º 10.826/03 e, por conseguinte, redimensionar as penas do apelante para 05 (cinco) anos e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão e 510 (quinhentos e dez) dias-multa quanto ao crime de tráfico de drogas, mantidos demais termos da sentença recorrida. É como voto. Sala das Sessões da Terceira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís/MA, data do sistema. Desembargadora Maria da Graça Peres Soares Amorim Relatora
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Processo nº 0801470-28.2025.8.10.0026
ID: 331038442
Tribunal: TJMA
Órgão: 4ª Vara de Balsas
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0801470-28.2025.8.10.0026
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 4ª VARA DA COMARCA DE BALSAS PROCESSO Nº. 0801470-28.2025.8.10.0026 AUTOR : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO RÉU: JOSE MODESTO DE BR…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 4ª VARA DA COMARCA DE BALSAS PROCESSO Nº. 0801470-28.2025.8.10.0026 AUTOR : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO RÉU: JOSE MODESTO DE BRITO FILHO CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) DECISÃO Vistos, etc. O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor de JOSE MODESTO DE BRITO FILHO, qualificado(s) nos autos, como incurso(s) nas sanções do art. 180, “caput”, e art. 311, § 2º, III, na forma do art. 69, todos do Código Penal. A denúncia apresentada contém a exposição do fato que, pelo menos em tese, configura infração penal, com todas as suas circunstâncias, as qualificações dos denunciados e a classificação do crime a eles imputado, além do rol de testemunhas, preenchendo os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. A denúncia ofertada pelo órgão ministerial foi recebida em decisão de ID 147144304. A resposta à acusação ofertada pela defesa do denunciado (ID 148365914) apresenta argumentação voltada à inexistência de dolo e à boa-fé na aquisição do veículo, buscando afastar a tipicidade subjetiva dos delitos imputados. No entanto, tais alegações não demonstram, de plano, qualquer causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade. A análise da boa-fé e da eventual ausência de dolo exige instrução probatória, especialmente diante da existência de indícios da prática dos crimes de receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor. A denúncia está apta e a ação penal foi proposta dentro do prazo prescricional, inexistindo, por ora, causa de extinção da punibilidade, razão pela qual não se aplica o art. 397 do CPP, devendo o feito prosseguir para a fase instrutória. Portando, com base no requerimento feito pela defesa do acusado ( ID 152023707 ), REDESIGNO audiência de instrução e julgamento para o dia 14 de Agosto de 2025, às 09h00, que ocorrerá por sistema de videoconferência, devendo ser acessada através do link: meet.google.com/bem-txps-ysz (SALA 1) , na qual serão inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, procedendo-se, ao final, o interrogatório do réu. Intimem-se as testemunhas para que compareçam ao Fórum da Comarca de Balsas/MA. Faculta-se as testemunhas que se encontrem nos Termos Judiciários da Comarca de Balsas (Nova Colinas, Fortaleza dos Nogueiras, São Pedro dos Crentes e Tasso Fragoso) a participação na audiência por meio do comparecimento na respectiva Sala do Projeto Justiça de Todos. Por sua vez, intime-se o acusado para que compareça ao ato designado, acompanhado de seu defensor. Advirtam-se aos participantes de que deverão, no dia e horário agendados, ingressar na sessão virtual pelo link informado, com vídeo e áudio habilitados e com documento de identidade com foto, devendo informar ao oficial (a) a impossibilidade de acesso, caso não possuam os recursos necessários, para que, no horário supracitado, compareçam no Fórum local, para participação na audiência. Intime-se. Cumpra-se. BALSAS, 23 de junho de 2025 DOUGLAS LIMA DA GUIA Juiz de Direito Titular da 4ª Vara da Comarca de Balsas/MA (assinatura eletrônica) O presente processo tramita de forma eletrônica pelo sistema PJe. Independentemente de cadastro prévio, a parte ou advogado, poderá acessar o conteúdo da petição inicial (ou termo de reclamação) e demais documento(s) anexado(s) no Portal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão na internet por meio da consulta de documentos disponível no endereço eletrônico " site.tjma.jus.br/pje ", coma a utilização do(s) código(s) de 29 dígitos abaixo relacionado(s): Documentos associados ao processo Título Tipo Chave de acesso** Protocolo de Comunicação de Prisão em Flagrante Protocolo de Comunicação de Prisão em Flagrante 25031009132582000000132627822 SCAN0037 Documento Diverso 25031009132589800000132627824 Certidão Certidão 25031009561380800000132636318 Certidão Certidão 25031012065078500000132660339 Petição Petição 25031012155981800000132662155 PROCURAÇÃO JOSÉ Documento Diverso 25031012160065200000132662173 COMPROVANTE DE RESIDENCIA Documento Diverso 25031012160077400000132662175 IDENTIFICAÇÃO JOSÉ Documento Diverso 25031012160082900000132662179 Despacho Despacho 25031012470428900000132644478 Intimação Intimação 25031012470428900000132644478 Intimação Intimação 25031012470428900000132644478 Ata de audiência com despacho, decisão ou sentença Ata de audiência com despacho, decisão ou sentença 25031014444725800000132679607 Termo de Juntada Termo de Juntada 25031021171532800000132722531 EVENTO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA Documento Diverso 25031021171541500000132724795 AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANT Documento Diverso 25031021171548700000132724799 ALVARÁ DE SOLTURA Alvará de Soltura 25031021171555000000132724793 Termo de Juntada Termo de Juntada 25031021353067600000132726858 Unidade Prisional de Balsas ( TJMA ) Protocolo 25031021353075000000132726863 Supervisão de Gestão de Alvarás - SEAP ( TJMA ) Protocolo 25031021353081800000132726864 Intimação Intimação 25031021171532800000132722531 Intimação Intimação 25031014444725800000132679607 Intimação Intimação 25031014444725800000132679607 Intimação Intimação 25031014444725800000132679607 Certidão Certidão 25031111001863300000132761735 Ciência do MPE Petição 25031214513375900000132909448 Relatório em Inquérito Policial Relatório em Inquérito Policial 25031710545461200000133271117 IP 29 2025_compressed Documento Diverso 25031710545476100000133271122 Certidão de Oficial de Justiça Certidão de Oficial de Justiça 25031810462385600000133393456 Despacho Despacho 25031915165305000000133400779 Vista MP Vista MP 25031915165305000000133400779 Certidão de Antecedentes Penais Certidão de Antecedentes Penais 25032816252962100000134485781 Certidão de Antecedentes Penais JOSE MODESTO DE BRITO FILHO Certidão de Antecedentes Penais 25032816252967700000134485784 Denúncia Denúncia 25041414065250900000135225049 Decisão Decisão 25042810373477200000136607370 Carta Precatória Carta Precatória 25042915214278900000136770304 Carta Precatória Carta Precatória 25043015522941200000136919494 Certidão de Juntada Certidão de Juntada 25043016111568000000136922422 Comprovante de protocolo Protocolo 25043016111572500000136922431 Intimação Intimação 25043015522941200000136919494 Resposta à Acusação Petição 25051217320184200000137721591 Certidão de Juntada Certidão de Juntada 25052716000048300000139124804 Certidão de Oficial de Justiça (1) Documento Diverso 25052716000053200000139124808 Decisão Decisão 25052917342141500000137932906 Intimação Intimação 25052917342141500000137932906 Decisão (expediente) Decisão (expediente) 25052917342141500000137932906 Notificação Notificação 25052917342141500000137932906 Carta Precatória Carta Precatória 25061814204075300000140993531 Certidão Certidão 25061815395384100000141018182 Manifestação ministerial Petição 25061816361544100000141027406 MANIFESTAÇÃO Petição 25061818100259700000141042620 Despacho-6 Documento Diverso 25061818100264500000141042621 ENDEREÇOS: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO Telefone(s): (99)3421-1845 / (99)3642-4019 / (98)3462-1575 / (98)3219-1600 / (99)3522-1192 / (99)3663-1800 / (99)3663-1240 / (98)3219-1835 / (99)3636-1238 / (98)3224-1522 / (98)3469-1195 / (98)8821-2291 / (98)8560-6370 / (98)2315-6555 / (98)3357-1295 / (98)3351-1200 / (99)8457-2825 / (99)8444-0961 / (98)3655-3285 / (00)0000-0000 / (98)8179-6493 / (99)3528-0650 JOSE MODESTO DE BRITO FILHO RUA RIO GRANDE DO SUL, SAO FRANCISCO, BALSAS - MA - CEP: 65800-000 ENDEREÇOS DAS SALAS DO PROJETO JUSTIÇA DE TODOS - FORTALEZA DOS NOGUEIRAS - Local: Biblioteca Municipal Cultural Professora Lucileide Cunha de Sá, na Rua do Comércio, s/n.º, Centro, CEP 65805-000, Fortaleza dos Nogueiras - Horário: 8 às 13h - Tel: (99) 98522-3085 / 98501-4519 (whatsapp); - TASSO FRAGOSO - Local: Centro Administrativo Municipal, na Avenida Santos Dumont, s/n.º, Centro, CEP 65820-000, Tasso Fragoso - Horário: 8 as 12 e das 14 às 17h - Tel: (99) 98455-4368 (whatsapp); - NOVA COLINAS - Local: Casa do Cidadão, na Rua Maturino, s/n.º, Centro, CEP 65808-000, Nova Colinas. - Horário: 8 as 12 e das 14 às 17h - Tel: (99) 98442-7549 (whatsapp); - SÃO PEDRO DOS CRENTES - Local: Secretaria de Assistência Social, na Rua Lírio dos Vales, s/n.º, Centro, CEP 65978-000, São Pedro dos Crentes - Horário: 8 as 12 e das 14 às 17h - Tel: (63) 99212-2502 (whatsapp)
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Processo nº 0001621-83.2015.8.10.0056
ID: 292516152
Tribunal: TJMA
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001621-83.2015.8.10.0056
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
NELSON SERENO NETO
OAB/MA XXXXXX
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SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL N. 0001621-83.2015.8.10.0056 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO PROMOTOR(A): PROMOTORIA DO MUNICÍPIO DE BELA VISTA APELADO(A): JOSE AU…
SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO CÍVEL N. 0001621-83.2015.8.10.0056 APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO PROMOTOR(A): PROMOTORIA DO MUNICÍPIO DE BELA VISTA APELADO(A): JOSE AUGUSTO SOUSA VELOSO ADVOGADO(A): NELSON SERENO NETO - OAB/MA 7936-A RELATOR: DESEMBARGADOR LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOMEAÇÃO DE SERVIDORES SEM CONCURSO PÚBLICO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.230/2021. TIPICIDADE. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME O Ministério Público do Estado do Maranhão interpôs recurso de apelação contra sentença da 1ª Vara da Comarca de Santa Inês, que julgou improcedente a Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada contra ex-prefeito do Município de Bela Vista do Maranhão. A inicial relatava nomeações de diversos servidores para cargos diversos sem prévia aprovação em concurso público, fora das hipóteses constitucionais de exceção, imputando ao ex-gestor conduta ímproba tipificada no caput do art. 11 da redação anterior da Lei nº 8.429/1992. A sentença rejeitou a pretensão do Parquet com base na superveniente revogação do tipo legal descrito no caput do art. 11 da LIA, alterado pela Lei nº 14.230/2021. O recurso ministerial pleiteou a declaração de inconstitucionalidade da nova redação da LIA e a inaplicabilidade de seus efeitos retroativos, visando à anulação da sentença e o prosseguimento da ação. A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, com reforma da sentença de improcedência. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 6. Há duas questões em discussão: (i) saber se a revogação do tipo descrito no caput do art. 11 da LIA afasta a tipicidade da conduta apontada na inicial; (ii) saber se é possível o prosseguimento da ação com fundamento apenas na redação anterior do art. 11 da LIA, sem demonstração de conduta dolosa específica. III. RAZÕES DE DECIDIR 7. Inicialmente, afasta-se a alegação de prescrição, uma vez que o mandato do réu encerrou-se em 2012 e a ação foi ajuizada em 2015, dentro do prazo legal. 8. O cerne da controvérsia está na aplicabilidade das alterações da Lei nº 14.230/2021 aos atos de improbidade administrativa baseados em violação a princípios da Administração Pública, anteriormente tipificados no caput do art. 11 da LIA. 9. A novel legislação passou a exigir, para fins de configuração do ato de improbidade, a subsunção da conduta a uma das hipóteses expressamente elencadas nos incisos do art. 11, além da comprovação de dolo específico, conforme entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1199 da repercussão geral. 10. É vedado ao magistrado alterar a capitulação legal sem provocação da parte autora, nos termos dos §§ 10-C e 10-F do art. 17 da LIA. Tendo sido indicada apenas a redação anterior do caput do art. 11 na exordial, inviável seu reenquadramento a outros dispositivos remanescentes. 11. A improcedência da ação é medida que se impõe, por ausência de tipicidade da conduta apontada na inicial, em consonância com a orientação do STF no Tema 1199, cuja diretriz é de aplicação imediata da nova legislação aos processos em curso, desde que ausente coisa julgada. 12. A jurisprudência do TJMA tem reiteradamente aplicado a nova redação do art. 11 da LIA, mantendo a improcedência de ações ajuizadas com base em dispositivos revogados, por ausência de justa causa para prosseguimento da demanda. IV. DISPOSITIVO E TESE 13. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "É incabível a condenação por ato de improbidade administrativa com base no caput do art. 11 da redação revogada da LIA, em ações nas quais a conduta imputada não foi subsumida a dispositivo vigente e não restou demonstrado o dolo específico exigido pela nova legislação." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; art. 37, § 4º; CPC, art. 487, I; Lei nº 8.429/1992, art. 11, caput (revogado), art. 17, §§ 10-C e 10-F; Lei nº 14.230/2021. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 1199 da repercussão geral (ARE 843.989); TJMA, RemNecCiv 0001641-68.2014.8.10.0037, rel. Des. Jamil de Miranda Gedeon Neto, DJe 10/10/2023. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os senhores desembargadores da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento os senhores desembargadores Cleones Carvalho Cunha (Presidente), Jamil de Miranda Gedeon Neto e Lourival de Jesus Serejo Sousa (Relator). Funcionou, pela Procuradoria-Geral de Justiça, a procuradora Ana Lídia de Mello e Silva Moraes. RELATÓRIO Adoto o relatório contido no parecer ministerial: Versam os presentes autos sobre recurso de Apelação Cível interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO inconformado com a sentença prolatada pelo Juízo de direito da 1ª Vara da Comarca de Santa Inês que, nos autos da Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa promovida em face de JOSE AUGUSTO SOUSA VELOSO, ex-Prefeito de Bela Vista do Maranhão, julgou improcedente os pedidos contidos na inicial e extinguiu o feito, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. O histórico dos autos denota que JOSE AUGUSTO SOUSA VELOSO, durante o período em que exerceu o mandato de Prefeito Municipal, nomeou, sem concurso público, fora das hipóteses excepcionais admitidas pela Constituição Federal, vários servidores para cargos diversos, razão pela qual foi proposta a inicial com fundamento na redação antiga do art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Irresignada, a parte apelante requer seja conhecido e provido o recurso interposto para reformar a sentença vergastada porquanto entende, em suma, que “razão não assiste à magistrada, devendo ser resguardado o interesse objeto da presente ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da revogação do art. 11, inciso I, da LIA e da exclusão da tipicidade aberta do art. 11, caput, da LIA, bem como a inaplicabilidade retroativa da Lei nº 14.230/2021, de modo que a respeitável sentença deve ser anulada, possibilitando-se, por conseguinte, o prosseguimento do feito” (id 30383739, p. 33). Contrarrazões com id 30383743. (ID 32624774) A Procuradoria-Geral de Justiça opina em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, reformando a sentença de improcedência. É o relatório. VOTO Interposto a tempo e modo, conheço do apelo. De início, afasta-se a prescrição da pretensão ajuizada pelo fato de o demandado ter exercido o mandato de Prefeito do Município de Bela Vista do Maranhão de janeiro de 2005 a dezembro de 2012, por dois mandatos, não se exaurindo o prazo prescricional para a ação de improbidade ajuizada em 2015. No mérito, pontua-se que a controvérsia central reside na aplicabilidade das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 aos atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11 da Lei nº 8.429/92), matéria pacificada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1199), de observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário. Nesses termos, acolho os fundamentos da sentença neste voto, que julgou pela improcedência do pedido por conta de restar revogada a tipificação genérica da conduta descrita no caput do art. 11 da LIA, como parte de sua fundamentação: Nos termos do art. 17, §§ 10-C e 10-F, da LIA, é vedado ao magistrado condenar o réu com base em dispositivo não indicado na inicial ou alterar a capitulação legal apresentada pelo autor. Dessa forma, deve-se aferir se a conduta do réu se amolda tão somente ao art. 11, caput, da LIA (que foi apontado na inicial). O MPE sustenta a inconstitucionalidade das alterações promovidas no art. 11 da LIA pela Lei n. 14.230/2021, sob o argumento de que elas ofendem os princípios da proporcionalidade (garantismo positivo) e da vedação à proteção insuficiente dos bens jurídicos. Antes das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021, o art. 11, caput, da Lei n. 8.429/1992 possuía a seguinte redação: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...) A redação antiga do art. 11, caput, da LIA, trazia um tipo aberto, que permitia o enquadramento, como ato de improbidade administrativa, de qualquer conduta que violasse os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Trata-se de uma opção do legislador, que, naquele momento, entendia que era difícil prever todas as condutas que poderiam violar os princípios da Administração Pública, notadamente porque a previsão dos princípios do Direito Administrativo na Constituição Federal era fenômeno recente (a atual Carta Magna data de 1988), cujas consequências ainda eram pouco conhecidas. Passados quase trinta anos da vigência da Lei n. 8.429/1992, o legislador, atento às mudanças sociais e às celeumas que surgiram na aplicação e na interpretação da lei de improbidade, entendeu que era necessário tornar os dispositivos supra mais claros, de modo a indicar com mais precisão as condutas que configuram atos de improbidade. Eis a nova redação do dispositivo supratranscrito: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021). (…) É nítido que o legislador optou, com a nova legislação, por uma tipificação mais precisa dos atos de improbidade, vedando a aplicação da lei com base tão somente na violação genérica aos princípios da Administração Pública. Foi retirada da redação do art. 11 da LIA a expressão "e notadamente", com a sua substituição pela expressão "caracterizada por uma das seguintes condutas". A alteração redacional transformou em taxativo um rol que era exemplificativo. Doravante, para que esteja configurado o ato de improbidade administrativa, é necessário que a conduta do agente se amolde a um dos incisos do art. 11. A opção do legislador é legítima e não fere os mandados de penalização decorrentes da necessidade de proteção à probidade administrativa. Não há violação ao art. 37, § 4º, da Constituição Federal. Nem toda violação genérica a um princípio da Administração Pública deve ser tipificada como ato de improbidade. Nesse sentido, a nova redação do art. 11 da LIA é clara: são atos de improbidade administrativa aqueles que, além de violar os princípios da Administração Pública, caracterizam-se por uma das condutas elencadas em seus incisos. As sanções da lei de improbidade administrativa são severas, de modo que somente as violações mais graves a princípios é que devem nela ser enquadradas. Existem outras esferas de proteção dos bens jurídicos tutelados (esfera penal e esfera civil), as quais, dependendo da gravidade da conduta do agente, podem se mostrar mais adequadas e proporcionais. Ademais, mesmo na esfera administrativa, existem outras providências a serem tomadas, que não somente a responsabilização dos agentes por atos de improbidade (por exemplo, a anulação do ato administrativo irregular). As condutas antes tipificadas apenas no caput do art. 11 da LIA não mais configuram atos de improbidade (desde que não seja possível reenquadrá-las nos novos dispositivos da lei), mas ainda podem configurar crimes e infrações administrativas de outras ordens. É possível, também, a responsabilização civil dos envolvidos, a fim de ressarcir os prejuízos eventualmente causados ao erário. É cabível, ainda, a proposição de ações próprias visando anular os atos praticados em desconformidade com a lei. Diante da supracitada alteração legislativa, deve-se perquirir se ela se aplica ao caso sob análise. Como visto acima, no julgamento do tema 1199 (ARE 843989) da repercussão geral, o STF não decidiu expressamente sobre a retroatividade das normas que revogaram condutas tipificadoras do art. 11. Entretanto, a referida Corte decidiu que a revogação da modalidade culposa prevista no art. 10 da LIA aplica-se imediatamente às ações em curso, apesar de ser irretroativa (respeitando apenas a coisa julgada). Sem adentrar na discussão sobre a real natureza da decisão tomada pelo STF (se é pela irretroatividade e aplicação imediata ou se é pela retroatividade, com modulação de efeitos a fim de não alcançar os processos com sentença transitada em julgado – nesse sentido, ver artigo de Mudrovitsch e Nóbrega: https://www.conjur.com.br/2022-ago-19/improbidade-debate-julgamento-tema-1199-retroatividade-lei-14230), o fato é que restou decidido que, havendo processo em trâmite sem sentença transitada em julgado, aplica-se a Lei n. 14.230/2021 no que diz respeito aos atos de improbidade administrativa culposos. Seguindo essa linha de raciocínio, entende-se que a nova legislação também deve se aplicar aos atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 da LIA, caput e incisos, cuja tipificação tenha sido revogada pela nova lei. Não há razão para adotar entendimento diverso do que foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal quanto à aplicabilidade imediata da novel legislação aos atos de improbidade administrativa culposos sem sentença transitada em julgado. Superadas tais discussões, passa-se à análise do pedido do autor. O MPE alega que o réu, no período em que exerceu o cargo de Prefeito Municipal de Bela Vista do Maranhão, contratou, ao arrepio da lei, para funções de carreira, o servidor mencionado na exordial, não aprovado previamente em concurso público, descumprindo normas constitucionais e legais. Sustenta que tal conduta se enquadra no art. 11, caput, da LIA, em sua redação antiga. Ocorre que, como exaustivamente demonstrado ao longo deste decisum, o referido dispositivo, sofreu sensível alteração por meio da Lei n. 14.230/2021, passando a exigir, para a caracterização do ato de improbidade, o enquadramento específico em um de seus incisos. A alteração legislativa retirou a justa causa da presente ação. A figura típica indicada pelo Parquet não permanece vigente em nosso ordenamento jurídico. Como visto, não cabe aqui analisar se a conduta do demandado poderia se enquadrar em outro dispositivo legal não indicado pelo Parquet (o que, em tese, seria possível, conforme previsão do art. 11, V, da LIA), em razão da vedação contida no art. 17, §§ 10-C e 10-F da LIA. Se o autor indicou na inicial apenas o caput do art. 11 da LIA como dispositivo violado, o julgador deve ater-se à capitulação legal apresentada. Logo, é imperiosa a improcedência da ação, por impossibilidade jurídica do pedido. […] Em razão da teoria da asserção e do princípio da primazia do julgamento de mérito (consagrado no art. 488 do CPC), considerando que a instrução processual já foi iniciada, impõe-se a resolução do mérito da demanda. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. (ID 30383735) Com efeito, observa-se que a sentença se pronunciou de acordo com o Tema 1.199 do STF e deve ser mantida por seus termos. Destaca-se o Tema 1.199/STF, assentando-se a tese de aplicabilidade da nova referência normativa para os casos ainda pendentes de julgamento: Tema 1199 - Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente. Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, a prescritibilidade dos atos de improbidade administrativa imputados à recorrente, por alegada conduta negligente na condução dos processos judiciais em que atuava como representante contratada do INSS, sem demonstração do elemento subjetivo dolo (Temas 666, 897 e 899 do STF). Delimita-se a temática de repercussão geral em definir se as novidades inseridas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992, com as alterações dadas pela Lei 14.230/2021) devem retroagir para beneficiar aqueles que porventura tenham cometido atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, inclusive quanto ao prazo de prescrição para as ações de ressarcimento. Tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. No caso em questão, a conduta descrita no caput do art. 11 da LIA foi revogada, não se perquirindo mais sobre a tipicidade pela conduta descrita no inciso revogado. Nesse sentido já temos posicionamento desta Câmara. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, II DA LEI. 8.429/92 – RETARDAR OU DEIXAR DE PRATICAR INDEVIDAMENTE, ATO DE OFÍCIO. REVOGAÇÃO EXPRESSA DO CITADO DISPOSITIVO PELA LEI Nº 14.230/2021. AÇÃO DE IMPROBIDADE COMO EXPRESSÃO DO PODER PUNITIVO ESTATAL E PARTE INTEGRANTE DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR – VINCULAÇÃO ONTOLÓGICA COM O DIREITO PENAL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO SUPERVENIENTE DA LEI Nº 14.230/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO ENQUADRAR OS APELADOS NA CONDUTA PREVISTA NO ART. 11, INCISO II DA LEI 8.429/92. SENTENÇA MANTIDA. APELO NÃO PROVIDO. 1. Recurso de Apelação em que o Ministério Público Estadual objetiva a reforma da sentença para que os apelados sejam condenados por ato ímprobo previsto no art. 11, inciso II da lei nº 8.429/92. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações das introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. Na hipótese na qual a inicial atribuiu aos réus a conduta prevista no art. 11, II, da lei nº 8.429/92, e por força da revogação expressa do dispositivo feita pela lei nº 14.230/2021, a nova lei deve ser aplicada de forma retroativa, em razão da superveniente atipicidade da conduta administrativa e da ausência de trânsito em julgado da sentença. 4. Apelo conhecido e não provido. (RemNecCiv 0001641-68.2014.8.10.0037, Rel. Desembargador(a) JAMIL DE MIRANDA GEDEON NETO, 3ª CÂMARA CÍVEL, DJe 10/10/2023) DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CONVÊNIO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.230/2021. NECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO. REFORMA DA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de agravo interno interposto em face de decisão monocrática que, negando provimento à apelação outrora manejada, manteve a condenação por improbidade administrativa decorrente de omissão do dever de prestar contas da ex-gestora. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a ausência da prestação de contas de convênio, desacompanhada de prova de intenção específica de ocultar ilicitudes, configura ato de improbidade administrativa; e (ii) estabelecer se a ausência do dolo específico, à luz das modificações legislativas, afasta a condenação imposta. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Lei nº 14.230/2021 modificou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), exigindo a presença de dolo específico para a configuração de atos de improbidade, afastando a modalidade culposa e restringindo a condenação aos casos em que há intenção consciente de lesionar o patrimônio público ou obter vantagem indevida. Esta conclusão foi corroborada pelo Supremo Tribunal Federal ao editar o Tema 1199. 4. A mera ausência de prestação de contas, sem a demonstração de intenção de ocultar irregularidades ou de obter vantagem indevida, configura irregularidade administrativa, mas não se qualifica como ato de improbidade, que exige um especial fim de agir, ou seja, a intenção deliberada de prejudicar a administração pública ou de desviar recursos. 5. No caso em análise, não há evidências de que a omissão da ex-gestora na prestação de contas tenha sido motivada pelo intuito de dissimular condutas ilícitas ou de causar dano ao erário, de modo que a condenação sem a comprovação do dolo específico contraria os parâmetros legais e jurisprudenciais vigentes. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Agravo interno provido. Apelação provida. Pedido inicial improcedente. Tese de julgamento: “A configuração de ato de improbidade administrativa exige a comprovação de dolo específico, sendo insuficiente a mera irregularidade formal desacompanhada de intenção de obter proveito indevido ou de ocultar ilicitudes”. ------------------- Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; CPC, art. 14; Lei nº 8.429/1992, art. 1º, §§ 1º e 2º, art. 12, III; Lei nº 14.230/2021. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 1199 de repercussão geral; STJ, AgInt no AREsp nº 1.125.411/AL, rel. Min. Manoel Erhardt, Primeira Turma, DJe 30/06/2022; TJMA, ApCiv nº 0002316-13.2013.8.10.0022, rel. Des. Kleber Costa Carvalho, DJe 29/09/2023; TJMA, ApCiv nº 0000698-95.2015.8.10.0108, rel. Des. José Jorge Figueiredo dos Anjos, DJe 15/09/2023. (ApCiv 0800759-79.2019.8.10.0140, Rel. Desembargador(a) GERVASIO PROTASIO DOS SANTOS JUNIOR, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, DJe 07/11/2024) A questão da retroatividade limitada e da necessidade de dolo específico para a configuração dos atos de improbidade, inclusive os violadores de princípios, foi justamente o cerne do debate no Tema 1199, cujo entendimento deve ser aplicado. Assim, não havendo razões fáticas ou jurídicas que afastem a aplicação do precedente obrigatório, acolhe-se os fundamentos da sentença para manter a improcedência proferida em primeiro grau por seus termos e com os adendos aqui expostos. Do exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo. É como voto. Sessão Virtual da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, de 22 a 29 de maio de 2025. Desembargador LOURIVAL SEREJO Relator
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Processo nº 0802258-23.2025.8.10.0000
ID: 338187059
Tribunal: TJMA
Órgão: 2ª Câmara Criminal
Classe: AGRAVO DE EXECUçãO PENAL
Nº Processo: 0802258-23.2025.8.10.0000
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DO DESEMBARGADOR NELSON FERREIRA MARTINS FILHO AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 0802258-23.2025.8.10.0000 JUÍZO DE ORI…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DO DESEMBARGADOR NELSON FERREIRA MARTINS FILHO AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 0802258-23.2025.8.10.0000 JUÍZO DE ORIGEM: 1ª VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DO TERMO JUDICIÁRIO DE SÃO LUÍS/MA AGRAVANTE: RAIMUNDO NONATO COELHO CRUZ REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO PROCURADORA DE JUSTIÇA: REGINA LÚCIA DE ALMEIDA ROCHA RELATOR: DESEMBARGADOR NELSON FERREIRA MARTINS FILHO EMENTA DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. ÍNFIMA QUANTIDADE. TEMA 506 DO STF. DESCLASSIFICAÇÃO DE FALTA GRAVE PARA FALTA MÉDIA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo em execução penal interposto contra decisão que homologou falta grave e determinou regressão definitiva do regime prisional fechado ao agravante, em virtude da posse, em estabelecimento prisional, de 2,072 gramas de maconha para consumo pessoal, conduta apurada pelo Procedimento Disciplinar Interno nº 011/2023-UPMTC. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em definir se a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente (2,072 gramas de maconha) para consumo próprio em unidade prisional deve ser classificada automaticamente como falta grave, implicando regressão de regime e recontagem do prazo para progressão, ou se deve ser desclassificada para falta de natureza média, à luz da recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Tema 506). III. Razões de decidir 3. O art. 52 da Lei de Execução Penal determina que constitui falta grave a prática de fato previsto como crime doloso; todavia, após o julgamento do RE nº 635.659/SP (Tema 506), o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 quanto à posse de maconha até o limite de 40 gramas, conferindo-lhe natureza de ilícito extrapenal, afastando sua repercussão criminal e limitando as sanções à advertência e medidas educativas. 4. A posse de pequena quantidade de droga para consumo pessoal, embora reprovável disciplinarmente, não apresenta lesividade suficiente para ser equiparada automaticamente às faltas graves previstas na legislação penitenciária, em especial quando comparada a condutas de maior potencial ofensivo como liderar rebeliões ou praticar violência física. 5. A desclassificação da falta grave para falta disciplinar média preserva o equilíbrio entre a disciplina prisional e os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, evitando a imposição de sanções exacerbadas que contrariem os fins ressocializadores da execução penal. 6. Jurisprudência dos tribunais pátrios, alinhada ao entendimento firmado pelo STF no Tema 506, vem reconhecendo que a posse de droga para consumo pessoal em estabelecimento prisional, em quantidade ínfima, deve ser enquadrada como falta disciplinar de natureza média, afastando consequências severas como a regressão do regime prisional. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso provido. Tese de julgamento: “1. A posse de pequena quantidade de maconha para consumo pessoal no interior de unidade prisional não configura falta grave, após o julgamento do Tema 506 pelo STF, devendo ser desclassificada para falta disciplinar de natureza média. 2. A conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 relativa à posse de até 40 gramas de cannabis sativa para uso próprio possui caráter exclusivamente extrapenal, afastando-se efeitos criminais que possam implicar na aplicação automática de falta grave prevista no art. 52 da Lei de Execução Penal.” Dispositivos relevantes citados: Lei nº 7.210/1984 (LEP), art. 52; Lei nº 11.343/2006, art. 28, incisos I e III; Decreto Estadual nº 37.854/2022, arts. 28, inciso II, e 29, inciso X. Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 635.659/SP (Tema nº 506), Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 26.06.2024; TJMG, Agravo em Execução Penal nº 27726716920248130000, Rel. Haroldo André Toscano de Oliveira (JD Convocado), j. 26.08.2024; TJSP, Agravo em Execução Penal nº 0003767-35.2024.8.26.0154, Rel. Isaura Cristina Barreira, j. 15.10.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade, e em desacordo com o parecer ministerial, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Nelson Ferreira Martins Filho, Francisco Ronaldo Maciel Oliveira e Sebastião Joaquim Lima Bonfim. Sessão Virtual da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, de 17/07/2025 a 24/07/2025. Funcionou pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Krishnamurti Lopes Mendes França. Este acórdão serve como ofício/mandado para os fins a que se presta. São Luís (MA), data do sistema. DESEMBARGADOR NELSON FERREIRA MARTINS FILHO Relator RELATÓRIO Trata-se de agravo em execução interposto por Raimundo Nonato Coelho Cruz contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Execuções Penais de São Luís/MA, que homologou a falta grave reconhecida em desfavor do agravante, declarando a regressão definitiva do regime para o fechado, consoante decisão de Id 42831825, fls. 5 - 7, considerando a conduta do reeducando consistente na posse de substância entorpecente dentro da cela, em quantia de 2,072 gramas de maconha, fato constatado no PDI nº 011/2023-UPMTC. Nas razões recursais (Id 42831825, fls. 8-15), a defesa sustenta, em síntese, que a conduta atribuída ao agravante se amolda ao disposto no art. 28 da Lei n.º 11.343/2006, tratando-se de posse para consumo pessoal, o que, segundo argumenta, não configuraria crime doloso apto a ensejar falta grave. Defende, ainda, a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, por suposta violação aos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada, bem como ao princípio da intervenção mínima. Requer, por fim, a desclassificação da conduta para falta disciplinar de natureza média, prevista no art. 28, II, do Decreto Estadual n.º 37.854/2022, com o objetivo de afastar os efeitos decorrentes da falta grave, especialmente a regressão de regime e a recontagem do prazo para progressão. Em contrarrazões (Id 42831825, fls. 16-19), o Ministério Público defende que a conduta de portar substância entorpecente, ainda que para uso próprio, configura crime doloso, o que atrai sua caracterização como falta grave, nos termos do art. 52 da Lei de Execução Penal e do art. 29, VIII, do Decreto Estadual n.º 37.854/2022, pugnando pelo desprovimento do recurso. A Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de parecer da Dra. Regina Lúcia de Almeida Rocha (Id 43475983), manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO O presente recurso de agravo em execução penal preenche todos os pressupostos de admissibilidade, tanto objetivos quanto subjetivos, razão pela qual dele conheço e passo à análise do mérito. A controvérsia central submetida a esta Corte consiste em determinar se a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente, destinada ao consumo pessoal, no interior de unidade prisional, deve ser, necessariamente e de forma automática, classificada como falta disciplinar de natureza grave, com todas as suas consequências jurídicas, ou se, à luz dos princípios constitucionais que norteiam o sistema punitivo, seria possível a sua reclassificação como falta de natureza média. Muito embora o entendimento exarado pelo Juízo sentenciante e as judiciosas manifestações do Ministério Público estejam bem fundamentados, constata-se que o pleito recursal merece acolhida. De fato, uma leitura estritamente literal e isolada da legislação aplicável poderia conduzir à conclusão de que a decisão de primeiro grau é irrepreensível. O art. 52 da Lei de Execução Penal dispõe que “a prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave”. De forma análoga, o Decreto Estadual nº 37.854/2022, que regulamenta o regime disciplinar nas unidades prisionais do Estado do Maranhão, estabelece, em seu art. 29, inciso X, que configura falta disciplinar de natureza grave “praticar fato previsto como crime doloso”. É notório, ademais, que a jurisprudência predominante dos Tribunais Superiores, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, conforme consignado no parecer ministerial, consolidou-se no sentido de que a conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (“Adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização...”) não foi descriminalizada, mas apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas, permanecendo formalmente como infração penal. Assim, em uma interpretação meramente formal, a subsunção do fato (posse de droga para consumo pessoal) à norma (prática de fato previsto como crime doloso) resultaria, por silogismo lógico, na caracterização da falta grave. Entretanto, o Direito não pode ser reduzido a uma simples operação de lógica formal. A interpretação normativa, sobretudo no âmbito do direito sancionador, deve observar os princípios e valores consagrados na Constituição da República. A imposição de sanções, sejam penais ou administrativas, deve estar pautada pelos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da estrita necessidade, sob pena de se converter em exercício arbitrário do poder, esvaziando a legitimidade da atuação estatal. Nesse contexto, ao final do ano de 2024, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, fixou o Tema nº 506, declarando a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 quanto aos usuários de maconha que sejam flagrados com até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar sobre a matéria. A tese fixada foi a seguinte: 1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário. Denota-se do entendimento fixado que, não há qualquer repercussão criminal para a conduta exposta. Colaciona-se o seguinte julgado: Direito Penal. Recurso Extraordinário. Tráfico de Drogas. Juízo de Retratação. Desclassificação. Tema 506 do STF. Determinação Parcialmente Provida. I. Caso em exame 1. Recurso extraordinário interposto contra decisão monocrática que não conheceu dos embargos de divergência. Na origem, recurso ordinário em habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, desclassificando a conduta de armazenamento de 34,33g de maconha de tráfico para porte para uso próprio, conforme o Tema 506 do STF. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste na aplicação do Tema 506 do STF ao caso, desclassificando a conduta de tráfico para porte de drogas para uso próprio e determinando sanções de natureza não penal. III. Razões de decidir 3. O acórdão impugnado estava em dissonância com o entendimento do STF no Tema 506, que prevê a ilicitude extrapenal da conduta de porte para uso próprio. 4. A decisão reconhece a aplicação das sanções de advertência e medida educativa, sem repercussão criminal, conforme o art. 28 da Lei nº 11.343/2006.5. A tramitação deve ocorrer nos Juizados Especiais Criminais, conforme a sistemática atual. IV. Dispositivo e tese6. Determinação parcialmente provida. Tese de julgamento: 1. A conduta de porte de drogas para uso próprio é ilícita apenas extrapenalmente, aplicando-se sanções de advertência e medidas educativas. 2. As sanções do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 são de natureza não penal e sem repercussão criminal. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.343/2006, arts. 28, caput, I e III, e 33, caput; CPC, art. 1.030, II. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 635.659/SP, Min. Gilmar Mendes, julgado em 13.08.2015. (RE na Pet n. 16.846/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 1/10/2024, DJe de 4/10/2024. Noutro ponto, em consonância com o entendimento vigente, verifica-se, por meio de consulta ao sistema SEEU, no processo nº 5000357-35.2022.8.10.0141, que a Supervisão de Procedimento Disciplinar, no âmbito do PDI nº 011/2023 – UPMTC, procedeu à retificação da certidão de julgamento, classificando a infração disciplinar como de natureza média. A justificativa apresentada foi a de que “a quantidade apreendida está em conformidade com a decisão do STF proferida no RE 635.659, que estabelece a distinção entre usuário e traficante, fixando que o porte de até 40 gramas de maconha para consumo pessoal configura atualmente infração administrativa (ilícito extrapenal)”, o que motivou a mencionada correção (Id 176.1). Assim, quando da retratação (Id 42831825, fls. 3-4), o juízo a quo teve a oportunidade de se manifestar à luz desse entendimento, porém limitou-se a receber o agravo apenas em seu efeito devolutivo, mantendo “a decisão impugnada constante do Id 139.1, pelos próprios fundamentos já declinados na decisão agravada”. Ressalte-se que a introdução e a posse de substâncias ilícitas em unidades prisionais comprometem a segurança e a disciplina do estabelecimento, sendo, inclusive, circunstância que autoriza o aumento da pena, nos termos do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, restrita aos arts. 33 a 37. Todavia, não se está a defender a impunidade, mas, sim, a ponderar que a posse de 2,072 gramas de maconha para consumo próprio, embora reprovável do ponto de vista disciplinar, não possui o mesmo grau de lesividade que outras condutas tipificadas como faltas graves, tais como liderar movimentos de subversão da ordem, portar instrumentos aptos a ferir a integridade física de terceiros ou cometer crimes dolosos de maior potencial ofensivo. A equiparação automática dessas condutas, sob o rótulo genérico de “falta grave”, mostra-se desproporcional diante da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 506. Antes da definição do Tema 506, a conduta era tipificada como falta grave com fundamento no art. 29, inciso X, do REDIPRI (Decreto nº 35.854/2022), por se tratar de fato previsto como crime doloso. Contudo, com a descriminalização do porte de até 40 gramas de maconha para consumo pessoal, tal conduta deixa de configurar crime doloso. Nesse contexto, impõe-se a sua desclassificação para falta de natureza média, conforme corretamente reconhecido no PDI nº 011/2023 – UPMTC. Com efeito, o Decreto Estadual nº 35.854/2022, em seu art. 28, inciso II, classifica como falta média a conduta de “portar, ceder ou utilizar qualquer material, ferramenta, utensílio ou objeto cuja posse não seja permitida de acordo com portaria da SEAP vigente à época do fato”. A substância entorpecente, portanto, enquadra-se no conceito de “material [...] cuja posse não seja permitida”. Nesse sentido, têm decidido os tribunais pátrios: AGRAVO EM EXECUÇÃO - APREENSÃO DE MACONHA NAS VESTES DO REEDUCANDO - INEQUÍVOCA DESTINAÇÃO AO CONSUMO PESSOAL - DESCLASSIFICAÇÃO PARA INFRAÇÃO DISCIPLINAR DE NATUREZA MÉDIA - CABIMENTO. 1. Não se faz necessária, ao reconhecimento de infrações disciplinares prova cabal e irrefutável, com mesmo grau de certeza para fins de processo penal, acerca da materialidade e autoria infrativas. 2. Uma vez que o porte de maconha para consumo pessoal não se configura mais crime doloso, nos termos do decidido pelo STF no bojo do RE 635.659, tal conduta não é apta a caracterizar automaticamente a falta grave prevista no art. 52 da Lei de Execucoes Penais, sendo, contudo, suficiente para o reconhecimento de infração disciplinar de natureza média. V. V. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - RECURSO DEFENSIVO -AFASTAMENTO DE FALTA GRAVE CONSISTENTE NO USO DE DROGAS - POSSIBILIDADE - MEDIDA DESPROPORCIONAL. - Não é cabível o reconhecimento de falta grave sem a apreciação sistêmica do ordenamento jurídico e sem observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. - "In casu", tendo em vista que a conduta do sentenciado não gerou maiores consequência, mostra-se incabível o reconhecimento da falta grave . (Jd. Convocado Haroldo Toscano) V.V. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL . PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. FALTA GRAVE. RECONHECIMENTO. DETENTO APREENDIDO COM DROGA NO INTERIOR DE PENINTENCIÁRIA . O apenado que é flagrado portando drogas dentro de presídio, ainda que para uso pessoal, incorre em infração penal prevista no artigo 28 da lei de drogas, passível de caracterizar falta grave, conforme artigo 52 da LEP. (Des. Dirceu Walace Baroni) (TJ-MG - Agravo de Execução Penal: 27726716920248130000, Relator.: Des.(a) Haroldo André Toscano de Oliveira (JD Convocado), Data de Julgamento: 26/08/2024, Núcleo da Justiça 4 .0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 27/08/2024) [grifou-se] DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL DURANTE SAÍDA TEMPORÁRIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FALTA DE NATUREZA MÉDIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1 . Agravo em execução interposto por Renan Pereira da Silva contra decisão que reconheceu a prática de falta grave pelo porte de 31g de maconha para consumo próprio, declarando a perda de 1/3 dos dias trabalhados e remidos e a regressão ao regime fechado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a conduta do agravante configura falta grave ou se deve ser desclassificada; (ii) estabelecer a manutenção ou a reforma das sanções impostas, considerando o recente entendimento do STF sobre o porte de drogas para consumo pessoal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão recorrida aplica corretamente o artigo 46, VIII, da Resolução SAP nº 144/2010, considerando que o porte de drogas é vedado e configura falta grave. 4 . A recente decisão do STF (RE 635.659/2024) reconhece que o porte de até 40g de maconha para consumo pessoal não tem repercussão criminal, mas mantém a ilicitude extrapenal da conduta, com aplicação de sanções administrativas. 5. Diante do entendimento consolidado pelo STF, a falta grave deve ser desclassificada para infração disciplinar de natureza média, conforme inciso II do artigo 45 da Resolução SAP nº 144/2010, já que o porte de drogas foi para consumo próprio, sem intuito de mercancia. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso desprovido, com desclassificação da falta para infração de natureza média. Tese de julgamento: 1. A conduta de porte de maconha para consumo pessoal, em quantidade inferior a 40g, deve ser desclassificada de falta grave para falta de natureza média no âmbito disciplinar. 2. A decisão do STF (RE 635.659) afastou a repercussão criminal para o porte de cannabis sativa para uso pessoal, mantendo, porém, a possibilidade de sanções administrativas. Dispositivos relevantes citados: Lei 11.343/2006, art. 28; Resolução SAP nº 144/2010, arts. 45, II, e 46, VIII . Jurisprudência relevante citada: STF, RE 635.659, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j . 26.06.2024. (TJ-SP - Agravo de Execução Penal: 00037673520248260154 São José do Rio Preto, Relator.: Isaura Cristina Barreira, Data de Julgamento: 15/10/2024, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 15/10/2024) [grifou-se] Essa requalificação jurídica permite que a conduta do apenado seja sancionada, preservando a disciplina carcerária, mas de forma proporcional e razoável, em convergência com o Tema nº 506 do STF. A prática de falta média acarreta consequências, como a anotação no prontuário e a avaliação do comportamento como "mau" por um período determinado (art. 123 do Decreto Estadual), o que impacta a concessão de outros benefícios da execução, como a saída temporária. Contudo, afasta as consequências mais drásticas e desproporcionais da falta grave, notadamente a regressão de regime e a interrupção do lapso para progressão. Essa solução harmoniza a necessidade de repressão à indisciplina com o respeito à dignidade da pessoa humana e ao princípio da proporcionalidade, evitando que a execução da pena se transforme em instrumento de punição exacerbada, divorciado dos seus fins de ressocialização e dissociado do entendimento atualizado. Ante o exposto, em dissonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO, para desconstituir a falta grave homologada em decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca da Ilha de São Luís. Em consequência, desclassifico a conduta imputada ao apenado Raimundo Nonato Coelho Cruz, referente à posse de 2,072 gramas de maconha para consumo pessoal, de falta grave (Art. 52 da LEP c/c Art. 29, X, do Decreto Estadual nº 37.854/2022) para falta de natureza média, prevista no art. 28, inciso II, do mesmo Decreto Estadual. Por conseguinte, determino o afastamento da regressão de regime prisional e da alteração da data-base para fins de progressão de regime, devendo o Juízo da Execução proceder às retificações necessárias no prontuário do apenado, dando-se o devido prosseguimento à execução penal. É como voto. Sala das Sessões da Segunda Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís (MA), data e hora do sistema. DESEMBARGADOR NELSON FERREIRA MARTINS FILHO Relator
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Processo nº 0000914-61.2018.8.10.0040
ID: 292169307
Tribunal: TJMA
Órgão: 3ª VARA CRIMINAL DE IMPERATRIZ
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0000914-61.2018.8.10.0040
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA Fórum Henrique de La Roque Rua Rui Barbosa, s/nº. - Centro. CEP 65900-440 Telefax: (99) 2055-1257 – varacrim3_itz@tjma.jus.br PROCESSO Nº. 0000914-61.2018…
3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IMPERATRIZ/MA Fórum Henrique de La Roque Rua Rui Barbosa, s/nº. - Centro. CEP 65900-440 Telefax: (99) 2055-1257 – varacrim3_itz@tjma.jus.br PROCESSO Nº. 0000914-61.2018.8.10.0040 AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) Autor: M. P. D. E. D. M. Réu: J. N. V. SENTENÇA I – Relatório Cuida-se de ação penal ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra J. N. V., já qualificado, pela prática do crime capitulado no art. 213 c/c art. 282, ambos do Código Penal Brasileiro, aduzindo o que se segue: “Consta do inquérito policial, instaurado por portaria, que Jhordan Novais Vasconcelos investigado porque exerceu a profissão de medico, sem autorização legal e constrangeu a vítima, Andressa Valeria Lima de Sousa (18 anos), mediante violência ou grave ameaça, a manter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que o investigado praticasse outro ato libidinoso. Apurou-se, que a vítima, no dia 22 de margo de 2017, ao ter conhecimento que teria na Igreja Santa Luzia, consultas com um suposto médico gastroenterologista, se deslocou até o local por volta das 10h30min, para ser atendida. Ao ser atendida, entrou para uma sala, que fica no primeiro andar da igreja, onde o suposto medico pediu para que a vítima retirasse sua roupa e deitasse na mesa, com as pernas abertas em posição de “ganhar neném”. Em seguida, Jhonatan ligou um aparelho no computador e colocou outros equipamentos nos olhos, barriga e na vagina da vítima, aludindo posteriormente que a vítima era virgem. Após o relato sobre a sua virgindade, o denunciado colocou seu pênis na vagina de Andressa, e começou a fazer movimentos de “coito”. Ao findar da relação sexual, a vítima se levantou, se vestiu e ao tentar sair, percebeu que a porta estava fechada. A vítima afirmou que não reagiu fisicamente ao ato sexual por ter tido medo que algo mais grave pudesse acontecer e, que estranhou desde o início a consulta, haja vista a cobrança de R$ 40,00 (quarenta reais) feita pelo investigado pela consulta. Ao chegar em sua residência, a vítima contou aos seus pais o que ocorreu na consulta, sendo levada de imediato ao IML e posteriormente a delegacia para registrar Boletim de Ocorrência [...]”. A inicial acusatória veio acompanhada de rol de testemunhas e do Inquérito Policial, acostado ao ID 70948445, instruído com as seguintes peças: a) Boletim de Ocorrência 1133/2017 (ID 70948445 – p.04/05); b) Depoimento da vítima e testemunhas em sede policial (ID 70948445 – p.06/09, p.33/34, p.83, p.86/87); c) Interrogatório do acusado em sede policial (ID 70948445 – p.19); d) Auto de Exibição e Apreensão (ID 70948445 – p.20/21); e) Exame de Conjunção Carnal (ID 70948445 – p.26); e) Laudo de Exame Biológico em conteúdo vaginal e bucal (ID 70948445 – p.40/44); f) Exame de Conjunção Carnal Complementar (ID 70948445 – p.46); Laudo de Exame em Veículo (ID 70948445 – p.105/111); Relatório Conclusivo da autoridade policial (ID 70948445 – p.136/137). Certidão de Antecedentes Criminais do réu (ID 70948445 – p.145). O Ministério Público ofertou denúncia em desfavor do acusado no dia 14/06/2022, acusando J. N. V. de praticar o crime previsto no art. art. 213 c/c art. 282 do CP, todos do Código Penal contra a vítima ANDRESSA VALERIA LIMA DA SOUSA (ID 70948442 – p. 02/05). A inicial acusatória foi recebida por este Juízo no dia 22/07/2022 (ID 72085585). Devidamente citado (ID 79970478 - p.21) o acusado apresentou Resposta à Acusação através da Defensoria Pública (ID 80426433). Em audiência de instrução e julgamento realizada no dia 12/07/2023 foi ouvida a vítima Andressa Valeria Lima da Sousa. Após, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público Maria do Rosário Pereira de Sousa e E. A. D. S.. O Ministério Público desistiu da oitiva das testemunhas ausentes Cleso Holanda Coelho, Orleilson Leão Moraes, Francisco da Conceição dos Anjos e M. D. D. B. D. M., sem oposição da defesa, o que foi deferido pelo Juízo. Em seguida fora colhido o interrogatório do acusado (ID 96863193). Em continuidade, foram apresentadas Alegações Finais orais, respectivamente, pelo Ministério Público que pugnou pela condenação do acusado nos termos do art. 215 e 282 do Código Penal, e pela defesa, que requereu a absolvição do acusado por insuficiência de provas. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Passo a decidir. II – Fundamentação Inicialmente, vale esclarecer que o procedimento criminal adotado no presente processo observou estritamente os ditames legais, não existindo nenhum vício ou nulidade a ser declarado, estando o presente feito apto para julgamento do mérito. Versam os presentes acerca de acusação em desfavor de J. N. V., que foi denunciado pelo fato de ter supostamente praticado violação sexual mediante fraude em face da vítima ANDRESSA VALERIA LIMA DA SOUSA, bem como pelo exercício irregular da medicina (art. 213 c/c art. 282, ambos do Código Penal Brasileiro). No entanto, ao final da instrução probatória, o representante ministerial pugnou pela condenação do acusado pelo crime capitulado no art. 215 c/c art. 282, todos do Código Penal Brasileiro. Inobstante, após análise circunstanciada dos autos, verifico que a ação empreendida pelo acusado se enquadra perfeitamente na conduta típica definida como violação sexual mediante fraude. O crime de violação sexual, que ora se pretende atribuir ao denunciado, encontra-se normatizado no artigo 215, do Código Penal: "Art. 215. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave". II. I – DO CRIME DE VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (art. 215, CP) Realizada a instrução criminal, não há dúvidas quanto à autoria e materialidade do crime imputando ao réu, que restam positivadas pelas provas constantes dos autos, tanto no Inquérito Policial acostado, como na própria instrução criminal. Desse modo, ao fim da instrução probatória e analisando detidamente os elementos acostados aos autos, a condenação é medida imperativa, pois suficientemente comprovada a materialidade e autoria delitiva, conforme passo a demonstrar. A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelos seguintes elementos: a) Boletim de Ocorrência nº 1133/2017 (ID 70948445 – p. 04/05); b) Depoimento da vítima e testemunhas em sede policial (ID 70948445 – p.06/09, p.33/34, p.83, p.86/87); c) Interrogatório do acusado em sede policial (ID 70948445 – p.19); d) Auto de Exibição e Apreensão (ID 70948445 – p.20/21); e) Exame de Conjunção Carnal (ID 70948445 – p. 26); e) Laudo de Exame Biológico em conteúdo vaginal e bucal (ID 70948445 – p. 40/44); f) Exame de Conjunção Carnal Complementar (ID 70948445 – p. 46); g) Relatório Conclusivo da autoridade policial (ID 70948445 – p.136/137). Ademais, no que diz respeito à autoria delitiva, as provas coligidas mostram-se suficientes para indicar com segurança que o acusado incorreu na prática do delito, restando configurada a autoria delitiva, sobretudo mediante a apreciação da prova testemunhal colhida sob o crivo do contraditório. Os depoimentos colhidos se revelam condizentes com as demais provas constantes dos autos, e também são reveladores em relação à materialidade dos delitos, bem como à autoria, conforme podemos verificar a partir da análise das gravações dos depoimentos, abaixo resumidas. A vítima ANDRESSA VALÉRIA LIMA DA SOUSA em seu depoimento em juízo, narrou os fatos da seguinte forma: “Não conhecia ele (acusado). Lembro que eu estava em casa dormindo e meu pai passou lá em casa e falou com a minha mãe que ia ter atendimento na igreja e eu fui pra consultar normalmente. Não (não tinha problema específico de saúde) só sentia muitas dores nas costas. Aí, como o povo estava dizendo que eram várias consultas, era pra qualquer coisa, eu peguei e fui tranquilona, não sabia de nada, não conhecia ele, nunca ouvi falar dele. Cheguei lá de manhã, só que não lembro o horário. Já tinha gente (quando cheguei lá). Alguns foram atendidos, outros foram embora. Ficou só eu e um rapaz que morava lá perto de casa, que agora ele é falecido. Mas aí ele falou assim, não, pode ir na minha frente. Eu subi de boa, tranquila, AÍ ELE COMEÇOU A PERGUNTAR AS COISAS, SE EU ESTAVA NAMORANDO, EU FALEI QUE SIM E TAL. AÍ ELE BOTOU AS MÃOS NAS MINHAS COXAS E EU ESTRANHEI LOGO, mas eu não falei nada no momento. AÍ ELE FALOU QUE IA ME EXAMINAR, PRA TIRAR A ROUPA. EU TIREI A PARTE DE BAIXO, AÍ TINHA DUAS MESAS COLADAS E EU DEITEI. Quando eu deitei, ELE COLOCOU ALGUNS NEGÓCIOS NOS MEUS OLHOS e falou que eu tinha um negócio e tal. Ele examinou aqui e tal, mas lógico que dedo não vai sair coisa melada. Eu estranhei porque ELE FALOU “AH VOCÊ É VIRGEM!”, EU FALEI “SIM, GRAÇAS A DEUS!”. QUANDO ELE EMPURROU EU SENTI DOR. (PROMOTOR: ele empurrou alguma coisa que a senhora não viu penetrando na sua vagina? E a senhora estava com os olhos cobertos) VÍTIMA: EXATAMENTE. QUANDO ELE TENTOU, NÃO FOI DE UMA VEZ (A PENETRAÇÃO), AÍ ELE TIROU NÉ, AÍ ELE COMEÇOU A PASSAR, EU NÃO LEMBRO SE FOI TIPO DE UMA CANETA, OU NÃO. EU SENTI UM NEGÓCIO GELADO, DIFERENTE, AÍ ELE CONTINUOU. DEPOIS DE UMA VEZ, EU SENTI DOR DE NOVO. AÍ ELE PAROU. QUANDO ELE PAROU, ELE FALOU ASSIM: “AH, DEPOIS QUE VOCÊ VEM AQUI, EU VOU PASSAR UM ÓLEO”. Aí eu desci da primeira escada tranquila, aí um rapaz que estava lá embaixo subiu e entrou. E eu desci a segunda já desesperada. Eu já atravessei a rua desesperada e fui pra minha casa, aí eu vi o carro que meu pai trabalhava, eu bati no portão desesperada aí o pai me perguntava o que foi e eu: “Não, vou dizer pra você e pra mãe”. E faltavam minhas pernas, me faltavam tudo. E meu pai, o que foi? E eu, não, vou dizer para você e para a mãe, eu vou dizer para você e para a mãe. Aí quando minha mãe chegou do velório, eu disse para a mãe e falei para o meu pai, pai, o homem colocou o órgão genital em mim. Minha mãe olhou para mim e começou a chorar, desesperada. E meu pai falou assim, vamos na Delegacia. Meu pai pegou o carro, foi para a empresa, falou que não podia ficar lá, porque tinha que resolver um negócio comigo. Meu pai chegou, me botou na moto, e eu fui para a Delegacia. Chegando lá, eu relatei tudo, na Delegacia da Mulher, peguei o B.O e fui para o corpo de delito. Nisso, quando eu comecei a fazer o corpo de delito, eu comecei a ficar desesperada. Eu faltava perna, faltava o ar, e aí começou... QUANDO EU CHEGUEI EM CASA, FALEI ASSIM, PAI, EU NÃO QUERO TER APROXIMAÇÃO COM SENHOR E COM MEUS IRMÃOS. AÍ ELE PERGUNTOU, POR QUE NÃO? PORQUE EU NÃO QUERO. EU PASSEI TRÊS ANOS E POUCO COM DEPRESSÃO, SEM VER O MEU PAI, SEM VER OS MEUS IRMÃOS E QUANDO MINHA MÃE IA NO MEU QUARTO, EU NÃO ESTAVA NO QUARTO, EU ESTAVA DENTRO DO GUARDA ROUPA. EU DORMIA DENTRO DO MEU GUARDA-ROUPA DESESPERADA. Eu ainda sinto um pouco da depressão, não muito, mas graças a Deus, Deus é tão bom na minha vida, eu não subo na sala em que aconteceu, eu não vou para o pátio, eu só vou pra igreja, da igreja pra casa, eu não entro no pátio. Sim (isso causou um trauma muito grande). Sim, logo depois do ato (fui fazer o exame no IML), no mesmo dia. Não (não sei do resultado do exame). Sim (só fiz o exame e fui pra casa). Sim (voltei no IML outra vez, pra fazer outro exame). (Promotor: Até esse momento você nunca tinha tido nada com ninguém). Vítima: NUNCA TINHA FEITO RELAÇÃO, E EU FALAVA PRA MINHA MÃE, SE UM DIA EU CASAR, EU VOU CASAR VIRGEM, COM A PESSOA QUE EU QUERO. Eu estava com 18 anos na época. (Defensor): Nessa questão que ele falou, que a senhora falou que ele penetrou alguns objetos, ele falou que se era parte do procedimento, se fazia parte do exame, da consulta, ele chegou a mencionar isso ou não? Vítima: Não, quando ele começou ELE DISSE QUE EU ESTAVA COM UM PEQUENO MIOMA. Defensor: Aí, quando aconteceu, a senhora achou que fazia parte do procedimento médico? Vítima: Não achei, porque quando ele botou o órgão, eu já imaginei logo que não fazia parte. Sim (estava de olhos vedados), só tirei a venda quando terminou porque ele falou pra vestir a roupa. Eu não senti na hora (dores), só senti quando eu desci da mesa e quando foi no outro dia o povo foram lá em cima e meu pai me chamou e me levou até lá em cima, eu entrei e subi e VI UM POUCO DE SANGUE E DE ESPERMA. Na mesma hora eu desci. O órgão genital eu senti porque, tipo, o órgão genital é bem diferente de uma caneta, de um dedo, a gente sente uma coisa meio ágil. Sim (alguém tinha dito que ele era médico). SIM (ELE SE IDENTIFICOU COMO MÉDICO QUANDO ENTREI NA SALA) [...].” Em seguida, foi ouvida a testemunha M. D. R. P. D. S., mãe da vítima: Ele entrou lá como médico, aí o meu marido chegou e falou pra ela ir se consultar lá. Eu falei que não, que não era pra ela ir não, porque ela tinha que ir pra escola. Aí ele falou, não, mas deixa ela ir pra ela fazer umas consultas. Aí na hora, nesse dia teve até um velório lá pertinho de nós lá, eu fui pra lá e ela estava lá, eu cheguei lá ainda disse pra ela, Valéria vai pra casa tomar banho pra tu ir pra escola. Ela disse, não mãe, tá chegando minha vez. Aí eu, tá bom, peguei e saí. Quando eu saí pra casa, fiz o almoço, voltei, fui lá no velório do rapaz e ela ficou na igreja. Aí nesse dia, só estava ela e o senhorzinho. Esse senhorzinho até faleceu e ele viu tudo. Aí ela ficou lá. E aí depois eu vim pra casa. Quando eu cheguei, aí ela chegou. Aí o pai dela chegou, foi tomar banho, aí ela chegou, foi banhar também. Aí ela falou assim, pai, eu quero dizer alguma coisa, mas tem que ser o senhor e a mãe. Aí o meu menino vai lá no velório atrás de mim lá no velório e eu venho, quando eu chego, ELA TÁ LÁ SE ACABANDO DE CHORAR. Aí nesse dia meu marido até mandou meu menino sair, dar uma volta, pra ficar só nos três. ESSE RAPAZ LÁ, FEZ FOI TRANCAR ELA, ELA DISSE QUE TENTOU SAIR, ELE NÃO DEIXOU. Aí depois nós pegamos, eu fui pra igreja, quando eu cheguei lá estava a pilha de gente né. Aí eu cheguei e eu levei ela né, só que minha intenção era de se ele tivesse lá eu ia pegar ele, não ia responder por mim não. Aí como tem um amigo nosso que ele é policial lá do bairro, aí nos pegamos e eu disse que vai dá polícia na igreja. Aí a Dora vinha chegando, que era a coordenadora lá, aí chegou nós ficamos lá aí com pouca o rapaz veio, esse que diz que era médico. Quando chegou, eu já estava dentro da viatura, não era nem da viatura, era no carro do policial, só que ele já tinha ligado pra polícia. Quando a polícia chegou, que era pra fechar ele, não deu tempo. Esse rapaz que disse que era doutor saiu na frente e a polícia atrás. Saiu de carro, eu sei que pegaram ele já chegando na rodoviária nova, dentro do matagal. Tinha (quando ele saiu, ainda tinha gente lá pra ser atendida). Ele não chegou nem descer do carro, não. Quando ele percebeu que a polícia estava atrás dele, ele arrancou. Pra delegacia mesmo eu não fui, só quem foi, foi meu marido mais ela. Não, isso aí eu não sei lhe dizer, não (o que foi constatado no exame). NA ÉPOCA ELA (VÍTIMA) TINHA 16 ANOS. NA ÉPOCA ERA ELA VIRGEM. ELA PEGOU UM TRAUMA, só que nos conversamos com ela, sempre nos conversa com ela, ela já teve outros casos assim mesmo, normal. Ela já namorou, já ficou com outros homens já mesmo normal, depois desse acontecido. Não (na época ela não tinha problema de saúde). Entrou eu, o pai dela, ela, ela só entrou comigo e a coordenadora, uma sobrinha da coordenadora também entrou. Depois que aconteceu isso com ela, nunca mais tivemos notícias dele. A testemunha E. A. D. S., pai da vítima, narrou os fatos em juízo da seguinte maneira: Eu estava almoçando e ela chegou, entrou pro banheiro e quando saiu, ela foi relatar pra mim, que tinha passado o órgão nela e tinha ejaculado encima dela. Aí eu disse pra ela que era pra não ter banhado, pra ter a prova maior. AÍ PASSEI, FALEI PRA PESSOA QUE TINHA ORGANIZADO A CONSULTA LÁ. Ela tinha ido pra igreja pra fazer uma consulta. Sim (era comum na igreja esse tipo de consulta). Ela falou que ele mandou ela tirar a roupa, ELE TIROU A “ROLINHA” E TAL, PASSOU NELA E EJACULOU ENCIMA DELA. Ela tinha 17 anos [...] depois desse fato, ela não quer estar muito conversando, ela conversa, mas é pouco, mas quando ela está com as amigas ela sempre sorri, porque ela é uma pessoa extrovertida. Não (não conhecia o acusado). Sabia (da consulta). Lá foi falado, anunciado (sobre a consulta), como ela estava com problema de alimentação, não estava comendo direito e FALARAM QUE ELE ERA PRA MEXER COM NEGÓCIO DE ALIMENTAÇÃO pra ver o que é que a pessoa sente, que não tinha vontade de comer, aí eu marquei essa consulta lá, mas eu pensei que a mãe dela ia junto, mas ela foi só. SIM (A PESSOA QUE AVISOU DESSA CONSULTA DISSE QUE QUEM REALIZARIA ERA UM MÉDICO). Em seu interrogatório, o acusado JHORDAN NOVAIS VASCONCELOS, negou a prática delitiva: Não (a acusação não é verdadeira). Sim, eu estava (consultando pessoas na igreja aqui de Imperatriz no dia 22 de março de 2017). Não (não me apresentei como médico), na verdade, a questão de médico, NÓS SOMOS TERAPEUTAS NATURALISTAS, É APENAS A NÍVEL TÉCNICO, MAS ESSA QUESTÃO DE SE TITULAR MÉDICO NÃO EXISTIU EM MOMENTO NENHUM. Sim (sempre deixei claro que as consultas eram de terapia holística e não de medicina). Recordo-me da época dessa situação, sim, e consultei, sim a vítima. Utilizei o equipamento Iriscam, que é um aparelho que é colocado na íris dos olhos. A terapia holística tem a minha parte específica para avaliação, que é iridologia, e o aparelho chama-se Iriscam e é colocado em um dos olhos. Não, senhor (não utilizei vendas na dona Andressa). Não determinei que ela se despisse, meu trabalho é apenas avaliação através da íris dos olhos, não acontece nenhum tipo de comando pra pessoa tirar algum tipo de roupa, nada disso. Não apalpei alguma parte do corpo dela. Excelência, nunca me envolvi em tal situação, eu trabalhava já há cinco anos, realizando trabalho junto com a igreja e nunca tinha acontecido, então eu fiquei surpreso. Quando eu trabalhei pela parte da manhã lá no local, e a parte da tarde, depois do almoço, tudo ocorreu o normal, inclusive, eu lembro que o atendimento com essa suposta vítima foi pela manhã, logo às nove da manhã mais ou menos, recordo que isso foi dito em outro momento, na delegacia no caso. E quando eu estava retornando à tarde, eu não tinha mais o local, não estava funcionando, não estava aberto, eu liguei para a coordenadora, a responsável, e perguntei para ela por que não estava funcionando o local. Excelência, realmente eu não tenho como saber porque, como eu estava falando agora pouco, narrando, eu só soube que eu não pude mais voltar para o lugar porque alguém estava me acusando de um problema na época, e a coordenadora pediu para mim não voltar mais para o trabalho, porque a pessoa que estava fazendo isso, ela conhecia e era acostumada, já tinha acontecido parece um problema com ela da natureza, de dizer que alguém tinha abusado dela, tomado gosto. Isso eu soube na hora e me ausentei do local. Não pude mais ficar lá, até porque o local estava fechado, mas eu não tenho como saber porque que ela está fazendo isso. Eu não tenho o que dizer sobre essa questão, infelizmente, de onde ela atribuiu e a que fez ela está me acusando disso, dessa situação. Minha defesa, é só que, apesar de que eu vi gente narrando aí, essas testemunhas, e eu não moro atualmente em Imperatriz, eu não tenho como ter testemunhas de defesa, mas eu acredito excelência na imparcialidade desse juízo, para que eu possa provar minha inocência nessa situação. Porque, até quando eu estive na delegacia, que eu estive até lá, na delegacia, para mim ter que responder qualquer tipo de acusação, eu fui liberado inclusive porque não estava condizendo alguma coisa lá, os fatos e eu fui liberado. Então eu acredito na imparcialidade desse juízo e a verdade ela vai aparecer. No mesmo dia (foi solto). Eu fiquei lá na delegacia, esperei os laudos que foram feitos da suposta vítima, eu tive que aguardar lá para ver esses resultados que iam chegar. E depois que chegaram, o delegado me chamou e disse olha, pelo que eu ouvi aqui da denúncia, eu tenho que lhe falar que não está coincidindo com o que acabou de chegar. E, por isso, ele pegou o meu relato lá e disse o senhor vai ter o direito de responder em liberdade por falta de prova nesse momento. Diante dessas provas colhidas em audiência e das demais provas que constam nos autos, restou comprovado que o acusado cometeu o crime de violência sexual mediante fraude. É cediço que os delitos sexuais, normalmente, ocasionam efeitos devastadores na vítima, que são potencializados em níveis exponenciais, principalmente, quando praticados contra crianças e adolescentes, ante sua vulnerabilidade. Isso porque, a peculiar situação de seres em desenvolvimento expõe suas fragilidades à incapacidade de impor resistência, tendo sua sexualidade invadida precocemente, causando vergonha e medo de revelar os abusos a terceiros, inclusive aos pais. A partir dessas premissas, a conduta tipificada no art. 215 do Código Penal, consiste na conduta de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou, outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. O presente delito é denominado "estelionato sexual", que ocorre quando o indivíduo, sem fazer uso de violência ou grave ameaça (hipótese que configuraria o crime de estupro), utiliza a fraude, ou seja, induz a vítima a agir em erro, o que impede ou dificulta a sua livre manifestação de vontade. E dos relatos acima, sobretudo da vítima, demonstram que o acusado praticou com a ofendida relação sexual mediante fraude, em razão do meio que impediu a livre manifestação de vontade da vítima, que acreditava estar em uma consulta médica e teve seus olhos vendados, impossibilitando a identificação da violação sexual. De acentuada relevância para elucidação do presente caso, tem-se o depoimento da vítima, que com riqueza de detalhes narrou como aconteceu o evento delitivo, informando que o réu vedou seus olhos e introduziu o órgão sexual nela: “[...] aí ele botou as mãos nas minhas coxas e eu estranhei logo, mas eu não falei nada no momento. Aí ele falou que ia me examinar, pra tirar a roupa. Eu tirei a parte de baixo [...] quando eu deitei, ele colocou alguns negócios nos meus olhos [...] eu disse para a mãe e falei para o meu pai, pai, o homem colocou o órgão genital em mim” O Exame de Conjunção Carnal (ID 70948445 – p.46) corrobora a narrativa da vítima, apontando a existência de vestígios de conjunção carnal. Do mesmo modo, o Laudo de Exame Biológico em conteúdo vaginal e bucal (ID 70948445 – p.40/44) detectou a presença de sêmen humano na amostra de secreção vaginal. Ressalta-se que, a vítima afirma nunca ter tido relação sexual antes dos fatos em questão, o que foi corroborado pela genitora da ofendida. Além disso, o genitor da ofendida, em harmonia com seu depoimento, afirmou que a vítima “[...] foi relatar pra mim, que ele tinha passado o órgão nela e tinha ejaculado encima dela [...]” Dessa maneira, da análise detida dos autos, percebe-se que as declarações da vítima em Juízo são firmes no sentido de que o réu, aproveitando-se da confiança nele depositada durante consulta, valendo-se de ardil, efetivou conjunção carnal dificultando a livre manifestação de vontade da vítima. Nesse sentido, os fatos ocorreram conforme narrado na denúncia, não havendo nenhuma razão para pôr em dúvida o depoimento prestado pela vítima. Aliás, como se sabe, a palavra da ofendida, em crimes sexuais, normalmente praticados longe da visão de terceiros, quando firme e coerente, reveste-se de especial força probatória, sobretudo quando amparada por outras provas, conforme ocorre no presente caso: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 7 DO STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. I - Tendo a Corte de origem, soberana na apreciação da matéria fático-probatória, amparada na palavra da vítima e demais provas carreadas aos autos, mantido a condenação do agravante pela prática do delito de estupro de vulnerável, a pretensão da Defesa de alterar tal entendimento exigiria revolvimento fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. II - É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios, como ocorreu na presente hipótese. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 1994996 TO 2021/0322893-4, Relator: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 14/03/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2023) Outrossim, manifesto é o nexo causal que une a conduta do acusado ao resultado por eles produzidos. Dessa forma, a prova colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa é suficiente para a imposição de um decreto condenatório, sendo apta a afastar a presunção de inocência. Assim, inviável o acolhimento da tese defensiva de ausência de provas. Por todo conjunto probatório, entendo que ficou devidamente comprovado nos presentes autos por meio do depoimento da vítima e das testemunhas compromissadas ouvidas em Juízo, aliado as demais provas produzidas nos autos, de que o acusado praticou, de forma voluntária e consciente, violência sexual mediante fraude em desfavor da menor, sendo-lhe exigível conduta diversa. Por fim, vale esclarecer que não existem ainda causas excludentes de culpabilidade no caso em tela. O réu tinha condição de saber que atuava ilicitamente, sendo-lhe exigível conduta diversa. II.II – DO CRIME DE EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA (art. 282 do CP) O tipo penal do art. 282 do CP (exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica) pune a conduta daquele que, sem autorização legal (título de habilitação ou registro na repartição competente) ou ao exorbitar os limites dessa autorização, exerce, ainda que gratuitamente, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico. Trata-se, pois, de crime de perigo abstrato, habitual, previsto no Código Penal com o fito de proteger o bem jurídico “saúde pública”. Da análise dos autos, entendo não haver suficiência probatória para condenação do acusado no referido tipo penal. O réu ao depor em juízo, informou que não se apresentava como médico, mas sim como terapeuta holístico. Outrossim, o genitor da vítima, que foi quem a informou acerca da realização da consulta na igreja, quando questionado se a pessoa que avisou da consulta lhe disse que quem a realizaria era um médico, respondeu de forma positiva. No entanto, em nenhum momento afirmou ter visto o acusado se identificar como médico, sabendo apenas sobre isso, o que ouviu dizer. Nesse sentido: [...] "O testemunho indireto (também conhecido como testemunho de 'ouvir dizer' ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu" ( AREsp n. 1.940.381/AL, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 16/12/2021.) 5. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2127586 GO 2022/0146931-8, Data de Julgamento: 06/09/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2022) (grifo nosso). Por sua vez, a suposta organizadora das consultas não prestou depoimento em juízo. Assim, entendo que as provas produzidas em juízo são insuficientes para ensejar um decreto condenatório em relação ao delito previsto no art. 282 do CP, sendo a absolvição medida que sem impõe, em razão do princípio in dubio pro réu. III – Dispositivo Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia para CONDENAR J. N. V. pelo crime previsto no art. 215 do Código Penal Brasileiro, praticado contra a vítima ANDRESSA VALÉRIA LIMA DA SOUSA, e ABSOLVÊ-LO da acusação da prática do crime previsto no art. 282 do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do CPP. Passo a DOSIMETRIA DA PENA em relação ao crime previsto no art. 215 do Código Penal, nos termos estabelecidos no artigo 68 do Código Penal. 1ª Fase: Circunstâncias judiciais Em atenção ao disposto no art. 59 do supracitado diploma legal, passo ao exame das circunstâncias judiciais previstas no referido dispositivo. Culpabilidade: Essa circunstância se refere à culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor merecem. Restou reconhecida a existência de frieza e premeditação na conduta do acusado, pois vendou a vítima durante a consulta, com o fito de facilitar a prática do crime, razão pela qual considero a presente circunstância de forma desfavorável ao réu. Antecedentes: Conforme certidão de ID 70948445 – p. 145 e documentos acostados ao ID 134819318 e ID 134819319, há registro de condenação transitada em julgado anterior ao fato ora em julgamento, portanto, o acusado é reincidente. Dessa forma, a condenação proferida será analisada na segunda fase da dosimetria da pena como reincidência. Conduta social: Não há elementos que apontem o envolvimento do acusado em atividades criminosas na comarca ou outros fatores negativos acerca da sua conduta perante a sociedade. Assim, essa circunstância não deve ser verificada de forma desfavorável. Personalidade: Não se pode afirmar que o acusado tenha personalidade voltada para o crime, já que não consta dos autos qualquer laudo psicossocial firmado por profissional habilitado. Por essa razão, deixo de valorar tal circunstância de forma desabonadora. Motivos do crime: Não se justificam, pois decorrem da vontade de satisfazer sua lascívia em manter relações sexuais com a vítima, sem idade suficiente para dar seu consentimento, mas não serão considerados, pois já integram a norma proibitiva. Circunstâncias do crime: Essas circunstâncias se referem ao modo como o crime foi praticado, tais como estado de ânimo do agente, local da ação delituosa, condições de tempo, modo de agir e objetos utilizados. São apreciadas nesse momento desde que não configurem ao mesmo tempo circunstância legal, causa de diminuição ou de aumento de pena ou qualificadora, sob pena de dupla valoração. No presente caso, constato que o crime foi praticado dentro de um templo religioso, local visto como “sagrado” para a vítima, espaço no qual existe segurança e confiabilidade nos agentes que ali atuam, tendo o réu aproveitado do espaço para impingir invigilância nos pais da vítima e na própria ofendida, razão pela qual considero de forma desfavorável ao réu. Consequências do crime: Revela-se pelo resultado e efeitos da conduta do acusado. No caso em questão, a vítima afirma que possuía o sonho de casar virgem, o que foi frustrado pela conduta delitiva do réu, além de resultar em profundo sofrimento psicológico à ofendida, que relata que passou mais de três anos depressiva devido às memórias que possuía do crime. Comportamento da vítima: A vítima em nada contribuiu para a prática do crime. No caso do crime de violação sexual mediante fraude (artigo 215, do Código Penal) a pena cominada é de 02 (dois) a 06 (seis) anos de reclusão. Logo, o patamar da pena-base é de 04 (quatro) anos. No caso em tela, reconheço três circunstâncias desfavoráveis ao réu (culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime), aumento a pena fração de 1/6 sobre o patamar da pena-base. Assim, estabeleço a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão. 2ª Fase: Circunstâncias legais Não há circunstâncias atenuantes. No entanto, incide no presente caso a agravante da reincidência, sendo que o réu reincidiu em delito idêntico ao anteriormente condenado, em situações semelhantes. Esse fator não deve ser abonado, ao contrário, impele ao agravamento da pena, por ser reincidência específica e diante da gravidade do caso concreto, razão pela qual a pena deve ser aumentada no patamar de 1/4. Desse modo, estabeleço a em 05 (cinco) anos de reclusão. 3ª Fase: Causas de aumento e diminuição de pena Não há nos autos causas de aumento e diminuição de pena. De modo que fixo a pena privativa de liberdade no patamar definitivo de em 05 (cinco) anos de reclusão. Detração e Regime de Cumprimento Considerando o quantum de pena aplicado ao sentenciado e observando os critérios previstos no art. 59 do Código Penal, bem como considerando que o réu é reincidente, estabeleço como regime inicial de pena o FECHADO, consoante o disposto no artigo 33, § 2º, “a” e “b” e § 3º, do Código Penal Brasileiro, a qual deverá ser cumprida em estabelecimento adequado a ser indicado no Juízo das Execuções Penais. Substituição da pena No presente caso, trata-se de réu reincidente em crime doloso. Assim, deixo de realizar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, II do Código Penal. Da suspensão condicional da pena Não se mostra possível a suspensão condicional da pena, ante as vedações contidas no art. 77, I e II, do CP. Direito de apelar em liberdade Concedo ao sentenciado o direito de apelar em liberdade. Reparação de danos Não há informação nos autos acerca de valor dos danos materiais sofridos pela vítima, por essa razão deixo de condenar o acusado. O artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, autoriza a fixação de valor mínimo a título de reparação de danos causados pela infração. Apesar da divergência jurisprudencial e doutrinária acerca da natureza do dano que pode ser objeto de reparação mediante a fixação do valor indenizatório mínimo, entendo que o disposto no referido artigo deva ser interpretado de forma restritiva, entendendo-se que não é cabível a fixação, pelo juízo criminal, de indenização a título de reparação por dano moral sofrido por vítima de crime, pois a intenção do legislador seria facilitar a reparação da vítima quando o prejuízo suportado fosse evidente. Despesas Processuais Condenação do acusado às despesas processuais, cuja execução fica sobrestada face à sua hipossuficiência. Transitada em julgado, providencie a Secretaria Judicial o seguinte: (1) Oficie-se à Secretaria de Segurança, para fins estatísticos, e à Justiça Eleitoral, para os fins do art. 15, III, da Constituição Federal; (2) Preencha o Boletim individual ao órgão competente e expeça-se Guia de Execução com certidão de pena a cumprir. (3) Oficie-se à Secretaria de Estado da Segurança Pública - Instituto de Identificação (Rua 14 de Julho, 164, centro, São Luis-MA, CEP: 65.010-510, Tel; 98 3214-8677, FAX: 98 3214-8676) para anotação no arquivo criminal. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, na forma preconizada pelo artigo 392 do Código de Processo Penal, inclusive à vítima. No ato de intimação do acusado deve ser colhida a sua manifestação sobre o interesse em recorrer. Ciência ao Ministério Público e à Defesa do acusado. Imperatriz/MA, na data da assinatura no sistema. DAYNA LEÃO TAJRA REIS TEIXEIRA Juíza Titular do 2º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo da Comarca de Imperatriz/MA Respondendo pela 3ª Vara Criminal
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