Processo nº 0802170-56.2021.8.10.0054
ID: 311793762
Tribunal: TJMA
Órgão: 1ª Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0802170-56.2021.8.10.0054
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0802170-56.2021.8.10.0054 ORIGEM: JUÍZO DA 1ª VARA …
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO 1ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL GABINETE DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0802170-56.2021.8.10.0054 ORIGEM: JUÍZO DA 1ª VARA DA COMARCA DE PRESIDENTE DUTRA/MA 1º APELANTE: GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO 2º APELANTE: FRANCISCO GERSON RODRIGUES COSTA REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO INCIDÊNCIA PENAL: ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06, E ART. 244-B DO ESTATUTO DA CRIANÇA DO ADOLESCENTE RELATOR: DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO NERIS FERREIRA Ementa: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO DE MENORES. FLAGRANTE PREPARADO. TRÁFICO PRIVILEGIADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO E PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelações criminais interpostas por Gefferson Oliveira Rodrigues, condenado por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), e por Francisco Gerson Rodrigues Costa, condenado por corrupção de menor (art. 244-B do ECA), em razão de fatos ocorridos em 20.10.2021, quando foram presos em flagrante por posse e depósito de substâncias entorpecentes. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve flagrante preparado ou crime impossível na condenação de Gefferson Oliveira Rodrigues e se ele faz jus à aplicação do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas (tráfico privilegiado); e (ii) saber se a conduta de Francisco Gerson Rodrigues Costa subsume-se ao tipo penal do art. 244-B do ECA, diante da atipicidade da infração penal antecedente conforme tese fixada pelo STF no Tema 506. III. Razões de decidir 3. Inexistência de flagrante preparado ou forjado no caso de Gefferson Oliveira Rodrigues, tendo em vista a natureza permanente do crime de tráfico na modalidade “ter em depósito”, já consumado no momento da ação policial. 4. Presentes os requisitos legais, foi reconhecida a minorante do tráfico privilegiado para Gefferson, com redução da pena na fração máxima, conforme entendimento do STJ no Tema 1.139, em razão da ausência de elementos concretos que demonstrem dedicação habitual à atividade criminosa. 5. Em relação a Francisco Gerson Rodrigues Costa, reconheceu-se a atipicidade da conduta imputada, uma vez que o STF já decidiu, no Tema 506, que o porte de pequena quantidade de cannabis para uso pessoal não configura infração penal, o que afasta o tipo do art. 244-B do ECA, que exige prática ou indução à prática de infração penal. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso de Gefferson Oliveira Rodrigues conhecido e parcialmente provido, para redimensionar a pena para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 167 (cento e sessenta e sete) dias-multa, substituindo-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Recurso de Francisco Gerson Rodrigues Costa conhecido e provido, para absolvê-lo da imputação do art. 244-B do ECA, com base no art. 386, III, do CPP. Tese de julgamento: “1. A configuração do tráfico de drogas prescinde da comprovação do comércio ilícito, bastando a posse ou depósito de substância entorpecente para fins de tráfico. 2. O reconhecimento do tráfico privilegiado pressupõe o preenchimento cumulativo dos requisitos legais, sendo incabível o uso de registros criminais sem trânsito em julgado para afastá-lo. 3. A atipicidade da conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 afasta o crime acessório de corrupção de menores, nos termos da jurisprudência do STJ.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LVII; CP, arts. 43, 44; CPP, art. 386, III; Lei nº 11.343/2006, arts. 33, caput, e § 4º; ECA, art. 244-B. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2266035/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 5ª Turma, j. 28.02.2023; STJ, AgRg no REsp 1891998/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 14.06.2022; STJ, REsp 2124396, Rel. Min. Jesuíno Rissato, DJ 05.08.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Criminal nº 0802170-56.2021.8.10.0054, "UNANIMEMENTE, CONTRA O PARECER DA DOUTA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA, A PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO POR GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES APENAS PARA READEQUAR A PENA PARA 1 (UM) ANO E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO E PAGAMENTO DE 167 (CENTO E SESSENTA E SETE) DIAS-MULTA, NOS TERMOS DA TESE FIRMADA PELO STJ NO TEMA 1139, SUBSTITUINDO A REPRIMENDA POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS, E DEU PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO POR FRANCISCO GERSON RODRIGUES COSTA, PARA ABSOLVÊ-LO DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENOR, NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR RELATOR". Votaram neste julgamento os Senhores Desembargadores José Joaquim Figueiredo dos Anjos, Antonio Fernando Bayma de Araújo e Raimundo Nonato Neris Ferreira – Relator. Presidência do Excelentíssimo Desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Procuradora Domingas de Jesus Froz Gomes. Sessão Virtual da Primeira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, com início em 17/06/2025 e término em 24/06/2025. Desembargador Raimundo Nonato Neris Ferreira Relator RELATÓRIO Tratam-se de Apelações Criminais interpostas por GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES e FRANCISCO GERSON RODRIGUES COSTA contra a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de São Luís/MA, que condenou o primeiro pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, à pena definitiva de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime semiaberto, e 500 (quinhentos) dias-multa; e o segundo pela prática do delito previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, à pena definitiva de 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto. Em suas razões recursais (ID. 21853072), o apelante GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES requer o conhecimento e o provimento do recurso pedindo sua absolvição com base no art. 386, inciso III, CPP, posto que a prisão em flagrante fora preparado pela polícia militar; bem como pela fragilidade do conteúdo probatório. Subsidiariamente, a revisão da sanção aplicada, com a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, Lei 11.343/06 em seu patamar máximo (2/3), com a consequente superação da súmula 231, do STJ. O apelante GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES (ID. 38104605) requer o conhecimento e o provimento do recurso pedindo sua absolvição com base na atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, CPP, tendo em conta a descriminalização do art. 28, Lei 11.343/06 (conduta praticada na companhia do menor de idade), bem como em relação ao crime do art. 244-B, por erro de tipo e ausência de dolo. Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Estadual (ID. 21853075 e 21853075), nas quais pugna pelo conhecimento e não provimento de ambos os recursos. Instada a se manifestar, a D. Procuradoria opinou pelo conhecimento e improvimento dos apelos (ID. 44207137). É o relatório. VOTO RESUMO DA AÇÃO O Ministério Público ofereceu denúncia em face dos apelantes Gefferson Oliveira Rodrigues e Francisco Gerson Rodrigues Costa, o primeiro pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 (tráfico de droga), na modalidade ter em depósito, e o segundo pela prática do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menor), em razão de fato ocorrido no dia 20 de outubro do ano de 2021. Consta da inicial acusatória que: “[...] em 26/10/2021, por volta das 21h:57Min, em Presidente Dutra/MA, especificamente no bairro São José, o denunciado Gefferson Oliveira Rodrigues foi preso em flagrante delito por ter em depósito grande quantidade de droga ilícita (06 pacotes), conhecida popularmente como maconha, conforme confissão e descrito no laudo preliminar de substância entorpecente. No mesmo dia acima especificado, o denunciado Francisco Gerson Rodrigues foi preso em flagrante delito por corrupção de menor, pois foi flagrado com 100 (cem) grama de maconha e, na companhia do menor de idade de nome Alexandre Bento Sousa Ferreiro, o qual declarou na delegacia que estava na companhia de Francisco a pedido dele e para fumarem maconha. Nesse sentido, os policiais que conduziram os denunciados a Delegacia declararam em seus depoimentos que estavam fazendo ronda policial, quando então avistaram uma motocicleta em atitude suspeita e resolveram abordar os condutores, os quais eram Francisco Gerson Rodrigues e o menor Alexandre, tendo sido encontrado com eles uma porção de droga, cerca de 100 (cem) grama. Ademais, em ato contínuo a abordagem da motocicleta, Francisco Gerson e o menor de idade ao serem flagrados com referida droga para consumo pessoal, declaram que a compraram do denunciado Gefferson, o vulgo índio, morador do bairro São José, momento então que os policiais foram até a residência do “índio” e lá, após a franquia de entrada, encontraram em depósito 06 (seis) pacotes de droga, tipo maconha, conforme termo de apreensão e laudo pericial preliminar.” Após regular processamento, a ação penal foi julgada procedente, restando o primeiro denunciado condenado pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas), à pena definitiva 5(cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa e o segundo denunciado condenado pela prática do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menor), à pena de 1(um) ano de reclusão. Delimitada a ação e a condenação, passo à análise das teses dos recursos interpostos. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos e passo à análise do mérito. I – Do recurso interposto por GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES De início, a defesa sustenta que a prisão em flagrante do sr. Gefferson teria ocorrido após prévia negociação entre os abordados e os policiais. Diz que os agentes se dirigiram até a casa onde supostamente existia a venda de drogas, para que estes fingissem interesse na compra do entorpecente. No caso em análise, não há que se falar em flagrante preparado ou forjado. No primeiro, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede a sua consumação. Já no segundo, a conduta do agente é criada pela polícia. Nenhuma das hipóteses ocorreu no caso dos autos, em que o delito foi efetivamente consumado. Não houve instigação à prática do delito ou “implantação de provas”. Nesse sentido: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE PREPARADO. NÃO OCORRÊNCIA. CONDUTA ILÍCITA PREEXISTENTE À ATUAÇÃO POLICIAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não se pode falar em flagrante preparado quando a atividade policial não provoca nem induz o cometimento do crime, sobretudo em relação ao tipo do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, que é de ação múltipla, consumando-se, no presente caso, já pela conduta preexistente de ter em depósito substância entorpecente. Precedentes. 2. No caso dos autos, embora os policiais tenham simulado a compra das drogas e a transação não haver se consumado em razão da prisão em flagrante do acusado, o certo é que, antes mesmo do referido fato, o crime de tráfico já havia se consumado em razão de o réu ter em depósito a droga apreendida. Com efeito, em momento algum, os agentes induziram ou instigaram o envolvido a guardar ou ter em depósito o referido entorpecente, tratando-se de infração penal de natureza permanente, cuja consumação se iniciou antes mesmo da atuação policial. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 2266035 GO 2022/0391342-8, Data de Julgamento: 28/02/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/03/2023). De acordo com os depoimentos em Juízo de F. Ribeiro, Cristiano Silva e Silk dos Santos, testemunhas policiais militares que realizaram a prisão em flagrante dos denunciados, a abordagem foi realizada em um primeiro momento no apelante Francisco Gerson e um menor e foi o segundo apelante quem informou que a droga havia sido comprada do primeiro apelante, razão que levou os policiais irem até à sua residência, local em que foram encontradas as drogas. A testemunha Cristiano Silva, em juízo, aduziu que, na residência do primeiro apelante, uma parte da droga foi encontrada enterrada no chão da sala dentro de uma mochila e a outra parte na cozinha. Disse, ainda, que o primeiro apelante não trabalhava e assumiu que a droga lhe pertencia. Assim, pelas provas constantes dos autos não se verifica a ocorrência de hipótese preparada de flagrante. Afastada a alegação de flagrante preparado, também não há que se falar em crime impossível, já que a materialidade delitiva, quanto ao crime em comento, está satisfatoriamente comprovada por meio do laudo prévio de constatação de substância entorpecente (Id. 21852787 - Pág. 14); auto de prisão em flagrante (Id. 21852787 - Pág. 1 a 3); auto de apresentação e apreensão (Id. 21852787 - Pág. 10); Laudo Pericial Criminal n. 1181/2021 - LAF/QFO (material vegetal), o qual atesta categoricamente que a substância apreendida - 802g (oitocentos e dois gramas) de material vegetal - contém a presença de THC (Delta-9-Tetrahidrocanabiol, principal componente psicoativo da Cannabis sativa L. (maconha), o qual se encontra relacionado na LISTA F2 - substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil, da Portaria n° 344, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Id. 21852893), além da prova oral colhida. No que tange à autoria delitiva, ao contrário do pleito recursal – fundado na alegada insuficiência de provas para a condenação –, há elementos nos autos a relacionar o apelante ao ilícito penal tipificado no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, tais como os depoimentos testemunhais produzidos na fase inquisitorial, sendo corroborados na instrução, que apontaram o acusado como autor do delito, inclusive tendo havido a confissão do acusado. O recorrente nega a autoria, afirmando que não há provas de que a apelante estava vendendo drogas no local. Ocorre que é fato inquestionável que a apelante tinha em seu poder material contendo THC (Delta-9-tetrahidrocanabinol, principal componente psicoativo da Cannabis sativa Lineu (MACONHA), com massa líquida de 802g. Ademais, tanto o segundo apelante FRANCISCO GERSON RODRIGUES COSTA quanto a testemunha ALEXANDRE FERREIRA, menor à época do fato, foram contundentes em apontar o primeiro apelante como autor do crime descrito no artigo 33, Lei de Drogas, já que haviam adquirido dele a droga apreendida, demonstrando a prática do núcleo do tipo previsto no art. 33, caput, do CP. Ainda que não demonstrado o comércio ilícito, sabe-se que o crime de tráfico não se configura apenas com essa prática, mas também com o cometimento de qualquer uma das ações previstas no caput do art. 33 da Lei de Tóxicos, sendo que, dentre elas, estão o de ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar e portar substância entorpecente, de modo que a simples posse ou armazenamento do produto é o bastante para se consumar o crime. Observa-se que embora tenha o apelante, em juízo, negado o exercício da traficância, sua negativa judicial se encontra isolada de todo o acervo probatório inserido nos autos. Assim, não resta dúvidas de que o apelante cometeu o delito de tráfico de drogas, tanto na modalidade vender como ter em depósito e guardar (art. 33, caput, da lei de Drogas), de forma que o decreto condenatório deve ser mantido nesse ponto, sendo inviável o acolhimento do pleito absolutório formulado pela defesa. O apelante pede, ainda, o reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei 11.343/06), com a diminuição da pena em seu patamar máximo. Como se sabe, a lei prevê expressamente os requisitos para o reconhecimento do tráfico privilegiado, que são: ser o beneficiário primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades ilícitas nem integrar organização criminosa. Tais requisitos constam do mencionado parágrafo 4º do art. 33 da Lei de Drogas, in verbis: Art. 33 - Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: [...] § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. No que tange às ações penais em curso e a primariedade, o e. STJ, no julgamento de recursos especiais repetitivos, firmou a tese de que é vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, § 4º, da L. 11.343/06 (tema 1.139, publicado em 18.8.22). Portanto, não havendo ainda provas de que o apelado se dedique às atividades criminosas ou integre organização criminosa, incide a causa de diminuição da pena do §4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda para o Superior Tribunal de Justiça, “o fato de o réu responder a ação penal por tráfico - em que não proferida sentença condenatória - não significa que é habitual na prática de crimes” (Acórdão 1659521, 07351318820218070001, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 2/2/2023, publicado no PJe: 10/2/2023). Quando do julgamento do mencionado tema 1.139, entendeu o Superior Tribunal de Justiça da seguinte maneira: 6. Para análise do requisito da primariedade, é necessário examinar a existência de prévia condenação penal com trânsito em julgado anterior ao fato, conforme a dicção do art. 63 do Código Penal. Já a análise do requisito dos bons antecedentes, embora também exija condenação penal com trânsito em julgado, abrange a situação dos indivíduos tecnicamente primários. Quanto à dedicação a atividades criminosas ou o pertencimento a organização criminosa, a existência de inquéritos e ações penais em curso indica apenas que há investigação ou acusação pendente de análise definitiva e cujo resultado é incerto, não sendo possível presumir que essa suspeita ou acusação ainda em discussão irá se confirmar, motivo pelo qual não pode obstar a aplicação da minorante. No presente caso, embora haja registro criminais em nome do acusado, em nenhum consta trânsito em julgado. Ademais, os elementos dos autos não revelam de maneira contundente a habitualidade criminosa, tal como exige o STJ no item 8 do julgamento do tema 1.139: 8. A interpretação ora conferida ao art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/06 não confunde os conceitos de antecedentes, reincidência e dedicação a atividades criminosas. Ao contrário das duas primeiras, que exigem a existência de condenação penal definitiva, a última pode ser comprovada pelo Estado-acusador por qualquer elemento de prova idôneo, tais como escutas telefônicas, relatórios de monitoramento de atividades criminosas, documentos que comprovem contatos delitivos duradouros ou qualquer outra prova demonstrativa da dedicação habitual ao crime. O que não se pode é inferir a dedicação ao crime a partir de simples registros de inquéritos e ações penais cujo deslinde é incerto. Verifico que os elementos dos autos não evidenciam a dedicação do réu à atividade criminosa, pois a quantidade de droga, por si só, não indica dedicação habitual a atividades criminosas (STJ - AgRg no HC: 807845 SP 2023/0077979-0, Relator.: REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 11/04/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/04/2023), na hipótese, mais elementos seriam necessários para essa configuração, o que não ocorreu. O art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006 constitui verdadeiro direito subjetivo do acusado que preenche, cumulativamente, os requisitos legais, o que ocorreu na espécie. Portanto, na espécie, a aplicação do tráfico privilegiado em benefício do Gefferson Oliveira Rodrigues recorrente é medida que se impõe. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. FATOS POSTERIORES. TRÂNSITO EM JULGADO. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 444 DO STJ E NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMAS DO STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. Os requisitos específicos para reconhecimento do tráfico privilegiado estão expressamente previstos no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, a saber, que o beneficiário seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e não integre organização criminosa. 3. Inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação definitiva, não constituem fundamentos idôneos para afastar ou modular a fração de diminuição de pena do tráfico privilegiado, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência ( RE n. 591.054/SC, submetido ao regime de repercussão geral). O mesmo entendimento se aplica às condenações transitadas em julgado relacionadas a fatos posteriores. 4. Configura constrangimento ilegal a presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas pela simples existência de inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação criminal definitiva; da mesma maneira, configura constrangimento ilegal a modulação da fração de redução de pena do tráfico privilegiado com base em considerações exclusivamente acerca desses fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1891998 SP 2020/0218570-0, Data de Julgamento: 14/06/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2022) - (Grifo nosso). Preenchendo os requisitos legais, o apelante faz jus ao reconhecimento da redução pelo tráfico privilegiado na fração máxima, pelo que sua pena deve ser redimensionada. Da nova dosimetria: Utilizo, no que couber, a fundamentação do juízo, com os ajustes que se fizerem pertinentes. Mantenho a pena-base no mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa. Sem atenuantes ou agravantes. Presente a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, e preenchidos os requisitos legais, reduzo a pena em 2/3 (dois terços), fixando-a em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e pagamento de 167 (cento e sessenta e sete) dias-multa, a qual torno definitiva, tendo em vista a inexistência de outras causas capazes de modificá-las. A pena de reclusão deverá ser cumprida na Casa do Albergado deste Estado, em regime aberto, consoante inteligência do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal, devendo a pena de multa ser paga no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença (art. 50 do CP). Presentes os requisitos objetivos e subjetivos, com amparo na letra do art. 43, inciso IV e VI, c/c o art. 44, §2º, ambos do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e limitação de fim de semana, pelo mesmo tempo da pena fixada, que deverá ser cumprida em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução, com observância do disposto no art. 46, §§ 3º e 4º, do CP. II – Do recurso interposto por FRANCISCO GERSON RODRIGUES COSTA O apelante pede sua absolvição pelo crime de corrupção de menor em virtude da atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, CPP, já que a figura prevista no artigo 28 da Lei de Drogas não é infração penal, mas meramente um ilícito administrativo. O Plenário do Supremo Tribunal Federal definiu a tese de repercussão geral do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal (RE 635.659 – Tema 506). Por maioria, o colegiado definiu que será presumido usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas. Dentre as teses fixadas, destaco a seguinte: 1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III). O delito previsto no art. 244-B do ECA é crime de natureza formal, de perigo presumido, cuja consumação independe do resultado naturalístico, de modo que o simples ato de praticar infração penal com criança ou adolescente ou induzindo a praticar, já consuma o delito. Na situação dos autos, sendo reconhecida a atipicidade da conduta do art. 28 da Lei de Drogas em relação ao apelante Francisco Gerson Rodrigues Costa, impossível a incidência do art. 244-B do ECA, já que inexistindo a prática de infração penal, elide-se a elementar do tipo da corrupção de menor, qual seja a prática (ou indução à prática) de infração penal. Essa é a orientação do STJ: “Diante do caráter acessório do crime de corrupção de menores, havendo absolvição do delito principal, não subsiste a pretensão condenatória”. (STJ - REsp: 2124396, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Publicação: Data da Publicação DJ 05/08/2024). Desse modo, patente a atipicidade da conduta prevista no art. 244-B do ECA, razão pela qual a absolvição do apelante é medida que se impõe, nos termos do artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal. Diante da absolvição do apelante Francisco Gerson Rodrigues Costa, restam prejudicadas as demais alegações da apelação. Ante o exposto, em desacordo com o parecer da Procuradoria de Justiça, voto pelo conhecimento e parcial provimento do recurso interposto por GEFFERSON OLIVEIRA RODRIGUES apenas para readequar a pena para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e pagamento de 167 (cento e sessenta e sete) dias-multa, nos termos da tese firmada pelo STJ no TEMA 1139, substituindo a reprimenda por duas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação supra; e pelo conhecimento e provimento ao recurso interposto por FRANCISCO GERSON RODRIGUES COSTA, para absolvê-lo do crime de corrupção de menor, nos termos da fundamentação. É como voto. Sessão Virtual da Primeira Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, com início em 17/06/2025 e término em 24/06/2025. Desembargador Raimundo Nonato Neris Ferreira Relator
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